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Do Tipo Penal Jose - Cirilo

do tipo penal josé cirilo de vargas livro penal

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DO TIPO PENAL

www.lumenjuris.com.br
EDITORES
João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida

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Tel. (61)3225-8569 Tel.: (27) 3235-8628 / 3225-1659
JOSÉ CIRILO DE VARGAS

DO TIPO PENAL
2a edição

EDITORA LUMEN JURIS


Rio de Janeiro
2007
Copyright © 2007 by José Cirilo de Vargas

PRODUÇÃO EDITORIAL
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.


não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer


meio ou processo, inclusive quanto às características
gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais
constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 10.695,
de 1o/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e
indenizações diversas (Lei no 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Para Cirilo Augusto e Mirinha.
AGRADECIMENTOS

Ao Sr. Prof. Jair Leonardo Lopes, o primeiro e


talvez único verdadeiro dogmata penal de Minas.
Seja na quietude da judicatura ou no alarido da
demanda, seja em texto para o Aluno, vez por
outra deixa escapar, em linguagem sóbria e con-
tida, o fruto maduro de sua reflexão serena, com-
promissada apenas com a unidade sistemática do
Direito posto. Entre muitos exemplos, devo a ele
o sentido da perseverança.

Com reconhecimento, agradeço a acadêmica


Aimara Dias Leite, amiga da Faculdade de Direi-
to, pela atualização legislativa do texto.
Sumário

Capítulo 1 – O Objeto da Tutela Penal ............................. 1


1.1. Bem Jurídico, Interesse e Valor .................................. 1
Capítulo 2 – O Tipo Penal................................................... 19
2.1. Tipo e Tipicidade: conceito e evolução...................... 19
2.2. Elementos Especiais do Tipo...................................... 32
2.2.1. Elementos Subjetivos ........................................ 32
2.2.2. Elementos Normativos ...................................... 45
2.3. A Função do Tipo ......................................................... 47
Capítulo 3 – Análise do Tipo.............................................. 67
3.1. A Ação ........................................................................... 68
3.1.1. A Omissão........................................................... 73
3.1.2. O Verbo................................................................ 80
3.2. O Resultado: crimes sem resultado ........................... 84
3.3. O Nexo causal............................................................... 95
3.4. O Sujeito ativo .............................................................. 101
3.5. O Sujeito Passivo .......................................................... 112
3.6. O Objeto Material......................................................... 117
3.7. Instrumento ou Meio de Execução............................. 130
3.8. Modos de Execução ..................................................... 133
3.9. O Lugar.......................................................................... 136
3.10. O Tempo....................................................................... 138
Capítulo 4 – Classificação dos Tipos ................................ 145
4.1. Quanto à sua Estrutura ............................................... 145
4.2. Quanto à Ação .............................................................. 146
4.3. Quanto ao Bem Jurídico Tutelado .............................. 148
4.4. Quanto à Unidade ou Pluralidade de Bens Tutelados . 150

ix
4.5. Quanto à Forma de Ação............................................. 151
4.6. Quanto a seu Conteúdo............................................... 151
Capítulo 5 – Ausência de Tipicidade ................................ 153
5.1. No Crime Putativo ........................................................ 153
5.2. Nos Casos de Crime Impossível................................. 153
5.3. Na Falta de Certos Elementos Constitutivos do Tipo. 154
5.3.1. Ação..................................................................... 154
5.3.2. Objeto Material................................................... 155
5.3.3. Elementos Normativos ...................................... 155
5.3.4. Elementos Subjetivos ........................................ 156
5.3.5. Sujeito Ativo........................................................ 157
5.3.6. Sujeito Passivo.................................................... 157
5.3.7. Circunstância de Tempo ou de Lugar.............. 158
5.3.8. Modos de Execução ........................................... 158
5.3.9. Meio ou Instrumento ......................................... 159
5.4. Princípio da Adequação Social ................................... 159
5.5. Princípio da Insignificância......................................... 160
5.6. Risco Permitido............................................................. 161
5.7. Algumas Situações de Erro......................................... 163
Conclusão............................................................................. 165
Referências Bibliográficas................................................. 167

x
Capítulo 1
O Objeto da Tutela Penal

Em determinado momento histórico, a consciência


coletiva de um povo emite juízos de valor, posteriormente
reconhecidos pelo Estado; essa valoração cria os chamados
bens jurídicos. E tais são a vida, o patrimônio, a boa fama,
a liberdade individual, etc.
Do bem jurídico é que parte a norma penal que,
segundo Bruno, “é a norma do Direito em que se manifes-
ta a vontade do Estado na definição dos fatos puníveis e
cominação das sanções.” (Direito Penal, I. Rio, Forense,
1967, p. 181)
Na norma penal propriamente dita, ou norma incrimi-
nadora, cuja sede é a Parte Especial, está o tipo, que con-
tém a matéria de proibição, ou de comando; ou seja, aque-
le descreve uma conduta humana que ofende ou põe em
perigo um bem jurídico.
Dessa forma, o bem jurídico representa o ponto de par-
tida na elaboração e na interpretação dos tipos penais. Os
conceitos de bem jurídico e tipo penal acham-se de tal
maneira entrelaçados, que não se pode prescindir da idéia
do primeiro, ao se examinar o segundo.
Ensina Grispigni que “il bene giuridico è la ragion
d‘esere della fattispecie legale, lo spirito che la fa vivere.”
(Diritto penale italiano, tomo secondo. Milano, Giuffrè,
1950, p. 140.)

1.1. Bem Jurídico, Interesse e Valor

Bem é tudo aquilo que possui utilidade ou é vantajoso


para a pessoa ou para coletividade: a casa onde moramos,

1
José Cirilo de Vargas

os nossos livros, o nome do cidadão, a condição de filho ou


de pai, o direito à integridade física e moral, etc.
Nem todos os bens, contudo, são bens jurídicos: nesta
categoria inscrevemos apenas o que está amparado pela
ordem jurídica.
São bens jurídicos, antes de tudo, os bens de natureza
patrimonial. Nesse sentido, tudo o que se pode integrar ao
nosso patrimônio é um bem e, como tal, recebe a tutela do
Direito. Mas não são somente os bens patrimoniais que se
erigiram em bem jurídico. A ordem jurídica envolve, ainda,
outros bens inestimáveis do ponto de vista econômico, ou
insusceptíveis de se traduzirem por um valor pecuniário.
Assim, não recebendo, embora, valoração financeira, são
objeto da tutela jurídica e, mais precisamente, da tutela
penal: a vida, a honra, a liberdade individual, etc.
O século XVIII propiciou considerável desenvolvimen-
to das idéias penais, em que se assentaram os precedentes
da construção científica e moderna de nossa Disciplina.
Parece datar dessa época as preliminares da delimitação
do conceito de bem jurídico, que haveria de ser o centro do
sistema penal em razão da ilicitude, a primeira das carac-
terísticas da conduta punível. Nesse tempo, pela influência
liberal de pensadores como Rousseau e Montesquieu, só se
reconhecia fundamentada a pena quando houvesse uma
prévia lesão jurídica.
Como já referido, o momento histórico é fundamental
na escolha dos bens que se tornarão objeto da proteção
penal. Ao lado desse momento histórico, a ideologia:
nosso Código, ao erigir em bem jurídico a honestidade
sexual, os bons costumes e o pudor, refletiu o caráter fas-
cista de sua época. A ideologia imperante em 1940 levou
a que se considerasse fundamento de certos delitos
questões puramente morais, o que atualmente não se
ajusta aos parâmetros legislativos de países como a

2
Do Tipo Penal

Alemanha e a Espanha, tidos em alta conta em matéria


penal, no início do terceiro milênio.
Mais que o histórico e o ideológico é o princípio da
“ultima ratio”. Só se deve recorrer ao Direito penal quando
falharem os outros setores do ordenamento jurídico. A
intervenção penal é violenta por natureza. A violência esta-
tal, que essa intervenção representa, só deve ser manejada
em última instância. A gravidade da ação penal inviabiliza
sua aplicação sistemática. Somente a violação de bens de
considerável importância justifica um processo criminal.
Do contrário, o Estado se converterá numa entidade poli-
cialesca.
A questão do valor é tão complexa que Hessen chega
a dizer:

“O conceito de ‘valor’ não pode rigorosamente


definir-se. Pertence ao número daqueles conceitos
supremos, como os de ‘ser’, ‘existência’, etc., que não
admitem definição. Tudo o que pode fazer-se a respei-
to deles é simplesmente tentar uma classificação ou
mostração do seu conteúdo.” (Filosofia dos valores.
Trad. de Cabral de Moncada. Coimbra, Arménio
Amado, 1967, p. 37. No mesmo sentido, Machado
Paupério: “Em geral, não encontramos uma definição
de valor, mesmo nas obras dos maiores autores na
matéria. O valor é mostrado, não é definido. Muitos
até, como o notável filósofo J. de Finance, professor da
Universidade de Paris, insistem em que o conceito não
seria definível” – Introdução axiológica ao Direito. Rio,
Forense, 1977, p. 13 – Gustav Radbruch observa que
“entre os dados da experiência, no meio da matéria
informe das nossas vivências, ‘realidade’ a ‘valor’ apa-
recem-nos caoticamente baralhados e confundidos.
Temos vivências de homens e coisas carregados ou
saturados duma idéia de valor ou de desvalor (valores

3
José Cirilo de Vargas

positivos e negativos) que lhes associamos, e todavia


não nos lembramos de que esse valor ou desvalor
dependem de nós, provêm de nós, e não das próprias
coisas ou dos próprios homens em si mesmos”—
Filosofia do Direito, 1. Trad de Cabral de Moncada.
Coimbra, Arménio Amado, 1961, p. 44).

Afirma Welzel que “es misión del derecho penal ampa-


rar los valores elementales de la vida de la comunidad”
(Derecho penal, parte general. Trad de Fontán Balestra.
Buenos Aires, Depalma, 1956, p. 1).
O valor tutelado por uma norma é um valor jurídico, na
medida em que entra em contato com o mundo do Direito.
Mas isso não quer dizer que fora dessa relação ele não
tenha também um significado: antes de ser um valor jurídi-
co é um valor social.
O mundo em que o Direito se move não é o mundo da
natureza bruta, governado apenas pela lei da causalidade;
ao contrário, o Direito está relacionado diretamente com o
“desconcertante espetáculo da vida” (imagem de Nelson
Hungria), com o mundo social, todo ele impregnado de exi-
gências morais, religiosas e econômicas, às quais a ordem
jurídica pode, em dado momento, estender sua tutela.
Quando o Legislador descreve uma conduta delituosa,
como “matar alguém”, já emitiu um juízo de valor, isto é, no
caso, já valorou positivamente a vida humana, antes da ela-
boração do tipo. Ao mesmo tempo valorou negativamente
a conduta violadora do preceito “não matar”, quando esta-
belece a correspondente pena a que fica sujeito o agente.
A afirmação é válida para a ocasião em que este trabalho
foi escrito, na segunda metade do século XX. Se voltarmos
um pouco no tempo, veremos que a principal contribuição
prestada à teoria do tipo deu-se numa época (fins do sécu-
lo XIX e princípios do seguinte) em que o delito era visto
apenas como ação, antijuridicidade e culpabilidade.

4
Do Tipo Penal

O conceito de tipo e tipicidade surgiu por último na


teoria da conduta punível. Até então, e mesmo depois da
construção de Beling, a valoração, negativa ou positiva, era
feita exclusivamente no setor da antijuridicidade. Nessa
primeira fase evolutiva, posteriormente chamada “clássi-
ca”, eram completamente separados os aspectos objetivo e
subjetivo do delito. O “objetivo” compreendia a tipicidade
e a antijuridicidade; o “subjetivo” dizia respeito à culpabi-
lidade. O tipo era valorativamente neutro, isto é, não conti-
nha nenhum juízo de valor.
Daí Beling dizer que “todos los delito-tipos son, en
consecuencia, de carácter puramente descriptivo; en ellos
no se expresa aún la valoración jurídica calificante de lo ‘-
antijurídico’ (tipo de ilicitud)” (La doctrina del delito-tipo.
Trad. arg. de S. Soler. Buenos Aires, Depalma, 1944, III, p.
16. Esse trabalho, anterior à obra mais conhecida, de 1906,
é fundamental no estudo de nosso tema).
Só na fase seguinte da teoria do delito, conhecida por
neo-clássica ou neo-kantiana (em razão de autores como
Stammler e Lask, adeptos da filosofia kantiana), é que se
introduziram modificações, entre as quais, e de maior
relevo, a consideração de elementos subjetivos e normati-
vos no tipo, identificados, sobretudo, por M.E. Mayer,
Mezger e Hegler.
Fizemos tais digressões, aparentemente sem sentido,
para dizer que o Direito penal, como sistema de tutela de
bens jurídicos é, essencialmente, valorativo. Qual critério
teria presidido à elaboração dos tipos penais senão o da
valoração? Não se compreenderia a existência de um catá-
logo de condutas na Parte Especial que não fossem proibi-
das ou impostas, sob ameaça de pena. É impensável desta-
car no Código condutas penalmente irrelevantes.
Se a vida, o patrimônio e a honra não tivessem sido
objeto de valoração a priori pelo Legislador, não existiriam

5
José Cirilo de Vargas

no Código Penal os tipos que descrevem o homicídio, o


furto e a injúria. Essa é a técnica de proteção penal.
Ensina Miguel Reale:

“O direito tutela determinados valores, que repu-


ta positivos, e impede determinados atos, considera-
dos negativos de valores: até certo ponto, poder-se-ia
dizer que o direito existe porque há possibilidade de
serem violados os valores que a sociedade reconhece
como essenciais à convivência” (Filosofia do Direito, I.
SP, Saraiva, 1978, p. 189).

É óbvio que o Direito não tutela senão aquilo que já


foi objeto de valoração; em outras palavras, a valoração
precede a tutela. E, com Maurach, dizemos que o injusto
é anterior ao injusto tipificado (Tratado de derecho penal,
I. Trad. de Juan Córdoba Roda. Barcelona, Ariel, 1962, p.
249. Falamos “injusto” por fidelidade à tradução de
Córdoba Roda, que usava os termos injusto, ilicitude e
antijuridicidade indistintamente, como, ainda hoje, distin-
guidos Autores o fazem. No mesmo Tratado, Maurach
acrescenta: “Antes de que la norma prohíba uma conduta,
debe haberla reconocido como um desvalor” – p. 155. Daí,
resulta: quem desvalora, já valorou, porque o sentimento
de dignidade ou de utilidade é anterior à sensação de
indignidade ou de inutilidade. Só quem conhece o valor
pode avaliar o desvalor).
Diz Groppali que “qualquer norma pressupõe sempre
um critério de valoração, na medida em que qualifica e
impõe uma ação ou omissão. O momento valorativo prece-
derá logicamente o momento imperativo” (Introdução ao
estudo do Direito. Trad. de Manuel de Alarcão. Coimbra,
Coimbra Editora, 1978, p. 39).
Doutrinariamente, existe controvérsia sobre se o bem
jurídico é um valor ou se é um interesse tutelado.

6
Do Tipo Penal

Escrevendo sobre o direito subjetivo, Groppali ensina:

“Entendemos por interesse o desejo, a exigência


de um bem que se considera útil, isto é, apto para
satisfazer uma necessidade. O interesse implica uma
relação entre uma necessidade psicológica ou espiri-
tual do homem e o meio ou bem que se julga apto para
satisfazê-la. Por isso, o interesse depende sempre de
uma apreciação subjetiva, de uma valoração de nexo,
entre a necessidade e o bem que se julga apto a satis-
fação, e traduz-se, em última análise, num juízo de
valor, como observou Binding.” (Ob. cit., p. 124 e 132.
Dizemos nós que o termo pode ser empregado como
sinônimo de conveniência, de proveito, de ganho, de
vantagem, de benefício, de relevância, etc. Por isso,
não afronta à linguagem jurídica a indagação: é conve-
niente, ou benéfico, ou relevante, ou proveitoso colo-
car tal ou qual valor sob a proteção penal?

A obra de von Jhering, que, por sua vez, influenciou a


v. Liszt, levou a uma doutrina que fundamenta o conceito
de Direito na noção do interesse. É evidente que todo
Estado tem interesse na observância das normas penais
por ele estabelecidas. E tanto é assim que sustenta, ao
mesmo tempo, a pretensão de manter inalterados os bens
aos quais deferiu sua tutela. Como adiante se verá, pela
palavra de Fragoso, não se pode confundir interesse com o
objeto sobre o qual recai. São múltiplas as dimensões con-
ceituais de interesse.
No exame do conceito de bem jurídico, como objeto da
proteção penal, consideramos como tal todo objeto e toda
relação que possam contribuir para o bem-estar físico e
espiritual do ser humano. Assim, nos precavemos contra
possível mal-entendido lingüístico. Para nós, tudo o que
denominamos bem só merece esse nome enquanto e na

7
José Cirilo de Vargas

medida em que haja o dado de sua relevância para o bem-


estar da pessoa. Se, como exemplo, tendo em mãos o pre-
cioso livro “Antijuridicidade concreta” e, ao mesmo tempo,
estando faminto há vários dias, permuto o livro por um sim-
ples sanduíche, faço-o pelo interesse em saciar a fome.
Passada esta, a monografia do prof. Miguel Reale Júnior
volta a ter sua costumeira relevância.
Esse conceito de bem jurídico exige a possibilidade de
aplicação às finalidades de certa e determinada pessoa,
conferindo ao mesmo um conteúdo diferenciador. Todo inte-
resse denota a existência de uma relação entre um bem e
um sujeito, através da qual um objeto ou um estado chegam
a constituir um bem para certo indivíduo (empregamos a
palavra “indivíduo” sem qualquer conotação pejorativa).
Nada obstante as considerações supra, não descreve-
mos o conceito de interesse, posto que não se concretizou
nem mesmo a integral e indiscutível essência do conceito
de bem. E, com o reconhecimento de tal noção fragmentá-
ria de interesse, havemos de admitir que bem pouco se
conseguiu avançar em benefício da sistemática jurídica.
Com base em tais postulados, haveremos de ter em
conta que, assim como o conceito de bem é destituído de
conteúdo quando privado de sua conexão ao sentimento
humano, o mesmo acontece com a idéia de interesse. Em
síntese, não existem mais interesses do que as exigências
do ser humano.
Sobre a base de exigências derivadas de sua própria
natureza, o bem e o interesse se condicionam de maneira
recíproca. Não há nenhum bem que não seja objeto idôneo
de um interesse humano. Interesses e bens se apresentam,
em certo sentido, quase como conceitos simultâneos,
desde quando são unidos à existência de uma pessoa.
Historicamente precedem ao Direito e ao Estado. E, por ser
anteriores ao Legislador, este não os cria nem os altera em
sua essência.

8
Do Tipo Penal

O objeto de proteção de qualquer tipo se acha integra-


do por um interesse estimado positivamente pela lei: o
interesse a que permaneça proibida a ação que poderia
resultar lesiva ou perigosa para determinado bem.
A esse respeito, não se perca de vista que todo interes-
se se refere a duas coisas distintas: a um determinado bem
e a um eventual acontecimento subjetivo referido ao mesmo.
O que dissemos até aqui sobre interesse—bem jurídico
pode ser alvo de críticas e contestações, mas é o inevitável.
De outro lado, considerar o bem jurídico-penal como o inte-
resse protegido tem sido reputado inexato, porque nem todo
objeto de garantia legal tipificada constitui um interesse.
Deixando de lado certos escrúpulos, e evitando uma
configuração formalista pura, não haveria inconveniente
afirmar que o bem jurídico é o interesse legalmente prote-
gido mediante a descrição de um tipo de delito, porque
assim se confere ao interesse um significado abrangente
de todos os bens e valores objetos de garantia penal.
O Direito, no aspecto subjetivo, é a consagração da
vontade individual, enquanto se encaminha para um objeto
determinado. Esse objeto determinado é um bem, como tal;
mas, se referido ao sujeito que o deseja, é um interesse (Del
Vecchio. Lições de Filosofia do Direito, II. Coimbra, Arménio
Amado, 1972, p. 187 et seq.).
Von Jhering identificava bem jurídico com interesse e
direito subjetivo, o que evidentemente é impróprio, porque
o direito subjetivo deve ser entendido como a faculdade
que se atribui ao homem de buscar e obter do Estado a
tutela de um interesse (a informação de que v. Jhering
identificava bem jurídico com interesse e direito subjetivo
vem de Bruno - Direito penal, cit., v. I, p. 18).
Para von Liszt, “a idéia do bem jurídico é mais ampla do
que a do direito subjetivo. Mas, em todo caso, não se compa-
dece com o uso da língua falar em direito a vida, a liberdade,
à honra, etc., como, por exemplo, o faz R. Lönig” (Tratado de

9
José Cirilo de Vargas

direito penal alemão. Trad. bras. de José Hygino Duarte


Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1889, v. 1, p. 94, nota 1). A
nota do tradutor José Hygino, lançada nessa edição, reforça
a afirmativa de von Liszt: o conceito de bem jurídico é bem
mais abrangente que o de direito subjetivo, porque, muitas
vezes, a ordem jurídica protege interesses sem, em contra-
partida, conferir direitos a determinadas pessoas.
Segundo Jiménez de Asúa, é muito antiga a teoria,
segundo a qual o delito é a violação dos direitos subjetivos,
remontando-se a Feuerbach. Gregori confirma que o mais
conhecido defensor desta tese é Feuerbach, em sua obra
“Lehrbuch des Gemeinem in Deustschland gültigen peinli-
chen Rechts”, Giessen., I ed., par. 9 (Saggio sull’ aggetto
giuridico del reato. Padova: Cedam, 1978, p. 10, n. 4. O
Tratado de Feuerbach foi vertido ao espanhol por Zaffaroni
e Irma Hagemeier, e publicado em Buenos Aires por
Hammurabi, em 1989).
Nuvolone acha que o “objeto jurídico da infração penal
é o interesse juridicamente relevante, que qualifica a rela-
ção com a entidade (coisa ou pessoa) que constitui o obje-
to material da infração penal” (O sistema do direito penal.
Trad. de Ada Pellegrini Grinover e notas de René Ariel
Dotti. São Paulo: Revista do Tribunais, 1981, vol 1, p. 251).
No mesmo sentido, Manzini: “Objeto jurídico (objetividad
jurídica) del delito es aquel particular bien-interés que el
hecho incriminado lesiona o expone a peligro, y en protec-
ción del cual interviene Ia tutela penal” (Tratado de derecho
penal. Trad. de Santiago Sentis Melendo e notas de Direito
argentino de Ricardo Nuñez e Ernesto Gavier. Buenos
Aires: Ediar. 1948, p. 16).
Von Jhering, como visto, influenciou largamente a Von
Listz, que escreveu:

“Todo derecho existe para el hombre. Tiene por


objeto la defensa de los intereses de la vida humana

10
Do Tipo Penal

(Lebensisteressen). El Derecho es, por su naturaleza,


la protección de los intereses; la idea de fin da fuerza
generadora al Derecho.” (Tratado de Derecho penal, I.
Trad de Jiménez de Asúa. Madrid, Editorial Reus, s/d,
p. 6. Quem afirma a influência de Jhering sobre Liszt é
Asúa, in Tratado, III, cit., p. 8).

Fragoso observa que “bem não é o interesse protegido.


Objeto da tutela é o bem, não o interesse, mas nada impede
que a este se refira o intérprete, pois se trata tão-somente de
um aspecto subjetivo ou de um juízo de valor sobre o bem
como tal. Inaceitável é o conceito objetivo de interesse, pois
este denota sempre uma atitude mental. Não é possível afir-
mar que existe um interesse, sem um juízo ou uma opinião
sobre a capacidade ou idoneidade do bem para satisfazer
uma necessidade” (Lições, PG, 1980, p. 271). Segundo o Min.
Toledo, “bem, em um sentido muito amplo, é tudo o que se
nos apresenta como digno, útil, necessário, valioso... bens
jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona,
com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua
proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou
a lesões efetivas” (Princípios, 1982, p. 15-16).
V. Liszt dizia que é a vida, e não o Direito, que cria o
interesse. Este, afirmava, surge das “relações dos indiví-
duos entre si, e dos indivíduos para com o Estado e a socie-
dade, ou vice-versa. Onde há vida, há força que tende a
manifestar-se, afeiçoar-se e desenvolver-se livremente”
(Tratado, I, trad. brasileira, p. 95).
Ninguém pode negar que toda atividade humana é
dominada pelo princípio do interesse. Assim, o homem só
se movimenta, de maneira espontânea, para aplacar uma
necessidade, surgida de acontecimentos da vida.
Bettiol sustenta uma posição inteiramente oposta à
de v. Liszt, com referência à afirmação deste último de

11
José Cirilo de Vargas

que o Direito tem por objeto a defesa de interesses da


vida humana.
O antigo professor de Pádua, tomando como exemplo
o crime de vilipêndio da religião, constata o “artifício”,
segundo ele, que existe na consideração de que o objeto da
tutela seja o interesse do Estado ao respeito pela religião
dominante.
Diz, textualmente:

“Houve uma grave deformação da realidade quan-


do, no lugar do ‘valor’ se pretendeu colocar o ‘interes-
se’ como objeto da tutela, abrindo assim o caminho a
uma concepção que aproxima o direito penal, defensor
dos mais altos valores éticos da coletividade, do direi-
to comercial, em que estão, verdadeiramente, em jogo
interesses particulares e materialistas” (Direito penal,
I, trad port. de Fernando de Miranda. Coimbra,
Coimbra Editora, 1970, p. 141. Também é do professor
italiano a afirmação de que “os bens ou valores que o
Direito penal tutela, ainda que sejam bens ou valores
que possam ter reflexos utilitarísticos, são, na sua
essência, valores éticos, na medida em que, fora da
ética, não é compreensível um direito que, como o
nosso, pretenda ser garantia e tutela dos postulados
morais fundamentais sobre os quais assenta a socieda-
de... É precisamente por essa razão que nós falamos, a
propósito do bem jurídico, de valores e não de interes-
ses, porque o valor é um termo mais apropriado para
exprimir a natureza ética do conteúdo das normas
penais, ao passo que o interesse é um termo que expri-
me uma relação. Não é ponto de chegada, mas trâmite
para o ponto de chegada (op cit., p. 326-327).

Por bem jurídico Antolisei entende aquele quid que a


norma, sob ameaça da pena, visa a tutelar contra possíveis

12
Do Tipo Penal

agressões. Afiança, contudo, que a teoria do bem jurídico,


possuindo embora um inegável fundamento de verdade,
tem sua importância “não pouco exagerada” na doutrina
(op. cit., p. 136-139. Nesse passo, dissentimos do professor
italiano. Em nossa Disciplina é impossível prescindir da
idéia de bem jurídico, como bem destaca Jescheck: “El
Derecho penal tiene encomendada la misión de proteger
bienes jurídicos. En toda norma jurídica penal subyacen
juicios de valor positivos sobre bienes vitales imprescindi-
bles para la convivencia humana en Sociedad que son, por
tanto, merecedores de protección a través del poder coac-
tivo del Estado representado por la pena pública” – Tratado
de Derecho penal, parte general I. Trad. e adições de
Direito espanhol por Mir Puig e Muñoz Conde. Barcelona,
Bosch, 1981, p. 9-10—Bettiol também anota: “Se já vimos
que o método para estudar o crime e a pena deve ser um
método de lógica concreta, não poderemos nunca esquecer
a inclusão da noção de bem jurídico na de crime, que é
mais ampla: só assim o crime é enquadrado na realidade
social, só assim se dá ao crime um conteúdo e um signifi-
cado, só assim podem confluir no crime as concepções
ético-sociais dominantes” (ob. cit., p. 321).
Os bens jurídicos são hierarquizados. Se ao homicídio
é cominada pena mais grave que a prevista para o furto, é
porque, para o Legislador, a vida encontra-se em plano
mais alto do que o patrimônio.
O reconhecimento da hierarquia dos bens depende
não somente da estrutura da sociedade, como também das
variadas tendências de cada época, como lembram
Fragoso: “É evidente que os interesses que o direito tutela
correspondem sempre às exigências da cultura de determi-
nada época e de determinado povo” (PG, 4a ed, p. 2) e
Bettiol: “O bem jurídico anda intimamente ligado às con-
cepções ético-políticas dominantes e adquire, portanto, um

13
José Cirilo de Vargas

significado diferente e um conteúdo diverso, à medida que


mudam o tempo e o ambiente” (ob cit., p. 324).
Assim, a decadência valorativa de um bem, reconheci-
do até determinada época como merecedor de proteção,
constitui a razão mais importante para a derrogação das
normas penais pelo direito consuetudinário. O cometimen-
to de adultério transformou-se em fato tão comum e corri-
queiro no Brasil de hoje que de longa data já se achava der-
rogado, pelo costume, o art. 240 do Código Penal.
A qualidade de bem jurídico de um conjunto de inte-
resses tem uma “vigência valorativa” tanto maior quanto
se encontre mais próxima dos chamados direitos naturais,
do indivíduo e da sociedade.
Por isso é que o valor da vida, da liberdade, da honra,
da propriedade e da integridade corporal tem sido reco-
nhecido por quase todos os ordenamentos jurídicos do
mundo civilizado, de maneira mais ou menos duradoura
(temos de notar, contudo, que na Alemanha do nacional-
socialismo o valor da liberdade foi decaindo aos poucos,
até ser substituído em definitivo pela “nova ordem” políti-
ca, tomada depois por modelo na Espanha e em Portugal,
até épocas recentes).
Ainda que existam alguns, como von Jhering e
Binding, defensores da idéia de que unicamente a coletivi-
dade pode ser titular de um bem jurídico, achamos perfei-
tamente possível distinguir entre bens do particular e bens
da sociedade, incluindo-se entre os primeiros a vida, a inte-
gridade corporal, a honra, a liberdade pessoal, etc., e entre
os segundos a família, a paz pública, a fé pública, etc.
Ao lado de ambos, Fragoso avaliava que “a tutela jurí-
dica que o direito penal exerce refere-se sempre a interes-
ses da coletividade, mesmo quando se trata de bens, cuja
ofensa primariamente atinge o indivíduo (vida, patrimônio,
honra, etc)” (PG, p. 2. Também assim Hungria: “O indivíduo
só tem direitos como membro da comunhão social. Além

14
Do Tipo Penal

disso, cumpre acentuar que o Direito penal não protege


interesses jurídicos do indivíduo (ainda quando constituem
direitos subjetivos) porque sejam tais, mas somente per
accidens, isto é, somente quando e enquanto coincide a
sua proteção com a do interesse social” (Comentários, V,
1979, p. 9). E, ainda, Manzini: “El objeto jurídico del delito
es siempre y necesariamente un interesés público, porque,
también cuando la tutela penal se dirige a intereses indivi-
duales, éstos son protegidos como intereses colectivos
asumidos por el Estado, sin que a los indivíduos lês sea
atribuído poder algun jurídico-penal de querer y de obrar
para la satisfacción de sus intereses particulares” – ob. cit.,
p. 18 – além de Bettiol: “A pena é uma providência que,
dada a sua natureza ético-retributiva, não pode ser posta
em contato com um interesse meramente privado e indivi-
dual, mas, sim, com interesses públicos, quer dizer, com
aqueles valores de que, num dado momento, o Estado
assumiu a tutela. É o Estado, portanto, que é tomado em
consideração, quando se trata de interesses penalmente
tutelados: o Estado, mesmo quando a norma penal tutela
interesses individuais ou sociais que não pareçam ter no
Estado o seu imediato e direto titular” ob. cit., p. 330).
Não é desse ângulo que vemos as coisas, repetimos.
É precisamente de maneira inversa. O ser humano, indivi-
dualmente considerado, precede ao corpo social a que
pertence. Só por injunções ligadas à sobrevivência e pos-
sibilidades de expansão é que historicamente aderiu a
certo grupo. Adesão imposta apenas por necessidade.
Sua individualidade sempre foi dotada de interesses,
bens, direitos e aspirações. A mera transposição a uma
entidade politicamente organizada de modo algum impli-
ca a abdicação daquilo que já se achava incorporado a
seu acervo pessoal. O que era de seu, não muda e muito
menos se perde: conserva-se.

15
José Cirilo de Vargas

Daí, nossa adesão ao ponto de vista de Aníbal Bruno:


“O homem é que é o objeto final da proteção jurídica, e os
próprios bens protegidos no sentido da coletividade o são
porque satisfazem exigências da natureza do homem, que
só na vida em grupo atinge a sua plenitude e alcança os
seus fins” (I, p. 25).
Da exemplificação de bens jurídicos (vida, integridade
física, patrimônio, etc.), feita atrás, pode advir confusão
entre bem jurídico (ou objeto da proteção) e objeto mate-
rial; este é a pessoa, ou a coisa, sobre a qual recai a ação
do sujeito ativo.
Não se pode confundir objetividade jurídica com obje-
tividade material, por muitas razões: para a interpretação
do tipo, para a verificação da ocorrência de justificativas
penais, para o exercício da ação penal, etc., o Direito não
atende ao objeto da ação (objeto material), mas ao bem
jurídico, ou objeto da proteção.
Hans Welzel teve justo prestígio e exerceu larga
influência sobre o pensamento jurídico penal moderno.
Assim se manifesta quanto ao valor e ao bem jurídico:

“Para la mayoría de los delitos, ciertamente, es


esencial la lesión o amenaza de un bien jurídico, pero
solamente como elemento que forma parte de la
acción antijurídica personal, nunca en el sentido de
que la lesión del bien jurídico (el disvalor del resulta-
do) tiene en el derecho penal importancia solamente
dentro de una acción antijurídica-personal (dentro del
disvalor de acción). El disvalor personal de acción es
el disvalor genérico de todos los delitos penales” (ob.
cit., p. 70. Apesar de atribuir maior relevância ao des-
valor da ação, a doutrina finalista, de que Welzel foi o
expoente, nunca deixou de reconhecer importância ao
resultado de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
– haja à vista os delitos de perigo e os de resultado.

16
Do Tipo Penal

Para ele, o desvalor do resultado (bem jurídico) pode


faltar, sem que se elimine o desvalor da ação, como no
caso da tentativa inidônea. Perderíamos nosso rumo e
o trabalho faltaria a seu objetivo se abríssemos uma
discussão a respeito).

Sobre valor, interesse e bem, assim se manifesta


Eduardo Correia:

“Descreve o Legislador aquelas expressões da


vida humana que em seu critério encarnam a negação
dos valores jurídicos-criminais, que violam, portanto,
os bens ou interesses jurídico-criminais. Como valores
jurídico-criminais, são, com efeito, ao mesmo tempo,
interesses-bens jurídico-criminais. Na verdade, a clas-
sificação como criminais de certos valores só pode
entender-se na medida em que estes correspondam a
fins a que o Estado reconhece interesse específico, na
medida em que, portanto, dada a relação quae inter
est Estado e valores jurídico-criminais, eles são para o
Estado interesses. Enquanto, porém, tem valor para o
direito criminal, enquanto são susceptíveis de satisfa-
zer aquela necessidade do Estado que conduziu a sua
tutela jurídico-criminal, eles são bens no sentido de
bens de Direito, Güter des Rechts, ou bens só enquan-
to assim se encaram, as expressões valores, interesses
e bens são coincidentes.” (Direito criminal, I, em cola-
boração com Figueiredo Dias. Coimbra, Almedina,
1971, p. 275)

O entendimento de Groppali é o mesmo:

“Os conceitos de bem, de interesse e de valor


estão ligados entre si por laços de interdependência,
aparecendo quase como um único conceito substan-

17
José Cirilo de Vargas

cialmente equivalente, que muda apenas conforme o


ponto de vista sob que e examinado, pois que, como,
justamente observa Jellineck, aquilo que objetivamen-
te considerado aparece como um bem, subjetivamen-
te torna-se um interesse, e o valor não é mais do que o
resultado da apreciação da utilidade do bem relativa-
mente ao interesse e à necessidade” (ob. cit., p. 163.
Diz Bettiol que, para Groppali, “bem, interesse e valor
servem para representar um só conceito”. In Direito
penal, I, trad port cit, p. 145).

