A Escola Metódica
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Documentos inditos:
os autores dos documentos: que quis ele dizer?; acreditou ele no que disse?; tinha razes para acreditar no que acreditou?12 Com isso tentavam espantar para longe a Histria como simples exerccio literrio ou jornalstico, onde qualquer testemunho um testemunho. Neste sentido, preferiram defender a desconfiana como o principal atributo do historiador: a razo profunda da credulidade natural a preguia. mais cmodo acreditar que discutir, admitir que criticar, acumular documentos que os pesar.13 Ao contrrio de um comportamento Positivista que toma o fato social como prenhe de objetividade - posio de Drkhim publicada em 189514 e contraditada pelos metdicos -, Langlois e Seignobos afirmavam a respeito que o fato social, tal como admitem vrios socilogos, uma construo filosfica, no um fato histrico. Assim, pela prpria natureza de seus materiais, a histria imperiosamente subjetiva.15 Por isso mesmo, como procedimento inalienvel do historiador, sugeriam que a histria, sob pena de perder-se na confuso de seus materiais, deve estabelecer como regra indeclinvel proceder por meio de perguntas, como ocorre como as demais cincias.16 Este foi o sentido da crtica dos Metdicos dirigida contra uma Histria Oficial praticada poca. A defesa de uma Histria Sntese merecedora de um captulo inteiro na Introduo aos Estudos Histricos esteve relacionada concepo bastante parecida com a Histria Total pronunciada pelos Annales no sentido de que Langlois e Seignobos concebiam como orientao terica a indissociabilidade de aspectos formalmente distintos ou separados da vida social do homem. Afirmavam que os homens no esto divididos em compartimentos estanques (religiosos, jurdicos, econmicos) em que se processam fenmenos interiores isolados; um acidente que lhes modifica o estado, tambm lhes altera os hbitos, embora diversos em sua natureza.17 Chamavam a isso talvez de maneira inadequada - de Histria Geral. De certo modo tratava-se da necessidade de um paradigma histrico para auxiliar o historiador na ordenao e interpretao da prpria histria investigada. Exemplo disso foi sistematizado como sugesto de procedimento para se estudar as instituies: o estudo das instituies nos obriga a formular problemas especiais, relativos s pessoas e s funes que exercem. Em relao s instituies econmicas e sociais, devemos procurar saber como se fazia a diviso do trabalho e das classes, quais eram as profisses e as classes, como se recrutavam e quais as relaes que animavam a vida das diferentes profisses e classes.18 Sobre o ltimo ponto destacado - a perspectiva de histria comparada e de histria do presente, a Histria Comparada dos Povos da Europa uma leitura esclarecedora sobre o mtodo de uma histria comparada, tanto quanto a possibilidade de uma histria do presente. Neste sentido, traduzimos aqui a introduccin de Historia Comparada de Los Pueblos de Europa, de modo a colocar disposio dos acadmicos de Histria um texto de ofcio de um dos metdicos. Pode-se, aqui com mais cautela, referir tambm como importante o carter analtico que apresenta o livro, particularmente nos captulos que foram feitos de fatos com uma durao cada vez mais curta medida que se aproximaram do presente.19 Escrevendo sobre seu tempo Seignobos destacou do emaranhado de fatos das trs primeiras dcadas trs acontecimentos como principais: a Grande Guerra, a Revoluo Russa e a ascenso de regimes autoritrios, pontos de grande relevncia na maioria dos balanos histricos realizados no final do sculo XX. Sua avaliao sobre a dcada de 1930 apontou o fato de que o regime parlamentar e democrtico pareceu estender-se para toda a Europa assinalando, ao mesmo tempo, que na maioria dos pases o regime democrtico no funcionaria mais do que pouco tempo,20 dando lugar aos regimes autoritrios. Este carter analtico no foi reservado apenas para a contemporaneidade de Seignobos. No geral, por repetidas vezes, o autor insistiu em declarar que seu livro no se constituiria daquilo que popularmente seria considerado como o atrativo da histria: o drama das aventuras dos personagens, o pitoresco das descries do pormenor. Seignobos frisava que o livro para os leitores capazes de se interessar pelo carter real e encadeado dos fatos histricos.21 No fui, ao meu tempo, apresentado aos Metdicos ou, quando lhes era feita referncia a desqualificao fcil e pouco instruda marcava-os em primeiro plano. Tanto quanto me possvel, desacredito em qualquer tipo de preconceito intelectual. Mao Tse Tung tinha certa razo ao sugerir que o esclarecimento uma tarefa e que se traduz de um fazer florescer as mil flores. Espero que o encontro com Seignobos mesmo que breve e restringido pelos limites de uma introduo oferea ao leitor uma viso sem laos com a classificao de positivista imposta sem justia aos metdicos.
