Marxismo Uma Teoria Indispensável para A Luta Feminista Mirla Cisne

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 10

MARXISMO: uma teoria indispensvel luta feminista

Mirla Cisne Repor o humanismo marxista no centro da anlise condio necessria para fazer emergir o indivduo social, como sujeito criativo vivo Marilda Iamamoto

Refletir acerca da relao entre marxismo e feminismo, exige, na contemporaneidade, analisar criticamente a categoria gnero, mediante as abordagens tericas ps-modernas que vem a fundamentando, uma vez que esta vem tendenciando a uma identidade global e totalizadora em torno desta categoria, ao subordinar e obscurecer outras categorias como classe e etnia/raa. Nesse sentido, objetiva-se com este artigo refletir acerca da importncia da teoria marxista para o debate em torno das relaes de gnero, numa perspectiva crtica, para uma real contribuio luta feminista socialista. 1. Anlise terico-crtica da categoria-gnero A crtica realizada sobre as teorias da ps-modernidade, dentre elas as abordagens desconstrutivistas1 e ps-estruturalistas se do por enfatizarem

exageradamente as diferenas, no propondo uma alternativa ao movimento feminista ao distanciam-se da prtica poltica. Nesse sentido, Piscitelli, dissertando sobre os incmodos dessas abordagens para algumas feministas, afirma:
Alm de dissolver o sujeito poltico mulheres, as perspectivas desconstrutivistas tambm so acusadas de restabelecerem distncias entre a reflexo terica e o movimento poltico. [...] Na atualidade, dizem, as perspectivas tericas lhes resultam pouco teis, inacessveis, esotricas, de difcil compreenso, excessivamente destacadas da prtica e conduzindo a uma paralisia.2

Assistente Social, mestre em Servio Social pela Universidade Federal de Pernambuco, coordenadora do Ncleo de Estudos sobre a Mulher da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e professora do curso de Servio Social desta instituio. Correio eletrnico para contato: [email protected]. 1 [...] as autoras que atuam nos debates contemporneos de gnero consideram que trabalham numa abordagem desconstrutivista, uma vez que olham criticamente para os supostos sustentados pelas diversas disciplinas, examinando e desmontando seus modos de discurso (Adriana Piscitelli. Re-criando a (categoria) mulher? In: Algranti (org.). A Prtica Feminista e o Conceito de Gnero. Textos Didticos. So Paulo, IFCH/Unicamp, 2002, p. 25). 2 Adriana Piscitelli. Re-criando a (categoria) mulher? In: Algranti (org.). A Prtica Feminista e o Conceito de Gnero. Textos Didticos. So Paulo, IFCH/Unicamp, 2002, p.32-33.

O fato de terem possibilitado a abertura de linhas de pesquisa e reflexo sobre gnero, no tendo como centro as mulheres, resulta na atualidade em um maior nmero de estudos sobre masculinidades e paternidades do que os sobre a mulher. No se fazem por desmerecer aqui esses estudos, reconhece-se a importncia deles para o despertar de novos valores (libertrios). O problema a expanso destas discusses em detrimento do debate especfico da condio da mulher nesta sociedade. Destaca-se ainda essa preocupao, uma vez que muitas feministas esto voltando seus estudos e sua militncia para essas novas abordagens, quando a realidade das condies de vida das mulheres trabalhadoras ainda permanece enormemente precarizada. E, apesar dessa precariedade, muitas no percebem sua condio de mulher, subordinada e explorada nesta sociedade, o que contraria a enorme necessidade de organizao dessas mulheres para lutarem por uma nova ordem societria. Ressalta-se novamente que a masculinidade importante de ser

