Comunhão
Comunhão
Comunhão
Tal como o campons, que canta a semear A terra, Ou como tu, pastor, que cantas a bordar A serra De brancura, Assim eu canto, sem me ouvir cantar, Livre e minha altura. Semear trigo e apascentar ovelhas oficiar vida Numa missa campal. Mas como sobra desse ritual Uma leve e gratuita melodia, Junto o meu canto de homem natural Ao grande coro dessa poesia.
de Miguel Torga
Vida Literria da Associao Portuguesa de Escritores (1992) e o Prmio da Crtica, consagrando a sua obra (1993). Morre em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995 pelas 11 horas.
Anlise externa:
Aps uma anlise do poema acima apresentado, de Miguel Torga podemos concluir que um poema constitudo por apenas uma estrofe de catorze versos. Este poema apresenta rimas cruzadas, emparelhas e interpoladas, possuindo ainda uma sonoridade leve e calma.
Anlise interna:
Miguel Torga apresenta nos seus poemas um grande apego terra e ao campo, ou seja, vida campestre. Este apego profundo, da sua origem transmontana, alde. Assim, deparamo-nos com um poema que nos fala da semente, da seiva, da colheita, enfim, que remetem para os smbolos bblicos. A Bblia o livro sagrado de um povo de agricultores e pastores e, por isso, no de admirar o uso da linguagem simblica das sementeiras e das sementes para falar de realidades espirituais e transmitir mensagens de f. A semente, embora pequena, tem a capacidade de produzir uma enorme quantidade de outros gros e de estar na origem de uma grande rvore. A semente j contm em si o que no futuro se vai manifestar. Ela o smbolo de todas as capacidades e possibilidades, da abundncia de vida. O sujeito potico inicia a sua composio lrica com duas comparaes: Tal como o campons e Ou como tu pastor. O sujeito potico compara o canto destes dois seres ao seu prprio canto, isto , o canto atravs da palavra que a poesia. E qual a sua forma de cantar? O sujeito potico canta livre e sem me ouvir, pelo facto de ser um canto que provm de dentro, den tro de si, razo pelo qual ningum no o ouve e nem mesmo a ele prprio. O sujeito potico remete a seguir para o ofcio de pastor, tendo esta palavra um sentido duplo: o pastor de ovelhas e o das missas, ou seja, o sujeito compara por assim dizer que o bom pastor era Jesus e o povo eram as suas ovelhas.
Atravs da conjuno coordenativa adversativa Mas, o sujeito marca uma oposio. Assim, a nica coisa que vai sobrar desse ritual o que vai restar na recordao daquela melodia leve e gratuita da sua poesia. Toda a poesia exprime um conjunto de mitos agrrios de uma forma pessoal que a sua viso. Feita a anlise interna, retornemos ao ttulo deste poema. O ttulo deste poema comunho, porque o eu lrico est em comunho com a natureza e com todo o ambiente pastoril e campestre.