18
Capítulo 2
O Tipo Penal

2.1. Tipo e Tipicidade: conceito e evolução

Como se sabe, o crime não é qualquer negação de valo-


res, mas a negação de determinados valores, quais sejam,
os valores jurídico-criminais. Essa negação de valores é o
injusto, a ilicitude, a antijuridicidade (estamos encampando
aqui o entendimento de certos Autores espanhóis quanto à
coincidência de injusto, ilicitude e antijuridicidade).
Tal constatação enseja o problema de saber em qual
fonte se irá buscar o conhecimento de que tal ou qual
conduta humana significa uma negação dos valores jurí-
dico-criminais.
Em decorrência da teoria da separação de poderes ou
funções, refoge da alçada do juiz a determinação da ilicitu-
de fora dos casos concretos que lhe são levados. A emissão
de um juízo acerca da negação de valores, por um juiz, só
pode ser feita no exercício de suas funções judicantes. Fora
disso, implicaria o desaparecimento da Parte Especial dos
códigos penais, por inútil, e se confundiriam, numa só pes-
soa, as figuras do Legislador e do Julgador.
Por isso é que existe a necessidade de a ordem jurídi-
ca, vigente em determinado momento histórico, formular,
da maneira mais exata possível, os seus juízos de valor,
tarefa que, evidentemente, não pode estar afeta à ativida-
de judicial.
A solução do problema foi encontrada pelos juristas e
pela técnica legislativa com o recurso ao tipo penal, que é,
segundo Fragoso, “o modelo legal do comportamento proi-
bido, compreendendo o conjunto das características objeti-

19
José Cirilo de Vargas

vas e subjetivas do fato punível”, ou, ainda, “a descrição


legal de um fato que a lei proíbe” (Lições, PG, 1980, p. 156.
Dizia o Min. Toledo que “o Legislador, por meio da elabora-
ção do tipo, seleciona valorativamente, entre a imensa
variedade de formas possíveis de comportamento humano,
aquelas condutas que reputa relevantes para o direito
penal, ou porque se apresentam aptas a causar lesão a
bens jurídicos, ou porque se revelam ética e socialmente
reprováveis. Com isso transforma espécies ou classes de
conduta, assim selecionadas, em tipos de delito, segundo
as exigências do princípio nullum crimen sine lege” (O erro
no direito penal. São Paulo: Saraiva. 1977. p. 45).
No Direito Penal contemporâneo, não basta que o com-
portamento do agente seja uma negação de valores de
maneira reprovável, para que, automaticamente, seja
imposta a pena; é necessário também que a ação seja típi-
ca, “isto é, que retrace na realidade da vida a definição da
norma penal” (Bruno, I, p. 341. Maurach observa que “la
tipificación de las particulares formas de injusto en las
figuras legales tiene una significación que excede, con
mucho, al derecho penal, una significación única desde el
punto de vista de los principios jurídicos. El moderno
Derecho penal constitucional es derecho penal vinculado al
tipo: el tipo representa, por un lado, la limitación del poder
punitivo del Estado (función de garantía) y, por otro, la base
del delito (función fundamentadora) – ob cit, p. 265).
Essa certeza de que só existirá a pena quando o com-
portamento se ajustar, primeiramente e de modo preciso, a
uma descrição legal de injusto é que dá segurança e esta-
bilidade a ordem jurídica (já dissemos não ser pacífica em
Doutrina a distinção entre injusto e ilicitude. É comum
entre escritores espanhóis o termo “injusto tipificado”, no
sentido de afirmar que alguma coisa “contrária ao Direito”
foi objeto de tipificação. Em outras palavras, consideram
que o injusto é constituído pelos desvalores próprios da

20
Do Tipo Penal

tipicidade e da antijuridicidade. Em suma, pelo desvalor da


ação e pelo desvalor do resultado. Jescheck, por exemplo,
faz a distinção nesses termos: “Antijuridicidad es la contra-
dicción de la acción con una norma jurídica. Injusto es la
propia acción valorada antijuridicamente ... el concepto de
injusto se entiende también en el sentido de antijuridicidad
material” – Tratado, I, 1981, p. 315, texto e nota 4).
Resulta claro que o tipo só descreve conduta ilícita, não
importando se do ponto de vista formal ou material. Aliás,
discute-se em Doutrina se é correto fazer-se a distinção
entre uma e outra ilicitude. Para nós, carece de qualquer
sentido, pois a lei não descreve uma conduta lícita, o que
seria de todo inconseqüente. Assim, a confirmação de que
o tipo foi realizado carrega consigo uma valoração da con-
duta do agente, no sentido de haverem sido lesados valores
protegidos penalmente. Veremos, adiante, que muitos
Autores consideram “provisória” essa valoração negativa.
O enquadramento ou ajustamento da ação humana ilí-
cita à descrição abstrata feita pela lei é a tipicidade, sem a
qual, num sistema jurídico fundado no princípio da anterio-
ridade da lei, não se pode falar em existência de crime.
A Parte Especial do Código Penal é, basicamente, o rol
dessas descrições, ou tipos penais, constituindo-se a fonte
onde se buscará saber se uma dada conduta significa, ou
não, em princípio, uma negação de valores jurídico-penais.
Dizemos “em princípio” porque o comportamento,
segundo considerável parte da Doutrina, pode ajustar-se à
descrição legal, ou modelo, mas estar amparado por uma
causa de justificação, ficando elidida a antijuridicidade (e a
tipicidade, segundo supomos). Adiante, no item sobre a
função do tipo, voltaremos ao assunto.
A investigação sobre a existência, ou não, de uma justi-
ficativa, após constatada a tipicidade, é apenas um método
de trabalho. Na realidade, uma ação não pode ser antijurídi-

21
José Cirilo de Vargas

ca e, depois, tornar-se jurídica, em face da justificativa. No


caso, a ilicitude seria apenas aparente, se tal fosse possível.
Segundo a teoria dos elementos negativos do tipo, con-
correndo uma justificativa, não há falar em adequação típica.
Não pretendemos, por ora, entrar no mérito dessa teoria. Em
outro trabalho (“Introdução ao estudo dos crimes em espé-
cie”) discorremos sobre o tema, fixando nossa posição a res-
peito. Mais adiante daremos uma rápida visão do assunto.
Até a reforma de 1984, a palavra “tipo” não era usada
pela lei penal brasileira; constitui tradução livre do vocábu-
lo “Tatbestand”, empregado no texto do art. 59 do Código
Penal alemão de 1871, e provindo da expressão latina cor-
pus delicti. Não é pacifica na Doutrina a tradução dessa
palavra alemã. Segundo Luiz Luisi, “em traduções france-
sas do código penal alemão de 1871, a locução ‘gesetzliche
Tatbestand’ aparece como eléments légaux. Na versão
espanhola do mencionado código alemão, feita em 1945 por
M. Finzi e R. Nunez, a locução referida é traduzida como
contenido legal Del hecho” (O tipo legal e a teoria da ação
finalista. Porto Alegre, A Nação, s/d, p. 9, nota 1). O prof.
Soler traduz por “delito-tipo” (La doctrina Del delito-tipo.
Buenos Aires, Depalma, 1944). Asúa prefere “tipicidade”
(Tratado, III, p. 655-657). Na Itália, Antolisei fala em
“modello astratto del reato” (Manuale, I, p. 153), enquanto
Grispigni se refere a fattispecie legale, modelo ou tipo
(tomo secondo, p. 125).
Entre nós, a expressão tipo tem uso generalizado, con-
forme se vê nas obras de Hungria, de Bruno, de Fragoso, de
Costa e Silva, de Cunha Luna e de Toledo. Se bem que a eti-
mologia tenha valor apenas relativo, dela nos devemos
valer. Tatbestand é composto do substantivo Tat (fato) e do
verbo bestehen, isto é, consistir em, compor-se de, ser
constituído por. Poderia ser assim uma tradução: “em que
consiste o fato”, ou, tomando o sentido do revogado art. 59
do CP alemão: “aquilo em que consiste o delito”. Nessa

22
Do Tipo Penal

ligeira monografia sobre o tipo e a tipicidade, não podemos


ignorar o modo como nossos melhores criminalistas (além
de reconhecidos conhecedores do idioma alemão) empre-
garam a palavra: foi como tipo. Portanto, não mais voltare-
mos ao assunto.
Sobre a evolução do conceito de tipo, valemo-nos de
Jiménez de Asúa:

“Al irse constituyendo como doctrina independien-


te, el Tatbestand es la suma de todos los caracteres o
elementos del delito, en su contenido de acción. Así se
dijo: Tatbestand als Inbegriff der Verbrechenmerkmale
(Tatbestand como conjunto de las caracierísticas del
delito). Esta fué la manera cómo se concibió el
Tatbestand antes de Beling.” (Tratado, III, p. 658.)

O ano de 1906 marca o aparecimento da obra funda-


mental “Die Lehre vom Verbrechen” (A Doutrina do Crime),
de von Beling, que passou a ver o tipo não mais como o
conjunto das características exigidas para a aplicação da
pena e demais conseqüências penais.
Maurach esclarece que, segundo von Beling,

“el tipo está integrado no por el delito como tota-


lidad, sino tan sólo por una parte del mismo, a saber
por la ‘tipificación conforme a una imagen rectora’ de
determinados procesos de injustos, llevada a cabo por
el Legislador. Esta tipificación está libre de momenlos
de antijuridicidad, describe el procest objetivo, y per-
manece, por lo tanto, libre hasra tal punto también ‘de
momentos subjetivos, que un tipo psíquico seria una
contradictio in adjecto’. Todo lo subjetivo pertenece,
para Beling, a la culpabilidad: seria un extravio meto-
dológico el que se quisiera introducir ‘lo interno ‘prove-
niente del alma del autor, en el tipo” (ob. cit., p. 271).

23
José Cirilo de Vargas

Eduardo Correia anota que, “para Beling, o tipo deve-


ria considerar-se valorativamente neutro: a ação seria típi-
ca sempre que, formalmente, se pudesse subsumir em uma
das descrições de conformação externa da conduta puní-
vel, independentemente da formulação de qualquer juízo
de valor; este só viria a ter lugar quando se analisasse a
concordância ou oposição entre o comportamento externo-
objetivo do agente e as exigências impostas pela ordem
jurídica, isto é, precisamente, quando se analisasse a lici-
tude ou ilicitude daquele comportamento” (Direito crimi-
nal, cit., p. 280-281). Francisco de Assis Toledo esclarece
que, “na construção originária de Beling (1906), o tipo tinha
uma significação puramente formal, meramente seletiva,
não implicando, ainda, um juízo de valor sobre o comporta-
mento que apresentasse suas características. Moderna-
mente, porém, procura-se atribuir ao tipo, além desse sen-
tido formal, um sentido material. Assim, a conduta, para
ser crime, precisa ser típica, precisa ajustar-se formalmen-
te a um tipo legal de delito (nullum crimen sine lege). Não
obstante, não se pode falar ainda em tipicidade, sem que a
conduta seja, a um só tempo, materialmente lesiva a bens
jurídicos, ou ética e socialmente reprovável [...] O tipo não
pode, pois, no momento atual ser concebido apenas como
um Leitbild, uma descrição desprovida de qualquer valora-
ção; é algo mais, ou seja, um ‘tipo de injusto’ (O erro..., cit.,
p. 46-47) Soler adota o mesmo ponto de vista de Beling,
dizendo: “El externo encuadramiento de una acción a su
figura no és más que el primer paso dado en el sentido de
esa valoración. Pero siendo la figura delictiva ordinaria-
mente tan solo una descripción, es necesario en cada caso
verificar si el hecho examinado, además de cumplir ese
requisito de adecuación externa, constituye una violación
del derecho entendido en su totalidad, como organismo
unitario”. (Derecho penal argertino. Buenos Aires:
Tipografica Argentina, 1973, t. I, p. 301).

24
Do Tipo Penal

Nossa discordância básica relacionada à teoria origi-


nal de Beling é quanto à alegada ausência de valoração no
tipo. Zu Dohna afirma que o delito é ação antijurídica e cul-
pável, e que as leis penais determinam quais ações antiju-
rídicas e culpáveis são puníveis. Textualmente, diz: “El
hecho de que una acción sea subsumible en un tipo legal
es, por tanto, una peculiaridad formal, que puede sery ha
sido elevada a una característica conceptual general” (La
estructura de ia teoría del delito. Trad. arg. de Fontán
Balestra. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 16-17). Se,
para Zu Dohna, a antijuridicidade e a culpabilidade prece-
dem a descrição, segue-se que quando o tipo foi elaborado,
o Legislador já havia dado valor a algo, objeto jurídico do
crime (ou objeto da proteção). Invocamos, também, a auto-
ridade de Mezger, para quem “la decisión respecto a si una
determinada conducta cae en la esfera del Derecho puniti-
vo resulta de la Consideración de que, como fundamento
de la exigencia penal del Estado, no es suficiente cualquier
acción antijurídica, sino que es preciso una antijuridicidad
especial ‘tipificada’, típica”. E ainda: “Para nosotros el todo
el peso de la valoración jurídico-penal” e que “dicho tipo es
el propio portador de la desvaloración jurídico-penal que el
injusto supone” (Tratado de derecho penal. Trad. esp. de
José Arturo Rodriguez Muñoz. Madrid: Revista de de
Derecho Privado, 1955, t. 1, p. 364-367).
Jiménez Huerta anota: “No obstante los esfuerzos que
realiza Beling en defensa de sus trincheras jurídicas, no
puede convencernos de que todos los elementos del tipo
delictivo son puramente descriptivos. En primer término, la
pureza descriptiva del tipo de delito aparece desvirtuada si
se tiene en cuenta que el propio tipo ya contiene la valora-
ción jurídica calificante de lo antijurídico” (Derecho penal
mexicano. México: Porrúa, 1972. t. I, p. 45). No mesmo sen-
tido, Eduardo Correia: “O tipo legal deixa de ser mera des-
crição objetiva e valorativamente neutra, de um comporta-

25
José Cirilo de Vargas

mento proibido, para se tornar no portador da valoração


jurídico-criminal que o juízo de ilicitude exprime” (op. cit.,
p. 281). Bettiol observa que “devemos admitir, com Delitala
e com outros, que o momento imperativo é, logicamente,
precedido por um momento valorativo, no sentido de que a
norma impõe uma obrigação de se abster ou de realizar
uma certa ação, porque o Legislador avaliou a conformida-
de ou desconformidade dessa ação com as necessidades
de tutela do direito penal” (Direito penal, cit., p. 180-181).
Afirma Engisch: “Os comandos e proibições do Direito têm
as suas raízes nas chamadas ‘normas da valoração’, eles
fundamentam-se - dito de forma mais simples - em valora-
ções, em aprovações e desaprovações” (Introdução ao pen-
samento jurídico. Trad. port. de J. Baptista Machado.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p. 35).
Engisch traz Mezger à colação: “O Direito como norma
valoradora é um necessário pressuposto lógico do Direito
como norma determinativa. [...] Pois quem pretende ‘-
determinar’ alguém a fazer algo tem de previamente
conhecer aquilo a que o quer determinar: ele tem de ‘-
valorar’ aquele algo num determinado sentido positivo. Um
prius lógico do Direito como norma de determinação é sem-
pre o Direito como norma de valoração” (Ob. et loc. cit.).
Ao tratar de ação humana como objeto do juízo de
valor e, mais especificamente, sobre a gênese da norma,
Armin Kaufmann escreve: “Estes juízos de valor que, na
opinião de Binding, constatam a ‘insuportabilidade
jurídica’ ou a ‘imprescindibilidade jurídica’, ou, mais preci-
samente, valorações negativas ou positivas dos atos cons-
tituem, ‘sem dúvida, o único motivo da pretensão jurídica
que dá origem a atuação do Legislador e encontram ‘sua
expressão na norma e na lei penal’ ” (Teoria da norma jurí-
dica. Apresentação de Richard Paul Netto. Rio de Janeiro:
Editora Rio, 1976, p. 104-105). Ensina Toledo: “O tipo não
serve apenas para identificar as condutas criminosas, mas

26
Do Tipo Penal

se presta igualmente para discriminar os fatos atípicos;


todavia, ao fazê-lo, não exclui a possível ilicitude desses
mesmos fatos que podem configurar algum ilícito não
penal (exemplo: o dano culposo). O fato atípico pode, pois,
ser antijurídico; não pode, todavia, ser um injusto penal
(isso releva a precedência da ilicitude)” (Princípios..., cit.,
p. 182). A lição de Reale Júnior: “Como já vimos, dá signi-
ficado ao tipo o valor cuja positividade ele impõe e cujo
respeito exige, pela omissão da conduta que em todos os
seus elementos é descrita e sujeita a uma sanção... O tipo
tem um conteúdo valorativo, como modelo de ação, por
esse conteúdo próprio da natureza da ação, não podendo
estar ausente do tipo, que é um paradigma generalizador
do concreto” (Antijuricidade concreta. São Paulo: José
Bushatsky, 1974, p. 47).
Para Sauer, o tipo não está isento de valor; ele
mesmo é um valor (apud Jiménez de Asúa, op. cit.,
p.1.019). Em seu trabalho de Direito penal mais conside-
rado (Allgemeine Strafrechtslehre, cuja 3a edição foi
publicada em Berlin por Walter de Gruyter, em 1955),
Sauer dedica nada menos que quatro parágrafos (13, 14,
15 e 16), densos e longos, ao complexo problema da valo-
ração, da ilicitude, do tipo e da tipicidade. Diverge, em
alto nível científico e filosófico, da construção de Beling,
quanto à neutralidade valorativa do tipo; de fato, em
nossa pesquisa, não encontramos quem, nesse aspecto,
aderisse a Beling.
Em face do exposto no parágrafo anterior, concluímos
que a antijuridicidade, que contém sempre um juízo de
valor, precede o tipo, seguindo-se que este não pode ser
desprovido de valor, como pretendeu Beling, sem razão, a
nosso ver. O correto é dizer, com Mezger, que o tipo é o ver-
dadeiro portador da “desvaloração” (ou valoração negati-
va) que o injusto penal supõe.

27
José Cirilo de Vargas

Na evolução do conceito de tipo, a Doutrina distingue


três fases:

a) na primeira, o tipo é puramente descritivo;


b) na segunda, tem caráter indiciário da antijuridi-
cidade;
c) na terceira, é a razão de ser da antijuridicidade
(tipo de injusto e elementos negativos do tipo).

A propósito, escreve Cunha Luna:

“No primeiro momento, é concebida como descri-


ção pura, sendo os fatos típicos conhecidos indepen-
dentemente de juízos de valor (Beling, La doctrina del
delito-tipo, estudo de trinta páginas). No segundo
momento, mantém relações com a injuricidade da qual
é a ratio cognoscendi: a tipicidade é indício da injuri-
dicidade, comportando-se uma com outra assim como
a fumaça e o fogo (M. E. Mayer, Der Allgemeine Teil
des Deustchen Strafretchs, passim). No terceiro
momento, passa a existir em função da injuridicidade,
desta representando o ratio essendi (Mezger, 1955)”
(Estrutura jurídica do crime. Recife: Universidade
Federal de Pernambuco. 1970, p. 58).

Diz Mario Folchi que foi de Max Ernst Mayer “la más
constructiva de las críticas hechas a Beling - expuesta en
su tratado de derecho penal -, pues no negó en ella el gran
valor de la tipicidad, haciendo posible que la doctrina del
tipo legal alcanzare el fecundo desarrollo que por último ha
logrado. Adelantemos que Mayer considera a la tipicidad
como una mera descripción, al igual que Beling, pero atri-
buyéndole un valor indiciario con relación a la antijuridici-
dad; o sea, que la primera es el fundamento de mayor
importancia para conocer la segunda, y dice que actúan de

28
Do Tipo Penal

igual manera que el humo y el fuego” (La importancia da la


tipicidad en derecho penal. Buenos Aires: Depalma. 1960,
p. 31). Toledo ensina: “A antijuridicidade [...], ao descrimi-
nar um fato, exclui a sua ilicitude para todo o direito, inclu-
sive, portanto, para o direito penal. Um fato lícito não pode
ser um injusto típico penal (exemplo: o homicídio cometido
em legítima defesa). Nessa acepção, o tipo é mais do que
mero portador de um indício da antijuridicidade: é com
efeito, uma visão esquemática do injusto que, em concreto,
pode ficar excluído pela incidência de uma norma permis-
siva ou causa de justificação” (Princípios, cit.. p. 182).
Assiste razão ao falecido professor de Brasília: a reali-
zação do tipo não pode ser considerada um simples sinal
ou indicação de que o agente obrou antijuridicamente. De
nosso lado, fazemos uma inversão: a conduta típica é, via
de regra, antijurídica. E isso porque seria absurdo descre-
ver uma conduta que não fosse contrária à ordem jurídica.
O tipo só descreve o proibido. Não faria sentido um tipo
penal descrevendo uma conduta lícita. O que ocorre, na
realidade, quando se realiza um tipo, é um comportamento
ilícito que, apenas por exceção, deixa de representar um
contraste com a ordem jurídica, em face de um tipo permis-
sivo. Assim, a tipicidade não pode ser apenas um indício
da antijuridicidade.
Em 1930, Beling retoma o assunto, com sua breve
monografia “Die Lehre vom Tatbestand”, escrita para a
coletânea em homenagem a Reinhard v. Frank, e traduzida
por Soler como “La doctrina del delito-tipo”. Nesse traba-
lho, Beling reconhece e agradece as objeções feitas à sua
doutrina do tipo, de 1906, mas considera que apesar da
abundante bibliografia crítica, esta não estabeleceu qual
parte de sua teoria “tem que corrigir-se”.
No novo ensaio, o professor introduz o “Deliktstypus”,
ou tipo de delito, em oposição ao “Tatbestand”, ou delito-
tipo, substituído pelo termo “Leitbild”, ou imagem regula-

29
José Cirilo de Vargas

dora, figura reitora, etc; rejeita a existência de elementos


normativos e subjetivos do tipo, nesses termos:

“De inmediato se advierte que es imposible con-


cebir, con Sauer y Mezger, los delito-tipos como ‘tipos
de ilicitud’ aquela doctrina se base en una concepción
confusamente unificante de los delito-tipo y los tipos
de ilicitud.”

Por fim, sugere:

“Creo que para el lenguaje de la ciencia la expre-


sión, usada por mí, por primera vez en este ensayo,
‘Leitbild legal’ (esquema legal), puede encontrar acep-
tación. En él se destaca precisamente lo que es esen-
cial al concepto: la naturaleza meramente regulativa
del delito-tipo. No he podido encontrar una expresión
mejor” (La doctrina del delito-tipo. cit. p. 14-15, 25).

Hungria, em seus Comentários (v. I, t. II, p. 21, nota


17), cita Beling e atribui a este uma definição de tipicidade,
sem indicar a fonte. Na bibliografia, que antecede o texto,
o Ministro refere três obras de Beling: A Doutrina do Crime,
A Doutrina do Delito-Tipo e Esquema de Direito Penal.
Afiançamos que tal definição não se encontra nas duas últi-
mas obras mencionadas. Na monografia de 1930 (Die Lehre
vom Tatbestand), Beling considera o termo
“Tatbestandsmässigkeit” a adequação de um fato ao deli-
to-tipo (p. 3), enquanto, no Esquema (Grundzüge), diz tex-
tualmente: “Redúcese el actual Derecho penal a un catálo-
go de tipos delictivos. La antijuridicidad y la culpabilidad
subsisten como notas conceptuales de la acción punible,
pero concurre con ellas, como característica externa, la
‘Tipicidad’ (adecuación al catálogo) (p. 37).

30
Do Tipo Penal

Vai daí que, para Beling, tanto faz falar


“Tatbestandsmässigkeit” quanto “Typizität”, pois, para
ele, designam a mesma coisa. Jiménez Huerta diz que o
vocábulo “tipicidade” “significa símbolo representativo de
uma cosa figurada o figura principal de alguma cosa a la
que suministra fisonomía propria” (La tipicidad. México:
Porrúa, 1955, p. 11). Continuamos dizendo que tipicidade é
a adequação do comportamento ilícito ao tipo, ou descrição
legal do injusto.
O tipo penal, como qualquer outro instituto jurídico,
poderia perfeitamente continuar servindo à Ciência sem
perder sua singeleza, como a descrição de uma conduta
relevante para o Direito Penal. Em vez disso, tornou-se
objeto de fórmulas e construções cerebrinas, dificultando a
compreensão da Ciência tão claramente ensinada por
Mezger e Aníbal Bruno, entre outros.
Anota Eduardo Correia:

“Ao conceito de Tatbestand em sentido específi-


co, por sua vez, é dado agora por Beling o papel de
ponto de apoio ou referencial (Leitbild) dos momentos
da ilicitude e da culpa que constituem um certo tipo
de delito (Grundzüge, 1930, p. 25 e 29). A construção,
inteiramente artificiosa, não encontrou, porém, qual-
quer projeção na ciência do direito criminal.” (A teoria
do concurso em direito criminal. Coimbra: Almedina,
1963, p. 90. Reale Júnior, referindo-se à 11a edição do
“Esquema”, de 1930, diz: “Quanto ao que mais nos
importa, ou seja, às relações entre tipicidade e antiju-
ridicidade, Beling continua fiel à sua nova concepção,
sustentando que o delito-tipo, a imagem reitora, tem
tão-somente caráter descritivo, desprovido de conteú-
do valorativo, não constituindo um indício de antijuri-
dicidade” (op. cit., p. 34).

31
José Cirilo de Vargas

A teoria do tipo passa, assim, por três fases: a) tipo


valorativamente neutro, do modo como Beling o concebeu
em 1906; b) o tipo funciona como indício do ilícito; fase tam-
bém chamada de regra-exceção; c) a tipicidade é a ratio
essendi da ilicitude, que se desdobra em duas alternativas,
e tem Mezger e Sauer como seus principais Autores.

2.2. Elementos Especiais do Tipo

2.2.1. Elementos Subjetivos

O tipo, na concepção original de Beling, é a descrição


mais objetiva possível de condutas penalmente relevantes,
como “matar alguém”. Contudo, no art. 157, são encontra-
das expressões “coisa móvel alheia” e “para si ou para
outrem”, que retiram a simplicidade da formula descritiva.
No primeiro caso, os elementos são nitidamente obje-
tivos e podem ser apreendidos “pela simples capacidade
de conhecer, sem ser preciso utilizar nenhum recurso de
julgamento”, como diz Bruno (I, p. 331).
Tais elementos são encontrados em maior número,
pois é deles que se vale a lei para descrever as condutas
proibidas. São referências a pessoas, ao modo de agir, a
coisas, e, pelo fato de poderem ser captadas pelo sentido -
como Bruno acentua acima -, são consideradas elementos
puros da tipicidade.
Para certo entendimento doutrinário, essas referências
objetivas não coincidem com a antijuridicidade, que, sendo
também elemento objetivo do delito, supõe um juízo de
valor que resulta da contradição entre a conduta e a ordem
jurídica (ilicitude formal); essa mesma conduta, ocasionan-
do lesão ou perigo a um bem tutelado, representa a ilicitu-
de material.
Ao lado dos elementos objetivos são encontrados os
chamados elementos subjetivos.

32
Do Tipo Penal

Referindo-se ao conceito jurídico-penal de ação, diz


Maurach:

“En sus consecuencias, las tentativas de, en


parte caracterizar, y en parte limitar, el ‘suceso pura-
mente objetivo del injusto’ por elementos subjetivos
afectaron, sin clara separación, tanto a la cuestión del
injusto como a la del tipo. En este sentido se pronun-
cia Nagler, que exigió para certas causas de justifica-
ción la presencia de elementos subjetivos. Asimismo
Hegler demostró que con el tipo de Beling resultaba
imposible compreender los tipos de tendencia interna
transcendente; de modo semejante se pronuncia M.E.
Mayer” (ob cit p. 191).

De um modo geral, fala-se na existência de elementos


subjetivos do tipo, “distintos do dolo e da culpa”, quando
se identifica um especial fim de agir, ou quando o agente
realiza o tipo com certa e determinada intenção. Isso acon-
tece naqueles casos em que não é suficiente, na descrição
da conduta ilícita, a simples consideração da dimensão
externa da mesma (como no delito tipo de homicídio), mas
é necessário levar em conta, também, uma efetiva tendên-
cia subjetiva ou atitude psicológica especial do agente.
Daniela de Freitas Marques compôs o mais completo,
a nosso ver, trabalho sobre o tema, entre nós. Diz ela: “Os
elementos subjetivos do injusto são os componentes do
campo psíquico-espiritual do agente que dizem respeito às
especiais tendências, propósitos, intenções (fim especial
de agir), condicionando ou fundamentando o juízo de ilici-
tude do comportamento” (Elementos subjetivos do injusto.
B. Horizonte, Del Rey, 2001, p. 151).
Seriam especiais momentos “anímicos” a conferir
transcendência jurídico-penal à atuação do sujeito ativo,

33
José Cirilo de Vargas

cuja comprovação é exigida caso a caso, para se ter o tipo


por realizado.
Welzel esclarece:

“La sustración de una cosa ajena es una activi-


dad dirigida hacia un fin y dominada por el dolo; su
sentido ético-social es, sin embargo, absolutamenie
distinto, si se realiza con el objeto de un uso transito-
rio o com el propósito de apropiación: solamente en el
último caso existe el disvalor ético-social especial del
hurto” (ob. cit., p. 83. O exemplo não é de Welzel. É ori-
ginário de Hegler, em trabalho publicado em 1914,
como salienta Mezger no Tratado, I, p. 347).

As hipóteses se acumulam: o mestre-escola, ao re-


preender o aluno, tanto pode fazê-lo com intuito pedagógi-
co, quanto com intenção de o humilhar ou vingar-se de seu
pai; o médico, ao fazer um exame ginecológico, pode agir
com fim terapêutico ou com intenção libidinosa (exemplos
mencionados por Bruno).
Segundo Jescheck, “el descubrimiento de los elemen-
tos subjetivos del injusto se remonta a Fischer, el que pri-
mero demostró para el Derecho Civil, en especial en rela-
ción a determinadas causas de justificacción, que a menu-
do no es suceso objetivo en cuanto tal lo que se prohíbe,
‘sino que se prohíbe o se permite según la actitud interna
con que el autor comete el hecho’. Sobre fenómenos simila-
res en Derecho penal ya habian llamado la atención Nagler
y Graf Zu Dohna. Poco después, Hegler y M.E. Mayer con-
siguieron casi simultáneamente la ordenación sistemática
de estos casos. Aunque ambos todavía veían la antijuridi-
cidad material unicamente en la danosidad social del
hecho, ya advirtieron que a menudo contribuyen a determi-
narla los fines perseguidos pro el autor. De forma parecida,
Sauer mostro que los elementos subjetivos del injusto

34
Do Tipo Penal

caracterizan a menudo el tipo de delito. El pleno desarrollo


de la teoría de los elementos subjetivos del injusto se debe
a Mezger... los partidarios de la sistemática moderna ven
en su existencia una confirmación del concepto personal de
injusto” (ob. cit., p. 435).
Não é tranqüila em Doutrina a admissão de tais ele-
mentos no tipo. A começar pelo próprio Beling, que nos
dois trabalhos mais importantes publicados depois de 1906
(a 11a edição do “Esquema” e a 1a edição de “Die Lehre
vom Tatbestand”, na coletânea em homenagem a Frank,
ambos em 1930), rechaça de pronto a nova teoria.
Examinando atentamente o significado desses ele-
mentos, percebemos que são reveladores de uma vontade
mais determinada à prática do delito. Comparemos o homi-
cídio simples com aquele praticado “para” assegurar a
impunidade de outro crime: a segunda situação revela um
maior grau de censura na conduta do agente. Quem sim-
plesmente priva alguém de sua liberdade, mediante
seqüestro (art. 148 do CP), atua com menos reprovabilida-
de do que o seqüestrador que visa a extorquir dinheiro
como preço do resgate.
Por isso é que os mesmos são colocados sistematica-
mente na culpabilidade, na condição de dolo específico,
como o faz Battaglini (Direito penal, I. Trad. de Paulo José
da Costa Júnior et al. São Paulo, Saraiva, 1973, pp 184 e
290). No mesmo sentido, Ferrando Mantovani (Diritto pena-
le, parte generale. Padova,Cedam, 1992, p. 332).
Na Argentina, Ricardo Núñez (Manual, PG, 1999, p. 140)
os tem como dolo específico, enquanto que Soler os vê
“abarcados pela valoração objetiva”, isto é, no setor da
antijuridicidade, mas sempre influindo na culpabilidade
(ob. cit., II, 1973, pp. 150-151).
Como se sabe, James Goldschmidt foi um dos princi-
pais teóricos da concepção normativa da culpabilidade. Em
seu denso trabalho “Normativer Schuldbegriff”, publicado

35
José Cirilo de Vargas

em 1930 na coletânea em homenagem a Frank, dedica pra-


ticamente todo o último item, o terceiro, à questão dos ele-
mentos subjetivos, sobretudo no referente à sistematização
dos mesmos feita por Mezger. Mencionamos, a seguir,
algumas passagens do artigo de Goldschmidt: “mesmo
que as pretendidas ‘características subjetivas do injusto’
constituam características especiais do tipo (como a inten-
ção impudica, o egoísmo ou a cobiça como móveis da
comissão, a profissionalidade ou a habitualidade da comis-
são, a maldade ou a malícia), elas são características espe-
ciais da culpabilidade (como o são o motivo de necessida-
de nos §§ 248 a et 264a, como a reflexão no § 211 do CP, o
sentimento desonroso no § 20 do CP). Todas contêm exi-
gências especiais postas como situação de motivação, cuja
prática tem significado, seja para fundamentar, seja para
agravar, seja para atenuar a pena”; “como já assinalara
Frank, assim como na tentativa, o dolo de execução, a que
não corresponde nada objetivo, não deixa de ser culpabili-
dade; tampouco deixa de o ser a intenção, nos ‘delitos de
intenção’”; “em todos os casos tratados, as características
especiais da culpabilidade estão ‘tipificadas’ legalmente”;
“segundo Beling, no tipo só pode haver características
objetivas. (Esse) pensamento aparece claro em Mezger,
para quem o tipo é somente ‘antijuridicidade tipificada’.
Desse modo, Mezger chega a apontar muito corretamente
as características típicas da culpabilidade como ‘elemen-
tos subjetivos do tipo’, com o que, todavia, quer dizer, como
M.E.Mayer, ‘características subjetivas da antijuridicidade’.
Mas se se reconhece que o tipo não é outra coisa senão o
conjunto dos pressupostos da punibilidade, composto das
características de antijuridicidade e características de cul-
pabilidade, então desaparecem todas as anomalias”; “se
as leis penais geralmente não têm considerado a intenção
correspondente ao tipo como o grau mais grave da culpabi-
lidade, isto é, no sentido de uma motivação pela represen-

36
Do Tipo Penal

tação do tipo, sem embargo a têm erigido em uma especial


característica da culpabilidade correspondente ao tipo”;
“Frank tem razão ao reivindicar a finalidade do agente, no
sentido de motivo, como elemento da culpabilidade.
Sempre que o motivo do agente, em qualquer das formas
consideradas acima, se funde em característica da culpabi-
lidade correspondente ao tipo, é evidente sua função como
fator constitutivo, agravante ou atenuante da culpabilida-
de... decisivo para sua força como agravante ou atenuante
da culpabilidade é o grau de sua reprovabilidade, escusa-
bilidade ou respeitabilidade ético-social” (Festgabe für
Frank, Band I, Tübingen, 1930. Reimpressão em Aalen, por
Scientia Verlag, 1969, pp. 428-468, tradução nossa). Parece
não ser necessário acrescentar nada, para afirmar o repú-
dio do prof. Goldschmidt a essa doutrina. Zaffaroni, em sua
“Teoria do delito”, menciona inúmeros outros Autores ali-
nhados a Goldschmidt.
Voltando ao exemplo do homicídio. Não há quem deixe
de reconhecer mais reprovabilidade na conduta de quem
mata por motivo torpe. Ao revés, a censura é menor, quan-
do se mata por motivo de relevante valor moral. Nesse
ponto, a segura observação da professora Daniela: “Os
motivos, integrantes do tipo-de-ilícito, são elementos pró-
prios da culpabilidade” (ob cit p. 150). Em trabalho publica-
do em 1997 (Instituições, tomo I), escrevemos que certas
motivações são consideradas elementos subjetivos do tipo,
o que nos fez incidir na crítica leal e franca de Daniela (p. 83
de sua valiosa investigação). A reprimenda procede, porque
deveríamos ter feito a distinção entre os dois fundamentais
juízos (da ilicitude e da culpabilidade) e afirmar, como ela
afirma longamente no segundo capítulo de seu trabalho,
que, no plano das idéias, o motivo “precede a finalidade” (p.
90). A nós, infelizmente, nos escaparam, e nos escapam, a
argúcia e a fineza intelectual de Daniela. Nem mesmo o
venerável Cunha Luna foi poupado ao crivo severo da jovem

37
José Cirilo de Vargas

pensadora, no específico tema da intenção. Redarguindo ao


professor do Recife, por posição sua expressada no estudo
“Estrutura jurídica do crime” (SP, Saraiva, 1993, p. 120), ela
disparou: “os elementos subjetivos do tipo são elementos
integrantes do fato valorado, negativamente, como ilícito;
logo: elementos do tipo-de-ilícito, porque o tipo expressa
valoração, é um trecho da própria vida” (nota 13, p. 87). Na
pesquisa feita há mais de duas décadas, arrolamos os moti-
vos como elementos subjetivos. Por razões já expostas, e em
adesão ao ponto de vista da professora, retiramos os moti-
vos do rol adiante mencionado.
Ainda bem que nosso ponto de vista acerca da “ges-
tação” do tipo não vai de encontro ao pensamento de
Daniela, expresso no item 1.3 de sua investigação, e tam-
pouco duvidamos de que o ceticismo de Pascal, quanto à
historicidade das regras jurídicas, “paira como uma bruma
nos domínios da ciência do Direito” (p.25). Já na primeira
edição desta monografia afirmávamos a precedência da
valoração e dizíamos que o injusto é anterior ao injusto tipi-
ficado. De todo modo, o estudo de Daniela é alguma coisa
que surge e fica aflorando como repentino e imenso bloco
de granito nessa planura de lugares-comuns em que, nesse
tempo, se encontra nossa literatura jurídico-penal. E, no
feitío de água benta e sacristia, só lamentamos uma coisa:
o grande trabalho não saiu de nossa pena.
Sauer não vê qualquer significado prático nessa dou-
trina, chegando a dizer que lhe foi atribuída uma indevida
importância. Tudo não passa, segundo ele, de uma separa-
ção entre objetividade e subjetividade. Daí considerar que
tais elementos, localizados no tipo, mas sendo característi-
cas da ilicitude (o que, segundo pensamos, não se pode
contestar com êxito), também o são da culpabilidade.
Refere ele o delito de furto; a intenção de apropriar-se da
coisa, pertence, relativamente à apropriação, evidentemen-
te, ao tipo, como “unrecht” (termo que poderia ser traduzi-

38
Do Tipo Penal

do por injusto) objetivamente tipificado. Todavia, faz parte


também da culpabilidade, na medida em que não é sufi-
ciente um dolo qualquer de apropriação, sendo necessária
uma intensão que “ultrapassa” o dolo, e se encontra dire-
cionada à utilização da coisa. É clara a distinção entre a ili-
citude e a culpabilidade, o objetivo e o subjetivo – juízo
negativo de valor quanto à danosidade social ou ilegalida-
de e o juízo negativo de natureza subjetiva quanto à vonta-
de culposa do agente. Apesar disso, continua argumentan-
do, ilicitude e culpabilidade não se distinguem quanto ao
objeto, pois a vontade e a ação se interpenetram (em deta-
lhes, o § 14, III, do trabalho por último mencionado).
No início de sua carreira de penalista, Heleno Fragoso
não era adepto da teoria da ação finalista. Talvez em razão
disso é que tenha escrito em sua dissertação de livre-
docência: “ Não há elementos subjetivos no tipo. A admis-
são de elementos subjetivos no tipo compromete irreme-
diavelmente o sistema, pois o tipo é um esquema a que
deve ajustar-se a face subjetiva do crime. Se se incluísse no
tipo elementos subjetivos, a face subjetiva do crime deve-
ria referir-se a si mesma, o que me parece insustentável”
(Conduta punível. São Pulo, Bushatsky, 1961, p. 201-202).
Já em fase posterior, na edição de 1980 de suas Lições,
dizia identificar “diversas espécies de elementos subjeti-
vos do tipo” (PG, n. 152).
Hoje em dia o que prevalece é uma concepção objetiva-
subjetiva de ilicitude. No ensinamento de Bettiol, “se a anti-
juridicidade pode e deve na grande maioria dos casos ser
determinada objetivamente, em alguns casos o juízo da ili-
citude é condicionado pela presença de elementos finalísti-
cos de caráter subjetivo que são decisivos para estabelecer
também o caráter culpável da conduta....quando se fala de
elementos subjetivos da antijuridicidade não se pretende
dizer com a doutrina predominante que o juízo de antijuridi-
cidade deva necessariamente incluir o da culpabilidade ou

39
José Cirilo de Vargas

vice-versa, mas que pelo juízo de ilicitude é necessário


tomar em consideração um fator ou um elemento que reali-
za normalmente a sua função no âmbito do juízo de culpa-
bilidade” (tomo I da edição brasileira, cit., p 374-375).
Em nosso Direito podem ser apontados diversos tipos
em que se acham presentes elementos subjetivos: a inten-
ção de ter a coisa para si ou para outrem, no tipo de furto; o
fim de obter vantagem, na extorsão mediante seqüestro; o
fim libidinoso, no rapto violento ou mediante seqüestro, etc.
Embora tenham sido Hegler e M.E. Mayer, respectiva-
mente, em 1914 e 1915, os que levantaram a questão de o
tipo penal não ter, sempre e exclusivamente, caráter objeti-
vo, foi Mezger o grande formulador da teoria em apreço,
com seu trabalho “Elementos subjetivos do ilícito”, de 1923.
O assunto era por ele estudado no setor da antijuridici-
dade (parágrafo 20 do volume I, do Tratado, sob o título “Os
elementos subjetivos do injusto”), dizendo que normalmen-
te as referências anímicas subjetivas do agente, o conheci-
mento de infringência à ordem jurídica e a intenção de atuar
antijuridicamente pertencem, pelo menos normalmente, à
teoria da culpabilidade. Mas ressaltava em seguida:

“Pero sería erróneo querer afIrmar este principio


sin excepción alguna, y referir en consecuencia todo lo
objetivo ao injusto y todo o subjetivo e la culpabilidad,
concibiendo al primeiro sólo objetivamente y sólo sub-
jetivamente a la segunda” (p. 347).