discutida/trabalhada. Mas papel do movimento feminista? papel das mulheres organizar os homens, enquanto muitas mulheres no tm conscincia de sua condio social e ainda minguam nesse modelo de sociedade com as duplas e triplas jornadas de trabalho, com os mais variados tipos de violncia, com os salrios mais baixos, etc.? Assim, questiona-se: como uma categoria surge em busca de explicar a subordinao da mulher na sociedade, objetivando a superao desta condio, e acaba, muitas vezes, tirando a centralidade da mulher em suas abordagens? O problema desencadeado pelas novas abordagens dos estudos de gnero , pois, um distanciamento entre as discusses tericas e a luta das mulheres, o que j demonstra como essas teorias so vazias de sentido ao limitar-se em um academicismo. Os estudos de gnero referenciados pela ps-modernidade acabaram por imputar uma dicotomia, como demonstra Moraes:
Os estudos sobre a mulher dominaram nos anos em que a militncia feminista estava nas ruas, ao passo que os estudos de gnero denotam a entrada acadmica de uma certa perspectiva de anlise. No se trata mais de denunciar a opresso da mulher, mas de entender, teoricamente, a dimenso sexista de nosso conhecimento e os riscos das generalizaes3.

Maria Lygia Quartim Moraes. Marxismo e feminismo: afinidades e diferenas. In: Crtica Marxista. So Paulo, Boitempo, n 11, 2000, p.95-96.
3

No debate crtico, surge o consenso de que as perspectivas desconstrutivistas que tm monopolizado o discurso terico feminista, apagando as vozes de outras correntes , sublinham exageradamente as diferenas, reagindo ainda aos primeiros momentos do feminismo. As participantes na discusso teriam interesse numa teoria que informasse as prticas feministas, que colaborasse para gerar e sustentar os movimentos de mulheres. Ao desenvolver, por exemplo, perspectivas que oferecessem meios para reconhecer essas diferenas e, ao mesmo tempo, formar uma nova base para a solidariedade entre as mulheres. certo que o gnero no possui apenas sexo, mas possuiu classe. raa, etnia, orientao sexual, idade, etc. Essas diferenas e especificidades devem ser percebidas. No entanto, dentro desta sociedade, no podem ser vistas isoladas de suas macrodeterminaes, pois, por mais que o gnero una as mulheres, a homossexualidade una gays e lsbicas, a gerao una as(os) idosas(os) ou jovens, etc., a classe ir dividi-las(os) dentro da ordem do capital. A classe pois, quem determina como essas mais variadas expresses de opresses iro ser vivenciadas por esses sujeitos. Assim, que uma mulher da classe dominante explora uma mulher da classe trabalhadora, uma idosa pode explorar outra idosa, uma negra pode explorar outra negra. Os movimentos sociais devem, portanto, ter como cerne a luta de classes. Isso no contraditrio com as lutas ditas especficas. Primeiro, porque dentro da ordem metablica do capital as expresses culturais no se do nem se encontram dissociadas de seu metabolismo, mas dentro de sua ideologia e de sua reproduo com fins voltados a assegurar os interesses da burguesia (claro, via explorao da classe trabalhadora); segundo, porque lutar pela extino das desigualdades, opresses e explorao, enfim, lutar por emancipao plena, liberdade, exige a defesa de valores libertrios que no cedem espao para a existncia de preconceitos, discriminaes, subordinaes antes, garantem aos sujeitos sociais o direito da livre expresso de suas subjetividades. O que se defende no a neutralizao ou anulao das diferenas, mas a percepo de que o movimento feminista deve convergir para os aspectos poltico e social.