INTRODUO
A acolhida feita na Frana minha Histria Sincera da Nao Francesa me animou para um empreendimento mais arrojado: tratar de reunir, num s volume, a histria comparada de todos os povos da Europa desde os tempos mais antigos at os nossos dias. Ao publicar esse livro me sinto inclinado a explicar exatamente por que me arrisco a fazer isto e qual a minha inteno. Sessenta anos dedicados a estudar e ensinar a histria de todos os pases me deram a oportunidade de comparar entre si todos os povos da Europa em todos os momentos de sua histria. A comparao me permite chamar a ateno para os traos comuns de sua vida, que no foram percebidos pelos historiadores limitados ao estudo de um pas ou de uma poca. Comparando os acontecimentos de diferentes povos e suas condies de vida, chego a retirar, da massa enorme dos conhecimentos acumulados pelos especialistas, semelhanas gerais, e a discernir como se formaram. Distingo tais acontecimentos em duas classes: os primeiros, resultantes de
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condies semelhantes, mas independentes. Os segundos, adquiridos por imitao de um modelo nico criado por um s povo. Procuro introduzir nesta comparao as diferentes condies de vida, objeto das histrias especficas, de modo que envolva o conjunto dos diferentes tipos de atividades da populao, os meios de vida, o trabalho econmico, os costumes, o regime poltico e social, a religio, as cincias, as letras e as artes. Desejo explicar como essas condies de vida foram transformadas, distinguindo as diferentes origens das mudanas. Os primeiros acontecimentos so resultado do choque, num mesmo momento, de vrios fatos independentes (chamados de acaso ou acidente) que constituem os sucessos histricos, guerras, invases, revolues, reformas cuja origem se deve freqentemente iniciativa de indivduos. Os outros acontecimentos derivam de condies anteriores, seguindo uma ordem de sucesso que se compara evoluo dos seres vivos: assim, o crescimento de um poder, o progresso de uma tcnica, a propagao de uma religio ou de uma instituio. Todas estas transformaes so fruto de atos humanos. Mas os atos em si mesmos esto inspirados ou dirigidos por motivos, paixes, desejos, crenas, razes, regras de conduta, sobretudo pela memria do passado que cria a tradio e as regras, ou pela idia do porvir, de onde nascem os empreendimentos e os progressos. No me limitei a comprovar os resultados; procurei fazer compreender os atos indicando os motivos e, por isso, assinalei essas vontades interiores, invisveis, muito mais do que de costume nos livros de histria. No quis limitar este estudo pequena minoria privilegiada (adornada s vezes com o nome de elite) cujos atos tm lugar principal nos documentos e nos livros de histria. Tratei de descrever as condies de vida da maioria do povo, numa medida, muito insuficiente, por desgraa, com que as conhecemos. Como me inclinei a comparar no as formas convencionais, mas as condies reais de vida, fiz pouco caso das regras oficiais, instituies, regulamentos, leis, prescries que, at pocas muito recentes, representaram mais os desejos ou o ideal das autoridades do que os atos de seus vassalos; isto me levou a descrever as reais prticas em matria de poltica, de religio e de comportamento. Para decidir qual recorte a fazer sobre cada tipo de atividade, no pude ter como guia mais do que minha apreciao pessoal, naturalmente sujeita discusso: devo por conseguinte, indicar o princpio que segui. Dei o lugar principal aos sucessos e aos regimes polticos, guerras, revolues, atos de governo. A ltima guerra nos mostrou com que fora a poltica estende sua ao sobre toda a vida de um povo e domina todas as suas outras atividades. Pude, graas aos trabalhos recentes de histria econmica, dar amplo lugar produo agrcola e industrial, ao comrcio e ao crdito, ao progresso da tcnica e at mesmo indicar a origem das inovaes e explicar em que condies foram produzidas. Tratei o conjunto dos fatos qualificados como sociais reunindo, numa mesma exposio, a estrutura da sociedade e da diviso de classes (resultado das condies polticas e econmicas) com as condies de vida material, os costumes, os tipos de sociedade, o direito da famlia e da propriedade. Sob o nome de vida intelectual compreendi sobretudo o desenvolvimento do esprito que dirige o comportamento dos povos, as crenas religiosas, os conceitos morais, o ideal resultante da educao e, nos tempos atuais, os regimes polticos e os conhecimentos cientficos. No me atrevi a deixar em silncio as artes e as letras, que tm to pouco espao na vida da enorme maioria dos homens; mas me limitei a indicar seu carter geral e seus gneros principais em diferentes pocas. No dei espao aos pequenos povos, que oferecem termos de comparao to instrutivos. Lamento no ter podido das uma parte maior aos costumes da vida cotidiana, culinria, vestimenta, habitao, mobilirio, ocupao do tempo, vida em famlia, relaes sociais, entretenimento, que formaram sempre o interesse