Tomando por base o Direito Penal então vigente em


seu País, dividia em três grupos os tipos de delito com ele-
mentos subjetivos:

a) os crimes de intenção na forma dos chamados


delitos cortados em dois atos, nos quais o ato é
querido pelo agente como meio subjetivo de uma

40
Do Tipo Penal

ação posterior do mesmo sujeito. Ex.: o tipo do art.


146 do Código alemão (fabricação de moeda falsa
e adulteração de moeda);
b) os delitos de tendência, ou seja, naqueles em que
a conduta aparece como realização de uma ten-
dência subjetiva. Ex.: a ação impudica do art. 176,
com sua tendência sexual, ou o art. 260, com sua
tendência de lucro, ou com a inclinação que cons-
titui a base da mesma tendência (os arts. 176 e
260 se referiam, respectivamente, à libidinagem
grave e à receptação profissional);
c) os delitos, nos quais a ação aparece como expres-
são anímica do agente. Ex.: o juramento de convic-
ção do art. 153 do Código Penal, em referência ao
art. 459 do Código de Processo Civil (o então art.
153 do CP alemão previa o delito de depoimento
falso sem juramento. Estamos empregando a pala-
vra artigo em vez de parágrafo, para evitar mal
entendido em nossa linguagem jurídica).

No segundo grupo Mezger incluía os delitos com


resultado cortado (expressão de Binding), nos quais,
segundo Fragoso, “o resultado natural da ação não é exigi-
do pela lei para a consumação do delito, embora deva cons-
tituir o fim de agir” (Hungria-Fragoso, v. I, tomo II, 1978, p.
548). Goldschmidt rechaçava esse grupo de delitos, no
dizer de Mezger.
Em trabalho publicado na Revista Forense, Heleno
Fragoso refere uma outra categoria “ainda controvertida”,
esclarecendo: “São os casos em que encontramos na lei as
ações praticadas por motivos egoísticos, ‘por cobiça’, ‘por
instinto sanguinário’, ‘por motivo torpe’, etc” (Elementos
subjetivos do tipo, RF n. 256, p. 34).
Afirma Mezger que em seu trabalho “Vom Sinn der
Strafrechtlichen Tatbestand”, publicado em 1926 na coletâ-

41
José Cirilo de Vargas

nea em homenagem a Traeger, inclui também no primeiro


grupo os delitos de resultado cortado. Mas diz que Hegler
adverte com acerto que tais delitos devem ser incluídos no
segundo grupo, por ser mais correto (Tratado, p. 357, nota
8). Observe-se que os delitos de resultado cortado são deli-
tos de intenção e, mesmo assim, Mezger, adotando a posi-
ção de Hegler, os inclui no segundo grupo (delitos de ten-
dência). Referindo-se aos delitos de resultado cortado,
leciona Jescheck: “En ellos la producción del resultado no
se incluye en el tipo, sino que basta la intención del autor
dirigida al resultado” (op. cit., p. 361).
Existem partidários de uma teoria geral da Parte
Especial do Código penal, entre os quais contam-se, por
exemplo, Aníbal Bruno, Euclides Custódio da Silveira e
Juan Del Rosal. Particularmente não estimamos viável tal
desiderato, como deixamos consignado na quarta capa da
primeira edição desta monografia. Se alguém, porém, se
dispuser a trabalhar na difícil tarefa, pensamos que as refe-
rências subjetivas, aqui tratadas como elementos do tipo,
ou do injusto, poderiam ser estudadas na sistematização
dos elementos constitutivos dos tipos em espécie.
São crimes de resultado cortado o envenenamento,
previsto no art. 229 do revogado código penal alemão, e o
crime de perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do
Código brasileiro), em que o agente tem o fim de transmitir
a moléstia a outrem.
Na categoria dos tipos cortados em dois atos, nos
quais, segundo Fragoso, “a ação que corresponde ao tipo e
consuma o crime é praticada com a intenção de praticar o
agente uma ação posterior” (v. I, tomo II, p. 549), temos, no
direito brasileiro, um exemplo esclarecedor: formar nova
cédula, com fragmentos de cédulas verdadeiras, com o
objetivo de restituí-la à circulação (art. 290).
No volume referente aos arts. 121 a 160, de suas
Lições, Fragoso ora fala em “elementos subjetivos do tipo”

42
Do Tipo Penal

(p. 155) ora repete a expressão e coloca entre parênteses


“dolo específico” (p. 275). Ele diz que as denominações
“dolo genérico” e “dolo específico” “são impróprias”
(Lições...- Parte geral, 1976. p. 191). Neste trabalho, ao tra-
tar da culpabilidade, não faz qualquer alusão ao assunto,
deixando a seus leitores a indagação: por que é imprópria
a denominação dolo específico? Também Celso Delmanto
(Código Penal anotado. São Paulo: Saraiva, I ed., 1980), ao
indicar o “tipo subjetivo” do crime de perigo de contágio
de moléstia grave, fala em elemento subjetivo do tipo “que
é o especial fim de agir”... “É o ‘dolo especifico’, na corren-
te tradicional” (p. 131). Por “corrente tradicional”, tem-se
entendido a teoria causal da ação, o que nos faz dizer:
Autores italianos da novíssima geração de penalistas, além
do consagrado Ferrando Mantovani, usam de modo corren-
te a expressão, sem incidir em qualquer reparo por parte de
seus também modernos colegas europeus.
Como já acentuamos, Beling jamais aceitou que
pudesse o delito-tipo conter elementos subjetivos. O máxi-
mo que concedeu foi a existência, na ação, de uma fase
externa (objetiva) e de uma interna (subjetiva).
Diz ele:

“Los elernentos externos caracterizan el ‘tipo de


ilicitud’ de cada caso y los internos las particularida-
des de la culpabilidad que deben concurrir para
redondear el tipo de ilicitud como tipo de delito”
(Esquema, p. 42).

Repudiando o termo “elementos subjetivos”, assevera


que “es tarea de los juristas buscar una expresión verbal
para sustituir a esa inadecuada palabra compuesta, expre-
sión que designe corretamente al esquema regulador
comúm para la faz objeliva y subjetiva” (Esquema, p. 43).

43
José Cirilo de Vargas

Segundo Fragoso, o propósito de ofender, nos crimes


contra a honra, é elemento subjetivo do tipo (PG, 549. No
mesmo sentido, entre outros, Delmanto e Asúa).
O Legislador pátrio introduziu elementos subjetivos
em diversos tipos. Assim: art. 131: com o fim de; 134: para
ocultar desonra própria; 155, 156 e 157: para si ou para
outrem; 158: com o intuito; 159: com o fim; 161, caput: para
apropriar-se; 161, § 1o, II: para o fim de; 171, caput: para si
ou para outrem; 171, § 2o, V: com o intuito; 173 e 174: em
proveito próprio ou alheio; 180, caput: que sabe ser; 184, §
1o: com o intuito de; 184, § 2o: com o intuito de; 202: com o
intuito ou com o mesmo fim; 206: com o fim de; 207: com o
fim de; 219: para fim libidinoso; 227, § 3o: com o fim de; 228,
§ 3o: com o fim de; 231, § 3o: com o fim de; 234: para fim de;
235, § 1o: conhecendo essa circunstância; 237: conhecendo
a existência do impedimento; 245, § 1o: para obter lucro;
245, § 2o: com o fito de; 247, IV: para exercitar a comisera-
ção pública; 250, § 1o, I: com o intuito de; 261, § 2o: com o
intuito de; 270, § 1o: para o fim de; 273, § 1o, 278: para ven-
der; 282, parágrafo único: com o fim de; 288: para o fim de;
289, § 2o: depois de conhecer a falsidade; 290: para o fim de;
293, § 2o: com o fim de; 296, § 1o, II: em proveito próprio ou
alheio; 299: com o fim de; 301, § 2o: com o fim de; 302, pará-
grafo único: com o fim de; 303, parágrafo único: para fins
de; 305: em benefício próprio ou de outrem; 307: para obter
vantagem ou para causar dano; 308: para que dele se utili-
ze; 309: para entrar ou permanecer; 309, parágrafo único:
para promover-lhe a entrada; 312: em proveito próprio ou
alheio; 312, § 1o: em proveito próprio ou alheio; 316: para si
ou para outrem; 316, § 1o: que sabe indevido; 317: para si ou
para outrem; 319: para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal; 332: para si ou para outrem; 333: para determiná-
lo a praticar: 334, § 1o, c e d: em proveito próprio ou alheio,
que sabe ser, que sabe serem; 339: de que o sabe inocente;
340: que sabe não se ter verificado; 324: depois de saber

44
Do Tipo Penal

oficialmente; 342, § 1o: com o fim de; 343: para fazer; 343,
parágrafo único: com o fim de; 344: com o fim de; 345: para
satisfazer pretensão; 347: com o fim de; 349: destinado a
tornar seguro; 353: a fim de.

2.2.2. Elementos Normativos

Vimos que o Código, de modo geral, limita-se a des-


crever objetivamente o modelo de comportamento repre-
sentativo de um desvalor jurídico-penal.
Mas nem sempre é possível encerrar em esquemas
puramente objetivos a estrutura de uma conduta humana,
motivo por que é necessário, às vezes, introduzir no tipo
elementos para cuja interpretação se exige uma posição
valorativa.
Tais são os chamados elementos normativos, como,
sem justa causa, funcionário, documento, coisa móvel, che-
que, duplicata, mulher honesta, dignidade, decoro, empre-
gados na elaboração de diversos tipos.
Eduardo Correia anota que, primeiro Mayer, e depois
Mezger, Zimmerl e Grünhut foram sucessivamente acen-
tuando “a necessidade de distinguir no Tatbestand ele-
mentos descritivos e normativos. Sendo, pois, o Tatbestand
embora descritivo, é-o de juízos de valor; ao juiz caberá
uma simples função cognitiva, mas de conceitos teleológi-
cos” (A teoria do concurso cit., p. 89. Claus Roxin observa
que “la gran transformación surge de los elementos norma-
tivos del tipo. Ellos hacen vacilar por primera vez la teoría
de la neutralidad valorativa del tipo penal”, in Teoría del
tipo penal, tipos abiertos y elementos del deber jurídico.
Trad de Enrique Bacigalupo. Buenos Aires, Depalma, 1979,
p. 61. Erik Wolf afirmava que no fundo todos os elementos
do tipo têm caráter normativo, pois todos são conceitos
jurídicos e, portanto, conceitos valorativos teleologicamen-

45
José Cirilo de Vargas

te edificados, in “Strafrechtliche Schuldlehre”, v. 1, p. 79,


nota 7, referido por Mezger, Tratado, I, cit., p. 388, no 20).
Bettiol ensina:

“Os elementos normativos são aqueles elementos


que postulam, para poder existir, uma valoração espe-
cial por parte do juiz; fora da valoração específica, eles
não existem como elementos de facto, que possam ser
tomados em consideração para os fins de determina-
ção dos elementos característicos de uma fatispécie.”
(ob. cit., II, p. 74).

Terán Lomas (Derecho penal, cit., p. 322-323) anota que


são distinguíveis três classes de elementos valorativos:

a) os que expressam uma necessidade estimativa,


como o perigo de vida, nas lesões corporais graves;
b) os que requerem uma valoração jurídica, como o
conceito de coisa móvel, no crime de furto, ou a
condição de funcionário público, no delito de
peculato;
c) os que requerem uma valoração cultural, como o
conceito de mulher honesta, no crime de rapto vio-
lento ou mediante fraude.

Embora obstinado em dizer que todos os tipos são de


caráter puramente descritivo, Beling admitia que o
Legislador, para caracterizar uma conduta,

“puede tomar toda clase de elementos: el com-


portamiento corporal mismo, la situación vital de la
cual aquél proviene, aquella en la que ha incido y
aquella que ha acarreado. Por eso no puede imperdir-
sele que se sirva de las relaciones jurídicas de la con-
ducta para la construcción de los tipos (cosa ‘ajena’, §

46
Do Tipo Penal

242, CP; cosa ‘propria’, § 113, etc)” (La doctrina del


delito-tipo, cit., p. 17).

Mesmo importando em enfraquecimento da garantia


do princípio nullum crimen sine lege, é fato concreto a pre-
sença de elementos normativos no tipo.
Deles ainda fala Bettiol:

“Isto quer dizer que, em princípio, os elementos


normativos do facto correspondem a uma concepção
autoritária do direito penal; ou melhor, a uma concep-
ção que vê sem apreensões um aumento dos poderes
discricionários do juiz, a que corresponde um perigo
para as liberdades individuais.” (Direito penal, II, cit.,
ed. port., p. 77. Rosa Maria Cardoso da Cunha é de opi-
nião que os elementos normativos do tipo, dentre
outras circunstâncias que aponta, ‘refutam por comple-
to as funções sistemáticas e de garantia acreditadas à
regra da legalidade” in “O caráter retórico do princípio
da legalidade”. Porto Alegre: Síntese, 1979, p. 72).

2.3. A Função do Tipo

A garantia é uma das funções que a generalidade da


doutrina atribui ao tipo (Dentre outros: Maurach, op. cit., p.
265; Bruno, I, p. 333; Sauer, Derecho penal, PG, trad de Juan
del Rosal e de José Cerezo. Bacelona, Bosch, 1956, p. 114;
Baumann, Derecho Penal – Conceptos fundamentales y sis-
tema. Trad de Conrado Finzi. Buenos Aires, Depalma, 1973,
p. 57; Correia, Eduardo, Direito criminal, cit., p. 276; Terán
Lomas, ob. cit., p. 309; Fragoso, Lições... cit., p. 159 e Con-
duta punível, p. 131; Fontán Balestra, Derecho penal, PG.
Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1975, p. 228; Jiménez de
Asúa, Tratado..., cit., v. III, p. 677; Reyes, La tipicidad. Bo-
gotá, Universidad Externado de Colombia, 1979, p. 29; Soler,

47
José Cirilo de Vargas

Derecho penal argentino, cit., v. II, p. 147; Beling, La doctri-


na del delito-tipo, cit., p. 5; Roxin, op. cit., p. 169; Wessels,
Direito penal, PG. Trad de Juarez Tavares. Porto Alegre,
Fabris, 1976, p. 30).
Se o tipo descreve o comportamento proibido, e se o
art. 1o do Código Penal estabelece que “não há crime sem
lei anterior que o defina”, segue-se que ao lado dos tipos
penais e fora deles não existe nenhuma conduta punível: é
a sua primeira e principal função, a de garantia, que os sis-
temas penais democráticos e contemporâneos asseguram
ao cidadão.
Como corolário do princípio nullum crimen sine lege,
resulta a exigência de que o Legislador, na elaboração
dos tipos, formule, o mais exato possível, a conduta incri-
minada. É inconcebível, por exemplo, a redação de um
tipo assim: “Lesar bem jurídico alheio”, e a respectiva
cominação de pena.
Se é certo que em muitos casos o Legislador não pode
prescindir dos elementos normativos, não é menos correto
que o emprego excessivo deles enfraquece a garantia indi-
vidual, como já consignamos.
Outra conseqüência decorrente do princípio da reser-
va legal é a proibição da analogia: proibindo-a, a ordem
jurídica impõe ao juiz apego estrito ao tipo, vedando-se a
aplicação analógica in malam partem. Em outras palavras,
não se ajustando o comportamento ao tipo, não pode o juiz
valer-se de uma outra descrição, “parecida” ou “semelhan-
te” à conduta do agente.
O referido princípio contém ainda uma disposição
sobre a validez da lei penal no tempo, quando se proíbe ao
Legislador a criação de um direito penal retroativo, para
piorar a situação do agente, e ao juiz, sua aplicação.
Bruno, ensinando sobre a importância do tipo, diz:

48
Do Tipo Penal

“A sua função não se esgota na descrição das


condições elementares do fato punível; serve de
suporte à norma implícita e fundamenta e limita a
antijuridicidade; define precisamente o fato típico, dis-
tinguindo-o de outros que o acompanham influindo
sobre o problema da unidade ou pluralidade de cri-
mes: marca o iter criminis assinalando o início e o tér-
mino da ação nos seus momentos penalmente relevan-
tes, isto é, onde já se configura a tentativa e onde ter-
mina a consumação; atribui a culpabilidade, através
sobretudo do dolo, o seu caráter ajustado a cada figu-
ra penal.” (Direito penal, cit., v. I, p. 333).

Jescheck insiste em que “los tipos penales deben


estar redactados del modo más preciso posible, evitando
emplear conceptos indeterminados, imponiendo conse-
cuencias jurídicas inequívocas y conteniendo únicamente
marcos penales de extensión limitada. La razón de esta exi-
gência de determinación o certeza se encuentra en que la
reserva de ley sólo puede desarrollar toda sua eficacia,
cuando la voluntad de órgano representante del pueblo se
expresa tan claramente que excluye uma decisión subjeti-
va y arbitraria del juez” (op. cit., p. 183).
Das imensas possibilidades de alguém atuar injusta-
mente, o Legislador escolhe aquelas formas de conduta
que, em razão de sua censurabilidade, são proibidas, sob
ameaça de pena; estas ações são descritas pelo tipo, sur-
gindo daí uma função capital, que é a de possibilitar ao
cidadão orientar-se no sentido de conhecer o que é desa-
provado, ou não.
Mayer manifestou a opinião segundo a qual, realiza-
do o tipo, existe indício de que a ação seja também anti-
jurídica, só não o sendo se tiver sido praticada em situa-
ção de exclusão da ilicitude, como em legítima defesa, por
exemplo.

49
José Cirilo de Vargas

Diz que tipicidade e antijuridicidade devem separar-


se uma da outra, e que aquela é o mais importante funda-
mento para se conhecer esta. Textualmente, afirma: “El
más cumplido reconocimiento encuentra su expresión per-
manente en los tipos legales, ellos son, por tanto, los fun-
damentos de cognición sobre qué normas de cultura han
encontrado reconocimienlo y en qué extension se ha
hecho. Con esto volvemos a la teoría sentada al hacer el
análisis de de que los tipos son indicios de la antijuridici-
dad”, mas advertindo que “solo hasta que se pruebe lo
contrario es justo deducir del tipo la antijuridicidad.”
(Apud Asúa, III, cit., p. 663).
É a função fundamentadora da ilicitude, de que falam
Maurach (op. cit., p. 265), Fragoso (PG, cit., pp. 159-160) e
Wessels (op. cit., pp. 30-31), ou limitadora, para Terán
Lomas (op. cit., p. 309. Soler afirma que uma das funções
mais importantes do tipo é a limitadora. Mas ele emprega
o adjetivo com sentido diferente do usado por Terán Lomas.
Diz Soler: “Esta función (limitadora) puede ser entendida
en distintos sentidos: desde luego, el más importante és el
que hemos señalado al establecer la relación entre nuestro
derecho penal y el articulo 19 de la Constitución Nacional”
- Derecho penal argentino, v. II, p. 148. O professor argenti-
no está se referindo ao princípio nullum crimen sine lege),
ou, finalmente, a função de concretizar ou indicar o injusto,
referida por Jiménez de Asúa (Tratado..., cit., v. III, p. 180.
Afirma o professor espanhol: “El tipo penal concreta o indi-
ca lo antijurídico. Sin que el hecho sea injusto o sin que
aparezca en aquel instante como injusto, no puede acuñar-
se un tipo legal-penal... parece evidente que el Legislador,
cuando describe el tipo en el artículo de la parte especial
de su Código, no se entretiene en configurar conductas que
supone neutras, sino las que cree que serán antijurídicas”).
Nesse passo, encerramos o que a Doutrina chama de
segunda fase da teoria do tipo, em que este funciona como

50
Do Tipo Penal

fundamento do ilícito. Nessa fase vigora a chamada “regra-


exceção”: realizado o tipo, a regra é estar presente a ilicitu-
de; a exceção é a presença de uma justificativa (legítima
defesa, estado de necessidade, etc), sendo lícito o compor-
tamento. Por isso é que se fala que o fato pode ser típico e,
ao mesmo tempo, lícito. Esse modo de encarar a questão
parece contar com a maioria da Doutrina (Bruno, Hungria,
Toledo, Fragoso, Zaffaroni, Welzel e seguidores, Muñoz
Conde, Quintero Olivares, Bacigalupo, Maurach, Jescheck,
Asúa, Nilo Batista, Stratenwerth, Luzón Peña, Cobo del
Rosal, Zipf, Sancinetti, Wessels, Vives Antón, Cerezo,
Bustos, Hormazábal, Mercedes Arán, Eduardo Correia, etc).
Passamos, a seguir, à terceira fase, em que a tipicidade
é vista como ratio essendi (razão de ser) da antijuridicidade.
Apesar de não contar com muitos adeptos hoje em dia, nós
a consideramos a mais importante. Comporta vários desdo-
bramentos, alguns dos quais são plenamente aceitos pela
melhor e mais moderna doutrina do crime. Seus principais
teóricos mais conhecidos são Mezger e Sauer.
Mezger situa a tipicidade na antijuridicidade, uma vez
que a estuda no Capítulo desta (§ 21 do Tratado), e define
o tipo em seu sentido jurídico-penal, como “el injusto des-
crito concretamente por la ley en sus diversos artículos, y a
cuya realización va ligada la sanción penal”, e o crime,
como ação antijurídica, mas, ao mesmo tempo e sempre,
“tipicamente antijurídica” (op. cit., p. 364).
Para o antigo professor de Munique, a tipicidade não é
indício, mas razão de ser da antijuridicidade, o que levou
Jiménez de Asúa a escrever:

“No es que lo típico sea la ratio essendi de lo


injusto, como cree Mezger, tesis que, como hemos
dicho, nos llevaría a la falsa posición de que hay una
antijuridicidad penal que tiene su razón de ser en el
tipo, sino que concreta lo injusto o lo señala.”

51
José Cirilo de Vargas

(Tratado, III, p. 680. No mesmo sentido, Reyes


Echandía: “Créase en esta forma una antijuricidad
penal de contenido propio y, por lo mismo, diversa de
una antijuridicidad in genere” - p. 19).

A tipicidade, como ratio essendi da ilicitude, compor-


ta duas alternativas. Uma considera que a tipicidade impli-
ca a ilicitude, e esta resulta excluída em face de uma causa
de justificação. É chamada teoria do “tipo de injusto”, sus-
tentada principalmente por Mezger e Sauer. Outra é a teo-
ria dos elementos negativos do tipo, tendo como principal
formulador Adolf Merkel. Cuidaremos primeiro da teoria do
tipo de injusto.
Welzel anota: “No es correcta, en cambio, la estructu-
ra bimembre del delito de Sauer e Mezger, que fusiona la
tipicidad y la antijuridicidad. El tipo es, segundo ella, la
antijuridicidad ‘tipificada’ ” (El nuevo sistema del derecho
penal. Trad. esp. de José Cerezo Mir. Barcelona: Ariel, 1965,
p. 50). Para o Prof. Fragoso “a identificação de tipo e antiju-
ridicidade conduz ao entendimento inaceitável de que há
uma antijuridicidade especificamente penal” (PG, 1980. p.
160). No mesmo sentido pronuncia-se Munhoz Netto:
“Atribuir ao tipo uma função constitutiva da antijuridicida-
de leva a admitir-se uma antijuridicidade penal distinta da
antijuridicidade geral... não é razoável fundir num único
elemento a antijuridicidade e a tipicidade. A constatação
de uma nada tem que ver com a constatação da outra”.
Sempre é bom lembrar: mesmo sendo professor titular em
Curitiba e assíduo nos encontros e seminários de Direito
penal, além da convivência de Heleno, Toledo, Cunha Luna
e visitantes, Alcides nunca alcançou o status de teórico,
dedicando-se mais à prática dos tribunais. Jamais foi um
científico. De qualquer maneira, ainda dizia: “A premissa
de que a conduta é antijurídica não leva à conseqüência de
que seja típica, da mesma forma que a adequação típica

52
Do Tipo Penal

não implica necessariamente em antijuridicidade” (A igno-


rância da antijuricidade em matéria penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1978, pp. 90-93).
Em benefício da exatidão, esclareça-se que Mezger
rebateu a crítica, mesmo, a nosso ver, sem necessidade: “El
injusto típico específico del Derecho Penal no tiene nada
que ver con la tesis, que a veces aparece en la bibliografia,
de una especial antijuridicidad penal. Tal concepción debe
rechazarse en absoluto [...] este supuesto de una antijuridi-
cidade solo penal contradice la naturaleza misma del
Derecho como ordenación unitaria de vida. El tipo jurídico-
penal no es, por tanto, una especie del injusto circunscrito
a la esfera especial del Derecho punitivo, sino un injusto
especialrnente delimitado y con especiales consecuencias
jurídicas, que tanto fuera como dentro del ámbito del
Derecho Penal representa una contradicción con el
Derecho”. (Tratado, I. pp. 374-375.)
Eduardo Correia, na mesma linha de Mezger, é de opi-
nião que “a ilicitude é um todo e o direito unitário, embora
haja que descrevê-la especialmente, através dos tipos
legais, para que ela seja relevante no direito criminal. Neste
último sentido cf. Mezger, Lehrbuch § 21, V, e a teoria domi-
nante na Alemanha” (Direito criminal, v. II, p. 8, n. 3).
Quando Munhoz Netto diz, acima, “que a adequação
típica não implica necessariamente em antijuridicidade”,
apenas repete Mezger: “Es cierto que el tipo no demuestra
siempre la antijuridicidad de la acción (a saber, cuando
existe una causa de exclusión del injusto)” (Libro de estu-
dio - Parte general. Trad. de Conrado Finzi. Buenos Aires:
Editorial Bibliográfica Argentina, 1958, p. 145).
Para Roxin, Mezger “ha subrayado, con razón, que se
necesitaría, ‘no caer en el error de caracterizar la realiza-
ción del tipo como antijurídica en sí misma’, si es que se
quiere sostener que el tipo es un juicio de disvalor proviso-
rio” (op. cit., p. 67). Figueiredo Dias, em sua tese de douto-

53
José Cirilo de Vargas

rado, na passagem sobre a doutrina do tipo, escreve: “Ou


pode, diversamente, considerar-se que ele abrange apenas
os elementos configuradores de uma espécie de delito (que
ele é, nesta acepção, um tipo de delito), sendo depois, na
perspectiva da ilicitude, limitado por causas justificativas
que do exterior se lhe impõem, de tal modo que o tipo é só
uma expressão provisória de ilicitude e que esta se afirma
só sob reserva da não intervenção de uma causa justifica-
tiva” (O problema da consciência da ilicitude em direito
penal. Coimbra: Almedina, 1969, p. 89).
Toledo coloca-se de acordo, ou manifesta sua preferên-
cia pelo escrito do professor português, acrescentando:
“Além disso, a concepção do tipo como portador de um
juízo de desvalor condicionado tem contado com o apoio de
prestigiosos penalistas, dentre os quais Mezger (Von Sinn
der Strafrechtlichen Tatbestanden) e Sauer (Grundlagen).
Nessa linha de pensamento, não vemos contradição em
aceitar-se o conceito tripartido de crime (ação típica, anti-
jurídica e culpável), bem como a afirmação de que o tipo
contém um sentido, não definitivo, de antijuridicidade, pois
a presença desta na esfera penal só se revela, por inteiro,
de modo perfeito, quando: a) o fato está previsto em lei
como crime e b) o fato não está autorizado por alguma
norma jurídica permissiva (causa de justificação)”
(Princípios, cit., p. 176).
Achamos que o professor de Brasília mostra não assis-
tir razão a Welzel, quando este se refere “a la estructura
bimembre del delito de Sauer e Mezger, que fusiona la tipi-
cidad y la antijuridicidad”.
Não é verdade que o crime, no conceito de Mezger e
de Sauer, é bi-partido, em vez de tri-partido (tipicidade, ili-
citude e culpabilidade), como vem concebido no pioneiro
livro de Beling. Em contrário do que a maioria dos escrito-
res vai passando adiante, ensinavam eles (Sauer e Mezger)
que, havendo a adequação típica, o fato era ilícito, mas

54
Do Tipo Penal

somente e enquanto não fosse identificada uma causa de


justificação, mesmo considerando a tipicidade como razão
de ser da ilicitude.
Afirmava Sauer: “Com a realização do tipo e a ausên-
cia de causas de justificação, estão fixadas a antijuridicida-
de do fato, e, por conseqüência, a do injusto objetivo” (ob
cit., pp. 118-119). Não há dúvida de ambos, Sauer e Mezger,
adotavam o conceito tri-partido de crime. A postura deles
é a da regra-exceção.
Na segunda fase de sua evolução, o tipo é indício da
ilicitude. Na terceira, é razão de ser. Na doutrina dos dois
professores, segundo nossa avaliação, a causa de justifica-
ção afeta apenas a ilicitude. Preferimos não usar a expres-
são “juízo de desvalor provisório ou condicionado” porque
quando a ação incriminada é praticada ocorrem simulta-
neamente a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. De
uma só vez e ao mesmo tempo. Como, então, “parar” esse
desenvolvimento e verificar a provisoriedade da ilicitude?
O adjetivo seguramente não é apropriado. Com isso, não
pretendemos negar a utilidade da decomposição de certo
fenômeno para melhor ser analisado em suas partes e
características. É o que acontece com freqüência no estudo
analítico do delito.
Outro aspecto a considerar é a ilicitude especifica-
mente penal, que resulta do pensamento de muitos pena-
listas, incluindo Mezger e Sauer. Para este último, a tipici-
dade é antijuridicidade tipificada. Estimamos correta
essa posição. Seria imaginável o Congresso tipificar con-
dutas lícitas? Intuitivo que somente se descreve o ilícito.
É também verdadeira a doutrina de Mezger, quando con-
sidera que o tipo legal é um tipo de ilicitude portador da
valoração jurídico-penal no âmbito da delimitação entre
Direito e ilicitude.
Toledo, referindo-se ao tipo de injusto, lembra que este
“não abrange, entretanto, as causas de justificação, que,

55
José Cirilo de Vargas

ao ver de muitos Autores, deveriam igualmente ser incluí-


das em um tipo total de injusto, como elementos negativos
do tipo. Estas, as causas de justificação, constituem verda-
deiros tipos permissivos, modelos de conduta lícita, que,
por terem precisamente a função de excluir a ilicitude da
conduta lesiva, não se confundem com o tipo de injusto
nem podem estar nele incluídas”(O erro, p. 47). O Ministro,
além de penalista de grandes méritos, era especialista em
erro jurídico-penal e adepto da teoria limitada da culpabili-
dade, impondo-a à reforma de 84, em vez da teoria extre-
mada, adotada por Welzel e seus mais antigos seguidores,
como Cerezo, Hirsch, Armin Kaufmann e, entre nós,
Fragoso, para quem o erro sobre os pressupostos fáticos de
uma causa de exclusão da ilicitude é sempre erro de proi-
bição. Toledo, mesmo sem renunciar ao entendimento de
que o tipo descreve a ilicitude (como sempre escreveu),
preferiu a teoria limitada da culpabilidade, como poderia
ter optado, como faz Jescheck, pela teoria que remete às
conseqüências jurídicas, ou pela teoria dos elementos
negativos do tipo, tudo isso sem perda de coerência. É
questão de ponto de vista.
O grande problema, a nosso ver, é o preconceito em
afirmar que os mencionados professores acabam por fundir
a tipicidade com a ilicitude, criando uma estrutura de con-
duta punível composta apenas de dois elementos, em vez
de três. Só mesmo quem quer ignorar a realidade é capaz
de negar que o tipo descreve a ilicitude. Estamos conven-
cidos de que a doutrina de Mezger e de Sauer não leva à
pretendida fusão. Basta recordar alguns pontos seguros
para eles: a) uma ação, só por ser típica, não é ainda neces-
sariamente ilícita; b) a justificativa afasta a ilicitude; c) a
antijuridicidade não pertence ao tipo; d) a antijuridicidade
é uma característica do delito, mas não uma característica
do tipo (por ambos, Mezger, Tratado, I, p. 371).

56
Do Tipo Penal

Pensamos ser forçoso reconhecer que em um sistema


jurídico subordinado ao princípio nullum crimen sine lege a
ilicitude carece de sentido sem a tipicidade. Ao penalista
só pode interessar a ilicitude descrita pelo tipo. Por isso é
que temos posição firmada acerca de uma antijuridicidade
especificamente penal.
Vingou, a partir dos trabalhos de Binding sobre a
norma jurídica e sua violação, no princípio do século passa-
do, a crença de que nossa Disciplina teria a simples carac-
terística de estabelecer penas para as situações de viola-
ção de preceitos já contidos em outros setores da ordem
jurídica. Equivale isso dizer que o Direito penal tem nature-
za puramente sancionatória, sem comandos jurídicos pró-
prios. Nega-se à nossa Disciplina o reconhecimento de que
suas normas, como quaisquer outras, possuem preceito e
sanção. Argumenta-se que o imperativo de comando “não
matar”, implícito na definição do delito de homicídio, des-
tina-se a todos, e é principal em relação à pena, comando
dirigido apenas ao juiz. É visível a superficialidade. Se o se-
gundo comando (a pena) não se dirigisse também a todos,
de que valeria a prevenção geral assinalada à pena? É
acreditável que o cidadão se sentiria constrangido a não
violar o preceito caso não soubesse da conseqüência? Não,
em definitivo.
O máximo admissível, a nosso ver, é o seguinte: o
Direito penal intervém apenas onde resta insuficiente a
sanção respectiva de outros setores da ordem jurídica. Na
elaboração dos tipos penais o que se leva em conta é o bem
jurídico, não se cogitando saber nem mesmo se ele existe
em outras partes do Direito.
Repudiamos a tese da antijuridicidade geral e de um
Direito penal puramente sancionador. Não é possível acei-
tar que, estabelecido o caráter geral da ilicitude, firma-se o
princípio de que ela abarca todos os setores do Direito, me-
nos o Direito penal, porque este conteria apenas a sanção.

57
José Cirilo de Vargas

Assim como todos os sistemas jurídicos são primários,


autônomos e constitutivos, a pena criminal não pode ser
tida como sanção instituída para aplicar-se ao cidadão que
haja atuado em contrariedade aos preceitos de TODO o
Direito abstratamente, seja na esfera civil, comercial ou tra-
balhista. Deve ser tida como sanção aplicável à pessoa do
delinquente, isto é, à pessoa que violou preceito imlícito
em regra de Direito penal.
Estamos tentando mostrar é que, do ponto de vista
substancial, diferença alguma existe entre a ilicitude civil e
a criminal, ou entre esta e a comercial ou trabalhista.
Diferenças não substanciais existem, e muitas. Tenha-se
em vista a tipicidade. Repetimos: a única ilicitude que inte-
ressa ao penalista é a que tiver sido objeto de tipificação,
sem o que não toma forma nem sentido, nem chegando
mesmo a existir. Um fato pode ser aparentemente ilícito em
face do Direito penal; mas só o será se for típico.
Por tais razões é que discordamos de uma pretensa
unidade da ordem jurídica, no âmbito total dos diferentes
setores: civil, administrativo, penal, etc. Basta que se tome
a teleologia ou a finalidade de uma regra civil e de uma
regra penal. Existe uma gama imensa de fatos ilícitos que
não típicos, e que, consequentemente, não violam o Direito
penal: o esbulho possessório sem violência ou sem concur-
so de pessoas, o dano culposo, a apropriação indébita de
uso, a fuga sem violência de pessoa legalmente presa, etc.
Portanto, o que é ilícito em certa disciplina jurídica, não o
será necessariamente em outra. Daí, nossa insistência
nesse ponto: a ilicitude não é sempre a mesma para todo o
Direito. Existe, sim, uma ilicitude penal, tipificada, e outra,
não penal, por não ter sido objeto de tipificação pelo
Congresso. Alguns Autores que se posicionam nesse senti-
do: Aldo Moro, H. Mayer, F. Schaffstein, Francisco de Assis
Toledo e August Hegler.