Do contrrio, s se fragmentam e pulverizam as mulheres, o que no contribui para a luta por elas empreendida. O grande equvoco est em acentuar a nfase nas diferenas, apenas como construes culturais, no se analisando, numa perspectiva de totalidade, que essas expresses culturais tm marcas de classe, ao denotarem claros interesses da burguesia em perpetuar subordinaes e exploraes que a favorea, seja em mo-de-obra barata e precarizada, seja na responsabilizao das mulheres pela reproduo social. Destarte, a categoria gnero deve ser percebida para alm de uma construo cultural, uma vez que a cultura no natural. No s o gnero deve ser historiado, mas tambm a cultura e a sociedade. No de forma isolada, mas inter-relacionadas, analisando as autodeterminaes. Afinal, a cultura determinada nas e pelas relaes sociais, no de forma linear, homognea ou fragmentada em exacerbaes de diferenas, mas dentro das contradies que determinam a produo e a reproduo desta sociedade. Em outras palavras, necessrio analisar gnero no bojo da contradio entre capital e trabalho e das foras sociais conflitantes das classes fundamentais que determinam essa contradio. Sendo a contradio o foco das desigualdades sociais, e o conflito a luta entre as classes sociais, faz-se imprescindvel relacionar a luta das mulheres como um movimento legtimo contra as desigualdades, na e com a luta da classe trabalhadora. Nesse sentido, o ponto a unir as mulheres deve ser a identidade de classe, uma vez que da contradio de classe que emergem as desigualdades, opresses e exploraes que marcam a vida das mulheres trabalhadoras. Portanto, no se pode analisar gnero isoladamente das determinaes econmico-sociais. Alm disso, essas anlises acabam retrocedendo nos estudos de gnero ao no abordar aspectos materialistas da histria, enfocando os smbolos, as representaes, caindo no irracionalismo ao limitar-se no subjetivismo, sem a mnima mediao com as determinaes objetivas da sociedade, tornando o conceito de gnero totalizador, independente das relaes de dominao e explorao da sociedade capitalista. Desta maneira, percebe-se que essas abordagem se distanciam ou no do a devida importncia para as determinaes macrosociais que se encontram diretamante relacionadas com a subordinao das mulheres. Nesta perspectiva, imprescindvel perceber que, discutir cultura despertando novos valores, embora libertrios, por mais que

seja importante, insuficiente para a conquista da liberdade e da igualdade substantiva. Nesta linha analtica, David Harvey, analisando a influncia de Foucault sobre os movimentos sociais surgidos na dcada de 1960, faz a seguinte afirmao:
clara a crena de Foucault no fato de ser somente atravs de tal ataque multifacetado e pluralista s prticas localizadas de represso que qualquer desafio global ao capitalismo poderia ser feito sem produzir todas as mltiplas represses desse sistema numa nova forma. Suas idias atraem os vrios movimentos sociais surgidos nos anos 60 [..] Mas deixam aberta, em especial diante da rejeio deliberada de qualquer teoria holstica do capitalismo, a questo do caminho pelo qual essas lutas localizadas poderiam compor um ataque progressivo, e no regressivo, s formas centrais de explorao e represso capitalista. As lutas localizadas do tipo que Foucault parece encorajar em geral no tiveram o efeito de desafiar o capitalismo, embora ele possa responder com razo que somente batalhas movidas de maneira a contestar todas as formas de discurso de poder poderiam ter esse resultado.4

Contrrio ao subjetivismo e ao focalismo, Marx concebe a essncia humana, indissocivel da noo de indivduo social, expressa nas Teses sobre Feuerbach. Nelas, consta que a essncia humana no algo abstrato, interior a cada indivduo isolado. , em sua realidade, o conjunto das relaes sociais5 (apud IAMAMOTO, 2001, p. 38). Dessa forma, questiona-se: como avanar em estudos condizentes com uma prtica poltica consistente se no h mediao com as condies e determinaes concretas da realidade? Assim, impossvel a construo de novas relaes humanas. Afinal, no se buscam as mltiplas determinaes que envolvem o fenmeno, perseguem-se apenas os smbolos e as representaes. O pensamento marxista pautado exatamente no contrrio da negao da materialidade, pois por intermdio desta que se desenvolve a vida social, poltica e intelectual, ou em outras palavras, a realidade social concreta que determina a conscincia. As crticas da teoria ps-moderna ao marxismo so, alm de inconsistentes, incoerentes. Como afirmar que o marxismo totalizador, no permitindo apreender questes da subjetividade, limitando-se a objetividade? Focaliza-se uma falsa dicotomia que no de responsabilidade da teoria marxista, mas da falta de conhecimento desta por parte da ps-modernidade. Nesse sentido, esclarece Ivete Simionato acerca da perspectiva ps-moderna:
[...] no debate marxista a compreenso da objetividade histrica no se reduz ao campo da produo, na medida em que este tambm abarca a reproduo das
4 5