principal da vida de todos os povos. Estas so as duas lacunas que destaco neste livro. Dividi as temporalidades em perodos que, na sua maior parte, correspondem a captulos. Os ltimos captulos so feitos de fatos com uma durao cada vez mais curta medida que se aproximam do presente. Nestes, a sociedade se faz cada vez mais complexa e suas atividades cada vez mais variadas e, por conseqncia, mais conhecida. Como as mudanas no so igualmente rpidas nos diferentes tipos de atividade so mais lentas na vida econmica e social do que na vida poltica -, s vezes, para evitar repeties, remeto a explicaes dadas em captulos anteriores. Uma comparao entre condies gerais da vida no significa mais que exposies do conjunto dos acontecimentos. Portanto, renunciei deliberadamente a tudo aquilo que constitui o atrativo da histria: o drama das aventuras dos personagens, o pitoresco das descries do pormenor. Este livro para os leitores capazes de se interessar pelo carter real e encadeado dos fatos histricos. Por ter tido de comparar condies gerais tive que utilizar termos gerais (tais como chefe, latifundirio, delegado, guerreiro, sacerdote, governo, exrcito, guerra, religio, regime), que do exposio uma aparncia abstrata. Procurei facilitar a leitura empregando uma linguagem simples e familiar feita de palavras inteligveis para todos. Evitei as formas convencionais do estilo oratrio que deformam a realidade, os termos pseudo-cientficos que do uma falsa impresso de exatido e as metforas que transformam as frmulas abstratas em pessoas reais. Tratei de relacionar os atos e pensamentos com homens verdadeiros, explicando-os segundo motivos ou sentimentos. Pareceu-me intil agregar um ndice de nomes. No quis escrever um livro de referncia que se consulta para encontrar uma informao sobre um ponto particular da histria. No pensei mais do que apresentar um quadro geral do passado da Europa, destinado somente a produzir uma impresso de conjunto. No me pareceu possvel redigir uma bibliografia: para que fosse completa devia ter uma extenso quase to grande como a do texto. Posso dizer unicamente que utilizei a histria dos Estados (em Alemo) da coleo de Gotha; as histrias (em Alemo) da coleo de Oncken; grandes histrias de naes, do tipo Histria da Frana, dirigida por Lavisse, ou Histria Poltica da Inglaterra; as colees francesas da histria universal. Devo muito aos trabalhos de Dottin, Kroeber, Niederle, Lot, Delbrck, Hoetzch, e, para a histria econmica, as obras de See, Siegfried, Kulischer e, sobretudo, de Sombart, Lipson e Heckscher. Adotei com regra expor mais que os resultados do trabalho histrico sobre os quais h acordo entre os especialistas; empreguei expresses com duplo sentido para os fatos que parecem certos, mas sobre os quais o acordo no completo. Estou seguro, no obstante, de que se possam encontrar erros cometidos por mim ou por um historiador a quem eu tenha seguido equivocadamente. No acredito, no entanto, que supostos erros bastam para anular o valor dos critrios de conjunto e as concluses gerais, e espero ter conseguido trazer aqui um quadro exato dos acontecimentos e das transformaes que atravessaram os povos da Europa para deixar ao presente.
Notas
1 Professor do Curso de Histria da Universidade Estadual do Oeste do Paran. Doutor em Histria pela UFF. 2 SEIGNOBOS, Charles. Histria Comparada de Los Pueblos de Europa. 3. ed., Buenos Aires: Losada, 1947. 3 HOBSBAWM, Eric J. A histria britnica e os Annales: um comentrio. In: HOBSBAWN, Eric. Sobre Histria. So Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 194. Mesmo Peter Burke que (baseado num levantamento sobre a data das edies das obras de Febvre, Bloch e Braudel noutros pases europeus que no a Frana) chegou a afirmar que os Annales tiveram uma m-recepo em muitos lugares, reconheceu que a divulgao e o debate das propostas de uma histria interdisciplinar a partir da revista Annales da Histria Econmica e Social (1929) atingiu praticamente historiadores de toda a Europa. BURKE, Peter. Escola dos Annales (1929-1989). So Paulo: EDUNESP, 1991, p.37-43. 4 SEIGNOBOS, C. op. cit., Introduccin. 5 Idem. 6 Idem. 7 Cf. DOSSE, Franois. A Histria em Migalhas: dos Annales Nova Histria. Campinas: Edunicamp, 1992, p.55-56. 8 Tais escritos foram publicados por Lucien Febvre em 1949, aps a morte de Bloch, sob o ttulo de Apologia da Histria ou Ofcio do Historiador. A edio portuguesa levou o nome de Introduo Histria. Cf. BLOCH, Marc. Introduo Histria . 2. ed, Lisboa: Publicaes Europa-Amrica, 1997. 9 LANGLOIS, C. V.; SEIGNOBOS, C. Introduo aos Estudos Histricos . So Paulo: Renascena, 1946. 10 Idem, p. 23. 11 BLOCH, Marc. op. cit. 12 LANGLOIS, C.V. e SEIGNOBOS, C., op. cit., p.47. 13 Idem, p.49. 14 DRKHIM, mile. As regras do mtodo sociolgico. So Paulo: Martin Claret, 2002. 15 LANGLOIS, C.V.; SEIGNOBOS, C., op. cit., p.153 e 152 respectivamente. 16 Idem, p.150-151. 17 Idem, p.173. 18 Idem, p.170. 19 SEIGNOBOS, C. op. cit., Introduccin. 20 Idem, p.346 e 348. 21 Idem, Introduccin.