58
Do Tipo Penal

Nessa terceira fase, que estamos considerando, ensi-


na Mezger: “o legislador cria, mediante a formulação do
tipo penal, a antijuridicidade específica: a adequação típi-
ca da ação não é mera ratio cognoscendi, mas autêntica
ratio essendi da antijuridicidade especial. A adequação
típica converte a ação em ação antijurídica, naturalmente
não por só, mas em vinculação com a falta de especiais
fundamentos que excluem a antijuridicidade. O tipo penal
é um juízo pelo qual se estabelece que a ação, nele subsu-
mida, constitui um injusto, enquanto não se demonstre o
contrário. Desta maneira, o tipo, por oposição à opinião de
Beling e à concepção fundamental de M.E.Mayer, deixa de
ser objeto da valoração e passa a conter diretamente a
valoração de todos os fatos que lhe são subsumíveis. A
diferença entre tipo e antijuridicidade só reside no seguin-
te: o ‘juízo de desvalor jurídico’ emitido no tipo é provisó-
rio” (Vom Sinn der Strafrechtlichen Tatbestände. In
Traeger Fest., 1926, p. 7).
Essa alternativa, como sub-divisão da terceira fase,
conhecida como “teoria do tipo de injusto” (tipicidade mais
ilicitude), e sustentada por considerável parcela dogmática
alemã e espanhola, parece-nos contraditória. Lembra-nos o
dilema do ser e do não ser, do dar e do tirar, além de não
conseguir se afastar do tipo indiciador, como se verá.
Consideremos a tipicidade e a justificativa. Havendo a
primeira, é correto afirmar o juízo positivo de ilicitude. Mas,
afirmar, e, concomitantemente, negar, na mesma situação
fática? Observe-se que os professores Mezger e Sauer sem-
pre ensinaram corretamente que o tipo é a descrição legal
de um comportamento ilícito. Por isso, um raciocínio coeren-
te jamais levaria à conclusão da adequação típica se o fato
fosse lícito, porque, então, o tipo já não estaria descrevendo
um fato ilícito, mas alguma coisa de acordo com o Direito.
Fala-se, há muito, que o fato é congenitamente lícito
ou congenitamente ilícito, não sendo possível, em presen-

59
José Cirilo de Vargas

ça da justificativa, transmudar a natureza de uma conduta:


nasceu ilícita, porque, do contrário, não seria tipificada; e
tornou-se lícita. Vá que houvesse, por exemplo, uma aboli-
tio criminis, e tudo estaria regular e compreensível. Mas
não da forma e nos moldes pretendidos.
Para evitar equívocos ao leitor, e este poder avaliar
melhor a situação, relembramos não estar cuidando do tipo
indiciário. Mas do tipo de injusto, com a óbvia consideração
de uma específica ilicitude tipificada. Um singelo indício
pode ser afastado ou elidido. Mas e a ilicitude tipificada?
Pode ela ser afastada como algo apenas provisório ou con-
dicionado? Isso, acaso, não seria retroceder à fase da regra-
exceção? Evidente que se trata de visível retrocesso.
Em vez desse artificialismo, melhor seria retornar ao
tipo valorativamente neutro de Beling. Afastar um indício
em razão de uma justificativa representa um ponto de
vista defensável em seu tempo. Mas idêntica posição não
pode ser assumida na fase da ratio essendi, sob pena de
ignorar conceitos devidamente aceitos e estratificados na
teoria da conduta punível. Contrariando posições suas, de
responsabilidade científica advinda de suas respectivas
Cátedras, Mezger, Sauer e seguidores ignoram o entendi-
mento da ilicitude tipificada e especificamente penal,
para considerar, como o faz a corrente da ratio cognoscen-
di, que o juízo positivo de antijuridicidade é apenas provi-
sório. Correu tanta tinta sobre uma concepção “nova”, e,
ao final, chega-se à mesma conclusão do tipo indiciador.
Não se compreende. O mesmo não acontece na teoria dos
elementos negativos do tipo.
Ficam, assim, sem sentido as sentenças de Sauer: “a
tipicidade é ilicitude tipificada”; “o tipo é somente uma
forma de aparecimento do injusto, e certamente, uma de
suas duas adequações típicas, a saber: as positiva,
enquanto que a outra, negativa, forma as causas de justifi-
cação”; “o tipo representa uma reunião típica dos elemen-

60
Do Tipo Penal

tos desvalorados juridicamente relevantes e socialmente


prejudiciais” (ob cit, p. 111).
A outra alternativa da ratio essendi é a teoria dos ele-
mentos negativos do tipo, considerada a seguir, e de que
somos partidários há mais de duas décadas.
Claus Roxin, escrevendo sobre o conceito e as vanta-
gens do tipo total de injusto (isto é, tipo de injusto mais
ausência de justificação), anota: “A idéia segundo a qual o
juízo de desvalor legislativo está expresso no tipo penal, é
um fundamento pelo qual as circunstâncias excludentes do
injusto correspondem sistematicamente ao tipo, dado que
elas contribuem para a determinação do injusto tanto
quanto os elementos da descrição particular do fato”
(Teoría, 274).
A teoria em apreço surgiu na Alemanha na segunda
metade do século XIX, por obra de Adolf Merkel, sendo
lembrados também os nomes de Frank, Radbruch e
Baumgarten. Tinha-se em vista solucionar a questão do
erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de exclu-
são da ilicitude, que o então art. 59, I, do CP, não resolvia
diretamente. O vigente continua sendo omisso, havendo
posições doutrinárias as mais variadas, dentre as quais a
que estamos referindo. Autores da importância de
Jescheck chegam a mencionar até cinco soluções.
Acreditamos que na presente monografia bastam uma
ligeira notícia do instituto e nossa posição a respeito.
O ponto de partida de Merkel foi a consideração de
que o tipo de injusto contém uma parte positiva e outra,
negativa. A primeira seria formada pela descrição da con-
duta incriminada; a segunda, negativa, pela ausência de
causa de justificação. Em conseqüência, o tipo do art. 121
do CP brasileiro deveria estar assim redigido: “Matar
alguém, a não ser em legítima defesa, ou em estado de
necessidade...” etc. Desse modo, a presença de uma justi-
ficativa, funcionando como elemento negativo, impede a

61
José Cirilo de Vargas

realização típica. O fato, portanto, nessas condições, não


seria típico.
O “tipo total de injusto”, que resulta da fusão das par-
tes positiva e negativa, abrange todos os elementos que
fundamentam, delimitam e excluem a ilicitude. Com isso, a
afirmação da tipicidade implica, desde já, a inocorrência de
causa justificativa, permitindo um juízo definitivo sobre a
ilicitude, e, não, um simples indício.
Em seu Tratado, Merkel, cuidando da imputação e da
culpabilidade, no capítulo III, escreve: “ Não se pode dizer
que haja delito doloso.... quando o agente pressupõe a exis-
tência de relações cuja inexistência pertence às caracterís-
ticas designadas pela lei ao delito (características negati-
vas deste), como, por exemplo, relações que se houvessem
existido teriam servido para justificar a prática do fato, em
razão de legítima defesa” (Derecho penal, parte general. §
30, 1 e 2. Trad do original por Dorado Montero. Montevideo
e Buenos Aires, B de F, 2004, pp. 83-84. No mesmo sentido
de que há erro de tipo, entre muitos outros criminalistas,
Stratenwerth, Parte Geral, no de margem 491 e ss).
Tipo e ilicitude fundem-se portanto numa só figura, a
do tipo total de injusto, na expressão de Lang-Hinrichsen
(“Die Irrtümliche Annahme eines Rechtfertigungsgrundes
in der Rechtsprechung des Bundesgeritchtshofes”.
Juristen-zeitung, 1953, 362 et seq.). Dizemos em favor
dessa teoria: o tipo só descreve condutas ilícitas. Ora, a
conduta praticada em legítima defesa não é ilícita. Não
sendo imaginável que o Congresso Nacional perca seu
tempo descrevendo conduta conforme ao Direito, segue-se
a ausência de tipicidade. Voltando à lição de Toledo: “mais
uma vez se ressalta... a anterioridade da ilicitude em rela-
ção ao tipo legal de crime” (Princípios, 134).
Consideremos a tipicidade e as causas de justificação.
Havendo a primeira, é correto afirmar o juízo positivo da
antijuridicidade. Havendo ambas (a tipicidade e a justifica-

62
Do Tipo Penal

tiva), haveremos de afirmar e de negar a um só tempo. E


mais: em presença da justificativa, o fato narrado na pri-
meira parte do tipo “total” seria lícito. É crível um tipo
legal de crime descrever conduta conforme ao Direito?
Ninguém imagina situação ao menos parecida.
Assim imaginada, recebeu o prestigioso aval de
Edmundo Mezger (conferir a sétima edição dos “Co-
mentários de Leipzig”, de 1954, em que aprofunda o estu-
do do tema) e da mais refinada dogmática alemã. Fragoso
lembra que “de elementos negativos do tipo já falava Adolf
Merkel em seu Tratado, ao cuidar da legítima defesa, mas
tinha em vista a concepção do tipo como conjunto de todos
os pressupostos da pena (Gesamttatbestand), de sorte que
as causas de exclusão da antijuridicidade pertenceriam
indubitavelmente ao tipo” (Conduta punível, cit., p. 150.
Em seu Tratado, Merkel, ao cuidar da legítima defesa, não
menciona a teoria dos elementos negativos do tipo).
Resultava, assim, um tipo total de injusto, ao qual só falta-
ria a culpabilidade, para estar completa a figura do delito.
Wessels avalia que “o mérito dogmático da teoria dos
elementos negativos do tipo assenta-se em ter descoberto
todos aqueles fundamentos que sugerem um tratamento
especial do erro sobre as circunstâncias justificantes do
fato (erro de tipo permissivo), situado entre o autêntico
‘erro de tipo’ e o puro ‘erro de proibição’ ” (op. cit., p. 32).
Entre nós, Miguel Reale Júnior é reconhecidamente a
favor da teoria. Escreve ele: “Mas toda ação típica é antiju-
rídica? A nosso ver, sim. E as causas de justificação?
Ocorrendo uma causa de justificação não há a adequação
típica” (Antijuridicidade concreta, cit., p. 53). No mesmo
sentido, Cunha Luna: “Não são típicos os atos justificados
(exercício regular de direito, estrito cumprimento do dever
legal, estado de necessidade e legítima defesa)” e
“Configurada uma causa de exclusão da antijuridicidade,
excluída está a antijuridicidade” (Capítulos de Direito

63
José Cirilo de Vargas

Penal. SP, Saraiva, 1985, p. 22-23 e 76). Mais recentemente,


Paulo de Souza Queiroz (Direito Penal, Introdução Crítica.
SP, Saraiva, 2001, p. 101 et seq.) e Janaina Conceição
Paschoal (Direito penal, parte geral, p. 48. SP, Manole,
2003). Em Portugal, Figueiredo Dias, em sua vasta obra, ora
parece a favor, ora contra, o mesmo acontecendo com
Eduardo Correia. Na Espanha, decididamente a favor, entre
outros, Santiago Mir Puig (Derecho Penal, PG, 6a ed.,
Barcelona, Reppertor, 2002), Cuello Contreras (El Derecho
Penal Español, PG, Madrid, Dykinson, 2002), Gómez de la
Torre/Arroyo Zapatero et al (Curso de Derecho Penal, PG.
Barcelona, Ediciones Experiencia, 2004), Bustos Ramírez
(“El tratamiento del error em la reforma de 1983”, Anuario
de Derecho Penal, 1985, pp 709 e ss) e Gimbernat Ordeig
(“Introducción a la parte general del Derecho penal espa-
ñol”, Madrid, 1979, pp 33 e ss, 55 e ss). Na Alemanha,
Bernd Schünemann (“La función de la delimitación de
injusto y culpabilidad”, in Fundamentos de um sistema
europeo del derecho penal – Livro-homenaje a Roxin –
Barcelona, Bosch, 1995, pp 205 e ss).
Na mesma linha de Reale Júnior, Roxin: “Para o tipo
total, uma ação justificada não é típica, e uma ação típica é
sempre antijurídica”; “O tipo total resulta, desde pontos de
vista sistemáticos, dogmáticos e práticos, preferível a um
tipo penal que só contenha os elementos das prescrições
penais da Parte Especial. Só o tipo total é realmente um
tipo ‘cerrado’, pois compreende a totalidade do substrato
correspondente ao juízo de injusto” (Teoría, p. 294).
Rechaçando tal doutrina, Jescheck: “ Para esta exten-
dida teoría el tipo há de abarcar no sólo las circunstancias
típicas del delito, sino todas aquellas que afecten a la anti-
juricidad. Os pressupuestos de las causas de justificación
se entendien, así, como elementos negativos del tipo. Se
incluyen, por tanto, en el tipo porque sólo cuando faltan es
posible um juicio definitivo sobre la antijuridicidad del

64
Do Tipo Penal

hecho. Elementos del tipo y pressupuestos de las causas


de justificación se reúnen, por esta vía, em um tipo total y
se sitúan sistemáticamente em un mismo nivel.” (I, cit., p.
338) e Fragoso: “As descriminantes (art. 19, CP) não são
elementos negativos do tipo, mas causas de exclusão da ili-
citude do fato. Situam-se, assim, fora do tipo e sua ocorrên-
cia exclui apenas a antijuridicidade, não a tipicidade. A
teoria dos elementos negativos, como é exposta por muitos
penalistas modernos, leva a identificar a tipicidade e a
antijuridicidade, o que é inadmissível” (PG, 1980, p. 164).
Achamos que em um sistema jurídico subordinado ao
princípio nullum crimen, a antijuridicidade não tem qual-
quer sentido sem a tipicidade, razão porque não nos cons-
trange dizer que a antijuridicidade não está rigidamente
dela separada.

65
Capítulo 3
Análise do Tipo

Do modo como Beling o concebeu, em 1906, o tipo


representou um avanço extraordinário no estudo de nossa
disciplina, pois, desde então, a maioria das construções
teóricas sobre o crime parte do pressuposto de que a ação
humana se ajustou ao molde legal, ou tipo. Se não houve
essa correspondência, ou tipicidade, nem como possível
hipótese de trabalho, não há que se passar adiante e inves-
tigar a existência, ou não, de uma justificativa penal, e se a
ação é culpável, isto é, se a ordem jurídica reprova o com-
portamento do agente, para então estar completa a condu-
ta punível: a ação humana acrescida dos atributos da ilici-
tude, da tipicidade e da culpabilidade.
Antes da construção do penalista germânico, o crime
era estudado sob os aspectos objetivo e subjetivo que, na
verdade, representavam a antijuridicidade e a culpabilida-
de. Com a idéia do tipo, viabilizou-se a formulação do con-
ceito analítico do crime: fato típico, antijurídico e culpável.
Nosso ponto de vista é no sentido da precedência da ilicitu-
de sobre tipicidade, pelas razões já expostas anteriormente.
Nosso propósito, agora, é analisar os elementos obje-
tivos e circunstâncias constitutivas do tipo, excluídos, evi-
dentemente, os elementos especiais (subjetivos e normati-
vos), já atrás referidos.
Consideraremos, nesse passo, a ação e a omissão, o
resultado, o nexo causal, os sujeitos, o objeto material, as
circunstâncias de lugar e de tempo, os meios e os modos
de execução.
Por motivo que aqui não cabe discutir, Grispigni, que
escreveu, a nosso ver, a mais detalhada análise do tipo,

67
José Cirilo de Vargas

exclui da relação de elementos objetivos e circunstâncias


constitutivas o sujeito passivo e as circunstâncias modais,
reduzindo-se aqueles a oito (op. cit., p. 145).
O objeto jurídico, examinado na primeira parte da
monografia, não constitui, a nosso ver, elemento do tipo; este
é elaborado tendo em vista a proteção de um bem, ou valor
(Diz Mayer que “el objeto de protección jamás es una moda-
lidad del acto, y por tanto, nunca es tampoco un elemento
del tipo”, apud Asúa, Tratado, v. III, p. 92. No mesmo senti-
do, Grispigni: “Devesi dire che l’oggetto giurídico è fuori del
reato, perchè essendo quest’ultimo, nella sua unità e totali-
tà, l’offesa di un bene giurídico, tale ofesa non puó nello stes-
so tempo essere uno degli elementi di esso. Escludendo peró
l’oggetto giurídico dagli elementi della fattispecie legale,
devesi nello stesso tempo affrettarsi ad aggingere che la
considerazione di esso non solo è della massima importanza
per l’esatta determinazione e rocostruzione della fattispecie
penale” (op. cit., p. 139). Jiménez Huerta não acha correto
excluir o bem jurídico dos elementos do tipo, dizendo que
aquele é parte componente da estrutura do concreto tipo
penal – La tipicidad, cit., p. 92-93).
Por fim, insistimos em que os requisitos, ou elementos,
ou circunstâncias que serão estudados adiante não são
encontrados sempre e em todos os tipos. Grispigni acha
mesmo que a maior parte dos tipos é composta de apenas
quatro elementos: conduta, evento, nexo causal e objeto
material (Op. cit., p. 146).

3.1. A Ação

A leitura de um livro, a ida à escola ou ao cinema, a


prática de um esporte ou um passeio são ações de nosso
cotidiano que nada têm de contrário ao Direito. De fato, só
uma pequena parcela de nossas ações ou omissões lesa ou

68
Do Tipo Penal

põe em perigo bens jurídicos dignos de proteção penal, e,


por isso, são proibidas sob ameaça de pena criminal.
Tais ações, previamente incriminadas ou tipificadas,
são ilícitas por decisão do Congresso Nacional, refletindo o
que já havia sido repudiado pela “vontade social preponde-
rante”. Fazendo parte ou sendo elemento do tipo legal de
crime, carregam consigo a primeira valoração negativa do
ponto de vista jurídico-penal. Se formam a “matéria de
proibição”, não vemos necessidade de alusão à sua “dano-
sidade social” ou “evitabilidade” ou a expressões congêne-
res no momento de sua conceituação doutrinária. A lesão
ou perigo de lesão a bem jurídico é parte integrante de sua
natureza, não carecendo, pois, ser reafirmada. Que esta-
mos tratando de ação ilícita é ponto indiscutível.
A ação de matar alguém está prevista no art. 121 do
CP muito mais por garantia individual que por outra razão
qualquer. A essa ilicitude formalizada se alia outra, de
cunho material, porque a descrição típica implica, desde já,
lesão ou perigo de lesão à vida, ou seja, o bem que mencio-
nado dispositivo está protegendo.
Não estamos considerando lesão a alguma regra de
Direito, e, muito menos, proteção de sua vigência. Essa
estranha mescla de bem jurídico com lesão e proteção de
vigência da norma está na ordem do dia de nossa
Disciplina, graças a certas concepções de Jakobs, professor
de Bonn a desencavar idéias pouco aceitas até mesmo ao
tempo de sua proposição pelo filósofo Hegel, no século XIX.
Nossa Disciplina não foi concebida como instrumento
de tutela do ordenamento jurídico. De modo algum se com-
preende que o bem jurídico-penal, nos delitos contra o
patrimônio, seja a vigência do “conteúdo da norma”, como
quer o referido professor (Strafrecht, AT. Berlin, Gruyter,
1991, 2/5).
A posição valorativa antecede à elaboração típica, tal
como estamos insistindo. A natureza ilícita da ação, que

69
José Cirilo de Vargas

realizar o tipo, levará ao juízo acerca da reprovabilidade, ou


não, atribuível ao agente. O mais, que importará saber, é
se, no caso, existe uma causa de justificação. Se existir, o
fato não será típico.
A teoria da ação já contou com mais e melhores favo-
res doutrinários. Recentemente a maioria das exposições
sistemáticas da teoria do delito tende a não considerá-la
elemento independente e prévio às demais característi-
cas da conduta punível, mas, simplesmente, parte inte-
grante ou do tipo ou do ilícito (a propósito, o artigo-contri-
buição de Juarez Tavares numa das coletâneas em home-
nagem a Enrique Bacigalupo. Madrid-Barcelona, Marcial
Pons, 2004, p. 901).
Hoje em dia seu papel é modesto, se considerado o
relevo fundamental que até há pouco lhe era concedido no
estudo do crime. Se observarmos os melhores trabalhos
produzidos em nossa área, veremos que em muitos deles
os “níveis de imputação” se limitam ao ilícito e ao culpável.
No início dos anos sessenta do século XX, Claus Roxin,
escrevendo sobre a teoria da ação finalista, afirmou várias
vezes que o conceito de ação, em Direito penal, não tem
qualquer serventia (Problemas fundamentais de Direito
penal. Lisboa, Vega, 1986, pp. 91 et seq.) Antes, em 1903 e
1930, Gustav Radbruch já se manifestava no sentido de
outorgar primazia não ao conceito de ação, mas à realiza-
ção típica. Deve também ser lembrado que, segundo Sauer,
o criminalista pensa em termos de tipo.
É bem verdade que o tipo cumpre uma das mais
importantes funções num Estado de Direito, que é a garan-
tia. E esta é o principal fundamento para se editar a regra
jurídica descrevendo a conduta proibida. Elaborado o tipo,
é possível afirmar o marco dentro do qual se confere rele-
vância jurídico-penal a certa conduta humana. A par disso,
e como já reiteramos, a única ação relevante para o Direito
penal é a que realiza um tipo legal de crime. Daí, pensar-

70
Do Tipo Penal

mos primeiramente na ilicitude tipificada, nada havendo


em nossa Disciplina que se possa crismar de pré-típico. Em
nossa concepção valorativa, a ação carece de qualquer sen-
tido se não for típica (é como dissemos supra: a única ilici-
tude que nos interessa é a ilicitude tipificada).
Na atual ciência alemã do Direito penal coexistem
várias teorias sobre o conceito de ação, de que destacamos
três: causal, final e social.
Segundo os causalistas, ação é um comportamento
humano voluntário que causa uma modificação no mundo
exterior. Para a corrente finalista, ação é o exercício de uma
atividade final. A partir de idéias causalistas e finalistas,
construiu-se um conceito social de ação: comportamento
humano socialmente relevante (Jescheck, Tratado, §§ 22/23).
Não repudiamos totalmente nem o causalismo nem o
finalismo, pois ambas as correntes têm um “quid” de ver-
dade. Autores da importância de Eb. Schmidt, Engisch,
Maihofer, Wessels e Jescheck, implícita ou explicitamente,
se manifestaram nesse sentido.
Para nós, ação é um movimento corporal voluntário
dirigido à realização típica. Não mencionamos o resultado
porque este não é indispensável ao tipo. Tampouco ignora-
mos a intenção, atentos ao fato de a ação ser ontologica-
mente finalista.
Comporta ela dois momentos perfeitamente distintos:
a formacão da vontade e a sua exteriorização, podendo pro-
duzir, ou não, uma modificação do mundo exterior, entida-
de que pode se acrescentar ao conceito de ação.
Todo movimento corporal do homem, que não seja
fruto de sua vontade, não pode ser chamado de ação. Na
formação da vontade, trava-se uma luta entre os motivos e
os contra-motivos: sem essa possibilidade de opção, não
há falar em vontade.
Na coação física absoluta, por exemplo, não há ação,
porque não houve possibilidade de escolha. Já o coagido

71
José Cirilo de Vargas

moralmente é capaz de agir, porque lhe resta sempre a pos-


sibilidade de decidir entre a continuação do padecimento,
físico ou moral, e a atuação.
A vontade, que se exige na ação, é apenas aquela sufi-
ciente para afirmar a ausência de coação física absoluta, ou
de reflexos institivos, em cuja presença não se pode falar
em ação. Nesse momento do fenômeno do crime, reputa-
mos irrelevante o conteúdo da vontade de quem agiu; para
nós, o conteúdo do ato de vontade só tem importância na
investigação da culpabilidade.
O doente mental e o imaturo podem ter a vontade
indispensável para agir. Muitas vezes a vontade, como
ensina Aníbal Bruno, “insuficiente para fundamentar a cul-
pabilidade, basta para constituir o elemento subjetivo da
ação” (Direito penal, v. I, p. 285. Anotam os Autores:
Baumann: “Nosso conceito de ação realça que a capacida-
de de atuar é inerente ao ser humano. Pode atuar tanto o
menor quanto o alienado, sempre que estejam em condi-
ções de realizar uma conduta guiada pela vontade” (op.
cit., p. 114); Wessels: “Capaz de ação em sentido jurídico-
penal é toda pessoa natural independentemente de sua
idade ou de seu estado psíquico, portanto também os
doentes mentais. A capacidade de ação, apenas depen-
dente das forças naturais da vontade, deve ser incisiva-
mente separada da concreta e individual capacidade de
culpa” (op. cit., p. 23); Beling: “Para afirmar que existe uma
ação, basta a certeza de que o sujeito atuou voluntariamen-
te. O que ele quis (isto é, o conteúdo da sua vontade) é por
ora irrelevante; o conteúdo do ato de vontade só tem impor-
tância no problema da culpabilidade” (apud Mezger,
Tratado, I, p. 221).
Observa Maria Helena Diniz: “A ação consta de dois
elementos: o extrínseco — pois é manifestação objetiva,
realidade pertencente ao mundo físico; e o intrínseco por-
que se trata de entidade de psíquica, intenção, estado de

72
Do Tipo Penal

ânimo, afirmação da vontade. Por conseguinte, um fenôme-


no só é ação quando emana de uma pessoa, quando expri-
me uma atividade voluntária da mesma, um comportamen-
to seu” (Conceito de norma jurídica como problema de
essência. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1979, p. 102).
Também, assim, Ignacio Villalobos: “La actividad mental
sin voluntad, no obstante corresponder a una de las facul-
dades superiores y propiamente humanas, no es acto del
hombre” (Derecho penal mexicano — Parte general.
México: Porrúa, 1975. p. 233).
Mas a vontade que se esgota tão-somente na alma da
pessoa é um nada, do ponto de vista jurídico-penal: cogita-
tionis poenam nemo patitur.
É necessário que a vontade se exteriorize no mundo
físico e represente um ataque a bem jurídico tutelado por
uma norma penal. Se assim não for, trata-se de ação jurídi-
co-penalmente irrelevante.
Uma ação que jamais pode realizar um tipo, seja por
absoluta impropriedade do objeto jurídico, seja por absolu-
ta inidoneidade do meio empregado, jamais será uma ação
criminosa. Em nosso Direito, o cidadão só pode ser punido
pelo que fez, e, não, pelo que é.
A ação deve ser subsumível ou enquadrável em um
tipo penal; do contrário, falhará a tipicidade, e, por conse-
qüência, o próprio crime.
Se o agente atuou com discernimento e vontade do
resultado, ou assumindo o risco, ou imprevidentemente, ou
se era exigível dele uma conduta diferente, são questões a
ser resolvidas no setor da culpabilidade.

3.1.1. A Omissão

Quando o Legislador elabora os tipos, o preceito ali


implícito é, na maioria das vezes, negativo: não furtarás,
não provocarás aborto. Nesses casos, o tipo contém enun-

73
José Cirilo de Vargas

ciado positivo: “subtrair para si ou para outrem” e “provo-


car aborto”. Ao contrário, em certos tipos, o preceito é posi-
tivo, e o enunciado é negativo: no tipo do art. 269 do CP, o
preceito é “denunciarás à autoridade pública”, etc... O
“deixar de denunciar”, portanto, constitui um “não fazer”
que possui a mesma relevância jurídica do “fazer” “matar
alguém”, para efeito da existência do crime.
Assim, os crimes podem ser praticados também atra-
vés da omissão. O Anteprojeto de reforma da Parte Geral,
de 1981, repetindo o Código de 69, dizia: “A omissão é
penalmente relevante quando o omitente devia e podia
agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe: a)
tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir
o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o
risco de sua superveniência” (art. 13, § 2o). Houve ligeira
modificação introduzida pela lei 7.209/84, resultando a
seguinte redação: “O dever de agir incumbe a quem: ...” c:
“...criou o risco da ocorrência do resultado.”
No caso, o Legislador caminha junto aos Autores, por-
que a omissão de que aqui se cogita, não é uma pura inér-
cia, ou abstenção ou um non facere qualquer.
Ao revés, deve ser a abstenção daquilo que a ordem
jurídica impõe, porque sem o dever de agir não se pode
falar em omissão, como ensina Bruno: “A omissão relevan-
te para o Direito Penal é a que consiste em omitir o cumpri-
mento de um dever jurídico.” (Direito penal, v. I, p. 299. Em
Comunicação ao XIII Congresso Internacional de Direito
Penal, o Grupo Brasileiro da Associação Internacional de
Direito Penal disse: “Tal dever incumbe ao garantidor, isto
é, a quem reúne características especiais que a tornam res-
ponsável pela preservação do bem de interesse jurídico
[...]. Se faltar a possibilidade de realizar a ação que impeça
a lesão, não haverá omissão adequada ao tipo penal” (Os

74
Do Tipo Penal

crimes omissivos no Brasil. Revista de Direito Penal e


Criminologia, Rio de Janeiro, v. 33, p. 18 et seq.).
Essa Comunicação é o relatório geral (elaborado por
Alcides Munhoz Netto) do colóquio nacional, preparatório
do mencionado Congresso, e foi celebrado no Rio, em 1982,
com as presenças de Zaffaroni e Novoa Monreal, especial-
mente convidados. Infelizmente, Alcides não pôde ver seu
trabalho apresentado ao Congresso, reunido no Cairo, em
1984, porque foi colhido pela morte, de maneira trágica e
antes do evento.
Sobre a omissão, observam os Autores: von Liszt: “El
concepto de la omisión supone: que el resultado produci-
do hubiera sido evitado por el acto, que, apesar de ser
posible para el autor y esperado par nosotros, fué omitido
por éste” (Tratado..., v. II. § 30, p. 315). Grispigni: “Senza
l’elemento del ‘dover essere’, sia pure meramente stru-
mentale e cioè di mezzo a fine, è impossibile parlare di
omissione” (op. cit., p. 32). Bettiol: “O conceito de omissão
só tem significado em cantato com uma exigência espiri-
tual, na medida em que, na realidade naturalística e com
o auxílio de meros critérios, não é possível qualificar como
omissivo um determinado comportamento” (v. 2, p. 109).
Soler: “La mera abstención se transforma en omisión
punible, cuando el acto que habría evitado el resultado
era juridicamente exigible” (v. 1, p. 295). Mezger: “Sin
esta acción pensada (esperada) no es posibie hablar de
omisión en sentido jurídico” (Tratado..., v. I, p. 289).
Fragoso: Lições... - PG, 1976): “Omissão é abstenção de
atividade que o agente podia e devia realizar. Omissão,
em conseqüência, não é mero não fazer, mas, sim, não
fazer algo que, nas circunstâncias, era o agente imposto
pelo direito e que lhe era possível submeter ao seu poder
final de realização” - p. 235).

75
José Cirilo de Vargas

Com a reforma de 1984, o código alinha, no art. 13, §


2o, as fontes do dever de atuar, sob a rubrica “relevância da
omissão”:

a) obrigação de cuidado, proteção ou vigilância,


como, por exemplo, o dever de guarda e manuten-
ção dos filhos, previsto no art. 1.634 do Cód. Civil;
b) o dever de quem, de outra forma, assumiu a res-
ponsabilidade de impedir o resultado. São as
conhecidas hipóteses do guia alpino, do salva-
vidas e do professor de natação;
c) quem cria o risco da ocorrência do resultado tem o
dever jurídico de afastá-lo. A mãe, omitindo-se em
seu dever de alimentar o filho recém-nascido, com
a intenção de matá-lo, e sobrevém a morte, res-
ponde por homicídio. É a mesma situação da
enfermeira que, dolosamente, se abstém de minis-
trar o remédio ao doente, que, em conseqüência,
vem a morrer.

Como assinala Fragoso, “os pressupostos de fato que


configuram a posição de garantidor são elementos do tipo,
devendo estar cobertos pelo dolo. O agente deve ter, assim,
consciência de sua posição de garantidor da não-superve-
niência do resultado. O erro a tal respeito é erro de tipo e
exclui o dolo” (PG, 1995, p. 233).
Da mesma forma que na ação, o elemento vontade é
imprescindível na omissão: não há falar nesta, se aquele a
quem incumbia agir foi fisicamente coagido a não agir.
A Doutrina distingue duas categorias de crimes omis-
sivos: os próprios, ou puros, e os impróprios, ou comissivos
por omissão.
Nos omissivos próprios, o agente realiza o tipo apenas
se abstendo de cumprir o comando do preceito positivo; o
crime se consuma com a só abstenção, prescindindo, pois,

76
Do Tipo Penal

de qualquer resultado. Mostrando que o agente não reali-


zou o que podia e devia realizar, tem-se que a conduta é
típica. Ex.: o delito previsto no art. 135 do Código Penal,
omissão de socorro.
Por omissivos impróprios entendem-se aqueles em
que o resultado é conseqüência de uma omissão.
Às vezes, os crimes de resultado podem ser realizados
tanto através de uma ação, quanto de uma omissão. Assim,
a mãe tanto pode matar o filho sufocando-o, como privan-
do-o de alimentação. Nesta segunda hipótese, o resultado
é conseqüência da omissão.
Nos crimes omissivos puros, que se consumam com a
só abstenção da atividade imposta, não há o nexo causal,
por não existir o resultado. Somente por exceção, como
ocorre, por exemplo, nos parágrafos dos arts. 133, 134 e
135, há um resultado (lesão corporal grave ou morte) visí-
vel, destacável do comportamento do agente. Nesses
casos, evidentemente não se pode negar a existência da
relação causal.
Bruno diz que a omissão “não consiste em um movi-
mento corpóreo, mas é manifestação precisa da vontade no
mundo exterior, expressa em um não fazer contrário ao
dever jurídico de fazer. E daí a relação causal que prende
essa maneira de agir ao resultado que dela provém e que
se pode afirmar com a mesma segurança lógica da causali-
dade no atuar positivo” (v. I, p. 294. Pesa-nos divergir do
grande penalista brasileiro. Nos crimes omissivos puros,
como se sabe, não há um resultado que condiciona a exis-
tência daqueles. A relação causal, como o próprio Mestre
ensina (vol. I, p. 305), “estabelece o vínculo entre o compor-
tamento em sentido estrito e o resultado”. Por exemplo,
qual resultado haveria na omissão de notificação de doen-
ça? No caso, qual a modificação do mundo exterior?
Rigorosamente, nenhuma).

77
José Cirilo de Vargas

Se, de regra, não existe a relação causal nos tipos


omissivos puros, o mesmo não se dá quanto aos omissivos
impróprios. Na hipótese fática da mãe que deliberadamen-
te deixa de alimentar o próprio filho, querendo matá-lo, e
sobrevém o resultado morte, por desnutrição, o resultado
lesivo é conseqüência da omissão. Se a mãe tivesse cum-
prido o dever jurídico de alimentar seu filho, o resultado
muito provavelmente não teria ocorrido. Embora a lei bra-
sileira seja expressa no sentido da causalidade na omissão,
os Autores debatem o assunto.
Fragoso escreve: “Os crimes comissivos por omissão
ou comissivos impróprios, não são como geralmente se
supõe, crimes comissivos. São crimes omissivos em que a
punição surge, não porque o agente tenha causado o resul-
tado (não há causalidade alguma na omissão), mas porque
não o evitou” (PG, 1976,p. 238). Significativamente, a
expressão “evitar o resultado” foi empregada pelo
Anteprojeto de 1981 e mantida pela Reforma de 84.
Admitindo a causalidade na omissão, Cunha Luna:
“Causa é a ação, causa é a omissão. Também a omissão é
causa do resultado. Mesmo que a Lei brasileira não dispu-
sesse, expressamente, que a omissão é causal, mesmo
assim não veríamos dificuldade em considerá-la a par da
ação, no que diz respeito ao nexo de causalidade”
(Estrutura jurídica do crime. Recife: Universidade Federal
de Pernambuco, I 970, p. 75). E também Sauer: “Es comple-
tamente errôneo negar la causalidad de la omisión y en su
lugar exigir (v. Liszt) la antijuridicidad, la infraccion de un
deber jurídico”, completando: “La omisión es causal cuan-
do la acción esperada (sociológicamente) hubiese proba-
blemente evitado el res, de otro modo: Cuando la omisión
de esta acción es peligrosa socialmente y por el contrario Ia
acción hubiese apartado el peligro” (op. cit., p. 148-150).
Ilustre componente de seleta Banca que examinou
este trabalho qualificou de “gritante contradição” o fato de

78
Do Tipo Penal

admitirmos a relação causal nos crimes omissivos impró-


prios, e a negarmos nos omissivos puros. Refutando a críti-
ca, argumentamos: concebemos o resultado como uma
entidade natural, que se acrescenta à ação, como seu efei-
to, ou conseqüência. Aquela liga-se a este pelo vínculo cau-
sal. Sabendo-se que, de regra, nos crimes omissivos puros
não há um resultado natural, segue-se que neles não há
nexo causal. Já nos omissivos impróprios há resultado, e,
por conseqüência, nexo causal.
Como se vê, há disputa em torno do assunto, mas con-
tinuamos com nosso ponto de vista: nos omissivos puros,
não há relação causal, exceto nas hipóteses de agravação
especial pelo resultado morte ou lesão corporal.
Nos omissivos impróprios (art. 13, § 2o), o nexo causal
existe e é tão perceptível quanto nos crimes comissivos.
Grispigni enfatiza que a omissão é um juízo de contra-
dição de uma conduta em relação a uma norma que impõe
determinada conduta (Op. cit., p. 32).A omissão seria, por-
tanto, uma conduta “diversa” daquela imposta pela ordem
jurídica. Tanto nos omissivos puros quanto nos impróprios,
o comportamento só terá a qualidade de omissão relevante
em relação com uma norma, com uma exigência. A omissão
é conceito normativo: a norma jurídica (art. 1.566, IV, do
Código Civil de 2002) é que impõe à mãe o dever de alimen-
tar o filho recém-nascido. No sentido da “normatividade”
da omissão, também Cunha Luna: “A ação omissiva não
pode ser concebida como omissão naturalista. A omissão é
fato jurídico e, como fato de direito, toma cores normativas,
jurídicas. Ao penalista... não interessam omissões simples-
mente, mas omissões relevantes para o direito. Nada de
omissões incolores” (Estrutura..., cit.. p. 70-71).
Diz o mencionado professor italiano: “Devesi pertanto
riconoscere che la concezione normativa dell’omissione è
pienamente legittima e che questa consiste nel ‘non facere
quod debetur”, fazendo uma distinção entre a omissão con-

79
José Cirilo de Vargas

sistente em um ‘aliud agere’ e a que concebe como “non


facere quod debetur”: “La concezione dell’omissione svol-
ta nel testo como ‘non facere quod debetur’ è ben diversa
dalla concezione como ‘aliud agere’. Ed invero, secondo
quest’ultima, l’omissione consiste sempre in un facere
(condotta positiva) ed appunto con ciò si mira a dimostrare
la causalità naturale dell’omissione. Secondo noi, invece,
questa può consistere anche in un non facere (inerzia), e
pertanto neghiamo che possa aversi una causalità natural
dell’omissione” (op. cit., p 33, 36, nota 28; grifo nosso).
Bruno afasta-se tanto da teoria da ação esperada, de
Mezger (“fundando com ela a antijuridicidade e a causalida-
de na omissão”), quanto da posição de Grispigni. Diz ele:
“Grispigni, que adota uma teoria à primeira vista semelhan-
te, afasta-se de Mezger para aproximar-se mais da realida-
de, substituindo desde logo a fórmula ação esperada por
ação que era de esperar, [...] o que não é simples questão de
palavras, mas um meio de denunciar prontamente o conteú-
do normativo da fórmula. Não basta falar de ação esperada.
‘Sem o elemento do dever ser, como diz Grispigni, seja
embora meramente instrumental, isto é, de meio a fim, é
impossível falar de omissão’[...] Este é um ponto firme em
sua construção; construção sugestiva, mas da qual divergi-
mos em mais de um ponto”, (op. cit., p. 296, n. 10).

3.1.2. O Verbo

A ação se expressa por um verbo, ou, como diz Beling,


“el contenido de cualquier delito-tipo traza una línea deli-
mitativa al redor del acontecimiento configurado’. Su sello
característico lo recibe del verbo en él contenido, como
‘matar’ (CP, 211), ‘substraer’ (242), etc.” (Esquema... cit.,
§ 16, p. 47).

80
Do Tipo Penal

No esgotante exame do elemento objetivo do tipo que


fez, e chama de simples “programa de trabalho”, o mestre
italiano Grispigni afirma:

“Il punto di partenza nella ricostruzione della fat-


tispecie legale deve essere il verbo usato dalla propo-
sizione legislativa, perché il verbo indica l’azione (in
senso lato), e già si è visto como il reato consista
essenzialmente in una condotta positiva o negativa”
(Op. cit., p. 148. Escrevendo sobre a conduta, diz
Reyes Echandía: “Si el verbo es la parte más impor-
tante de una oración y si la conduta descrita en el tipo
se plasma en una oración gramatical, entiéndese per-
fectamente que el verbo haya sido llamado con toda
propiedad ‘núcleo rector del tipo’ ” - op. cit., p. 69).

Como se sabe, os tipos encontram-se no Código a par-


tir do art. 121, que contém o tipo mais simples e despojado
de elementos: matar alguém, seguindo-se outros até o art.
359-H, que contempla o crime de oferta pública ou coloca-
ção de títulos no mercado; aqui, os verbos são ordenar,
autorizar e promover.
O verbo exerce um papel fundamental na interpreta-
ção e aplicação da lei penal. Certa vez patrocinamos a defe-
sa de um rapaz denunciado por ter sido encontrado
“fumando maconha” em companhia de amigos; o promotor
de justiça capitulou o fato no art. 16 da então vigente lei de
tóxicos, cujos núcleos eram “adquirir”, “guardar” e “tra-
zer”. Não estava prevista a conduta “fumar”. A defesa par-
tiu desse ponto, para concluir que o fato imputado ao réu
não era típico e, portanto, não havia que falar em crime. O
Juízo acolheu o argumento.
Em sua maior parte, os verbos são transitivos diretos,
acompanhados de seu objeto, que é a coisa, ou a pessoa,
sobre a qual incide a atuação do agente.