David Harvey. Condio Ps-moderna. 11 Ed. So Paulo, Loyola, 2002, p.51, grifou-se. Karl Marx apud Marilda Iamamoto. Trabalho e indivduo social. So Paulo: Cortez, 2001.

relaes sociais entre os homens, as quais, se abordadas de um ponto de vista histrico-ontolgico, no deixam de incluir os processos singulares dos sujeitos sociais, mas nunca desvinculados da historicidade que os fundamenta.6

A preocupao aqui sobre essas novas abordagens centra-se na grande expanso da apropriao e difuso dos estudos de gnero. Este fato limita a efetivao de um projeto societrio emancipador, uma vez que estas vertentes, alm dos retrocessos tericos de cunho conservador, de distanciamento e fragmentao da realidade, vm pulverizando e tambm fragmentando a classe trabalhadora. Isto se d mediante a nfase exacerbada na diversidade, no subjetivismo, na negao da existncia das classes sociais etc., favorecendo, conseqentemente, ao capital. Como afirma Clara Arajo:
Um projeto emancipatrio da humanidade necessita pensar prioridades na ao poltica, sem perder de vista como as diversas clivagens que perpassam as relaes sociais podem ser simultaneamente trabalhadas, em suas dimenses prprias e inter-relacionadas.7

A teoria social crtica, ao contrrio das vises equivocadas e pobres de conhecimento da realidade, apreende e formula as mediaes8, que se situam no movimento dialtico entre a universalidade leis tendenciais e grandes determinaes de um dado complexo social e a singularidade campo da aparncia, da imediaticidade/facticidade expressa na vida cotidiana, espao em que, cada fato parece explicar-se a si mesmo, obedecendo a uma causalidade catica9. A particularidade, compreendida como campo de mediaes, sntese de determinaes, permite ao sujeito negar (superar) a aparncia, processando o nvel do concreto pensado, penetrando em um campo de mediaes (no qual se entrecruzam vrios sistemas de mediaes), sistemas estes que so responsveis pelas articulaes, passagens e converses histrico-ontolgicas entre os complexos componentes do real10.
Ivete Simionato. As expresses ideoculturais da crise capitalista da atualidade. In: CFESS-ABEPSS. Capacitao em Servio Social e Poltica Social: Mdulo 1: Crise Contempornea, Questo Social e Servio Social Braslia, CEAD, 1999, p.85-86. 7 Clara Arajo. Marxismo, feminismo e o enfoque de gnero. In: Crtica Marxista. So Paulo, Boitempo, n11, 2000, p.70. 8 A categoria de mediao tanto possui a dimenso ontolgica quanto reflexiva. ontolgica porque est presente em qualquer realidade independente do conhecimento do sujeito; reflexiva porque a razo, para ultrapassar o plano da imediaticidade (aparncia) em busca da essncia, necessita construir intelectualmente mediaes para reconstruir o prprio movimento do objeto (Reinaldo Pontes. Mediao e instrumentalidade no trabalho do assistente social. In: CFESS-ABEPSS. Capacitao em Servio Social e Poltica Social. Mdulo 4: O Trabalho do assistente social e as polticas sociais. Braslia: CEAD-UNB, 2000, p.41, grifos do autor). 9 Reinaldo Pontes. Mediao e instrumentalidade no trabalho do assistente social. In: CFESS-ABEPSS. Capacitao em Servio Social e Poltica Social. Mdulo 4: O Trabalho do assistente social e as polticas sociais. Braslia: CEAD-UNB, 2000, p.41, grifos do autor. 10 Idem, ibidem, p. 47.
6