81
José Cirilo de Vargas

Pode acontecer que, no mesmo tipo, encontrem-se


dois ou mais verbos, mas somente um deles é “reitor”: no
tipo do art. 138, há três verbos: caluniar, imputar e defi-
nir. No entanto, só o verbo caluniar expressa a conduta
incriminada; os outros, imputar e definir, possuem cará-
ter apenas secundário.
Em detalhado exame da Parte Especial, feito ao tempo
da realização dessa pesquisa, verificamos que ali foram uti-
lizados 172 (cento e setenta e dois) verbos reitores. Desses,
o mais usado foi “expor”, que aparecia em 14 tipos, isto é,
nos arts. 130, 134, 136, 184, § 2o, 234, parágrafo único, I,
251, 252, 261, 262, 276, 277, 278, 279 e 334, § 1o, letra c.
Selecionamos alguns que reputamos de significado
amplo e geral. Em torno deles, agrupamos uns tantos outros,
que contêm, mais ou menos, a mesma idéia. Desse modo:

a) o verbo “alterar”, como transformação do conteú-


do de alguma coisa, pode compreender: falsificar
(arts. 272, 289, 293, 296, 297, 298, 301, § 1o, e 306);
contrair (art. 235, § 1o, 236 e 237); deteriorar (arts.
163 e 165); destruir (arts. 151, § 1o, I, 163, 165, 171,
§ 1o, V, 211, 255, 305 e 346); desviar (arts. 289, § 4o,
312, 316, § 2o, 161, § 1o, I); inutilizar (arts. 163, 165,
255, 257, 336, 337 e 356); rasgar (art. 336); cons-
purcar (art. 336); violar (arts. 184, 210 e 336); remo-
ver (art. 255); adulterar (art. 272); corromper (arts.
218, 271 e 272); danificar (arts. 202 e 346); suprimir
(arts. 161, 162, 290, 293, § 2o, 305 e 346); deslocar
(art. 161); substituir (arts. 175, § 1o e 242); tirar
(art. 346); envenenar (art. 270); poluir (art. 271).
b) o verbo “adquirir”, com o significado de ingresso
de alguma coisa no patrimônio de alguém: apos-
sar (art. 151, § 1o); subtrair (arts. 155, 157, 312, §
1o); apropriar-se (arts. 168, 169, parágrafo único, I
e II, 312); receber (arts. 160, 180, 313, 292, parágra-

82
Do Tipo Penal

fo único, 334, § 1o, letra d e 357); ocultar (arts. 180,


184, § 2o, 305 e 334, § 1o, letra d); obter (arts. 171 e
332); guardar (arts. 289, § 1o, 291 e 294); importar
(arts. 234, 289, § 1o e 334).
c) o verbo “ofender” como lesão ao patrimônio moral
de uma pessoa: caluniar (art. 138); difamar (art.
139); injuriar (art. 140).
d) o verbo ‘dar’, como ação em virtude da qual uma
coisa passa ao poder de outrem: vender (arts. 171,
§ 2o, I e II, 175, § 1o, 184, § 2o, 234, parágrafo único,
I, 276, 277, 278, 279, 289, § 1o e 334, § 1o, letra c);
entregar (arts. 245 e 278); ceder (arts. 289, § 1o, e
308); distribuir (art. 234, parágrafo único, I);
emprestar (art. 289, § 1o); fornecer (arts. 253, 280,
291 e 294).
e) o verbo “obrigar”, entendido como ação impositi-
va sobre uma pessoa: constranger (arts. 146, 158,
197, 199, 213 e 214); exigir (arts. 160, 316, § 1o);
ordenar (art. 350); impedir (art. 151, § 1o, III, 208,
209, 257, 260, 262, 266, 335 e 358); arrebatar (art.
353); seqüestrar (art. 159); privar (art. 148); execu-
tar (art. 350); submeter (art. 350, parágrafo único,
III); recolher (art. 350, parágrafo único, I); prolon-
gar (art. 350, parágrafo único, II); raptar (art. 219);
afastar (arts. 335 e 358).
f) o verbo “propalar”, no sentido de manifestar algo:
divulgar (arts. 138, § 1o, 151, § 1o, II, e 153); revelar
(arts. 154 e 325); anunciar (art. 283). g) o verbo
“perturbar”, como causar distúrbio a alguém:
escarnecer (art. 208); invadir (arts. 161, II e 202);
interromper (art. 266): dificultar (arts. 257, 262 e
266); ameaçar (art. 147); causar (arts. 250, 254, 256
e 267); desacatar (art. 331); iludir (art. 334). A idéia
desse reagrupamento é de Reyes Echandía (op.
cit., p. 70-72).

83
José Cirilo de Vargas

O verbo “subtrair” foi encontrado também nos arts.


211, 249 e 257, mas não com o significado de ingresso de
alguma coisa no patrimônio de alguém.

3.2. O Resultado: crimes sem resultado

Quando o homem exterioriza a sua vontade, são mui-


tos os efeitos que daí decorrem, porque cada um desses,
por sua vez, traz consigo outras modificações do mundo
exterior, e, assim, vai-se ao infinito. Esses efeitos, ou modi-
ficações do mundo exterior, constituem o resultado.
Ensina o Prof. Cunha Luna:

“No domínio da atividade humana, surge o resul-


tado como efeito da ação, aquele acontecimento que
se liga, segundo o nexo de causalidade, a conduta
ativa ou omissiva, da qual se destaca como um poste-
rius, pela própria natureza e, na maioria das vezes,
também cronologicamente, alguma coisa que, no
tempo, é sucessiva de outra.” (O resultado, no direito
penal. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 33).

Alguns penalistas colocam o resultado no conceito de


ação. Assim, von Liszt: “La voluntad debe manifestarse
frente al mundo exterior. El concepto el acto exige, pues, la
aparición de un cambio en mundo exterior (aúnque sólo sea
pasajero); es decir, en los hombres (aúnque sólo sea en su
vida psíquica,) o en las cosas. Nosotros llamamos resultado
a este cambio, perceptible por los sentidos” (Tratado....
Trad. de Asúa, s/d. v. II. p. 300); Bruno: “O resultado se
incorpora à ação como o seu momento final e juridicamen-
te mais relevante, quando a ação se apresenta de relevân-
cia para o Direito” (v. I. p. 285); Mezger: “En el concepto de
la acción está compreendido el concepto del resultado.

84
Do Tipo Penal

Resultado del delito es la total realización típica exterior”


(Tratado..., v. I, p. 172).
Outros o colocam no tipo. Sauer: “En la mayor parte de
los tipos se menciona el resultado como caráter: delitos de
resultado”. Sobre os elementos do tipo, afirma: “Un resulta-
do se requerirá la mayor parte de las veces (op. cit., §§ 211,
223, 242, 303” e p. 116-118); Welzel: “Tipo objetivo de injus-
to es la acción de hecho con el resultado eventual y las
eventuales condiciones y caracrerísticas objetivas de
autor” (op. cit., p. 62): Maurach: “El resultado, ‘enteramen-
te un producto del legislador’, permanece fuera de la
acción y constituye el punto terminal del tipo” (op. cit., p.
212); Cunha Luna: “O resultado funciona como efeito da
ação, ora inserido no tipo, ora coma causa especial de agra-
vação da pena” (O resultado, p. 16); Fragoso: “O resultado,
no entanto, eventualmente ligado à ação por relação de
causalidade (nos crimes materiais), não pertence à ação,
sendo integrante do tipo” (PG, 1976, p. 152);
Os três professores, primeiro mencionados (von Liszt,
Bruno e Mezger), são reconhecidamente partidários da teo-
ria causal da ação. Colocando o resultado na ação, a teoria
causal pretende proporcionar uma base comum a todas as
formas de aparição do crime. Eventual discordância nossa,
relativamente à questão do resultado, não implica repúdio
à teoria causal da ação.
Ao entendimento de que o resultado é parte da ação,
podem ser opostos alguns argumentos: a) nos crimes cul-
posos, o agente só quer a ação; não quer o resultado, nem
mesmo eventualmente pois, do contrário, responderia a
título de dolo, já que o Código adotou, nesse particular, as
teorias da vontade e do consentimento. O resultado, por-
tanto, não pertence à ação; b) assentado que o resultado é
uma modificação do mundo exterior, como se explica a
“conseqüência natural da ação” nos crimes formais e nos
omissivos puros, em que a mundo exterior não foi modifica-

85
José Cirilo de Vargas

do? c) diz Cunha Luna: “Não se entende que o resultado


esteja na própria ação, como se o efeito pudesse estar na
própria causa”. O resultado não pode ser absorvido pela
ação, porque causa e efeito são termos distintos” (O resul-
tado, p. 80-88). No mesmo sentido, Bettiol: “O evento não
pode incluir-se no conceito de ação, entendida em sentido
lato: a ação é posição de causa, é fator causal, ao passo que
o evento é conseqüência” (v. II, p. 112). Estamos convenci-
dos de que o resultado não faz parte da ação, sendo ele-
mento da maioria dos tipos.
Ao lado desse conceito, dito “naturalista”, a Doutrina
se refere a um outro, “jurídico” ou “normativista”, que
identifica o resultado com o dano: o resultado seria a lesão,
ou perigo de lesão, do bem jurídico, produzida pelo delito.
É grande a diferença entre as duas concepções: o
resultado, entendido como uma modificação do mundo
exterior, relevante para o Direito Penal, é uma entidade que
se acrescenta à conduta do homem, uma entidade natural,
distinta e diversa do comportamento do sujeito; enquanto
isso, a ofensa ao bem jurídico é o mesmo fato humano, con-
siderado do ponto de vista da tutela jurídica.
Bettiol vai além, para explicar que

“as conseqüências da ação (evento) não podem


confundir-se com os atributos da ação ou do evento
(lesividade). A questão da lesividade do fato diz respei-
to ao capítulo da antijuridicidade, isto é, do fato na
medida em que contrasta com os interesses tutelados.
Pensamos, por isso, que deve, em princípio, repetir-se
uma concepção, ‘jurídica’, para admitir uma concepção
naturalística do evento, em harmonia com tudo o que
dissemos a respeito do fato em geral” (v. II, p. 113).

Dentre outros, manifestam-se, também contrários à


concepção jurídica: Grispigni (p. 61); Antolisei (p. 178);

86
Do Tipo Penal

Frederico Marques (Tratado de direito penal. São Paulo:


Saraiva, 1956, v. II, p. 65); Fragoso, referindo-se à concepção
jurídica, diz: “Contra essa concepção observa-se que a ofen-
sa ao bem jurídico tutelado não constitui o resultado da
ação, mas sim uma valoração jurídica do mesmo” (PG, 1976,
p. 171). Sobre as duas concepções do resultado, escreve
Pimentel: “A nossa opinião é de que a razão está com os
partidários da corrente naturalista. Os adeptos da corrente
normativa incorrem no erro de incluir a antijuridicidade no
fato típico, identificando o fato, no sentido natural, com o
fato, no sentido jurídico, o que importa em negar até mesmo
a existência da conduta, no plano natural, uma vez que ela
constitui um dos elementos do fato típico” (Crimes de mera
conduta. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1975, p. 48).
Filiar-se a uma ou a outra concepção significa posicio-
nar-se também em relação a um tema que tem dividido os
penalistas: a existência, ou não, de crime sem resultado.
Os que concebem o resultado sob o prisma naturalís-
tico podem admitir o crime sem resultado. Ao contrário, a
concepção normativa considera o resultado como elemento
indispensável do delito. (Pela Exposição de Motivos, infere-
se que o Código Penal acolheu a concepção normativa. Diz
o texto: “Com o vocábulo ‘resultado’, o citado artigo desig-
na o efeito da ação ou omissão criminosa, isto é, o dano efe-
tivo ou potencial, a lesão ou perigo de lesão de um bem ou
interesse penalmente tutelado. O projeto acolhe o conceito
de que ‘não há crime sem resultado’. Não existe crime sem
que ocorra, pelo menos, um perigo de dano; e sendo o peri-
go um ‘trecho da realidade’ (um estado de fato que contém
as condições de superveniência de um efeito lesivo), não
pode deixar de ser considerado que, em tal caso, o resulta-
do coincida ou se confunda, cronologicamente, com a ação
ou omissão”. A propósito, Fragoso (PG, 1976, p. 171).
O código Rocco, de 1930, principal inspirador do
nosso, continha idênticas disposições sobre o tema. Em

87
José Cirilo de Vargas

sua vigência, escreveu Antolisei: “A sostegno della conce-


zione giuridica si invoca il testo degli articoli 40 e 43 del
códice, nei quali si parla direito evento ‘da cui dipende
l’esistenza del reato’. Tale espressione dimostrerebbe che
non può esistere alcun reato senza evento, e, siccome non
tutti i reati hanno un evento inteso in senso naluralístico,
l’evento per il nostro códice non sarebbe che l’evento in
senso giuridico” (Manuale..., v. I, p. 179).
Pelo texto da Exposição de Motivos e por esse argu-
mento do professor italiano, em tudo aplicável ao atual art.
13 do Código brasileiro, é que achamos que nosso CP, quan-
do usa a palavra resultado, está se referindo ao resultado
jurídico, sem embargo da firme posição sustentada pelo
Min. Hungria. Paulo Costa Jr. adota uma posição conciliató-
ria: “Ambas as concepções podem perfeitamente coexistir.
Podem e devem. Ao contrário daquilo que induz, à primei-
ra vista, um exame mais superficial ou apaixonado, não se
excluem. Completam-se. Uma e outra estão exatas naquilo
que afirmam. Realmente, não há crime sem evento, e há cri-
mes sem evento. Ou melhor, não há crime desprovido de
evento jurídico. E há crimes destituídos de evento natura-
lístico. Nem todo delito gera no mundo fenomênico um efei-
to perceptível, tangível. E todo delito produz uma agressão
ao ordenamento jurídico-penal dos valores abstratos tute-
lados” (Do nexo causal. São Paulo: Saraiva, 1964, p. 49).
Hungria, considerado o mais qualificado intérprete do
Código Penal, escreve:

“Não existe crime sem resultado. A toda ação ou


omissão penalmente relevante corresponde um even-
tus damni ou um eventus periculi, embora, às vezes,
não seja perceptível pelo sentidos (como, por exemplo,
a ‘ofensa a honra’, no crime de injúria). É de se enjeitar
a distinção entre crimes de resultado (Erfolgsdelikte) e
crimes de simples atividade (Reinetatigkeitsdelikte)”

88
Do Tipo Penal

(Comentários..., v. I, t. II, p. 10. No mesmo sentido,


Bruno, v. II, p. 212; Basileu Garcia, Instituições de direi-
to penal, v. I, t. I, São Paulo: Max Limonad, 1966, p. 204-
205; Jimenez de Asúa. La ley y el delito. Buenos Aires:
Sudamericana, 1973, p. 214).

Já Manoel Pedro Pimentel avalia: “Para os que conside-


ram o evento um efeito natural da conduta, relevante para o
Direito Penal, nem todos os crimes terão um resultado”. “O
verdadeiro resultado que se há deter em mira é aquele que,
juntamente com a conduta, integra o fato típico. A lei penal
nem sempre contém em seu preceito primário - onde apon-
ta o núcleo do tipo - uma exigência de resultado natural da
conduta, como requisito da infração punível. O resultado,
portanto, nem sempre é exigido” (Op. cit., p. 28-29).
Também Cunha Luna: “Não se devem confundir resul-
tado e dano. O resultado pertence ao fato material; o dano
pertence à injuridicidade, à essência do crime. O resultado
morte, no homicídio, está presente, quer seja efeito de uma
ação criminosa, quer de uma ação justificada: o dano, porém,
só no primeiro caso surge” (Estrutura jurídica, cit., p. 72).
F. Marques, Tratado, v. 2, p. 65 et seq.; Fragoso. PG,
1976, p. 171; Grispigni, Diritto penale italiano, v. II, p. 63;
Antolisei. Manuale, p. 203; Bettiol, v. II, p. 115; Jescheck,
Tratado, I, p. 357, sustentam a posição de que há crimes
sem resultado, ou de mera conduta, em que os respectivos
tipos descrevem como punível o simples comportamento
do agente, sem referência a qualquer modificação do
mundo exterior, causada pela ação, como ocorre, por exem-
plo, no crime de violação de domicílio.
Reputamos segura a lição de Frederico Marques:

“Nos delitos em que a figura típica não contém


mais que a descrição da conduta, por não existir expli-
citamente qualquer referência ao resultado da ação ou
omissão, o supedâneo natural do dano ou lesão ao

89
José Cirilo de Vargas

interesse que a norma tutela é a própria conduta do


agente como realidade espacial e temporal em que
seu querer interno se exterioriza.” (v. 2, p. 68.)

Em outros tipos penais, ao revés, não basta a só con-


duta para sua realização, requerendo, também, um resul-
tado externo. Assim, como diz Reyes Echandía, “ocorre en
el homicídio, por ejemplo, pues que ci tipo exige que la
conducta del agente cause la muerle de una persona” (La
tipicidad. p. 178).
Sustenta-se que é a própria redação do art. 13 do
Código Penal (“o resultado, de que depende a existência do
crime...”) que impede o reconhecimento da existência de
crime sem resultado.
Mas, no tipo do art. 233 (ato obsceno), qual seria o
resultado ou modificação do mundo exterior? O tipo se rea-
liza ainda quando não há ofensa ao pudor de quem quer
que seja; mesmo, ainda, que o ato não tenha sido presen-
ciado por qualquer pessoa.
Também no tipo do art. 135 (omissão de socorro), não
há um resultado externo condicionando a realização da
figura típica. E os exemplos se sucedem: arts. 246 (abando-
no intelectual), 269 (omissão de notificação de doença), etc.
Se o ponto de partida for do conceito naturalístico, não
resta dúvida de que há crime sem resultado, ou seja, o
agente consegue realizar o tipo, violando integralmente o
preceito, independentemente de qualquer acontecimento
que seja conseqüência natural da ação. Nos tipos omissi-
vos puros, por exemplo, ninguém poderá dizer que haja um
resultado que se destaque da ação.
O CP italiano de 1930, no art. 40, continha dispositivo
idêntico ao do Código brasileiro, quanto à relação de cau-
salidade: “Nenhuma pessoa poderá ser castigada por um
fato previsto pela lei como infração, se o resultado de dano-

90
Do Tipo Penal

so ou perigoso de que depende a existência desse ilícito,


não é conseqüência da ação ou omissão dessa pessoa.”
Sem embargo dessa realidade legislativa em seu país,
Grispigni admitia expressamente a existência do crime
sem resultado: “Dal punto di vista della strutura giuridica,
i reati si dislinguono in reati di mera condotta (o senza
evento, come elemento constitutivo) e reati con evento”;
refutando a argumentação que toma por base a relação de
causalidade e o elemento subjetivo, completava:
“Senonchè ciò non è motivo sufficiente per impedire allá
scienza di ricostruire il sistema Del diritto vigente evitando
un tale errore.” (Diritto penale italiano, v. II, p. 63-6).
Antolisei, também: “Sono di pura condotta (o di sem-
plice comportamento) i reati Che si perfezzionano col com-
primento di una data azione od omissione” (Manual de
diritto penale - Parte generale, p. 203). Bettiol dizia que,
“na hipótese do delito de difamação, todos os efeitos natu-
rais da ação difamatória estão excluídos do âmbito da fatis-
pécie e são, por conseguinte, desprovidos de qualquer rele-
vância para os fins penais. O crime é, portanto, de pura
ação” (Direito penal, v. II. p. 115).
Sem embargo das valiosas e ilustres posições em con-
trário, aliamo-nos à corrente doutrinária que admite a exis-
tência de crimes de mera conduta, ou sem resultado, ou de
simples atividade.
Paulo Costa Jr., em seu trabalho sobre o nexo causal,
diz, no capítulo referente ao resultado:

“Aqueles que aceitarem uma concepção estrita-


mente naturalística do evento não poderão conceber,
neste Capítulo, o estudo do dano ou do perigo.
Haveriam que deslocá-lo para o campo da antijuridi-
cidade. E isso porque dano e perigo são conceitos
puramente normativos. Não tem realidade física, por
serem fruto de uma valoração. Existem, estes sim, os

91
José Cirilo de Vargas

efeitos, as alterações ambientais resultantes da con-


duta do sujeito-agente.” (Do nexo causal, p. 62).

Por serem formais, achamos que nos tipos de delito,


adiante mencionados, não há resultado naturalístico: peri-
go de contágio venéreo, art. 130, caput; perigo de contágio
de moléstia grave, art. 131; perigo para a vida ou saúde de
outrem, art. 132; abandono de incapaz, art. 133; exposição
ou abandono de recém-nascido, art. 134; omissão de socor-
ro, art. 135; maus-tratos, art. 136; rixa, art. 137; calúnia,
difamação e injúria, arts. 138, 139 e 140; ameaça, art. 147;
violação de domicílio (na forma de ‘permanecer’) art. 150;
violação de correspondência, art. 151; divulgação de segre-
do, art. 153; violação de segredo profissional, art. 154;
extorsão indireta, art. 160; esbulho possessório, art. 161, §
1o, II; supressão ou alteração de marcas em animais, art.
162; introdução ou abandono de animais em propriedade
alheia, art. 164 (na forma de ‘deixar’); alteração de local
especialmente protegido, art. 166; defraudação de penhor,
art. 171, § 2o, III (para Fragoso - PG, 1977, v. II, p. 83 - é
crime formal, não se exigindo, para a consumação, a efeti-
va vantagem patrimonial); fraude para recebimento de
indenização ou valor de seguro, art. 171, § 2o, V; duplicata
simulada, art. 172; abuso de incapazes, art. 173; induzi-
mento à especulação, art. 174; fraudes e abusos na funda-
ção ou administração de sociedade por ações, art. 177,
caput, e § 1o, I e III, e § 2o; emissão irregular de conheci-
mento de depósito ou “warrant”, art. 178; receptação
imprópria, art. 180 (2a parte, “ou influir para que tercei-
ro...”); violação de direito autoral, art. 184, § 2o (na modali-
dade de “expor a venda”), sabotagem, art. 202; exercício
de atividade com infração de decisão administrativa, art.
205; aliciamento para o fim de emigração, art. 206; alicia-
mento de trabalhadores de um local para outro do território
nacional, art. 207; ultraje a culto e impedimento ou pertur-

92
Do Tipo Penal

bação de ato a ele relativo, art. 208 (nas formas de “escar-


necer e vilipendiar oralmente”); violação de sepultura, art.
210 (na modalidade de “profanar, por meio de palavras”);
vilipêndio a cadáver, art. 212; tráfico de mulheres, art. 231;
ato obsceno, art. 233; simulação de autoridade para cele-
bração de casamento, art. 238; abandono material, art. 244;
abandono intelectual, art. 246; abandono moral, art. 247
(diz Fragoso - PE. v, I - que se a permissão “for dada depois,
o crime será omissivo puro”, arts. 213 a 359, 3. ed. p. 138);
induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de
incapazes, art. 248 (“confiar a outrem sem ordem”, “deixar,
sem justa causa...”); fabrico, fornecimento, aquisição,
posse ou transporte de explosivo ou gás tóxico ou asfixian-
te, art. 253; perigo de inundação, art. 255; desabamento ou
desmoronamento, art. 256; difusão de doença ou praga, art.
259; perigo de desastre ferroviário, art. 260; atentado con-
tra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo,
art. 261; atentado contra a segurança de outro meio de
transporte, art. 262; arremesso de projétil, art. 264; atenta-
do contra a segurança de serviço de utilidade pública, art.
265; interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou
telefônico, art. 266; infração de medida sanitária preventi-
va, art. 268; omissão de notificação de doença, art. 269;
envenenamento de água potável ou de substância alimen-
tícia ou medicinal, art. 270 e § 1o; corrupção ou poluição de
água potável, art. 271; falsificação, corrupção, adulteração
ou alteração de substância ou produtos alimentícios, art.
272 e § 1o (na modalidade de “expor à venda, ter em depó-
sito e entregar a consumo”); falsificação, corrupção, adulte-
ração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos
ou medicinais, art. 273, § 1o (na forma de “expor à venda,
ter em depósito para vender ou entregar a consumo”);
emprego de processo proibido ou de substância não permi-
tida, art. 274; invólucro ou recipiente com falsa indicação,
art. 275; produto ou substância nas condições dos dois arti-

93
José Cirilo de Vargas

gos anteriores, art. 276 (na forma de “expor à venda, ter em


depósito para vender ou entregar a consumo”); substância
destinada à falsificação, art. 277 – “O crime consuma-se
com a prática da ação incriminada, sem que se exija qual-
quer outro resultado, sendo o perigo presumido”. (Fragoso,
PE, v. II. p. 232 ), (arts. 213 a 359, p. 232); outras substân-
cias nocivas à saúde pública, art. 278; substância avariada,
art. 279; medicamento em desacordo com receita médica,
art. 280; charlatanismo, art. 283; incitação ao crime, art.
286; apologia de crime ou criminoso, art. 287; quadrilha ou
bando, art. 288; moeda falsa, art. 289, caput, e §§ 1o, 2o e 3o;
crimes assimilados ao de moeda falsa, art. 290; petrechos
para falsificação de moeda, art. 291; emissão de título ao
portador sem permissão legal, art. 292; falsificação de
papéis públicos, art. 293; petrechos de falsificação, art. 294;
falsificação de selo ou sinal público, art. 296, caput, e § 1o,
I; falsificação de documento público, art. 297; falsificação
de documento particular, art. 298; falsidade ideológica, art.
299; falso reconhecimento de firma ou letra, art. 300; certi-
dão ou atestado ideologicamente falso, art. 301; falsidade
material de atestado ou certidão, art. 301, § 1o; falsidade de
atestado médico, art. 302; reprodução ou adulteração de
selo ou peça filatélica, art. 303 e parágrafo único; uso de
documento falso, art. 304; supressão de documento, art.
305; falsificação do sinal empregado no contraste de metal
precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros
fins, art. 306 e parágrafo único; falsa identidade, art. 307;
uso de documento pessoal alheio, art. 308; fraude de lei
sobre estrangeiro, art. 309; atribuição de falsa qualidade a
estrangeiro, art. 310; adulteração de sinal identificador de
veículo automotor, art. 311; concussão, art. 316; excesso de
exação, art. 316, § 1o; corrupção passiva, art. 317; facilita-
ção de contrabando ou descaminho, art. 318; prevaricação,
art. 319; condescendência criminosa, art. 320; abandono de
função, art. 323; exercício funcional ilegalmente antecipado

94
Do Tipo Penal

ou prolongado, art. 324: violação de sigilo funcional, art.


325; violação do sigilo de proposta de concorrência, art. 326;
usurpação de função pública, art. 328; resistência, art. 329;
desobediência, art. 330; desacato, art. 331; tráfico de
influência, art. 332; corrupção ativa, art. 333; impedimento,
perturbação ou fraude de concorrência, art. 335; inutiliza-
ção de edital ou de sinal, art. 336; subtração ou inutilização
do livro ou documento, art. 337; reingresso de estrangeiro
expulso, art. 338; denunciação caluniosa, art. 339; comuni-
cação falsa de crime ou de contravenção, art. 340; auto-
acusação falsa, art. 341; falso testemunho ou falsa perícia,
art. 342; corrupção ativa de testemunha ou perito, art. 343;
coação no curso do processo, art. 344; fraude processual,
art. 347; favorecimento pessoal, art. 348; favorecimento
real, art. 349; fuga de pessoa ou presa ou submetida a
medida de segurança, art. 351; arrebatamento de preso,
art. 353; motim de presos, art. 354; patrocínio infiel, art.
355, parágrafo único; sonegação de papel ou objeto de
valor probatório, art. 356 (na modalidade de “deixar de res-
tituir”); exploração de prestígio, art. 357; violência ou frau-
de em arrematação judicial, art. 358; desobediência a deci-
são judicial sobre perda ou suspensão de direito, art. 359.

3.3. O Nexo causal

A causalidade só possui relevância naqueles crimes


que, além da ação, requerem um resultado naturalístico.
É evidente que nos delitos de simples atividade, ou for-
mais, ou de mera conduta, não se apresenta o problema.
Resulta claro que nos tipos de resultado o nexo causal entre
a ação e o resultado constitui um elemento daqueles, embo-
ra não escrito. Daí, sua inclusão nesta parte do trabalho.
Rigorosamente, o conceito de causalidade não é do
domínio jurídico; antes, pertence à Lógica. Embora perten-
cendo a outro setor do conhecimento humano, é de inegá-

95
José Cirilo de Vargas

vel importância no Direito Penal, enquanto linha demarca-


tória da responsabilidade penal.
Antes de pesquisar se o fato é ilícito, típico e culpável
e, por via de conseqüência, um fato punível, devemos
investigar se existe uma relação causal entre a ação e o
resultado, ou seja, se a ação humana, no caso considerada,
foi a causadora do resultado. Sem essa certeza, qualquer
busca posterior é inútil.
O nexo causal reveste-se, pois, de indeclinável “ante-
rioridade”, em relação aos componentes estruturais do
crime (ilicitude, tipicidade e culpabilidade). Há mesmo os
que se valem, na explanação teórica do delito, da “imputa-
ção objetiva” e da “imputação jurídica”, ou o lado “subjeti-
vo” do crime. É expediente de garantia individual, porque
sem esse nexo objetivo não há crime.
Situada, assim, a questão, observa Hungria:

“Se todo evento tivesse na ação ou omissão a sua


causa única e exclusiva, não se apresentaria o proble-
ma: este nasce da complexidade dos antecedentes cau-
sais daquele, entre os quais a ação ou omissão não é
senão um elo de extensa cadeia. Quer-se então saber
quando, sob o ponto de vista jurídico, a ação ou omis-
são tem o suficiente relevo de causa.” (Comentários...,
v. I, t. II, p. 57-58).

Pimentel lembra que, “nos crimes em que a lei não


requer qualquer resultado material, seria inútil procurar
uma relação de causalidade material, pelo simples motivo
de que não existe resultado a ser referido como efeito da
conduta” (op. cit., p. 55). No que se refere às chamadas
imputatio facti e imputatio juris, a lição de Bruno: “A sim-
ples relação objetiva entre o comportamento e o resultado
não basta para justificar a responsabilidade penal. É preci-
so que ao fato, com os seus atributos de tipicidade e antiju-

96
Do Tipo Penal

ridicidade, se juntem os elementos que justificam o juízo da


culpabilidade. A relação causal faz apenas do agente o cau-
sador material do fato, mas não o transforma desde logo em
autor no sentido jurídico-penal. É na confusão entre essas
duas posições que se podem suceder, porque sem a primei-
ra não pode ocorrer a segunda, mas que são perfeitamente
distintas, que vêm cair as teorias que fazem incluir no con-
ceito do causal elementos do problema da culpabilidade”
(Direito penal, v. 1, p. 306; grifo nosso). Mezger frisa um con-
ceito de causa: “É o que não pode suprimir-se em mente,
sem que desapareça também o efeito” (p. 225).
Para resolver a questão de se o agente, com seu com-
portamento, deu causa, ou não, ao resultado, surgiram
várias teorias:

• Teoria da conditio sine qua non, ou da equivalência


dos antecedentes causais, formulada, no campo do Direito
Penal, por von Buri. Para essa teoria, todos os antecedentes
causais se equivalem, não se podendo distinguir entre
causa, condição ou ocasião: tudo o que concorre para o
resultado é causa do resultado.
Com freqüência, os manuais afirmam que em 1894 o
professor sueco Thyrén apresentou uma fórmula pratica,
“para se identificar se determinado antecedente é causa,
segundo a teoria da equivalência. Trata-se do processo
hipotético de eliminação, segundo o qual causa é todo
antecedente que não pode ser suprimido in mente, sem
afetar o resultado” (Fragoso, PG, 1976, p. 167. Na verdade,
a idéia da supressão mental como prova da existência ou
não da causalidade já tinha sido levantada em 1858 pelo
austríaco Julius Glaser. De qualquer maneira, o assunto,
hoje, perdeu relevância. Basta verificar o Tratado de Jakobs
e o Manual de Stratenwerth).
• Teoria da totalidade das condições, referida por
Bruno: causa é a soma de todas as condições. O exemplo

97
José Cirilo de Vargas

de Soler esclarece: “para el crecimiento de una planta es


necesario: una semilla, un suelo fértil, un acto de arar, otro
de sembar; agua, aire, etc.” (Bruno, Direito penal, v. 1, p.
308. Soler, I, p. 268).
• Teoria da causalidade adequada, atribuída a Von
Kries e a Von Bar: não faz distinção entre causa e condição,
quando afirma que todo antecedente é causal, desde que
se apresente como fator típico. Causa é a condição que se
mostra mais adequada a produzir o resultado.
• Teoria da condição perigosa (Grispigni): a conduta
humana, diz Hungria, “é causa de um evento, não apenas
quando lhe é condição (condição simples), mas, além disso,
quando, apreciada ex ante, constitua um perigo”
(Comentários..., v. I, t. II, p. 60).
• Teoria da predominância (Binding): causa é a condi-
ção que rompe o equilíbrio das condições positivas e das
negativas e decide do resultado no sentido da ocorrência
do fenômeno.
Dessas, as que ainda são levadas em conta são a da
conditio e a da causalidade adequada.
Na esteira do Código Rocco, o Código brasileiro ado-
tou a teoria da conditio sine qua non, sendo o art. 13 assim
redigido: “O resultado, de que depende a existência do
crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.
Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resul-
tado não teria ocorrido”.
Contra essa teoria tem-se objetado que nela introdu-
ziu-se um critério lógico muito amplo que, de causa em
causa, se remonta ao infinito.
Bettiol a critica, nos seguintes termos: “Logicamente,
também deveriam considerar-se causa do homicídio os
pais do homicida, só por o terem gerado, ou o construtor da
arma, só por haver fabricado, ainda que outrem dela se
tenha servido” (Direito penal v. II, p. 128). Narra Hungria:
“Dizia Binding, ironicamente, que a teoria da equivalência,

98
Do Tipo Penal

a coberto de limites, levaria a punir-se como partícipe de


adultério o carpinteiro que fabricou o leito em que se deita
o par amoroso” (Comentários.., v. I, t. II. p. 63. n. 5).
É, evidentemente, um exagero do professor italiano
que sabia estar a teoria limitada pela culpabilidade e que
uma coisa é a imputação de fato e outra é a relação psico-
lógica, que se manifesta através do dolo ou da negligência.
Mas é o próprio Bettiol quem reconhece que a teoria
tem, “sobretudo, uma função de limite, no sentido de que,
fora do âmbito de validade do princípio da conditio sine
qua non, é esforço vão procurar saber se uma ação humana
pode considerar-se causa de um evento lesivo” (v. 2, p.
129). No mesmo sentido, Fragoso: “O jurista deve partir do
conceito naturalístico ou ontológico de causalidade, e por
isso deve ser aceito o princípio básico que a teoria da equi-
valência dos antecedentes estabelece, como fórmula heu-
rística, que visa simplesmente limitar o campo da respon-
sabilidade penal” (PG, 1976, p. 168).
O Código Penal italiano contém um dispositivo (art.
45) que faz excluir a punibilidade quando o fato foi cometi-
do por caso fortuito. Embora não haja disposição similar no
Código brasileiro, é pacífico que o limite mínimo da culpa-
bilidade é a previsibilidade, que inexiste no caso fortuito. O
raciocínio pode aplicar-se também no nexo causal, como
explica Grispigni: “Indubbiamente il caso esclude anche
l’elemento soggettivo (colpa) ma, dal punto di vista logico-
sistematico, prima di questo, esclude il nesso causale”
(Diritto penale italano, v. II, p. 112).
Nosso Código não adotou a teoria da conditio em todo
o seu rigor lógico, ao abrir-lhe uma exceção, no § 1o do art.
13: “A superveniência de causa relativamente independen-
te exclui a imputação quando, por si só, produziu o resulta-
do.” (A redação original, sem o advérbio “relativamente”,
era reprodução fiel do art. 41 do Código Rocco.)

99
José Cirilo de Vargas

No exemplo clássico do ferido a bala que é levado ao


hospital, e aí, por engano, lhe é ministrada uma dose de
veneno, em virtude do que vem a morrer, o resultado per-
tence ao autor do disparo; se não tivesse havido o ferimen-
to (causa colocada pelo agente), não teria havido a remoção
para o hospital, nem a aplicação equivocada do veneno,
nem, por fim, o resultado morte. Mas, pelo parágrafo 1o do
art. 13, esse resultado não pertencerá àquele que colocou a
primeira causa: só lhe serão atribuíveis os fatos anteriores à
aplicação do veneno. Trata-se claramente de uma exceção.
Comentando idêntica disposição do Código italiano,
Grispigni assegura que, para aplicação do parágrafo, são
necessários dois requisitos: a imprevisão, no momento da
ação, do novo elemento causal, e que a causa superveniente
tenha uma particular eficiência causal (Op. cit., p. 116-117).
Quando, na redação anterior a 1984, o Código dizia
“causa independente”, estava referindo-se a uma causa
apenas relativamente independente, porque, se desejasse
mencionar uma causa totalmente independente, não seria
necessário acrescentar um parágrafo ao art. 13, pois o
caput resolveria o problema. Como se sabe, a lei não deve
conter superfluidade. Ainda: uma questão singela como
essa não passaria despercebida a Hungria, autor da reda-
ção final do CP (diz Grispigni: “Che se il codice in un ‘altra
disposizione avesse manifestato espresamente la volontà
di esigere una condizione qualificata dal pericolo, tale
capoverso dell’art. 41 sarebbe stato superfluo. Ma siccome
invece la detta disposizione non esiste, così non solo il
detto capoverso non é superfluo, ma si presenta anche
come la foote più importante per la ricostruzione sistemati-
ca della volontà della legge” op. cit., p. 118).
Vê-se que o parágrafo cuidou apenas da concausa
superveniente; a preexistente e a concomitante não apro-
veitam ao agente, consideradas, portanto, sem eficácia
para romper o nexo causal. Essa interpretação, mesmo cor-

100
Do Tipo Penal

reta, nos parece injusta. O rigor poderia ser afastado pela


analogia em favor do réu, como permite a melhor Doutrina
e recomenda uma sã política criminal.
Fragoso critica a expressão “causa que por si só pro-
duziu o resultado”, alegando: “É errôneo falar de causa que
por si só produziu o resultado, tratando-se de concausa
relativamente independente. Se se trata de concausa de
autonomia apenas relativo, é claro que por si só não produz
o resultado.” (PG, 1976, p. 170). Embora pareça assistir
razão ao Professor, o certo é que a causa superveniente,
mesmo guardando independência apenas relativa, tem a
forca de romper o nexo causal e excluir o agente da impu-
tação do resultado.
Ao tratarmos da omissão, deixamos consignado nosso
ponto de vista, segundo o qual não há causalidade alguma
nos crimes omissivos puros, pelo fato de não haver, no
caso, um resultado como sinônimo de modificação do
mundo exterior.
O mesmo, entretanto, não se pode dizer quanto aos
omissivos impróprios (ou comissivos por omissão): aqui
existe a relação de causalidade, e o ensinamento de Bruno
é seguro: “A omissão é causal em relação ao resultado
quando, se o omitente tivesse praticado a ação omitida, o
resultado não teria ocorrido.” (v. I, p. 320).
Finalmente, nos crimes sem resultado, evidentemente
não existe nexo causal.

3.4. O Sujeito ativo

Sobre o tema, a exaustiva análise de Sheila Jorge


Selim de Sales em sua dissertação de Mestrado (Do sujeito
ativo. Belo Horizonte, Del Rey, 1993).
O sujeito ativo, ou agente, ou autor, é, segundo Soler,
“in primer lugar, el sujeto que ejecuta la acción expresada

101
José Cirilo de Vargas

por el verbo típico de la figura delictiva” (Derecho penal


argentino, v. II, p. 244).
Quanto à pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime,
ainda há disputa. Se aquela for encarada como entidade
fictícia, ou pura criação do Direito, evidentemente que não
pode praticar crime. Seus dirigentes, sim, é que possuem
consciência e vontade para, em nome dela, praticar delitos.
Contra a possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito
ativo de crime, argumenta-se que, afora a multa, raras
penas poderiam ser aplicadas; as privativas de liberdade
estariam, de plano, afastadas.
Manifestamos, pois, a opinião de que somente o
homem, ente natural, pode ser o sujeito ativo do delito. Mas
nem sempre foi assim. Platão falava em como se devia jul-
gar a besta de carga que “praticasse” um homicídio. Von
Liszt manifestou-se a favor de se responsabilizar criminal-
mente as sociedades: “Se debe afirmar que el reconoci-
miento de la responsabilidad penal de las sociedades,
hasta donde llegue su capacidad civil, y la punición de
tales entidades, en cuanto son sujetos independientes de
bienes jurídicos, se presenta, no sólo coma posibie, sino,
ansimismo, como conveniente [...] los delitos de las corpo-
raciones son posibles juridicamente; pues, por una parte,
las condiciones de la capacidad de obrar de las corporacio-
nes, en materia penal, non son fundamentalmente distintas
de las exigidas por el Derecho Civil o por el Derecho
Público” (Tratado..., Trad. de Asúa, v. II, § 28, p. 299, texto,
e nota 4). Adotando a posição de Von Liszt, Baumann (op.
cit., p. 116). Em posição contrária, Maurach: “La frase de
Liszt, frecuentemente invocada como razón contraria de
‘quien puede concluir contratos, puede concluir también
contratos fraudulentos o usuários’, descansa en una peti-
ción de principio, a saber, en la equiparación del concepto
de acción tiene una naturaleza distinta en las diferentes
ramas del derecho. Por ello no hay reparo en considerar a la

102
Do Tipo Penal

corporación como titular idóneo de la acción en el derecho


penal administrativo. No ocurre lo mismo en el derecho
penal criminal” (op. cit., p. 179).
Mesmo reconhecendo e repudiando a negação dos
direitos e garantias fundamentais na época do nacional-
socialismo alemão (1933-1945), consideramos abominável a
farsa que se convencionou chamar “Tribunal de
Nuremberg”; estiveram ali, como réus, dentre outros, o
Estado-Maior Alemão, o Partido Nazista e Empresas como
a Krupp (conforme Davidson, Eugene. A Alemanha no
banco dos réus. Trad. de Hermílo Borba Filho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira. 1970. v. I, p. 18 et seq.). A
lição segura de Bruno: “O fulcro em que assenta o Direito
Penal tradicional é a culpabilidade, cujo conceito depende
de elementos biopsicológicos que só na pessoa natural
podem existir” (Direito penal, v. II, p. 207). Diz Wessels que
“as pessoas jurídicas e associações não são capazes de
ação em sentido natural, e também não podem, conseqüen-
temente, serem infligidas com pena criminal” (Direito
penal, p. 23). Observa Giulio Battaglini: “O delito é a viola-
ção de norma de comportamento, suscetível de valoração
moral. E essa valoração não pode dizer respeito senão à
ação humana, pois somente nesta é que se pode encontrar
uma vontade moralmente valorável” (Direito penal. Trad.
de Paulo José da Costa Jr., Armida Bergamini Mioto e Ada
Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 1973, v. I, p. 147).
Se o crime é a violação de um comando que o Estado
impõe aos súditos, não se concebe um crime que não seja
cometido por um homem; assim, em todo crime há um
sujeito ativo, e pode-se dizer que se trata de elemento
indispensável de todo tipo penal.
A maior parte dos crimes pode ser praticadas por
qualquer pessoa; existindo outros que só podem ser come-
tidos por pessoas determinadas na lei (crimes próprios).
Observa o Prof. Fragoso que “a qualidade do agente exigi-

103
José Cirilo de Vargas

da pela lei deve ser presente no momento da ação, e o


agente deve ter consciência da mesma. O erro a respeito é
essencial” (PG, 1976, p. 276). Grispigni, referindo-se aos
delitos próprios, diz que os alemães os chamam de “parti-
culares” (sonderverbrechen), e que melhor seria que fos-
sem denominados “exclusivos”. Depois, ensina: “La cate-
goria del reato proprio o esclusivo é molto importante
anche praticamente, agli effetti dell’elemento soggettivo
(consapevolezza della qualità); dell’eficacia del consenso,
perchè questa può mancare quando ne sia destinatario un
soggetto attivo, che abbia una determinata qualità, es: un
pubblico ufficiale; in rapporto ai reati plurisoggettivi; alla
ciassificazione dei reati in un titolo piuttosto che in altro;
eec” (op. cit., p. 212).
Os crimes que podem ser praticados por qualquer pes-
soa constituem a regra geral e, por isso mesmo, são mais
numerosos. Exemplos: o homicídio, o furto, o estelionato,
etc. Os próprios são uma exceção. Adiante os nomearemos,
indicando os respectivos artigos do Código onde estão pre-
vistos: o infanticídio, art. 123; auto-aborto, art. 124; perigo
de contágio venéreo e perigo de contágio de moléstia grave
(qualidade de enfermo do agente), arts. 130/131; abandono
de incapaz, art. 133; exposição ou abandono de recém-nas-
cido, art. 134; omissão de socorro, art. 135; maus-tratos, art.
136; violação de correspondência comercial, art. 152; divul-
gação de segredo, art. 153; violação de segredo profissio-
nal, art. 154; furto de coisa comum, art. 156; alteração de
limites, art. 161, caput; fraude para recebimento de indeni-
zação ou valor de seguro, art. 171, §2o, V; duplicada simula-
da, art. 172; exercício de atividade com infração de decisão
administrativa, art. 205; estupro, art. 213; posse sexual
mediante fraude, art. 215; sedução, art. 217; fraude à exe-
cução, art. 179 (só o devedor demandado judicialmente
pode ser sujeito ativo); bigamia, art. 235; induzimento a
erro essencial e ocultação de impedimento (no casamento),

104
Do Tipo Penal

art. 236; conhecimento prévio de impedimento (no casa-


mento), art. 237; parto suposto. Supressão ou alteração de
direito inerente ao estado civil de recém-nascido, art. 242;
adultério, art. 240; abandono material, art. 244; entrega de
filho menor a pessoa inidônea, art. 245; abandono intelec-
tual, art. 246; abandono moral, art. 247; omissão de notifi-
cação de doença, art. 269; medicamento em desacordo com
a receita médica, art, 280; exercício ilegal da medicina, arte
dentária ou farmacêutica (o sujeito ativo, na segunda parte
do tipo, só pode ser o médico, o dentista ou o farmacêuti-
co), art. 282; moeda falsa, art. 289, §§ 2o e 3o; crimes assimi-
lados aos de moeda falsa, art. 290, parágrafo único; falso
reconhecimento de firma ou letra, art. 300; certidão ou ates-
tado ideologicamente falso, art. 301; falsidade de atestado
médico, art. 302; fraude de lei sobre estrangeiros, art. 309;
falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade
(sujeito ativo só o brasileiro), art. 311; peculato, art. 312;
peculato culposo, art. 312, § 2o; peculato mediante erro de
outrem, art. 313; extravio, sonegação ou inutilização de li-
vro ou documento, art. 314; emprego irregular de verbas ou
rendas públicas, art. 315; concussão, art. 316; excesso de
exação, art. 316, §§ 1o e 2o; corrupção passiva, art. 317; fa-
cilitação de contrabando ou descaminho, art. 318; prevaria-
cação, art. 319; condescendência criminosa, art. 320; advo-
cacia administrativa, art. 321; violência arbitrária, art. 322;
abandono de função, art. 323; exercício funcional ilegal-
mente antecipado ou prolongado, art. 324; violação de sigi-
lo funcional, art. 325; violação de sigilo de proposta de con-
corrência, art. 326; reingresso de estrangeiro expulso, art.
338; falso testemunho ou falsa perícia, art. 342; subtração,
supressão ou dano à coisa própria na posse legal de tercei-
ro, art. 346; fuga de pessoa presa ou submetida a medida
de segurança (o preso não pode ser sujeito ativo: daí, o
crime não poder ser praticado por qualquer pessoa), art.
351; evasão mediante violência contra pessoa, art. 352;

105
José Cirilo de Vargas

motim de presos, art. 354; patrocínio infiel, art. 355 e pará-


grafo único; sonegação de papel ou objeto de valor proba-
tório, art. 356; desobediência a decisão judicial sobre perda
ou suspensão de direito, art. 359. Os Capítulos II, III e IV, do
Título III, do Código (arts. 187 a 196), de interesse da clas-
sificação acima, estão revogados. Como revogado está o
art. 350, onde era previsto um crime próprio, também.
Nosso entendimento de que o art. 350 está revogado apóia-
se em Fragoso e Delmanto.
Relativamente ao número de agentes, os tipos distin-
guem-se em unissubjetivos e plurissubjetivos; os primeiros
são os que podem ser cometidos por uma só pessoa, e
constituem a regra geral. Exemplo: homicídio, furto, etc.
Os plurissubjetivos, ao contrário, requerem, para se
ter o tipo por realizado, a presença de dois ou mais agen-
tes. Daí, os Autores se referirem a crimes de concurso
necessário.
São tipos plurissubjetivos: rixa, art. 137; esbulho pos-
sessório, art. 161, § 1o, II; paralisação de trabalho, seguida
de violência ou perturbação da ordem, art. 200; paralisação
de trabalho de interesse coletivo, art. 201; bigamia, art.
235; adultério, art. 240; quadrilha ou bando, art. 288; motim
de presos, art. 354.
Às vezes, o Código prevê, em tipos unissubjetivos,
causas de aumento de pena, quando há o concurso de duas
ou mais pessoas: furto, art. 155, § 4o, IV; roubo, art. 157, §
2o, II; extorsão mediante seqüestro, art. 159, § 1o; constran-
gimento ilegal, art. 146, § 1o; violação de domicílio, art. 150,
§ 1o; os crimes previstos nos capítulos I, II e III, do titulo VI
e o acréscimo do art. 226, I, inserido nas disposições gerais
relativas aos tipos de delito dos arts. 213/220.
No art. 351, § 1o, o Código contempla uma circunstân-
cia qualificadora, quando o crime de fuga de pessoa presa
ou submetida a medida de segurança é praticado por mais
de uma pessoa.

106
Do Tipo Penal

Relativamente à qualificação do agente, pode ela ser


natural (ou social) ou jurídica (ou profissional). A qualifica-
ção natural é inerente ao ser humano, independentemente
de sua vontade, sendo ligada ao sexo, ao parentesco, à
nacionalidade, à condição biopsíquica.
Alguns crimes só podem ser praticados por pessoas do
sexo masculino, como: o estupro, art. 213; a posse sexual
mediante fraude, art. 215; a sedução, art. 217; o rapto para
fim de casamento, arts. 219 e 220, c./c. o art. 221.
Outros, só pelas do sexo feminino: o infanticídio, art.
123 (fora dos casos de co-autoria, que expressamente
admitimos possível, nesse crime privilegiado); o auto-abor-
to, art. 124, 1a parte; a exposição ou abandono de recém-
nascido, art. 134; o parto suposto, art. 242, 1a parte.
Há tipos em que o sujeito ativo deve ter a qualidade de
ascendente: abandono material, art. 244; entrega de filho
menor a pessoa inidônea, art. 245; abandono intelectual,
art. 246; abandono moral, art. 247.
A relação de parentesco exclui a punibilidade nos cri-
mes patrimoniais não violentos (art. 181) e no favorecimen-
to pessoal (art. 348, § 2o).
Nos arts. 130 e 131, a condição de enfermo é elemento
do tipo. Os crimes dos arts. 309 e 338 só podem ser prati-
cados por estrangeiro, enquanto o do art. 311 só pode sê-lo
por brasileiro.
Segundo Reyes Echandía, “por calificación entiéndese
aquella connotación personal que tiene relevancia en cual-
quier área del derecho” (La tipicidad, p. 58).
Se o agente tiver a qualidade de funcionário público, a
pena é aumentada nos seguintes tipos de delito: infração
de medida sanitária preventiva, art. 268, parágrafo único;
os assimilados ao de moeda falsa, art. 290, parágrafo único;
petrechos de falsificação de papéis públicos, art. 295; falsi-
ficação do selo ou sinal público, art. 296, § 2o; falsificação

107
José Cirilo de Vargas

de documentos público, art. 297, § 1o; falsidade ideológica,


art. 299, parágrafo único.
Referências, explícitas ou implícitas, à qualificação
jurídica do sujeito ativo são encontradas no Código: em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, art. 154; o
condômino, co-herdeiro ou sócio, art. 156; proprietário do
imóvel vizinho, art. 161; o dono da coisa, art. 171, § 2o, II; o
devedor que tem a posse do objeto, art. 171, § 2o, III; quem
tem a obrigação jurídica de entregar a coisa, art. 171, § 2o,
IV; o segurado ou outrem a seu mando, art. 171, § 2o, V;
quem expede ou aceita a duplicata, art. 172; o comerciante
ou comerciário, art. 175; quem promove a fundação, art.
177, caput; o diretor, gerente ou fiscal, art. 177, § 1o, II, III,
IV, V, VI e VII; o acionista, art. 177, § 2o; o devedor deman-
dado judicialmente, art. 179; quem se encontra impedido
de exercer a atividade, art. 205; a pessoa casada, que con-
trai novo casamento, art. 235; o cônjuge que induziu em
erro ou ocultou impedimento, art. 236; o cônjuge que con-
trai casamento sabendo da existência de impedimento
absoluto, art. 237; o cônjuge que tem relação sexual fora do
casamento, art. 240; o médico, art. 269; geralmente, o fabri-
cante, art. 275; o farmacêutico, prático autorizado ou herba-
nário, art. 280; o médico, dentista ou farmacêutico, art. 282,
2a parte; pessoa desprovida de conhecimentos médicos,
art. 284; o funcionário com fé pública para reconhecer, art.
300; o funcionário público, em razão de seu ofício, art. 301
e § 1o; o médico, art. 302; o funcionário público, no Capítulo
I, do Título XI; a testemunha, perito, tradutor ou intérprete,
art. 342; a pessoa legalmente presa ou submetida a medi-
da de segurança, art. 352; os presos, art. 354; o advogado
ou procurador judicial, arts. 355 e parágrafo único, e 356; a
pessoa a quem foi aplicada pena acessória prevista no
Código Penal, art. 359.
Todos os crimes omissivos impróprios (ou comissivos
por omissão) são crimes próprios, pois somente podem pra-

108
Do Tipo Penal

ticá-los aqueles que se achem juridicamente obrigados a


agir e a impedir o resultado.
A questão da co-autoria e das circunstâncias de cará-
ter pessoal é resolvida pela regra geral de que estas últi-
mas não se comunicam ao co-partícipe, exceto quando
forem elementos do crime. Assim, por exemplo, em face do
art. 30 do Código, achamos ser perfeitamente possível o
concurso de agentes no crime de infanticídio, uma vez que
o estado puerperal é elemento do crime.
Negando a possibilidade, Bruno: “Só pode participar
do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas con-
dições particulares fixadas na lei. O privilégio que se
concede à mulher sob a condição personalística do esta-
do puerperal não pode estender-se a ninguém mais.
Qualquer outro que participe do fato age em crime de
homicídio” (Direito penal, v. 4. p. 150-151). No tomo II da
mesma obra, escrevendo sobre a co-delinqüência, diz: “O
concurso admite-se para qualquer espécie de fato puní-
vel. Mesmo nos crimes especiais, que requerem no agen-
te qualidades pessoais particulares, como a de ser fun-
cionário público, por exemplo, a concorrência é possível”
(Direito penal..., 1967, p. 276-277). O Ministro Hungria é
taxativo: “Não diz com o infanticídio a regra do art. 25...
O partícipe (instigador, auxiliar ou co-executor material)
do infanticídio responderá por homicídio”
(Comentários..., 1955. v. V p. 259). Em abono de sua tese,
Hungria cita Gautier, in “Protokoll der zweiten
Expertenkommission” - Protocolo da segunda Comissão
de Peritos do Projeto do Código suíço (op. cit., loc. cit.).
Na 5a edição dos Comentários, reviu seu ponto de vista e
declarou: “Assim, em face do nosso Código, mesmo os
terceiros que concorrem para o infanticídio respondem
pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio”
(Rio, Forense, 1979, vol. V, p. 266).

109
José Cirilo de Vargas

Tratando do concurso de agentes no infanticídio,


Fragoso, numa passagem em que traz à colação Soler,
Quintano Ripolles, Maurach, Schönke-Schröder e Carrara,
afirma: “Em face do nosso direito (art. 26 CP), não temos
dúvida em afirmar a admissibilidade da participação e da
co-autoria. É opinião dominante naqueles países que confi-
guram o crime com o motivo de honra”. (Derecho penal
argentino, p. 88). Já na edição de 1981, das mesmas Lições,
escreve: “Entendemos que deve ser adotada a lição de
Hungria, fundada no direito suíço, segundo a qual o concur-
so de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa
diminuição da imputabilidade, que não é possível estender
aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos
de execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que
o crime deste será de homicídio” (PG, 1976, p. 88).
Afirma Euclides Custódio da Silveira que “no peculato
(art. 312), como no infanticídio (art. 123), há comunicabili-
dade ao co-autor secundário ou ao co-partícipe acessório,
exatamente porque a qualidade de funcionário público do
agente principal, no primeiro caso, e o estado puerperal, no
segundo, são circunstâncias pessoais elementares dos
tipos delitivos” (Nota ao primeiro volume da tradução bra-
sileira do Direito penal de Battaglini, p. 145).
Sem embargo da autoridade de Aníbal Bruno, conti-
nuamos com o que está no texto, sobre o concurso no
infanticídio. Achamos que a qualidade de funcionário
público, por exemplo, no crime de peculato, é da mesma
natureza que o estado puerperal. Ambas são circunstân-
cias de caráter pessoal e elementos do crime, de peculato
e de infanticídio. Por que admitir a co-autoria num caso e
negá-la em outro? O emprego do superlativo “personalís-
simo”, em relação ao estado puerperal, não nos convence:
trata-se de artifício doutrinário para contornar um proble-
ma, talvez de injustiça ou de inconveniência, criado pela
interpretação a contrário da segunda parte do então art.

110
Do Tipo Penal

26 do Código. Este só falava em circunstância de caráter


“pessoal”(como o atual art. 30), e não nos parece lícito ao
intérprete fazer a distinção.
Por fim, os Autores se referem aos crimes denomina-
dos de mão própria, ou de atuação pessoal, em relação aos
quais não se admite a autoria mediata. Toledo ensina que
“denominam-se crimes de mão própria aqueles que só
podem ser cometidos por ação direta, pessoal, do agente
referido no tipo (adultério, estupro incestuoso, etc.)... No
sistema brasileiro, sectário da teoria da equivalência das
causas, onde se ‘aboliu a distinção entre autores e
cúmplices’ (Exposição de Motivos, item 22), a classificação
em foco tem valor doutrinário mas quase nenhum efeito
prático” (Princípios, p. 195).
São eles: o adultério, art. 240; omissão de notificação
de doença, art. 269; falso reconhecimento de firma ou
letra, art. 300; certidão ou atestado ideologicamente falso,
art. 301, caput; falsidade de atestado médico, art. 302;
fraude de lei sobre estrangeiro, art. 309; os crimes do
Capítulo I, Título XI (crimes praticados por funcionário
público contra a administração em geral); reingresso de
estrangeiro expulso, art. 338; falso testemunho ou falsa
perícia, art. 342; evasão mediante violência contra pes-
soa, art. 352; motim de presos, art. 354; patrocínio infiel e
patrocínio simultâneo ou tergiversação, art. 355 e pará-
grafo único; sonegação de papel ou objeto de valor proba-
tório, art. 356; desobediência a decisão judicial sobre
perda ou suspensão de direito, art. 359.
Pode-se supor, à primeira vista, que o crime de biga-
mia, previsto no art. 235, deveria estar incluído na lista
acima. Contudo, a pessoa casada que contrai novo matri-
mônio pode fazê-lo através de procurador. O crime, portan-
to, não é de mão própria, embora seja próprio, ou especial.

111
José Cirilo de Vargas

3.5. O Sujeito Passivo

Primeiro, é preciso distinguir o sujeito passivo da ação


do sujeito passivo do crime. Este último é o titular do bem
jurídico tutelado penalmente, enquanto o sujeito passivo
da ação é o objeto material, ou seja, a pessoa, ou a coisa
sobre a qual incide a ação típica.
Grispigni exclui o sujeito passivo do tipo, alegando
que a fatispécie legal não o inclui na descrição. Diz ele que
“la disputa se in un reato può mancare il soggetto passivo,
si risolve nel senso che quello che non manca mai è il sog-
getto passivo del reato, mentre quello che può mancare la
persona come oggetto materiale del reato stesso” (Diritto
penale italiano, p. 144). A par de dizer uma obviedade, já
que o objeto material pode ser também uma coisa (aliás, na
maior parte), o professor não nos convence. Pode ser visto
no texto que, em muitos tipos, a pessoa atingida pela ação
é expressamente mencionada, seja como titular do bem
jurídico ofendido (sujeito passivo, portanto), seja como
objeto material.
Ao contrário do que ocorre com o sujeito ativo, podem
figurar como sujeito passivo, além das pessoas naturais,
também a sociedade e o Estado. Fragoso, ao iniciar o estu-
do da Parte Especial do Código, diz que os crimes estão
classificados, na Parte Especial, segundo o critério da obje-
tividade jurídica, e que, na sua obra (os dois tomos das
Lições relativos aos crimes em espécie) dividirá a matéria
em três grandes grupos: crimes contra bens e interesses da
personalidade, crimes contra bens ou interesses do corpo
social e crimes contra o Estado. Se o sujeito passivo é o
titular do bem jurídico tutelado, segue-se que, segundo sua
divisão, o sujeito passivo só pode ser a personalidade, o
corpo social e o Estado.
Todo ser humano pode ser sujeito passivo do crime,
independentemente de qualquer condição, estado ou qua-

112
Do Tipo Penal

lidade. Dessa forma, o Direito Penal tutela, por exemplo, a


vida humana antes mesmo do nascimento. Tutela bens do
menor, do louco.
Em torno da questão se o sujeito ativo pode ser, ao
mesmo tempo, sujeito passivo, não temos dúvida em
negar a possibilidade. Alguém que, por exemplo, se muti-
la para receber o valor do seguro não é o sujeito passivo;
este é a seguradora. No caso, confundem-se o sujeito
ativo e o objeto material.
Há quem considere, como Antolisei, que existe um
sujeito passivo constante de todos os crimes, que é o
Estado, ao fundamento de que o crime sempre ofende um
interesse público (Manuale, I, p. 143). Argumenta ainda
que a ação penal compete “exclusivamente” ao Estado.
Assim também Battaglini: “De um ponto de vista lógico-
abstrato, podemos por certo afirmar que o Estado, relativa-
mente ao qual a norma se torna subjetiva, é sempre sujei-
to passivo” (Direito penal, p. 151).Quanto à titularidade
“exclusiva” da ação, Antolisei está negando ao particular o
direito a promover a ação penal, em confronto com texto
expresso da Constituição e das leis.
É possível uma classificação dos tipos tomando-se por
base o sujeito passivo. Este pode ser considerado em razão
da titularidade do bem protegido, quanto ao seu número e
quanto à sua qualidade.
Do ponto de vista da titularidade do bem protegido, há
três espécies de sujeito passivo: o indivíduo, a sociedade e
o Estado. Esta classificação é coincidente com a que o
Código usa na distribuição dos crimes na Parte Especial, e
dela não temos o que mais dizer.
Quanto ao número: singular ou plural. Há sujeito pas-
sivo singular quando basta a presença de um só titular do
bem jurídico tutelado. Pertencem a essa categoria os tipos
cujo sujeito passivo é o indivíduo ou o Estado. A afirmação
não significa que em todos os tipos em que o sujeito passi-

113
José Cirilo de Vargas

vo é o indivíduo ou o Estado o sujeito passivo seja singular;


é perfeitamente possível que, no mesmo tipo, figurem como
sujeito passivo o indivíduo e a coletividade, ou o indivíduo
e o Estado. Exemplos: art. 236 (no caso, o Estado e o cônju-
ge enganado. Ainda: arts. 235/239).
Nos tipos em que a proteção se exerce em relação a
bens da coletividade, o sujeito passivo é plural.
Quanto à qualidade, os sujeitos passivos podem ser
indeterminados e qualificados. O sujeito passivo indeter-
minado é qualquer titular de bem jurídico tutelado.
Exemplo: art. 121.
Ao contrário, algumas vezes, a titularidade do interes-
se jurídico encontra-se em pessoas especialmente qualifi-
cadas, de tal forma que a conduta somente será típica
quando se realiza vulnerando bens pertencentes a quem
tenha a condição especial que o próprio Legislador estabe-
lece no tipo. Exemplo: art. 134 (recém-nascido).
Por outro lado, a qualificação pode ser natural e jurídi-
ca. É natural quando o tipo se refere à idade, ao sexo, ao
parentesco ou a uma condição moral ou biopsíquica do
sujeito passivo. A qualificação é jurídica quando não decor-
re de uma circunstância natural, própria do ser humano,
mas é dada pela ordem jurídica como um todo (direito
público e privado).
A pessoa menor de dezoito anos figura como sujeito
passivo em dezoito tipos de delito, a saber: no infanticídio,
art. 123; nas figuras de aborto, previstas nos arts, 124, 125
e 126; no abandono de incapaz, art. 133; na exposição ou
abandono de recém-nascido, art. 134; na omissão de socor-
ro, art. 135; no abuso de incapazes, art. 173; na sedução,
art. 217; na corrupção de menores, art. 218; na sonegação
de estado de filiação, art. 243; no abandono material, art.
246; no abandono moral, art. 247; no induzimento a fuga,
entrega arbitrária ou sonegação de incapazes, art. 248; na
subtração de incapazes, art. 249 (relacionamos os tipos em

114
Do Tipo Penal

que o sujeito passivo é portador de qualificação natural: o


recém-nascido ou o feto que está nascendo, no art. 123; o
feto, nos arts, 124, 125 e 126 (Fragoso acha que o feto é o
objeto material); a gestante, no art. l25; a mulher grávida,
no art. 129, § 1o, IV e § 2o, V; o menor e o adulto incapaz, que
estejam sob a relação de cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade com o agente, no art. 133; o recém-nascido, no
art. 134; a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa
inválida, ferida ou em grave e iminente perigo, no art. 135;
a pessoa que se encontra sob a subordinação prevista no
art. 136; o menor, o alienado ou débil mental, no art. 173; a
pessoa simples ou inexperiente ou com mentalidade infe-
rior, no art. 174; a mulher, no art. 213; a mulher honesta, nos
arts. 215, 216, 219 e 220; a mulher virgem, menor de dezoi-
to e maior de catorze anos, no art. 217; a pessoa menor de
dezoito anos e maior de catorze, no art. 218; a meretriz ou
o homem que exerça a prostituição masculina, no art. 230;
a mulher, no art. 231; os herdeiros prejudicados, no art. 242;
a criança lesada em seu estado de filiação, no art. 243; os
cônjuges, pais, ascendentes ou descendentes, no art. 244;
o filho menor de dezoito anos, no art. 245; o filho em idade
escolar, no art. 246; o menor de dezoito anos, no art. 247; os
pais, o tutor ou curador, e o menor de dezoito anos ou inter-
dito, no art. 248; os pais, tutores ou curadores, no art. 249;
de maneira secundária, as pessoas prejudicadas nos tipos
de delito previstos nos seguintes artigos do Código: 280,
282, 284, 297, 298, 299, 300, 303, 304, 305, 307, 312, 313, 316,
317, 325, 339, 342, 343, 344, 345, 346, 352, 355 e 356.
Relacionamos, também, os tipos em que o sujeito passivo é
portador de qualificação jurídica: quem de direito, no art.
150; o remetente e o destinatário, no art. 151; o estabeleci-
mento comercial ou industrial, no art. 152; o condômino, co-
herdeiro ou sócio, no art. 156; o proprietário ou possuidor
do imóvel, no art. 161; quem tem a posse ou o direito de uti-
lização das águas, no art. 161, § 1o, I; o possuidor do imó-

115
José Cirilo de Vargas

vel, no art. 161, § 1o, II; o proprietário dos animais, no art.


162; o proprietário ou legítimo possuidor, no art. 164; o par-
ticular, quando for proprietário de coisa tombada, no art.
165; o particular, quando for o dono do local protegido, no
art. 166; o dono ou possuidor, em razão de direito real, no
art. 168; o proprietário do imóvel onde é encontrado o
tesouro, no art. 169, parágrafo único, I; o proprietário de
coisa perdida, no art. 169, parágrafo único, II; o credor pig-
noratício, no art. 171, § 2o, III; quem tem o direito de rece-
ber a coisa, no art. 171, § 2o, IV: o segurador, no art. 171, §
2o, V; o tomador (beneficiário) do cheque, no art. 171, § 2o,
VI; quem desconta a duplicata e o sacado de boa-fé, no art.
172; a sociedade ou os acionistas, no art. 177, § 1o, III; o por-
tador ou endossatário dos títulos, no art. 178; o credor que
está acionando, no art. 179; o titular do direito autoral, no
art. 184; a pessoa, cujo nome, pseudônimo ou sinal é usur-
pado, no art. 185; o proprietário do estabelecimento, no art.
197, II, 1a parte; a coletividade e o proprietário do estabele-
cimento, no art. 202; a pessoa, cujo direito trabalhista é
frustrado, no art. 203; o cônjuge do primeiro casamento e
do segundo, se de boa fé, além do Estado, no art. 235; o
Estado e o cônjuge enganado, no art. 236; o Estado e o côn-
juge desconhecedor do impedimento, no art. 237; o Estado
e o cônjuge de boa fé, no art. 238; o Estado e o contraente
iludido, no art. 239; o cônjuge enganado, no art. 240; os her-
deiros prejudicados, no art. 242; os cônjuges, pais, ascen-
dentes ou descendentes, no art. 244; os pais, o tutor ou
curador, o menor de dezoito anos ou o interdito, nos arts.
248 e 249; o preso arrebatado, no art. 353. O Estado é sujei-
to passivo em todos os crimes previstos nos arts. 289 a 359,
e ainda nos seguintes artigos do Código: 204, 205, 206, 207,
235, 236, 237, 238, 239 e 241. A coletividade é o sujeito pas-
sivo nos delitos dos arts.: 201, 202, 208, 209, 210, 211, 229,
233, 234, 250, 251, 252, 253, 254, 255, 256, 257, 259, 260, 261,

116
Do Tipo Penal

262, 264, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 275,
276, 277, 278, 279, 280, 282, 283, 284, 286, 287 e 288).
Existem casos em que a qualificação do sujeito passi-
vo agrava a pena. Assim, ser a vítima menor, no art. 122,
parágrafo único, II; a qualidade de ascendente, descenden-
te, cônjuge, irmão ou pupilo (tutela ou curatela), no art. 133,
§ 3o, II; a qualidade de ascendente, descendente ou cônju-
ge, no art. 148, § 1o, I; ser menor de dezoito anos, no art.
159, § 1o; ser entidade de direito público ou de instituto de
economia popular, assistência social ou beneficência, no
art. 171, § 3o; a qualidade de mulher virgem, no art. 215,
parágrafo único; ser menor de dezoito e maior de catorze
anos, nos arts. 215, parágrafo único, e 216, parágrafo único;
a qualidade de descendente, filho adotivo, enteado, irmão,
pupilo (tutela ou curatela), aluno, empregado, menor de
dezoito anos e maior de catorze, ou ser descendente,
ascendente, mulher, irmã, pupila (tutela ou curatela), ou
estar confiada para fins de educação, de tratamento ou de
guarda, nos arts. 227, § 1o, 230, § lo e 231, § 1o.

3.6. O Objeto Material

Já não mais se discute entre os Autores que o objeto


material (ou objeto do ataque, ou objeto da ação) é a pes-
soa, ou a coisa, sobre a qual recai a conduta do agente.
Reyes Echandía, porém, em sua monografia sobre a
tipicidade, considera insuficiente o conceito tradicional,
por entender que nem toda conduta típica recai sobre uma
pessoa ou sobre uma coisa, e que o mesmo aparece desli-
gado do objeto jurídico e do sujeito passivo.
Observa o professor colombiano que

“en este orden de ideas, objeto jurídico, sujeto


pasivo y objeto material son tres fenómenos intima-
mente correlacionados que necesariamente han de

117
José Cirilo de Vargas

estar presente en cualquier tipo penal; el primero, por-


que en todo tipo se busca proteger un interés jurídico
sin el cual aquel dejaría de tener su razón de ser; el
segundo, porque no puede concebirse un bien jurídico
sin un titular de quien ha de predicarse y a quien le
pertenezca su difrute o goce, y el tercero, porque no
puede haber un interés jurídico que no se concrete en
algo” (La tipicidad, p. 111).

Reyes Echandía cita Gallon Giraldo, para quem o obje-


to material “es aquella persona o cosa que el legislador ha
querido proteger, por concretarse en ella el objeto jurídico,
y sobre la cual recae la conducta típica” (p. 111-112).
Hoje em dia, parece claro que o assunto não comporta
mais discussão: objeto material é a pessoa, ou a coisa,
sobre a qual recai a ação do agente, não se confundindo
com o objeto jurídico nem com o sujeito passivo. Na sempre
lembrada hipótese do crime de furto, o sujeito passivo é o
dono da coisa; o objeto jurídico é o patrimônio, e o objeto
material é a res furtiva. Mas, ao seu tempo, dizia Carrara:
“El hombre o la cosa sobre que recaen los actos materiales
del culpable, encaminados al fin malvado, son el sujeito
passivo del delito” (Programa de derecho criminal. Trad. de
José Ortega Torres e Jorge Guerrero. Bogotá: Temis, 1972,
§ 40); depois, o penalista italiano escrevia: “Nel furto il sog-
getto passivo della consumazione, è la cosa che si voleva
rubare: e via cosi discorrendo” (Reminiscenze di cattedra e
foro. Lucca, 1883, p. 333). Entendia, ainda,: “De aquí resul-
ta que és erróneo considerar que el objeto del delito sea la
cosa o el hombre sobre los cuales la acción criminosa, pues
el delito se persigue, no como hecho material, sino como
ente jurídico. La acción material tendrá por objeto la cosa o
el ombre; pero el ente jurídico no puede tener como objeto
suyo sino una idea, el derecho violado, que la ley protege
con su prohibición” (Programa, § 36).

118
Do Tipo Penal

Essa posição foi seguida por Pietro Lanza: “Soggetto


passivo del delito è la persona o la cosa sulla quale cade
l’azione criminosa”; por Mecacci: “Soggetto passivo, poi, è
la persona o la cosa su cui cade il reato, e costituisce
l’elemento materiale di esso”; por Impallomeni: “Soggetto
passivo del reato è la persona o la cosa su cui si esercita
l’attività del reo (Carmignani, Carrara)” (apud Gianitti,
Francesco. L’oggetto materiale del reato. Milano: Giuffrè,
1966, p. 3.). Gianniti informa ter sido Lucchini o primeiro a
designar o sujeito passivo do crime com o “titular do direi-
to, cuja lesão, efetiva ou potencial, constitui a objetividade
primária do crime”, e ter sido Alimena o primeiro a designar
o objeto material “a pessoa ou a coisa sobre a qual, mate-
rialmente, cai o crime” (p. 4-5). Esta posição foi seguida por
Rocco que, em sua obra clássica L’oggetto del reato e della
tutela giuridica penale, a impôs no campo científico. A
expressão “objeto material” ganhou, assim, foros de cidade.
Resulta perfeitamente claro que em todo crime deve
haver um sujeito passivo e um objeto jurídico; contudo,
como adiante se verá, às vezes pode haver crime sem obje-
to material.
Com freqüência, o objeto material vem descrito no
tipo; assim, é um elemento do tipo, porque é uma parte de
sua estrutura, considerado analiticamente; é um elemento
objetivo, porque é uma parte da estrutura do crime consi-
derado em seu aspecto externo, ou material; é, também,
um elemento geral, porque é integrante indispensável da
estrutura da maior parte dos crimes.
Diz Mayer que o objeto material é sempre elemento
do tipo, ao contrário do objeto jurídico, que não é elemen-
to do tipo (apud Jiménez de Asúa. Tratado de derecho
penal, v. 3, p. 92).
O objeto material pode ser pessoal ou real. No primei-
ro caso é toda pessoa física, consciente ou inconsciente,
sobre a qual recai a conduta do agente.

119
José Cirilo de Vargas

Grispigni nega a possibilidade de a pessoa jurídica ser


objeto material do crime, ao fundamento de essa ser uma
ficção jurídica, ou, quando menos, uma criação jurídica.
Admite, porém, que os bens ou órgãos da pessoa jurídica o
sejam. (Diritto penale italiano, p. 273). Reyes Echandía, ao
contrário, afirma não assistir razão ao professor italiano, por
dois motivos: primeiro, porque não aceita a tese de ficção
jurídica, já que as pessoas jurídicas contratam, se obrigam,
etc., no mesmo pé de igualdade com as pessoas físicas;
segundo, porque existem, no Código de seu país (a
Colômbia), condutas típicas, como a injúria e a calúnia, que
recaem concretamente sobre pessoas jurídicas (art. 344 do
código, já revogado. No novo Código colombiano, não
encontramos dispositivo semelhante. Trata-se do Decreto
n.100, de 23 de janeiro de 1980, com vigência marcada para
um ano depois de sua publicação). Quanto a nós, achamos
que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime;
não, objeto material, já que este é um conceito naturalístico.
Não constituem objeto material pessoal:

a) uma coletividade de indivíduos, juridicamente


não personificada;
b) as divindades religiosas (santos, anjos, etc.);
c) o fato psíquico, pela razão de que uma idéia, ou
uma vontade, ou um sentimento são uma realida-
de apenas do mundo interior da pessoa;
d) o cadáver (a pessoa humana, para ser objeto
material pessoal, deve ser vivente. Carrara dizia
que os cadáveres são coisas, mas completava:
“Pero también sobre las coisas puede recaer el
delito, cuando existan entre ellas y los hombres
vivos tal clase de relaciones que generen en éstos
un derecho” e aborda a questão da ofensa causa-
da ao próprio corpo do defunto ou a seu nome
(Programa, § 47). Um corpo humano sem vida não

120
Do Tipo Penal

pode ser objeto material, por exemplo, de uma


lesão corporal, o mesmo ocorrendo no homicídio.
Nos dois casos, falta até mesmo o objeto jurídico:
não há vida a atacar e, não havendo vida, não há
saúde nem integridade física);
e) o feto (em caso de aborto, o objeto material é a
gestante. Sustentamos posição contrária à do Prof.
Fragoso, nesse particular).