A particularidade compreendida, pois, como uma categoria ontolgicoreflexiva que permite que as leis sociais tendenciais se mostrem aos sujeitos envolvidos na ao [...] e ganhem um sentido analtico-operacional nas suas vidas singulares. onde a legalidade universal se singulariza e a imediaticidade do singular se universaliza11. Essa forma de anlise do real permite ao marxismo, diferentemente da psmodernidade, no resultar em uma teoria confusa e estril, sem desdobramentos polticos claros. A teoria marxista est voltada fundamentalmente para a transformao e superao da sociedade burguesa. Possui, portanto, objetivos explcitos de interveno poltica, com fins num processo revolucionrio, mediante o compromisso e os interesses da classe trabalhadora. 2. Feminismo e Marxismo O marxismo possibilita uma anlise crtica acerca das relaes sociais, dentre elas as de gnero, mediante uma perspectiva de totalidade que no permite fragmentar a realidade, buscando apreend-la alm da aparncia, das representaes, sem esquecer, portanto, a incansvel e constante busca de aproximao da essncia dos fenmenos sociais e de suas determinaes. Assim que essa teoria prope um mtodo de conhecimento da realidade de forma a desvel-la em todas as suas determinaes: sociais, econmicas, polticas e culturais12. Deste modo, a teoria social marxista permite ao movimento feminista e aos estudos de gnero instrumentalizarem-se para desnaturalizar as diversas opresses a que esto submetidas as mulheres. Essa teoria, ao expor em bases materiais concretas a subordinao da mulher, permite engendrar aes da transformao desta situao, transformaes em torno da busca pela igualdade substantiva, j que, alm de expor em bases materiais, vai essncia dos fenmenos, apreendendo as grandes determinaes e suas particularidades nas singularidades das condies de vida das mulheres. Enfim, a teoria marxista vai ao cerne, ao foco das desigualdades sociais, analisando dentro de uma dimenso materialista e de uma perspectiva de totalidade a
11 12

Idem, ibidem, p. 46-47. Simionato, op.cit., p. 81.

subordinao da mulher, portanto, a desnaturalizando, como sugere a categoria gnero. Na concepo marxista, a subordinao da mulher iniciada com a propriedade privada. Com efeito, afirma Moraes ao comentar a obra de Engels:
No tocante questo da mulher, a perspectiva marxista assume uma dimenso de crtica radical ao pensamento conservador. Em A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado a condio social da mulher ganha um relevo especial, pois a instaurao da propriedade privada e a subordinao das mulheres aos homens so dois fatos simultneos, marco inicial das lutas de classes. Nesse sentido, o marxismo abriu as portas para o tema da opresso especfica [...].13

A propriedade, de acordo com a teoria marxiana, teria na famlia o seu germe, onde a mulher e as crianas so escravas do homem. A escravido, ainda latente e muito rudimentar na famlia, a primeira propriedade14. Partindo do princpio de que a emancipao da mulher est associada construo de uma nova sociedade, ruptura com o capitalismo, a teoria marxista se faz indispensvel para a luta das mulheres, uma vez que tem como objeto a sociedade burguesa e como objetivo a sua superao. Afinal, essa teoria que possibilita desvelar as contradies desta sociedade, instrumentalizando a classe trabalhadora para lutar por sua emancipao, pois nos ajuda a entender a natureza ntima do capitalismo, a lgica de seu desenvolvimento [...]15. Os estudos de gnero, se voltados para um real compromisso com a emancipao das mulheres, no devem se limitar a categoria meramente analtica e descritiva, mas possuir um carter poltico, que redunde em aes concretas transformadoras. Para tanto, o gnero no sobrevive sem o sustentculo de teorias sociais, e nesta perspectiva, a marxista. Defende-se assim, como sustentculo para os estudos de gnero a teoria social marxista, pois, como visto, esta vertente, com seu mtodo materialista histrico e dialtico, que permite desvendar o real, a sociedade burguesa e seus mecanismos coercitivos. E, por ser uma teoria voltada para a transformao da sociedade, a nica que viabiliza a construo de um projeto societrio coletivo que possibilite a emancipao efetiva dos sujeitos. A defesa do feminismo marxista premente num momento em que as
13 14