Há tipos com objeto material pessoal qualificado, ou


seja, aqueles em que, para sua realização, é indispensável
que a conduta criminosa recaia sobre uma pessoa que pos-
sui a qualidade exigida na lei. A qualificação pode ser
natural ou jurídica.
Casos em que se exige uma qualificação natural:

a) sexo feminino: na maior parte dos tipos, é indife-


rente o sexo da pessoa, objeto da ação; em outros,
porém, a conduta deve recair sobre a pessoa do
sexo feminino, como: no aborto, arts. 124-126; na
lesão corporal em que resulta aceleração de parto,
ou resulta aborto, art. 129, § 1o, IV, e § 2o, V; no
estupro, art. 213; na posse sexual mediante frau-
de, art. 215; no atentado ao pudor mediante frau-
de, art. 216; na sedução, art. 217; no rapto violen-
to ou mediante fraude, art. 219; no rapto consen-
sual, art. 220; no tráfico de mulheres, art. 231;
b) menores: para a realização de determinados tipos,
o objeto material tem de ser uma pessoa menor: o
filho, no art. 123; o recém-nascido, no art. 134; o
menor, no art. 173; a menor de dezoito anos ou
maior de catorze, nos arts. 215, parágrafo único,
216, parágrafo único, 217 e 218; a menor de vinte
e um anos e maior de catorze, no art. 220; o recém-

121
José Cirilo de Vargas

nascido, no art. 242; o menor de dezoito anos, nos


arts. 245, 248 e 249;
d) incapacidade: às vezes, a lei se refere, implícita ou
explicitamente, a incapacidade da pessoa: o inca-
paz de defender-se, no art. 133; o recém-nascido,
no art. 134; a incapacidade de resistência (física ou
moral), no art. 146; a alienação ou debilidade men-
tal, para se presumir a violência, no art. 224, b.

Há tipos em que o objeto material é somente a pessoa


que possui determinada qualidade ou posição jurídica,
como: o interdito, nos arts. 248 e 249; o contraente, no art.
236; o filho próprio, no art. 243; o funcionário público, nos
arts. 329, 330, 331, 332 e 333; a autoridade, nos arts. 340 e
344; a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, no art. 343;
a parte no art. 344; a pessoa legalmente presa ou submetida
a medida de segurança detentiva, no art. 351; o preso, no art.
353; o concorrente ou licitante, no art. 358; os trabalhadores
nos arts. 206-7; o recém-nascido, no art. 242; a pessoa reli-
giosa (padre, rabino, pastor, freira, etc.), no art. 208.
O objeto material real é a coisa sobre a qual recai a
conduta do agente. Quando se fala de uma coisa como
objeto material, adverte Grispigni que esta é tomada “nel
significato meramente naturalístico, come ‘ogni e qualsiasi
porte del mondo esterno’, esclusa solo la persona física
vivente” (tomo secondo, p. 277).
Compreende-se no conceito de coisa a energia elétrica
ou qualquer outra que tenha valor econômico (art. 155, § 3o).
As coisas incorpóreas, como, por exemplo, o direito
autoral, a autoria de obra literária, artística ou científica, con-
quanto possam ser objeto jurídico, não podem, entretanto,
ser objeto material. Mas a coisa corporal, na qual a idealiza-
ção é materializada (livro, partitura musical, produto indus-
trial), pode ser objeto material (Grispigni, op. cit., p. 278).

122
Do Tipo Penal

O objeto material real pode ser simples ou qualificado.


Simples é aquele representado por qualquer coisa corporal.
Tipos em que o objeto material real é simples: tapume e
marco, art. 161; animais, art. 164; tesouro, art. 169, parágra-
fo único, I; refeição, hotel e meio de transporte, art. 176;
conhecimento de depósito, art. 178; bens, art. 179; fonogra-
ma ou vídeo fonograma, art. 184; sepultura, art. 210; cadá-
ver, arts. 211 e 212; linha férrea, telégrafo, radiotelegrafia e
telefone, art. 260; projétil, art. 264; atestado ou certidão,
art. 301, §1o; passaporte, título de eleitor e caderneta de
reservista, art. 308; dinheiro e qualquer outra vantagem,
art. 343; dinheiro ou qualquer outra utilidade, art. 357.
Ao contrário, às vezes a lei exige, explícita ou implici-
tamente, determinada qualidade da coisa, para a realiza-
ção do tipo: são os casos do objeto material real qualifica-
do. A qualidade pode ser natural ou jurídica. Citam-se coi-
sas com qualidades naturais: a coisa móvel, nos arts. 155,
157, 168; a coisa de valor artístico, arqueológico ou históri-
co, art. 165; a mercadoria deteriorada, art. 175; a qualidade
de metal, pedra falsa ou verdadeira, no art. 175, § 1o; escri-
to, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno, art. 234;
substância ou engenho explosivo e gás tóxico ou asfixian-
te, art. 253; obstáculo natural, art. 255; bem móvel, art. 312.
Nos tipos adiante mencionados há referências a coisas que
possuem qualificação jurídica: a coisa própria, nos arts,
171, § 2o, II e V, e 346; a coisa alheia, nos arts. 155, 157, 163,
168, 169, parágrafo único, II, e 171, § 2o, I; a coisa comum,
no art. 156; a coisa penhorada, no art. 171, § 2o, III; a coisa
perdida, no art. 169, parágrafo único, II; a coisa que deve
ser entregue, no art. 171, § 2o, IV; a coisa produto de crime,
no art. 180; a coisa nociva à saúde, no art. 278; a coisa tom-
bada pela autoridade competente, no art. 165; o dinheiro
alheio, arts. 312 e 313; o bem público, art. 312; o bem parti-
cular, art. 312; as águas alheias, art. 161, § 1o, I; o terreno
ou edifício alheio, art. 161, § 1o, II; o local especialmente

123
José Cirilo de Vargas

protegido, art. 166; a duplicata, art. 172; a sociedade por


ações, art. 177; as ações e títulos, art. 177, § 1o, II, IV e V; os
lucros e dividendos, art. 177, § 1o, VI; a vantagem ilícita ou
indevida, nos arts. 171, 158, 316, 317 e 333; a obra intelec-
tual, art. 184, § 1o; a obra destinada a impedir inundação,
art. 255; o aparelho, material ou qualquer meio destinado a
serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento,
art. 257; a água potável, arts. 270 e 271; a substância ali-
mentícia ou medicinal, arts. 270, 272, 273; o produto desti-
nado ao consumo, arts. 274, 275 e 276; a substância desti-
nada à falsificação de produto alimentício ou medicinal,
art. 277; a substância nociva à saúde, art. 278; a substân-
cia medicinal, art. 280; a moeda metálica ou papel-moeda,
art. 289; a moeda falsa, art. 289, § 1o; a moeda com título ou
peso inferior ao determinado em lei, art. 289, § 3o, I; a nota,
cédula ou bilhete recolhido, art. 290; o maquinismo, apare-
lho, instrumento ou qualquer objeto especialmente desti-
nado a falsificação de moeda, arts. 291 e 294; as verbas e
rendas públicas, art. 315; a mercadoria proibida, art. 334; a
mercadoria estrangeira que o agente introduziu clandesti-
namente no país ou importou fraudulentamente ou que
sabe ser produto de introdução clandestina no território
nacional ou de importação fraudulenta por parte de
outrem, art. 334, § 1o, letra c; a mercadoria de procedência
estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou
acompanhada de documentos que o agente sabe serem fal-
sos, art. 334, § 1o, letra d; o proveito do crime, art. 349.
A coisa pode ser móvel ou imóvel. De acordo com o
Cód. Civil de 1916 móvel é a que pode ser trasladada de um
lugar a outro; imóvel, a que não pode ser retirada de onde
se acha, sem se desfazer.
O Código Civil revogado estabelecia, no art. 43, quais
são os bens imóveis: “I - o solo com sua superfície, os seus
acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvo-
res e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo; II - tudo

124
Do Tipo Penal

quanto o homem incorporar permanentemente ao solo,


como a semente lançada à terra, os edifícios e construções,
de modo que não se possa retirar sem destruição, modifica-
ção, fratura, ou dano; III - tudo quanto no imóvel o proprie-
tário mantiver intencionalmente empregado em sua explo-
ração industrial, aformoseamento ou comodidade”. O
assunto está atualmente regulado pelos arts. 79 e 80.
O revogado art. 47 dizia que “são móveis os bens sus-
cetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força
alheia” (arts. 82 e 84 do Cód. Civil de 2002).
Recorremos à lição do Prof. Caio Mário: “Os bens,
especificamente considerados, distinguem-se das coisas,
em razão da materialidade destas: as coisas são materiais
ou concretas, enquanto que se reserva para designar os
imateriais ou abstratos o nome bens, em sentido estrito.
Uma casa, um animal de tração são coisas, porque concre-
tizado cada um em uma unidade material e objetiva, dis-
tinta de qualquer outra. [...] Um direito de crédito, uma
faculdade, embora defensável ou protegível pelos remé-
dios jurídicos postos à disposição do sujeito em caso de
lesão, diz-se, com maior precisão ser um bem. Sob o
aspecto de sua materialidade é que se faz a distinção
entre a coisa e o bem” (Instituições de direito civil. Rio de
Janeiro: Forense, 1974, v. I, p. 344. Na vigência do código
civil de 2002, o assunto vem explanado no v. I das
Instituições, pp 411 e ss, edição de 2005).
Magalhães Noronha afirma que “para o Direito Penal,
móvel é tudo quanto é suscetível de remoção, ou por ser
dotado de movimento próprio, ou por ação do homem; o
semovente é o que pode ser removido por ação humana”
(Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1975, v. II, p. 215).
Excluídos os documentos e outros papéis, que forma-
rão uma categoria à parte, o objeto material é coisa móvel
em vários tipos de delito. É o que ocorre nos seguintes
tipos: furto, art. 155; furto de coisa comum, art. 156; roubo,

125
José Cirilo de Vargas

art. 157; apropriação indébita, art. 168; apropriação de


coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza,
art. 169, caput; apropriação de tesouro. art. 169, I; apropria-
ção de coisa achada, art. 169, II; usurpação de águas, art.
161, § 1o, I; defraudação de penhor, art. 171, § 2o, III; fraude
no comércio, art. 175; violação de direito autoral, art. 184,
§§ 1o e 2o; destruição, subtração ou ocultação de cadáver,
art. 211; vilipêndio a cadáver, art. 212; escrito ou objeto
obsceno, art. 234; fabrico, fornecimento, aquisição, posse
ou transporte de explosivo ou gás tóxico ou asfixiante, art.
253; subtração, ocultação ou inutilização de material de
salvamento, art. 257; arremesso de projétil, art. 264; nos cri-
mes contra a saúde pública, previstos nos arts. 270 a 280;
moeda falsa, art. 289; crimes assimilados aos de moeda
falsa, art. 290; petrechos para falsificação de moedas, art.
291; petrechos de falsificação, art. 294; peculato, art. 312;
emprego irregular de verbas ou rendas públicas, art. 315;
contrabando ou descaminho, art. 334.
Ao lado dos tipos em que o objeto material é coisa
móvel, há outros em que não importa que a coisa seja
móvel ou imóvel.
Tipos em que não importa seja a coisa (objeto mate-
rial) móvel ou imóvel: o dano, art. 163; o dano em coisa de
valor artístico, arqueológico ou histórico, art. 165; disposi-
ção de coisa alheia como própria, art. 171, § 2o, I; alienação
ou oneração fraudulenta de coisa própria, art. 171, § 2o, II;
fraude para recebimento de indenização ou valor de segu-
ro, art. 171, § 2o, V; empréstimo ou uso indevido de bens ou
haveres, art. 177, § 1o, III; fraude à execução, art. 179;
receptação, art. 180; violação de sepultura, art. 210; perigo
de desastre ferroviário, art. 260; peculato mediante erro de
outrem, art. 313; concussão, art. 316; corrupção passiva,
art. 317; tráfico de influência, art. 332; corrupção ativa, art.
333; corrupção ativa de testemunha ou perito, art. 343; sub-
tração, supressão ou dano a coisa própria, na posse legal

126
Do Tipo Penal

de terceiro, art. 346; fraude processual, art. 347; favoreci-


mento real, art. 349; exploração de prestígio, art. 357.
O objeto material é uma coisa imóvel, nos seguintes
tipos de delito: alteração de limites, art. 161, caput; esbu-
lho possessório, art. 161, § 1o, II; alteração de local especial-
mente protegido, art. 166; sabotagem, art. 202; perigo de
inundação, art. 255; alienação ou oneração fraudulenta de
coisa própria, art. 171, § 2o, II; desabamento ou desmorona-
mento, art. 256.
Às vezes, o objeto material é marca, ou sinal (a pala-
vra “selo”, empregada no texto, não tem o sentido postal,
aquela gravura ou estampa que se cola à carta, ou corres-
pondência, por exemplo. A palavra, aqui, significa sinal,
chancela, distintivo), como: o tapume, marco ou outro sinal
indicativo de linha divisória, art. 161, caput; a marca ou
sinal indicativo de propriedade, no art. 162; o carimbo ou
sinal, no art. 293, § 2o; o selo público ou sinal, no art. 296, §
1o, I e II; o selo ou sinal falsificado e o selo ou sinal verda-
deiro, no art. 296, § 1o, I e II; a marca ou sinal empregado
pelo Poder Público, no art. 306; o edital, selo ou sinal
empregados oficialmente, no art. 336.
Às vezes, o objeto material é um documento, enten-
dendo-se como tal “o papel escrito, em que se mostra ou se
indica a existência de um ato, de um fato, ou de negócio.
[...] Possui sentido geral abrangendo toda espécie de escri-
to ou papel escrito, seja simples carta missiva, recibo, fatu-
ra, como incluindo o próprio instrumento, que na verdade
também documento é” (De Plácido e Silva. Vocabulário jurí-
dico. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. II, p. 561-562).
Em vários tipos, o objeto material é um documento,
entendida a expressão no seu mais amplo sentido.
Mencionamos, adiante, os tipos de delito em que o
objeto material é um documento público: falsificação de
papéis públicos, art. 293; falsificação de selo ou sinal públi-
co, art. 296; falsificação de documento público, art. 297; fal-

127
José Cirilo de Vargas

sidade ideológica, art. 299; certidão ou atestado ideologi-


camente falso, art. 301, caput; falsidade material de atesta-
do ou certidão, art. 301, § 1o; uso de documento de identi-
dade alheia, art. 308; extravio, sonegação ou inutilização de
livro ou documento, art. 314; violação de sigilo de proposta
de concorrência, art. 326; subtração ou inutilização de livro
ou documento, art. 337; sonegação de papel ou objeto de
valor probatório, art. 356.
Nos crimes de falsidade ideológica (art. 299), falsida-
de de atestado médico (art. 302), uso de documento falso
(art. 304), falso reconhecimento de firma ou letra (art. 300),
supressão de documento (art. 305), não importa que o
documento seja público ou particular.
Relacionamos, também, os tipos em que o objeto mate-
rial é documento particular: violação de correspondência,
art. 151, caput; sonegação ou destruição de correspondên-
cia, art. 151, § 1o; correspondência comercial, art. 152; divul-
gação de segredo, art. 153; extorsão indireta, art. 160; dupli-
cata simulada., art. 172; fraude e abusos na fundação ou
administração de sociedade por ações, art. 177; emissão
irregular de conhecimento de depósito ou “warrant”, art.
178; emissão de título ao portador sem permissão legal, art.
292; falsificação de documento particular, art. 298; fraude no
pagamento por meio de cheque, art. 171, § 2o, VI.
Consignamos que o objeto material nem sempre e
obrigatoriamente é elemento do tipo já que admitimos a
categoria de crimes sem objeto material.
Como se sabe, os crimes formais, ou de simples ativi-
dade, são crimes sem resultado naturalístico. Entre estes,
há alguns sem objeto material, ou seja, sem uma pessoa ou
coisa corpórea, sobre a qual incidiria a ação do agente.
Grispigni diz que, em sentido amplo, não há crime
sem objeto material (p. 273). No mesmo sentido, Reyes
Echandía, para quem em todos os tipos devem estar pre-
sentes o objeto jurídico, o sujeito passivo e o objeto mate-

128
Do Tipo Penal

rial (p. 111). Admitindo crime sem objeto material, Fragoso


(PG, 1976): “Como é óbvio, nos crimes de simples ativida-
de (ou formais), pode não haver objeto material” (p. 274);
Petrocelli afirma que os crimes sem objeto material são os
omissivos próprios e os sem resultado (apud Gianniti,
L’oggeto materiale del reato, p. 147). Trazemos à colação o
ensinamento de Mezger: “En los llamados delitos de sim-
ple actividad falta este objeto típico de la acción”, entendi-
do este como “aquel objeto corporal sobre el que la acción
típicamente se realiza” (Tratado..., p. 384-385). O eminente
Bruno não admite crime sem objeto material, alegando que
todo crime tem resultado “e que este tem sempre um subs-
trato sobre o qual se apóia. A ausência do objeto material
sobre o qual venha incidir a atividade do sujeito suscita a
figura do crime impossível” (Direito penal, v. 2, p. 212).
Sem embargo das opiniões em contrário, achamos que
existem crimes sem objeto material, que são: omissão de
socorro, art. 135; violação de domicílio (na forma de “per-
manecer”, que é crime omissivo), art. 150; violação de
segredo profissional, art. 154; exercício de atividade com
infração de decisão administrativa, art. 205; desobediência
a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito, art.
359; ato obsceno, art. 233; omissão de notificação de doen-
ça, art. 269; charlatanismo, art. 283; incitação ao crime, art.
286; fraude de lei sobre estrangeiros, art. 309; prevaricação
(nas formas de “retardar” ou “deixar de praticar”), art. 319;
condescendência criminosa, art. 320; abandono de função,
art. 323; usurpação de função pública, art. 328; reingresso
de estrangeiro expulso, art. 338, e falso testemunho ou
falsa perícia, art. 342.
Admitindo, também, crime sem objeto material:
Jescheck (Tratado de derecho penal, p. 375) e Battaglini
(Direito penal, p. 154).
Finalmente, há situações em que o objeto material se
confunde com o sujeito passivo, isto é, são a mesma pes-

129
José Cirilo de Vargas

soa. Assim, no homicídio, art. 121; no induzimento, instiga-


ção ou auxílio ao suicídio, art. 122; no aborto provocado por
terceiro, arts. 125 e 126 (em que a gestante é também sujei-
to passivo, junto com o feto); na lesão corporal, art. 129;
abandono de incapaz, art. 133; exposição ou abandono de
recém-nascido, art. 134; no constrangimento ilegal, art.
146; no abuso de incapazes, art. 173; no estupro, art. 213;
no atentado violento ao pudor, art. 214; na posse sexual
mediante fraude, art. 215; no atentado ao pudor mediante
fraude, art. 216; na sedução, art. 217; na corrupção de
menores, art. 218; no rapto violento ou mediante fraude,
art. 219; no rapto consensual, art. 220; na entrega do filho
menor a pessoa inidônea, art. 245; no induzimento a fuga,
entrega arbitrária ou sonegação de incapazes, art. 248;
sonegação de estado de filiação, art. 243; e no arrebata-
mento de preso, art. 353.

3.7. Instrumento ou Meio de Execução

Outro elemento do tipo é o instrumento, ou meio.


Segundo Fragoso, “meio é o instrumento de que se serve o
agente para prática da ação criminosa, sendo constituído
sempre por uma coisa” (Parte especial, 1976, v. I, p. 18). Em
Hungria-Fragoso lê-se: “Na autoria mediata o agente se
serve de outra pessoa como instrumento” (v. I, t. II, p. 632
nosso, o grifo). No mesmo sentido, Jiménez Huerta: “Sirve
el hombre de mero instrumento material siempre que efec-
túa determinados movimientos o inercias corporales en vir-
tud de una fuerza material exterior e irresistible que sobre
él se ejerce por outra persona” (Derecho penal mexicano,
cit., v. I, p. 70). Grispigni ensina que o instrumento é sem-
pre uma coisa, mas “la persona può essere strumento
dell’agente, solo nel caso dell’autore mediato” (Diritto
penale italiano, p. 282).

130
Do Tipo Penal

Entre as várias situações que realizam a figura da auto-


ria mediata, ensina o Prof. Bruno que “também se inclui na
espécie o caso em que o agente determina à realização da
ação típica um doente mental ou um menor” (Direito penal,
v. 2, p. 269). O Prof. Cunha Luna entende que “somente as
coisas podem ser instrumentos do crime. Coisas inanima-
das, como as armas, a imprensa e os meios postais, telegrá-
ficos e telefônicos, coisas animadas, que são os animais,
principalmente os animais domésticos, verdadeira longa
manus do homem. [...] Rigorosamente, não constituem stru-
menta sceleris as pessoas inimputáveis, o amens e o infans,
quando agentes na chamada autoria mediata. Os inimputá-
veis são pessoas humanas, e por serem pessoas humanas,
não perdem o caráter de agente, tendo vontade, embora
imatura nos menores, e incapaz, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, nos
maiores” (O resultado, cit., p. 63). Lecionando sobre a auto-
ria mediata (e a combatendo), diz Hungria: “falar-se, na
espécie, em instrumento passivo não passa de uma ficção
ou metáfora, nem sempre tolerável. Conceda-se que seja
como tal considerado o penalmente incapaz, o irresistivel-
mente coagido, o induzido a erro essencial de fato, mesmo
o que obedece à ordem vinculante do seu superior hierár-
quico” (Comentários, v. I, t. 2, p. 40)
Nos casos em que o agente se serve de um inimputá-
vel para a prática material do crime (autoria mediata),
excepcionalmente o instrumento é uma pessoa (a constata-
ção não vai de encontro ao conceito apresentado por
Fragoso, supra).
Abstraída a idéia de que a pessoa seja o instrumento,
posto que se trata de uma possibilidade rara, os meios de
execução apresentam-se de maneira variada: a arma, um
utensílio, uma ferramenta, uma corda, um porrete, uma
substância inflamável ou explosiva, o veneno, etc.

131
José Cirilo de Vargas

A arma é um meio bastante usado na execução.


Absteve-se o Código Penal de conceituá-la, mas é entendi-
da como todo instrumento usado pelo homem para atacar
ou para se defender.
O Código italiano, no art. 585, diz:

“Para os efeitos da lei penal, por armas se entendem:


a) as de fogo e todas as outras cuja destinação natu-
ral seja ofender as pessoas;
b) todos os instrumentos aptos para ofender, cujo
porte haja a lei proibido de modo absoluto, ou não
tenha motivo de justificação. Assimilam-se às
armas as matérias explosivas e os gases asfixian-
tes ou lacrimogêneos.”

Diz-se que a arma é própria quando se destina especi-


ficamente ao ataque ou à defesa, como o revólver, a garru-
cha, o punhal, etc. São impróprias as que não se destinam
ao ataque ou à defesa, mas que eventualmente podem se
prestar a tal: navalha, faca, facão, etc.
O emprego de arma é circunstância qualificadora do
crime de violação de domicílio (art. 150, § 1o); se o crime de
fuga de pessoa presa ou submetida a medida de seguran-
ça detentiva é praticado “a mão armada”, será qualificado
(art. 351, § 1o); a pena é aplicada em dobro se a quadrilha
ou bando é armado (art. 288, parágrafo único); no crime de
constrangimento ilegal, haverá aumento de pena, se “há
emprego de arma” (art. 146, § 1o); nos crimes de roubo e de
extorsão, o emprego de arma é causa de aumento de pena
(arts. 157, § 2o, I, e 158, § 1o).
Grispigni diz que poderá haver coincidência entre o
instrumento e o objeto material, e isto se dá quando a con-
duta consiste em “fazer uso” de alguma coisa (Diritto pena-
le italiano, v. II, p. 282).

132
Do Tipo Penal

Achamos que ocorre tal coincidência nos seguintes


casos: escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer obje-
to obsceno, no art. 234; maquinismo, aparelho, instrumen-
to ou qualquer objeto especialmente destinado à falsifica-
ção de moeda, no art. 291; objeto especialmente destinado
à falsificação de papéis, no art. 294 (o tipo diz em “qualquer
dos papéis referidos ao artigo anterior”, ou seja, no art.
293); os papéis falsificados ou alterados, no art. 304; a
marca ou sinal, falsificado por outrem, e usado pelo agente,
no art. 306; passaporte, título de eleitor, caderneta de
reservista ou qualquer documento de identidade, usados
como próprio, no art. 308.
Às vezes, o instrumento torna o crime qualificado.
Assim, o veneno, fogo explosivo, asfixia, tortura ou outro
meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo
comum, no art. 121, § 2o, III; o emprego de chave falsa, no
art. 155, § 4o, III; o emprego de substância inflamável ou
explosiva, no art. 163, parágrafo único, II.
Figurando como elemento do tipo, sem a característi-
ca de exasperar a pena, mencionamos os meios adiante: o
gás tóxico ou asfixiante, no art. 252; germes patogênicos,
no art. 267; revestimento, gaseificação artificial, matéria
corante, substância aromática, antiséptica, conservadora
ou qualquer outra não expressamente permitida pela legis-
lação sanitária, no art. 274; o selo ou sinal verdadeiro, no
art. 296, § 1o, II.
Finalmente, se o crime de contrabando ou descaminho
é praticado em transporte aéreo (meio ou instrumento)
aplica-se a pena em dobro, de acordo com o art. 334, § 3o.

3.8. Modos de Execução

A palavra modo é usada para exprimir a maneira de


ser executado o crime, ou a forma de se realizar o tipo. Tal
como já dissemos em relação aos meios, são variados os

133
José Cirilo de Vargas

modos de execução. No homicídio, por exemplo, a embos-


cada, a dissimulação, a traição são modos de execução e
são circunstâncias qualificadoras.
Tais maneiras aparecem em muitos tipos; achamos
dispensável, e até mesmo ocioso, relacioná-las todas neste
trabalho. Limitar-nos-emos a exemplos: seqüestro, no art.
148; destruição ou rompimento de obstáculo, escalada ou
destreza, no art. 155, § 4o, I e II; induzindo em erro essen-
cial ou ocultando impedimento, no art. 236; o engano, no
art. 239; suprimindo ou alterando direito, no art. 242; ocul-
tando a filiação de filho próprio ou alheio, ou atribuindo-lhe
outra, no art. 243; prescrevendo, ministrando ou aplicando
qualquer substância, ou fazendo diagnósticos, no art. 284.
Pela freqüência com que aparecem, seja como elemen-
to do tipo, seja como causa de exasperação da pena, mere-
cem destaque a violência, a ameaça e a fraude.
A violência é o ato de força, o constrangimento para
vencer a capacidade de resistência da pessoa ou da coisa.
A violência figura como elemento constitutivo dos
seguintes tipos de delito: constrangimento ilegal, art.
146; roubo, art. 157; extorsão, art. 158; esbulho possessó-
rio, art. 161, § 1o, II; atentado contra a liberdade de traba-
lho, art. 197; atentado contra a liberdade de contrato de
trabalho e boicotagem violenta, art. 198; paralisação de
trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem,
art. 200; frustração de direito assegurado por lei traba-
lhista, art. 203; frustração de lei sobre a nacionalização
do trabalho, art. 204; estupro, art. 213; atentado violento
ao pudor, art. 214; rapto violento ou mediante fraude, art.
219; violência arbitrária, art. 322; resistência, art. 329;
coação no curso do processo, art. 344; evasão mediante
violência contra pessoa, art. 352; violência ou fraude em
arrematação judicial, art. 358.
A ameaça é palavra, ou gesto, pelo qual se dá a
entender ou se demonstra o ânimo de fazer alguma coisa

134
Do Tipo Penal

de mau contra a pessoa a quem o gesto ou a palavra é


dirigida. O Código prevê o crime de ameaça, no art. 147,
com a descrição: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito
ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe
mal injusto ou grave.”
Fora essa previsão legislativa específica, a ameaça
figura ao lado da violência, como alternativa, nos seguintes
tipos de delito: constrangimento ilegal, art. 146; roubo, art.
157; extorsão, art. 158; esbulho possessório, art. 161, § 1o,
II; atentado contra a liberdade de trabalho, art. 197; atenta-
do contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem
violenta, art. 198; atentado contra a liberdade de associa-
ção, art. 199; estupro, art. 213; atentado violento ao pudor,
art. 214; rapto violento ou mediante fraude, art. 219; resis-
tência, art. 329; impedimento, perturbação ou fraude de
concorrência, art. 335; coação no curso do processo, art.
344; violência ou fraude em arrematação judicial, art. 358.
A violência figura como circunstância qualificadora nos
seguintes casos: injúria, art. 140, § 2o; violação de domicílio,
art. 150, § 1o; furto, art. 155, § 4o, I; dano, art. 163, parágrafo
único, I; mediação para servir a lascívia de outrem, art. 227,
§ 2o; favorecimento da prostituição, art. 228, § 2o; rufianismo,
art. 230, § 2o; tráfico de mulheres, art. 231, § 2o.
No crime de ultraje a culto e impedimento ou pertur-
bação de ato a ele relativo e no impedimento ou perturba-
ção de cerimônia funerária (arts. 208, parágrafo único, e
209, parágrafo único), o emprego da violência é causa de
aumento de pena.
A fraude é o engodo, a esperteza, a malícia da ativida-
de do agente. A fraude determina o engano, ou erro, que é
a representação desconforme com a realidade das coisas.
A fraude é uma modalidade de ação característica do crime
de estelionato.
Como alternativa da violência, é prevista nos seguin-
tes tipos de delito: frustração de direito assegurado por lei

135
José Cirilo de Vargas

trabalhista, art. 203; frustração de lei sobre a nacionaliza-


ção do trabalho, art. 204; rapto violento ou mediante frau-
de, art. 219; impedimento, perturbação ou fraude de con-
corrência, art. 335; violência ou fraude em arrematação
judicial, art. 358.
Como elemento constitutivo do tipo, isolada da violên-
cia e da ameaça, aparece no estelionato, art. 171; na fraude
à execução, art. 179; na posse sexual mediante fraude, art.
215; no atentado ao pudor mediante fraude, art. 216.
Finalmente, o crime de furto é qualificado, se for come-
tido mediante fraude (art. 155, § 4o, II).

3.9. O Lugar

O lugar é outra circunstância referida em várias passa-


gens da Parte Especial. Lugar é todo espaço ocupado por
uma coisa, ou que possa vir a sê-lo. A casa onde mora a
pessoa é um lugar, assim como são lugares a Praça Afonso
Arinos e o território nacional. Advertimos que a expressão
“lugar”, aqui mencionada, não é aquela empregada para
designar o limite de validade da lei penal.
Como acentua Grispigni, quando se fala do lugar como
elemento constitutivo do tipo, está-se aludindo a um lugar
determinado, e não a uma parte qualquer do espaço (op.
cit., v. II, p. 287).
A circunstância de lugar às vezes vem ligada à cir-
cunstância de tempo, como ocorre na causa de aumento de
pena prevista no art. 141, III: a “presença de várias pes-
soas” pressupõe também o tempo em que aquelas se acha-
vam reunidas.
O lugar pode ter uma qualificação natural ou jurídica.
Como qualificação natural podem citar-se: lugar ermo, arts.
133, § 3o, I, e 150, § 1o; qualquer compartimento habitado,
aposento ocupado de habitação coletiva, compartimento
não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou ati-

136
Do Tipo Penal

vidade, art. 150, § 4o; hospedaria, estalagem, ou qualquer


outra habitação coletiva, enquanto aberta, art. 150, § 5o;
casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para
fim libidinoso, arts. 229 e 247, III; asilo de expostos, art. 243;
casa de jogo ou mal-afamada, art. 247; casa habitada ou
destinada a habitação, embarcação, aeronave, comboio ou
veículo de transporte coletivo, estação ferroviária ou aeró-
dromo, estaleiro, fábrica ou oficina, depósito de explosivo,
lavoura, pastagem, mata ou floresta, art. 250, § 1o, II; publi-
camente, nos arts. 286 e 287 (achamos que a palavra “publi-
camente”, usada nos arts. 286 e 287, pode ser uma circuns-
tância de modo e também de lugar. Se o agente, perante um
auditório, por exemplo, incita a prática de crime, não se
pode negar que o termo “publicamente” se refere a um
lugar; ao contrário, se o agente faz a apologia de um fato cri-
minoso, através de folheto distribuído ao público, a expres-
são “publicamente” deve ser tida como circunstância de
modo, ou forma de conduta); residências, art. 334, § 2o.
O lugar, com qualificação jurídica, é mencionado em
vários tipos, como se segue: casa alheia, art. 150, caput;
prédio alheio, art. 169, parágrafo único, I; prédio próprio ou
alheio, art. 255; território nacional, arts. 207, 231, 309, 310 e
338; no país, arts. 177, § 1o, IX, 184, § 2o, 289, 334, § 1o, letra
c; lugar público, nos arts. 233, caput, e 234, parágrafo
único, II e III; lugar onde menor de dezoito anos ou interdi-
to se acha por determinação de quem sobre ele exerce
autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial, art. 248;
repartição onde o dinheiro se achava recolhido, art. 290,
parágrafo único; lugar compreendido na faixa de fronteira,
art. 323, § 2o; edifício público ou destinado a uso público,
art. 250, § 1o, II, letra b.
No crime de abandono de incapaz, haverá aumento
de pena se o abandono ocorrer em lugar ermo (art. 133, §
3o, I); também haverá aumento de pena se o crime de
incêndio for cometido em edifício público ou destinado a

137
José Cirilo de Vargas

uso público ou a obra de assistência social ou de cultura


(art. 250, § 1o, II, letra b).
O crime de violação de domicílio torna-se qualificado
se é cometido em lugar ermo (art. 150, § 1o); nos crimes
assimilados aos de moeda falsa, o máximo das penas comi-
nadas é elevado, se o crime é cometido por funcionário que
trabalha na repartição onde o dinheiro se achava recolhido
(art. 290, parágrafo único). Fragoso (Parte Especial. 1981, v.
II, p. 315), chama de “agravação especial” a circunstância
qualificadora do art. 290, parágrafo único. Dizemos que é
circunstância qualificadora tornando por base a lição de
Hungria (Comentários. 1959, v. IX, p. 229).

3.10. O Tempo

É a última das circunstâncias do tipo que estamos


estudando. O tempo é a duração, ou o período, ou o prazo,
ou a época, ou o momento, ou a oportunidade em que se
registram as coisas ou os fatos.
Grispigni salienta que todas as causas de justificação
funcionam em razão do tempo. Citando a legítima defesa e
o estado de necessidade, relembra que tais situações exis-
tem enquanto dura o perigo (diríamos nós que enquanto
dura também a agressão, de acordo com o Direito brasilei-
ro). No consentimento do ofendido, até que não seja revo-
gado, e só se o fato se verifica no tempo desejado pelo que
consente (Diritto penale italiano, p. 291, n. 5).
A circunstância de tempo figura como elemento cons-
titutivo do tipo nos seguintes casos: durante o parto ou
logo após, art. 123; logo depois de subtraída a coisa, art.
157, § 1o; prazo de quinze dias, no art. 169, parágrafo único,
II; por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro
desastre ou calamidade, art. 257; antes de assumir a fun-
ção pública, nos arts. 316 e 317; antes de satisfeitas as exi-
gências legais, art. 324.

138
Do Tipo Penal

A circunstância de tempo pode funcionar como cir-


cunstância qualificadora: se a privação da liberdade dura
mais de quinze dias, art. 148, § 1o, III; se o crime é cometi-
do durante a noite, art. 150, § 1o; se o seqüestro dura mais
de 24 horas, no art. 159, § 1o.
Se o crime de furto é praticado durante o repouso
noturno, a pena é aumentada (art. 155, § 1o); as penas apli-
cam-se em dobro se o crime de interrupção ou perturbação
de serviço telegráfico ou telefônico é cometido por ocasião
de calamidade pública (art. 266, parágrafo único).
Nos crimes de homicídio e de lesão corporal, o juiz
pode reduzir a pena, de um sexto até um terço, se o agen-
te comete tais delitos sob o domínio de violenta emoção,
logo em seguida a injusta provocação da vítima (arts. 121,
§ 1o, e 129, § 4o).
Fica excluída a antijuridicidade da violação de domicí-
lio, se a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas
dependências ocorre:

a) durante o dia, com observância das formalidades


legais, para efetuar prisão ou outra diligência;
b) a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum
crime está sendo ali praticado ou na iminência de
o ser (art. 150, § 3o, I e II).

Uma circunstância de tempo se relaciona com uma


escusa absolutória, prevista no art. 181, I: é isento de pena
quem comete um delito patrimonial em prejuízo do cônju-
ge, na constância da sociedade conjugal.
Outra circunstância de tempo acha-se ligada ao con-
curso material: no art. 222, o Código determina que as
penas sejam cumuladas, em caso de prática de outro crime
concomitante (“ao efetuar o rapto”) ou posterior (“em
seguida”) ao rapto.

139
José Cirilo de Vargas

No crime de induzimento a erro essencial e ocultação


de impedimento, há uma condição de processabilidade, ou
pressuposto processual, ligado a uma circunstância de
tempo: o cônjuge enganado só pode exercer o direito de
queixa depois de transitar em julgado a sentença que, por
motivo de erro ou impedimento, anule o casamento (art.
236, parágrafo único).
Uma circunstância de tempo relaciona-se com o sujei-
to ativo: no art. 249, § 1o, dispõe o Código que o fato de ser
o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não
o exime de pena, se destituído ou temporariamente priva-
do do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.
No art. 289, § 2o, é prevista uma modalidade menos
grave do crime de moeda falsa, em que há uma circuns-
tância de tempo: o agente recebe, de boa-fé, a moeda
falsa ou alterada e a restitui a circulação, depois de
conhecer a falsidade.
Duas questões ainda se colocam: os conceitos de
“noite” e de “repouso noturno”.
A circunstância de ser o crime cometido durante a
noite qualifica (art. 150, § 1o) a violação de domicílio (tipo
de delito que, estranhamente, Fragoso chama de “invasão”
de domicílio - Parte especial, 1981, p. 29).
No art. 155, § 1o, há uma causa de aumento de pena,
como já foi dito, se o crime é praticado durante o “repouso
noturno”.
A nosso ver, o conceito de noite pode ser buscado na
Bíblia, ou mais precisamente, no primeiro livro de Moisés:
“E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e
as trevas. Chamou Deus à luz Dia, e às trevas, Noite”
(BÍblia sagrada. Gênesis, 1:4-5. Trad. de João Ferreira de
Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969).
Jorge Alberto Romeiro é autor de erudito artigo deno-
minado “A Noite no Direito e no Processo Penal”, publicado
no volume de Estudos de Direito e Processo Penal em

140
Do Tipo Penal

Homenagem a Nelson Hungria. Achamos um tanto exagera-


da a importância que se dá ao tema: noite é a ausência de
luz solar. Hungria é de parecer que “a noite, como agravan-
te ou majorante, sempre deu margem a dúvidas, ora enten-
dendo-se que era o tempo decorrente entre o término do
crepúsculo vespertino e o começo matutino, ora que era o
período em que não se distinguem pessoas e coisas senão
com a luz artificial (excluídas, portanto, as noites enluara-
das...)”. Hungria cita von Liszt, para quem a expressão noite
significa o período de descanso noturno, segundo o uso do
lugar. É o critério psico-sociológico (Comentários, 1980, v.
VII, p. 30). Não obstante, continuamos achando que noite é
o período sem luz, de obscuridade. É o que está na Gênesis.
Naturalmente, a luz referida na Bíblia é a luz do sol;
noite, portanto, é a ausência de luz solar, a obscuridade.
Não vemos qualquer dificuldade na fixação deste momen-
to, ou deste tempo. A circunstância qualificadora (que,
aliás, aparece em um único crime) justifica-se pelo fato de,
no escuro, ser mais fácil praticar o delito.
Com relação à causa de aumento de pena prevista no
art. 155, § 1o, preferiu o Legislador usar a expressão “repou-
so noturno”, ao invés de “noite”.
Magalhães Noronha conceitua o repouso noturno
como “o tempo em que a vida das cidades e dos campos
desaparece, em que seus habitantes se retiram, e as ruas e
as estradas se despovoam, facilitando essas circunstâncias
a prática do crime” (Direito penal, v. 2, p. 227).
Reputamos exato o conceito de Noronha. O homem
rural se recolhe pouco depois de escurecer. No Rio de
Janeiro, com suas atrações e espetáculos noturnos, não se
pode dizer que “as ruas se despovoam”, logo depois que o
sol se põe; no campo, como regra geral, o tempo de “repou-
so noturno” quase pode ser interpretado pela literalidade
da expressão.

141
José Cirilo de Vargas

A 1a Conferência de Desembargadores, reunida no Rio


de Janeiro, em 1943, aprovou, por trinta e cinco votos, a
conclusão XIII, que é a seguinte:

“O critério para se aferir o repouso noturno é


variável e deve obedecer aos costumes locais relativos
à hora em que a população se recolhe, e a em que des-
perta para a vida cotidiana” (Anais da 1a Conferência
de Desembargadores. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1944, p. 185).

O Min. Hungria, Juiz de Direito à época, participou do


debate e disse o seguinte: “Desejo dar um ligeiro esclare-
cimento. Em que pese à oposição do ilustre Desembar-
gador Oliveira Sobrinho, não existe divergência de doutri-
na em torno da expressão, ‘repouso noturno’, mas, sim, em
torno da palavra ‘noite’. É que uns entendem que, no con-
ceito desta, deve ser adotado o critério físico-astronômico,
isto é, como período decorrente desde a hora do tramonte
até a hora matutina. Outros, porém, entendem de modo
diverso: é o período do sossego noturno. Precisamente
para dirimir a controvérsia, o Código, acolhendo o último
critério, usou da expressão ‘repouso noturno’. Repouso
noturno é aquele que abrange o período que, segundo os
costumes locais, medeia entre a hora de ir para a cama e a
hora de se levantar. É o critério psicossociológico. A con-
trovérsia não existe em torno da expressão repouso notur-
no, mas, sim somente em torno do vocábulo ‘noite’, que o
Código evitou” (p. 186). Dessa sessão participou, como
Desembargador do Tribunal de Apelação do Rio Grande do
Norte, aquele que viria ser, para nós, o primeiro dos admi-
nistrativistas pátrios, o eminente Min. Seabra Fagundes,
que disse, na ocasião: “Penso que o repouso noturno deve
se basear no costume local, dependendo, igualmente, da
natureza do recinto; num hospital, mesmo no Rio de

142
Do Tipo Penal

Janeiro, a hora de repouso começa mais cedo do que no


geral dos casos. É, pois, um critério individualizador” (p.
186). Citamos, por fim, duas decisões do Tribunal de
Alçada Criminal de São Paulo: “Não há confundir ‘repouso
noturno’ com furto praticado à noite. Assim, não havendo
prova de que alguém esteja repousando no local assaltado
(sic) inexiste razão para agravação da pena” (Relator, Juiz
Francis Davis); “Não obstante o horário dos fatos, se o deli-
to é praticado na presença do proprietário da coisa, é inca-
bível o reconhecimento da agravante do repouso noturno.
Em havendo vigília, inexiste a precariedade de vigilância
e defesa, critério adotado pelo código para fundamentar a
agravação da pena nos furtos noturnos” (Relator, Juiz
Silva Leme). (Almeida, Nilton Messias de. In: Costa Jr.
Paulo José da Costa (Coord.). Código Penal e sua interpre-
tação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1979. p. 31).

143
Capítulo 4
Classificação dos Tipos

Uma parcela considerável da Doutrina (Mezger. Libro


de estudio, p. 391; Terán Lomas, Derecho penal, p. 332;
Jiménez Huerta, La tipicidad, p. 96; Jiménez De Asúa,
Tratado..., v. III, p. 784, e La ley el delito, p. 295; Maurach,
Tratado de derecho penal. p. 275; Reyes Echandía, La tipi-
cidad, p. 147; Baumann, Derecho penal, p. 86; Sauer, De-
recho penal, p. 114; Correia, Direito criminal, v. I, p. 307;
Balestra, Derecho penal – lntroducción e parte generale, p.
239; von Beling, La doctrina del delito-tipo, p. 44) não
chega a um consenso sobre a classificação dos tipos.
Maurach, por exemplo, diz que “las distintas formas de
constituir el tipo son de número ilimitado” e “es evidente
que el mismo tipo puede ser clasificado atendiendo a dis-
tintos puntos de vista” (Tratado, I, p. 275).
Expõe-se, a seguir, uma classificação, que não perten-
ce a nenhum Autor, isoladamente; antes, constitui uma
mescla de variados pontos de vista. Não se pretendeu ino-
var: foram referidas apenas as espécies de tipos que nos
pareceram mais importantes, como se segue:

4.1. Quanto à sua Estrutura

O tipo básico ou fundamental é aquele em que qual-


quer lesão do bem jurídico basta por si só, para integrar o
crime (Jiménez Huerta. La tipicidad, p. 97). No quadro dos
crimes contra a vida, é tipo básico o de homicídio, previsto
no art. 121. No dizer de Mezger, os tipos fundamentais
constituem a espinha dorsal do sistema na Parte Especial
(Libro de estudio, p. 392).

145
José Cirilo de Vargas

Após descrever uma conduta fundamental (matar


alguém, por exemplo), o Legislador acrescenta determina-
das circunstâncias (à traição, de emboscada, por motivo
fútil) que modificam, para mais, os limites mínimo e máxi-
mo de pena, cominada à figura típica fundamental. São os
tipos qualificados.
Pode ocorrer também que à figura fundamental (do
homicídio, ainda) se acresça uma circunstância (motivo de
relevância valor moral, como exemplo) que tem o poder de
diminuir a pena: a hipótese fática se enquadra no art. 121,
§ 1o, do Código Penal, onde se acha um exemplo de crime
privilegiado. Do mesmo modo, o tipo previsto no art. 123
(infanticídio) é privilegiado em relação ao tipo fundamental
“matar alguém”.

4.2. Quanto à Ação

O Legislador pode formular tipos que possuem apenas


um núcleo, ou apenas uma conduta expressa por um único
verbo. São os tipos elementares, previstos, como exemplo,
nos arts. 121 (matar) e 140 (injuriar).
Quanto ao tipo composto diz Reyes Echandía ser

“aquel que describe una pluralidadde conductas,


cada una de las cuales podría integrar par si misma un
tipo autônomo, aunque referido al mismo bien jurídico,
a varias espécies de un mismo comportamiento” (La
tipicidad, p. 160).

Nos tipos compostos, distinguem-se os alternativos


e os cumulativos. Quando aos primeiros, observa
Jiménez de Asúa:

“Entendemos por tipo casuístico alternativo aquel


en que las hipótesis enunciadas se prevén una o otra y

146
Do Tipo Penal

son, en cuanto a su valor, totalmente fungibles, coma


observa Beling (Grundzüge, pág. 22). En esto estamos
enteramente de acuerdo con la mayor parte de los auto-
res que hablan de hipótesis alternativas, porque para
que la tipicidad exista basta con que se realice uno de
los casos, a menudo formulados con un verbo cada uno,
para que la subsunción se realice” (Tratado, III. p. 792).
Destes, também fala Bettiol (Direito penal, v. I, p. 289).

Exemplos desses tipos encontramos nos arts. 122


(induzir, instigar ou auxiliar), 160 (exigir ou receber) e 161
(suprimir ou deslocar).
Nos tipos compostos cumulativos, onde igualmente
existe mais de um núcleo, é necessário que o agente pratique
mais de uma conduta, para que se tenha o tipo por realizado.
Assim, no art. 242: “ocultar recém-nascido [...] suprimindo;
substituir o recém-nascido [...] alterando”; e, ainda, no art.
243: “deixar em asilo [...] ocultando [...] ou atribuindo”.
Depois de afirmar que os tipos compostos cumulativos
são menos freqüentes, ensina Jiménez de Asúa: “No se
acumulan delitos en un mismo artículo, que es necesario
cargar a la cuenta del mismo sujeto, sino que representan
tipos que necesitan acumular vários núcleos para consti-
tuir la figura rectora” (Tratado, III, p. 795-796).
Sobre a terceira figura do caput do art. 242, anota
Delmanto: “Não basta para a tipificação a mera ocultação:
é necessário que esta seja acompanhada da privação dos
direitos do recém-nascido, isto é, suprimindo ou alterando
direito inerente ao estado civil” (Ed. de 1980, p. 276). De
tipos mistos cumulativos também falam von Beling
(Esquema, p. 38) e Bettiol (Direito penal. Ed. Brasileira,
1997, v. I, p. 289). Em nota lançada às páginas 289-290, os
Tradutores também falam em tipos mistos cumulativos, for-
necendo, como exemplo, no direito brasileiro, os tipos dos
arts. 137, 195, 231, 266, 269 e 274. Na Parte Geral de suas

147
José Cirilo de Vargas

Lições, Fragoso (1980) não admite a existência desses


tipos: “Isto não ocorre com os chamados tipos cumulativos.
Esta designação é evidentemente imprópria; não há tipos
cumulativos” (p. 162). No já citado volume correspondente
aos arts. 213 a 359, Fragoso (Parte Especial, 1981, v. II) diz,
a propósito do art. 242: “Estamos diante de um tipo misto
cumulativo” (p. 118). Referindo-se ao tipo do art. 202; “O
tipo é, claramente, misto cumulativo” (Fragoso. Parte espe-
cial, 1977, v. II, p. 258). Como se vê, não existe uma estrada
certa por onde caminhava o penalista brasileiro.
Dissentindo dele, continuamos achando que no caso do art.
242 a terceira figura ali prevista (ocultação de recém-nasci-
do) só se terá por realizada quando o agente ocultar e
suprimir; na quarta figura, só se o agente substituir e alte-
rar. O agente teve de praticar duas ações para a realização
de cada figura. A posição adotada conta com o aval de
Jiménez de Asúa. Só assentimos em que, no art. 242, por
exemplo, há mais de uma figura típica, o que não impede,
em absoluto, que ali possam existir, como efetivamente
existem, tipos compostos cumulativos.

4.3. Quanto ao Bem Jurídico Tutelado

Reyes Echandía faz uma aguda observação ao tratar


dos tipos que ele chama de “lesão” e de perigo:

“Esta clasificación no permite concluir, como


pudiera pensarse a primera vista, que existen tipos
penales que describen conductas realmente lesivas de
intereses jurídicos y otros referidos a comportamientos
más o menos cuya única característica sería la de su
potencialidad para causar daño” (La tipicidad, p. 170).

Na verdade, todos os tipos são elaborados a partir do


princípio de que eles visam proteger determinados valores

148
Do Tipo Penal

ou bens da vida. O Legislador não cria tipos sem uma fina-


lidade específica; o que ocorre é que, às vezes, o tipo tute-
la bens contra um dano consistente em sua destruição ou
diminuição; outras vezes, protege-os especialmente do
perigo que os ameaça.
Daí, os tipos de dano e os tipos de perigo.
Para Carnelutti, o dano é precisamente “un modo de
ser del evento, por lo que a la voz daño corresponde la
frase evento dañoso; daño es aquel evento que consiste
en la lesión de un interes” (Teoría general del delito.
Trad. de Victor Conde. Madrid: Revista de Direito
Privado, 1952, p. 191).
Costuma-se falar, na Doutrina pátria, que os tipos de
dano são os que só se realizam com a efetiva lesão do bem
tutelado, como acontece, por exemplo, nos tipos dos arts.
121 e 129.
Há situações, porém, em que o Legislador como que
antecipa a realização do tipo, e o dá por perfeito no
momento em que o bem ou interesse tutelado se encontra
em uma condição objetiva de provável lesão. São os tipos
de perigo, os quais, para se terem por realizados, não é
necessário efeito dano ao bem jurídico, bastando a poten-
cialidade do dano. Bruno (Direito penal, v. 2, p. 222) diz:
“Nessa probabilidade de dano está a definição de perigo.
É o dano potencial, de Carrara”. O antigo professor de Pisa
escreveu de modo diferente: no § 96, do Programa, afirma
que o dano pode ser efetivo ou potencial. É potencial,
quando há no resultado da ação a potência de acarretar a
perda do bem jurídico. Acontece, porém, que a primeira
frase do parágrafo seguinte, o de no 97, é esta: “El daño
potencial es, pues, uma cosa distinta del peligro” -
Carrara. Programa, v. I, p. 90).
Entre os tipos de perigo, podem ser citados os do art.
130, caput (perigo de contágio venéreo), do art. 137 (rixa) e
do art. 250 (incêndio).

149
José Cirilo de Vargas

Para se distinguir se um tipo é de dano ou de perigo,


deve-se considerar o instante em que, segundo a descrição
típica, a conduta se torna perfeita.

4.4. Quanto à Unidade ou Pluralidade


de Bens Tutelados

Carrara, tratando da classificação dos crimes, já afir-


mava que “se llaman simples los que lesionan un solo dere-
cho, y complejos los que violan más de un derecho”
(Programa, § 52).
Ao lado desses, há os tipos complexos ou de condu-
ta pluriofensiva, que protegem dois ou mais bens jurídi-
cos. No art. 157, caput, por exemplo, o tipo está protegen-
do o patrimônio, a integridade corporal e a liberdade
individual.
Entre Autores estrangeiros, há discussão sobre se,
para a existência do tipo complexo, é necessária a fusão de
dois ou mais tipos simples, ou basta que a figura típica pro-
teja dois ou mais interesses.
Diante do art. 101 do Código Penal, cessa qualquer
dúvida: o tipo só será complexo se tiver, como elementos
constitutivos, fatos que por si mesmos constituem crimes
.Nesse sentido, Hungria. Comentários..., 1955, v. I, t. 2, p.
50; Fragoso. PG, 1976, p. 296. O tipo complexo, de que
estamos tratando, é chamado por Antolisei de “complexo
em sentido estrito” ou “composto” (p. 427-428). Afirma
Jiménez Huerta: “No estimamos imprescindible para afir-
mar la presencia de un tipo complejo, el que en él se
fusionen dos tipos simples; lo que creemos decisivo para
su existencia conceptual es que se protejan contemporá-
neamente dos o más bienes jurídicos” (Derecho penal
mexicano, v. I, p. 179). O ensinamento do professor espa-
nhol não se aplica ao Direito brasileiro, em face de nossa
realidade legislativa.

150
Do Tipo Penal

4.5. Quanto à Forma de Ação

Na maioria das figuras típicas, o comportamento proi-


bido vem expresso em forma positiva: matar alguém, sub-
trair para si ou para outrem, etc.; ao contrário, às vezes, o
que é proibido é enunciado de maneira negativa: deixar de
prestar assistência... etc. (art. 135).
No primeiro caso, o tipo é comissivo e se realiza com o
agente fazendo alguma coisa proibida: matando ou sub-
traindo. No segundo, o tipo é omissivo e consiste em o
agente omitir o que a lei manda fazer: deixar de prestar
assistência, etc.
Tendo o assunto sido tratado em outro lugar, nos
reportamos aos tópicos sobre a ação e a omissão, na parte
relativa à análise do tipo.

4.6. Quanto a seu Conteúdo

Nesta divisão, os tipos podem ser formais e de resul-


tado.
Diz Bruno que crimes “formais são aqueles em que
não há pretender destacar do comportamento do sujeito
um resultado a ser tomado em consideração pelo Direito”
(Direito penal, v. 2, p. 221).
Como o professor do Recife não admite crime sem
resultado, alega que, nos crimes formais, “para que a con-
sumação se repute completa, não é preciso verificar-se
mais do que a simples ação ou omissão do sujeito. O resul-
tado de dano ou de perigo prescinde de ser apurado” (op.
cit., v.2, p. 222).
Na realidade, não é exatamente assim. Nos delitos
formais, basta que o agente pratique a ação mencionada
no tipo, e este estará realizado, independentemente de
qualquer modificação do mundo exterior, que é o resulta-
do. Não é que o resultado prescinda de ser apurado, como

151
José Cirilo de Vargas

quer o Prof. Bruno; ele não pode ser apurado, pela razão
de não existir.
Ensina Cunha Luna: “Há crimes de pura ação ou cri-
mes sem resultado. A nosso ver, os crimes de ação identifi-
cam-se com os crimes formais [...]. Crime formal é o crime
de pura atividade.” (O resultado, p. 85). Para o Prof.
Grispigni, “i reati formali perciò presentano questa caracte-
rística, e cioè che mentre si richiede um dolo di evento offen-
sivo, invece quale elemento materiale basta o una mera
condotta, o un evento, senza però che questo sai di dano o
di pericolo. Vale a dire che la caratteristica dei reati formali
sta nel rapporo tra l’elemento intenzionale e l’elemento
materiale” (op. cit., p. 81). Diz Hungria que “nos crimes
materiais ou de dano (o Ministro não os distingue) é neces-
sário à consumação a superveniência de efetiva lesão do
bem jurídico tutelado. [...] Nos crimes formais, basta o even-
tus periculi (relevante possibilidade de dano, dano poten-
cial): A consumação antecede ou alheia-se ao eventus
damni (e por isso também se fala, aqui, em crimes de con-
sumação antecipada)” (Comentários..., v. I, t. 2, p. 40-41).
Os tipos formais são também chamados de mera con-
duta, ou de simples atividade. Já os enumeramos, quando
tratamos do tópico “resultado”, na análise do tipo, ao qual
fazemos remissão.
Os Autores alemães falam em Tatigkeitsdelikte, refe-
rindo-se aos crimes de atividade; e Erfolgsdelikte, relativa-
mente aos de resultado.
Os causalistas puros (como Mezger e Bruno) dizem
que nos crimes de simples atividade o movimento corporal
(atividade) e o resultado excepcionalmente se confundem.
Explica-se: essa corrente doutrinária inclui o resultado no
conceito de ação. Está claro que o presente trabalho afas-
ta-se dos causalistas neste ponto, o que não importa ade-
são à teoria da ação finalista.

152
Capítulo 5
Ausência de Tipicidade

Como se sabe, a tipicidade é uma das características


essenciais do fato punível. De modo que, em sua falta, não
há falar em crime. Se a conduta do agente não logra reali-
zar o tipo, nem se encaminha no sentido de realizá-lo (atos
de tentativa), tal comportamento escapa ao domínio do
Direito Penal.
Sempre que tal ocorrer, ou seja, sempre que o fato da
vida não se ajustar ao tipo, ou “molde legal”, há ausência
de tipicidade, ou atipicidade.
São múltiplas as hipóteses de ausência de tipicidade,
como se seguem, de acordo com a generalidade dos Autores.

5.1. No Crime Putativo


Muitas vezes, o indivíduo age na errônea suposição de
estar cometendo um crime, quando, na verdade, seu com-
portamento é lícito, e também não se amolda a nenhuma
descrição típica.
Trata-se de crime putativo, apenas imaginado pelo
agente, cuja conduta é irrelevante, escapa ao domínio
jurídico-penal.

5.2. Nos Casos de Crime Impossível


Sem descer a detalhes que, naturalmente escapam ao
objetivo e à natureza deste trabalho, podemos dizer que
em nosso Direito há duas situações em que a atuação do
agente jamais pode chegar à realização do tipo: quando o
meio empregado na execução for absolutamente inidôneo,
ou quando faltar o objeto da proteção penal.

153
José Cirilo de Vargas

Nestes dois casos, previstos no art.17 do Código, a


conduta nunca poderá ser típica porque, no dizer de Bruno,
“a atuação objetiva da vontade do agente toma, por erro,
um caminho que não pode conduzir a essa realização”
(Direito penal, v. 1, p. 338). No segundo volume desta obra
(p. 212), Bruno diz que se faltar o objeto material dá-se uma
hipótese de crime impossível. Achamos não assistir razão
ao professor. No surrado exemplo de práticas abortivas em
mulher não grávida, o que falta é o objeto da proteção, ou,
no caso, a vida. Tudo isso coerentemente com o que já dei-
xamos consignado: no aborto (seja qual for), o objeto mate-
rial é a gestante, e, não, o feto, em contrário da posição de
Fragoso. O Prof. Reale Júnior, examinando este trabalho,
seguiu os passos de Bruno, ao dizer que, no crime impossí-
vel, o que falta é o objeto material. Afastamo-nos dos consa-
grados penalistas e trazemos à colação o Min Hungria: “Na
tentativa sobre objeto absolutamente impróprio, a atipici-
dade penal é ainda mais evidente: inexiste o bem jurídico
que o agente supõe atacar” (Comentários..., v. 1, t. 2, p. 96).
Portanto, mantemos o que se acha no texto: se faltar o obje-
to da proteção penal, não há falar em tipicidade. Coerente
com essa posição, já deixamos consignado: o objeto jurídi-
co, ou objeto da proteção, é elemento indispensável, repre-
sentando ponto de partida na elaboração e interpretação
dos tipos penais. Já o objeto material, ou objeto da ação,
pode faltar, sem comprometer a tipicidade (nesse sentido:
Fragoso, Mezger, Petrocelli, Battaglini e Jescheck).

5.3. Na Falta de Certos Elementos


Constitutivos do Tipo

5.3.1. Ação

No tipo, a ação tem um valor fundamental e indispen-


sável, pois ela é o próprio núcleo daquele. Se a ação do

154
Do Tipo Penal

agente não corresponder àquela que o verbo típico, ou rei-


tor representa, aquele tipo não se realiza, falhando a respec-
tiva tipicidade, não obstante poder ser realizado outro tipo.
Se a conduta humana se aproxima, ou é “parecida”,
com a ação descrita pelo verbo reitor, ainda assim o com-
portamento é atípico.

5.3.2. Objeto Material

Como já dissemos atrás, o objeto material é a pessoa,


ou a coisa, sobre a qual recai a ação. Faltando o objeto da
ação, não se pode realizar o tipo.
Se o agente, por exemplo, subtrai coisa móvel que lhe
pertence, ao invés de coisa móvel alheia, sua conduta não
é típica, nos termos em que está redigido o art. 155 do
Código Penal.
O Legislador brasileiro previu taxativamente a ausên-
cia de tipicidade, por falta de objeto material, no art. 150, §
5o. Depois de descrever o delito de violação de domicílio,
esclarece que “não se compreendem na expressão ‘casa’:
hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coleti-
va, enquanto aberta...”.

5.3.3. Elementos Normativos

Já dissemos que há elementos no tipo, chamados nor-


mativos, que impõem ao juiz a necessidade de especial
juízo de valor sobre os mesmos. Sua compreensão não é
pronta, imediata.
O conceito de honestidade, por exemplo, referido no
art. 219 do Código Penal, não pode ser captado de pronto,
como ocorre com os elementos objetivos, ou puramente
descritivos. No tipo referido, faltando a honestidade na
mulher raptada, não há falar em realização típica.

155
José Cirilo de Vargas

5.3.4. Elementos Subjetivos

A adequação típica pode falhar por ausência do ele-


mento subjetivo. O agente subtrai a coisa alheia móvel,
mas sem o fim (dolo específico) de tê-la para si ou para
outrem: não realizou o tipo do art. 155 do Código Penal.
Jiménez de Asúa observa que sem o animus lucrandi
não têm sentido os tipos de furto e de roubo (Tratado..., v. III,
p. 817). Delmanto (Código Penal anotado, 1982), em anota-
ções ao art. 155, do Código Penal, refere-se “à especial fina-
lidade de agir (para si ou para outrem)”. E completa: “Na
escola tradicional é o ‘dolo específico’ ” (p. 171). Também
Fragoso: “esse fim de agir constitui elemento subjetivo do
tipo (dolo específico)” (Parte especial, v. I, p. 275, grifo
nosso). O professor do Rio de Janeiro remete o leitor ao
número 151 da “Parte Geral”, onde afirma que a denomina-
ção “dolo específico” é imprópria. (PG, 1980, p. 178). Já dis-
semos, alhures, que Fragoso ficou a dever uma explicação do
porquê é impróprio dizer “dolo específico”. A afirmação, con-
tida no texto, de que pode falhar a tipicidade por ausência
de elementos subjetivos não significa adesão ao entendi-
mento de que o dolo está no tipo, como quer Maurach: “La
parte subjetiva del tipo está formada siempre por el dolo”
(Tratado de derecho penal, p. 301), ou na ação, como quer
Welzel: “El dolo pertenece a la acción, porque distingue la
estructura finalista de las acciones típicas dolosas, de la
estructura solamente causal de producción de las acciones
típicas culposas” (Derecho penal, p. 74). Ao contrário.
Achamos que assiste razão a Jiménez de Asúa, quando afir-
ma: “A parte de que el móvel no está fuera de la culpabili-
dad, lo cierto es que el ánimo de lucro e el ánimo de apropia-
ción tiene su esencia propia y nos es más que uno de los ele-
mentos subjetivos de los injusto” (Tratado..., cit., v. III, cit., p.
764). E também a Baumann: “El dolo como peculiar elemen-
to da culpabilidad construye, juntamente con los demás ele-

156
Do Tipo Penal

mentos normativos, el concepto normativo de la culpabili-


dad” (Derecho penal - Conceptos fundamentales y sistema,
p. 233). Sobre a posição do dolo na estrutura do crime, são
esclarecedoras as observações de Bruno (Direito penal, v. 2,
p. 59 et seq.). Sobre a inclusão do dolo no “injusto” (e, con-
seqüentemente, no tipo), é severa a crítica de Mezger (Libro
de estudio, § 32, VII, p. 140-141). Falamos “e, conseqüente-
mente, no tipo”, porque Mezger estuda a tipicidade dentro
da antijuridicidade, como se vê no primeiro volume do
Tratado( § 21). Essa monografia foi escrita antes da reforma
da Parte Geral. Após a reforma, em 1984, a discussão sobre
a “localização” do dolo cessou, em face do art. 20: se o agen-
te erra sobre elemento constitutivo do tipo, o dolo fica excluí-
do. Logo, o dolo está no tipo. Mantemos essa parte do texto
desatualizada apenas para mostrar ao eventual leitor que o
assunto era objeto de viva discussão doutrinária.

5.3.5. Sujeito Ativo

Em várias passagens do Código Penal, a lei exige,


para a existência do crime, que o agente seja uma pessoa
determinada. Exemplo: o médico, no art. 302; o funcionário
com fé pública, no art. 300; o funcionário público, em razão
de seu ofício, no art. 301.
Se o agente não reúne os requisitos exigidos pela lei,
dá-se uma ausência de tipicidade. Em outras palavras, só o
médico, por exemplo, pode ter uma conduta que se ajusta
ao tipo do art. 302 do Código.

5.3.6. Sujeito Passivo

Falta também a tipicidade, quando há ausência das


condições ou qualidades requeridas no sujeito passivo.
Assim, não se terá por realizado o tipo do crime de sedu-
ção, se a mulher for maior de dezoito anos (dizemos “-

157
José Cirilo de Vargas

mulher”, porque somente a mulher, de maneira restrita,


pode ser sujeito passivo desse crime). No tipo do art. 230,
por exemplo, terá de haver uma meretriz ou um homem que
exerça a prostituição masculina.

5.3.7. Circunstância de Tempo ou de Lugar

Às vezes, o Legislador coloca uma circunstância de


tempo ou de lugar como elemento constitutivo do crime.
Dessa forma, a mãe que matar o próprio filho em ocasião
que não seja “durante o parto ou logo após” praticará um
homicídio, e, não, um infanticídio. Quer dizer que não
estando presente a circunstância temporal “durante o
parto ou logo após”, não se pode falar no tipo do art. 123.
Da mesma forma, o agente não conseguirá realizar o tipo
do art. 257 se a sua atuação não se der por ocasião de incên-
dio, inundação, naufrágio ou outro desastre ou calamidade.
Também a circunstância de lugar vem expressa em
vários tipos: “território nacional”, nos arts. 231, 309, 310 e
338; “publicamente”, nos arts. 286 e 287; “casa de jogo” e
“casa de prostituição”, no art. 247; “lugar público” ou
“acessível ao público”, no art. 234.

5.3.8. Modos de Execução

Em várias condutas típicas, a lei se refere a determina-


dos modos de execução. Entre os mais comuns, encontram-
se a fraude, a violência e a ameaça.
A fraude é o engodo, ou a esperteza, de que se serve
o sujeito ativo ao praticar a ação. Ela aparece como moda-
lidade de ação no estelionato, no favorecimento da prosti-
tuição, na posse sexual mediante fraude, etc.
A violência é o desforço para quebrar a resistência da
pessoa, ou da coisa. É referida em diversos tipos: no roubo,
na extorsão, no estupro, etc.

158
Do Tipo Penal

Uma forma de violência é a ameaça. É o caso da vis com-


pulsiva, em que a pressão psicológica faz a pessoa ceder. A
lei a prevê em várias figuras puníveis, sendo bastante encon-
tradiça a expressão “mediante violência ou grave ameaça”.
Se a conduta do agente não estiver de acordo com
referidos modos de execução, falha a tipicidade.

5.3.9. Meio ou Instrumento

Instrumento é o recurso, ou meio, de que se vale o


agente para a prática do crime. Exemplo: o gás tóxico ou
asfixiante, no art. 252; o meio fraudulento, no art. 171; a
explosão, no art. 251.
No caso do art. 252, o agente terá de usar gás tóxico
ou asfixiante; no art. 171, meio fraudulento; no art. 251,
explosão; do contrário, não conseguirá realizar o tipo.

5.4. Princípio da Adequação Social

Considerável parte da Doutrina e da Jurisprudência


entende que o fato socialmente adequado não pode ser típi-
co. Isso é evidente, quando são conhecidos pelo menos dois
princípios que regem o processo de tipificação: a) só os fatos
socialmente repelidos são tipificados; b) nem todos os fatos
socialmente repelidos lesam ou põem em perigo bens mere-
cedores da tutela penal, através de sua respectiva tipificação.
O princípio em questão é fruto de certo inconformismo
de Hans Welzel ao que ele chamou de “dogma causal”. Foi
concebido em artigo publicado em 1939, em que se dizia:
“Ações socialmente adequadas são todas aquelas atividades
nas quais a vida em comunidade se desenvolve segundo a
ordem historicamente estabelecida. Viajar de trem é uma ati-
vidade socialmente adequada; o conselho para fazer uma via-
gem de trem é também uma ação socialmente adequada.
Assim se responde de forma aceitável ao conhecido exemplo

159
José Cirilo de Vargas

de se um sobrinho comete um delito quando convence a seu


tio, de quem é herdeiro, de realizar uma viagem com a finali-
dade de que este morra em um choque de trem, e isto real-
mente acontece. Este exemplo não condiz nem com a causa-
lidade nem com o dolo, mas com o significado social da ação,
que denominamos adequação social” (“Studien zum Systems
des Strafrechts”, in ZStW 58, 1939, pp. 491 e ss.).
Claro que desse modo não poderia haver mesmo tipi-
ficação, principalmente quando, na Alemanha, se falava
em “nacional-socialismo”, “sentimento popular”, etc. No
próprio trabalho de 1939, Welzel dizia ficar fora do concei-
to de “injusto” as ações socialmente adequadas. Como o
tipo descreve o injusto, segue-se a ausência de tipicidade.
Tendo recebido inúmeras críticas, os Autores (princi-
palmente seus adeptos) passaram a falar em fases, porque
o professor ora falava em exclusão da tipicidade, ora em
exclusão da ilicitude. Muitos críticos (inclusive Mezger)
chegavam mesmo a afirmar a imprestabilidade da “teoria”,
seja como excludente da tipicidade seja como justificativa.
Por fim, até os discípulos de Welzel, como Hirsch, opinaram
no sentido de que a adequação social já cumprira seu papel
e se tornara prescindível, no estado de desenvolvimento
em que se achava a dogmática penal.
Na última edição de seu Tratado, a 11a, em 1969, Welzel
“retornou” sua idéia para o âmbito do tipo, dizendo que os
comportamentos socialmente adequados não constituem
homicídios, lesões, etc. Mas já agora acrescentava que ela
se presta mais a interpretar o sentido dos tipos penais.

5.5. Princípio da Insignificância

Nossa Disciplina não foi concebida para solver peque-


nos incidentes do cotidiano, como a situação de um moto-
rista habilitada e prudente que, manobrando o carro em
local de difícil estacionamento, esbarra, por acidente, na

160
Do Tipo Penal

perna de uma pessoa, causando uma lesão insignificante.


Seria o caso de haver apenas a obrigação de natureza civil.
Ao contrário, chama-se um agente policial e observa-se um
aparato tão burocratizado quanto ridículo, envolvendo
autoridade policial, médico, promotor, juiz, cartórios, inti-
mações, audiências, sentença, recurso, etc.
Isso desmoraliza e desqualifica o Direito penal, cuja
existência só se justifica para resolver situações em que
outros setores do ordenamento jurídico foram insuficientes.
Infelizmente, a realidade mostra que há intervenção penal
quando um menino de rua subtrai uma moeda, e nada se
faz quando os cofres públicos são tomados de assalto.
O sistema penal só deve intervir em último caso. A
pena criminal, como a mais grave de todas as sanções jurí-
dicas, não pode ser manejada senão nos casos de extrema
necessidade. O chamado direito penal “simbólico” ilude os
membros do corpo social e vulgariza a intervenção do apa-
relho policial-judiciário, a ponto de se dizer que as “gran-
des ilicitudes” se resolvem em luxuosos gabinetes, reser-
vando-se ao Judiciário as “pequenas” e insignificantes. É
preciso que o quadro se reverta: o que for “pequeno” enca-
minha-se ao Direito privado, para solução própria desse
setor do ordenamento jurídico, sem qualquer tipificação
penal, por falta de necessidade.
Nesse sentido é que inserimos o princípio da insignifi-
cância no setor da ausência de tipicidade.

5.6. Risco Permitido

Há mais ou menos meio século, a teoria da imputa-


ção objetiva voltou a ser considerada de maneira “elo-
quente” pelos alemães; nessa “nova” fase despontaram
os professores Roxin, de Munique, e Jakobs, de Bonn,
com seus respectivos alunos. Com a presença em massa
de espanhóis, portugueses, colombianos, argentinos, etc,

161
José Cirilo de Vargas

a doutrina espalhou-se, chegando até nós, com o costu-


meiro atraso de quarenta anos. Sobre o item “risco permi-
tido” e variações escreveram-se centenas de artigos,
teses, conferências e dissertações, incluindo-se os tópi-
cos de manuais.
Em uma palavra, risco permitido é aquele não proi-
bido. Certos Autores (não há diferença por nacionalida-
des, porque, no fundo, tudo se resume aos textos ale-
mães) lançam mão do critério da infração ao dever obje-
tivo de cuidado, para determinar quais ações perigosas
não estão cobertas pelo risco permitido. É o mais antigo
e tradicionalmente utilizado na definição da ilicitude dos
crimes culposos, mas parece ser o mais usado na prática
dos tribunais.
Sempre que a conduta é prudente nas situações de
risco, e, ainda assim, advém o resultado, este tem de ser
levado à conta do fortuito, ou do “infelicitas facti”. O
motorista prudente e observando as regras de trânsito
atropela e mata um transeunte afoito e descuidado é cau-
sador de uma morte, mas não no sentido descrito no códi-
go penal. Os alemães escrevem, com razão, que o risco é
inerente à vida moderna. As viagens aéreas, as corridas
de automóvel e a exploração de minas de carvão mineral
profundas são atividades perigosas, mas aceitas e esti-
muladas por nossa época. As regras atinentes a cada
uma delas é que devem ser observadas. Do contrário, a
vida teria de parar.
Nessas situações de risco permitido, em que não se
pode falar de tipicidade, é evidente que estamos nos refe-
rindo a uma ação realizada de acordo com o cuidado obje-
tivamente devido, cuja meta ou finalidade não é a lesão ou
perigo para o bem jurídico; ao contrário, é ação permitida,
embora o perigo fosse previsível. No prosseguimento do
tema, haveríamos de entrar no curso causal e em outros
assuntos estranhos à nossa monografia.

162
Do Tipo Penal

5.7. Algumas Situações de Erro

Em nosso Direito vigente já não se discute que o dolo


esteja no tipo. O art. 20 do CP estabelece: “O erro sobre ele-
mento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas
permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.
Erro é o conhecimento em desacordo com a realidade, é a
falsa suposição. Juridicamente se equivale à ignorância,
que é a ausência de conhecimento sobre alguma coisa.
Fala-se em erro evitável e inevitável. É evitável se a
pessoa, empregando as cautelas habituais e exigíveis, nele
não incidiria. Mesmo quando se observam tais cautelas o
erro acontece, é chamado inevitável ou invencível. No
conhecido exemplo do caçador, o erro é considerado evitá-
vel se uma pessoa prudente e cautelosa não atirasse no
companheiro, tomando-o pela caça. Inevitável é o erro que
qualquer pessoa prudente e zelosa cometeria.Qualquer um
confundiria a caça com o companheiro.
O erro de tipo, se evitável, exclui o dolo, abrindo a pos-
sibilidade de o agente ser responsabilizado a título de
culpa, se houver a previsão legislativa. Se inevitável, dolo e
culpa são excluídos.
Sendo o dolo e a culpa elementos do tipo, resulta claro
que em sua falta o fato não será típico. Se o erro for inevitá-
vel, falharão a tipicidade dolosa e culposa. Se evitável, ape-
nas a tipicidade culposa.

163
Conclusão

1. A elaboração do tipo é precedida de um juízo de


valor; a lei do Estado só tutela o que já foi objeto de
valoração.
2. Bem jurídico não se confunde com direito subje-
tivo.0
3. Nem todos os valores, bens e interesses são obje-
to da proteção penal.0
4. ob o aspecto de tutela penal, coincidem os concei-
tos de valor, interesse e bem.00
5. A presença de elementos normativos no tipo
enfraquece a função garantia. 0
6. As condutas descritas pelo tipo permitem ao cida-
dão orientar-se no sentido de conhecer o que é
desaprovado ou não.0
7. A principal função do tipo é a garantia: ao lado
dele e fora dele não há conduta punível.0
8. Não há crime sem ação ou omissão.
9. A omissão tem caráter normativo: só tem relevân-
cia em relação a uma exigência.
10. O resultado é uma modificação do mundo exterior,
relevante para o Direito Penal.
11. O resultado não pertence à ação: quando existe,
integra o tipo.
12. Existem crimes sem resultado naturalístico.
13. O Código acolheu a concepção normativa do
resultado.
14. Não há causalidade nos crimes omissivos puros, a
não ser que resulte lesão corporal ou morte; nos
omissivos impróprios, há causalidade.

165
José Cirilo de Vargas

15. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de


crime; não pode, porém, ser objeto material nem
sujeito ativo.
16. Existem crimes sem objeto material.
17. Não há crime sem tipicidade.

166
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