Moraes, op.cit., p. 89, grifos da autora. Marx e Engels apud Moraes, op.cit., p. 90. 15 Moraes, op.cit., p. 97.

transformaes contemporneas exigem organizao poltica para fazer frente barbrie capitalista, e tem, infelizmente, crescido o chamado feminismo culturalista, que ressignifica o materialismo no chamado materialismo culturalista, rejeitando-se uma anlise sistmica, anticapitalista e a relao entre a histria da cultura e a construo de significados em um sistema social de classes16. O feminismo culturalista vai na contramo das exigncias que as condies histricas pem para o enfrentamento das desigualdades sociais ao marginalizar anlises sobre trabalho e gnero em favor de prtica culturais, dos significados do corpo, de prazeres17. A grandeza dos desafios que se tm para enfrentar nesta sociedade encontra-se sem precedentes histricos, h uma multiplicidade de conflitos, que exige um embasamento terico consistente que possibilite perceber as relaes sociais em sua concreticidade, indo alm do imediato, do aparente, das manifestaes subjetivistas e dos interesses individuais. Considerar essa diversidade dos sujeitos faz-se necessria, porm sem se perder na nfase das diferenas em detrimento da luta poltica engendrada pela criao dos sujeitos coletivos combativos, em torno de uma luta classista, que deve ser o ponto comum entre todas as lutas sociais que buscam o fim das desigualdades sociais, logo a efetivao da igualdade substantiva. A teoria marxista no ignora as diferenas, como equivocadamente se difunde essa idia, sendo compatvel com uma agenda poltica explicitamente centrada nos valores18. Dessa forma, de acordo com Gustavo Codas:
A teoria marxista tem nos estudos das diferenas um de seus elementos fundamentais [...] Para Marx, as diferenas de classe eram fundamentais para explicar os fatos nas esferas da poltica e da economia, mas ele no ignorava que outras diferenas tambm tinham um papel relevante na organizao econmica das sociedades. 19

Na mesma proporo que necessrio ao feminismo pautar-se no marxismo,

Hennesy et al apud Mary G. Castro e Lena Lavinas. Do Feminino ao Gnero: a construo de um objeto In: Albertina de Oliveira Costa e Cristina Bruschini. Uma Questo de Gnero. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1992, p. 102. 17 Idem, ibidem, p. 102. 18 Julie Matthaei. Por que os/as economistas feministas/marxistas/anti-racistas devem ser economistas feministasmarxistas-anti-racistas. In: Nalu Faria e Miriam Nobre (orgs.). Economia Feminista. So Paulo, SOF, 2002, p.51. 19 Gustavo Codas. Economia neoclssica e economia marxista: dois campos tericos e as possibilidades das anlises econmicas e de gnero. Nalu Faria e Miriam Nobre (orgs.). Economia Feminista. So Paulo, SOF, 2002, p.21, grifos do autor.
16

tambm importante que o marxismo incorpore o feminismo. Uma vez que no so inconciliveis e/ou contraditrios, ao contrrio, compartilham da necessidade de combater as desigualdades e transformar a realidade mediante a ao coletiva. Nesta perspectiva, Gustavo Codas tambm destaca a contribuio decisiva que o feminismo socialista pode e deve dar ao movimento da classe trabalhadora, caso aja fundamentado numa viso classista. Conclui-se, destarte, ressaltando a importncia de um feminismo classista para a luta por uma verdadeira igualdade social, o que requer a construo de um conhecimento verdadeiramente objetivo e libertador, que por sua vez imputa uma teoria que possa analisar a interdeterminao de classe e as diferenas raciais/tnicas e de gnero, bem como canalizar esse conhecimento para a luta coletiva pela transformao da sociedade20. Assim, Julie Matthaei21 aponta que estas categorias no so contas distintas de um rosrio da identidade de algum, mas sim processos interdeterminantes. Deste modo, no se pode pensar em gnero, raa/etnia e classe de forma isolada, como o faz a psmodernidade.

20 21

Matthaei, op.cit., p.44. Idem, ibidem.

Você também pode gostar