O Que É Justiça - Kelsen PDF
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O Que Justia
O que Justia
Enviado por camilassouza, junho 2012 | 207 Pginas (51698 Palavras) | 8 Consultas|
HANS KELSEN
Resumo elaborado em Junho/2010 I. O QUE JUSTIA? 2 II. A IDIA DE JUSTIA NAS SAGRADAS ESCRITURAS 11 III. A JUSTIA PLATNICA 20 IV. A DOUTRINA DA JUSTIA DE ARISTTELES 26 V. A DOUTRINA DO DIREITO NATURAL PERANTE O TRIBUNAL DA CINCIA 30 VI. UMA TEORIA DINMICA DO DIREITO NATURAL 36 VII. JUZOS DE VALOR NA CINCIA DO DIREITO 43 VIII. O DIREITO COMO TCNICA SOCIAL ESPECFICA 47 IX. POR QUE A LEI DEVE SER OBEDECIDA? 51 X. A TEORIA PURA DO DIREITO E A JURISPRUDNCIA ANALTICA 54 XI. DIREITO, ESTADO E JUSTIA NA TEORIA PURA DO DIREITO 59 XII. CAUSALIDADE E RETRIBUIO 62 XIII. CAUSALIDADE E IMPUTAO 65 XIV. CINCIA E POLTICA 68 O QUE JUSTIA? A JUSTIA, O DIREITO E A POLTICA NO ESPELHO A
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CINCIA Hans Kelsen I. O QUE JUSTIA? O autor introduz o ensaio com Jesus de Nazar, durante o seu julgamento, que perante um pretor romano admite ser rei e diz vim ao mundo para dar testemunho da verdade; Ao que Pilatos perguntou: O Que verdade? Jesus no responde, pois dar testemunho da verdade no era a sua misso de rei messinico, pois nascera para dar testemunho de justia, justia aquela que Ele desejava concretizar no reino de Deus, e por ela morrer na cruz. Assim, do questionamento de Pilatos emergia uma outra questo O que justia? Essa questo, de Plato a Kant, foi discutida com a paixo que nenhuma outra suscitou, muito embora continue at hoje sem resposta. Assim, o resignado sabe que o homem nunca encontrar uma resposta definitiva, apenas dever saber perguntar melhor o que ela signifique. A JUSTIA COMO UM PROBLEMA DE RESOLUO DE CONFLITOS DE INTERESSES OU DE VALORES 1. A justia , inicialmente, uma caracterstica possvel, mas no necessria ordem social. virtude do homem e encontra-se em segundo plano. O homem justo quando seu comportamento corresponde a uma ordem dada como justa. Mas o que uma ordem justa? a ordem que regula o comportamento dos homens e contenta a todos, de modo a encontrarem a felicidade. O eterno anseio por justia o eterno anseio do homem por felicidade. Justia a felicidade social. Plato identifica justia e felicidade: o justo feliz e o injusto, infeliz. Se a justia felicidade, o que felicidade? 2. Ao se entender felicidade como o sentimento subjetivo que cada um compreende para si mesmo, impossvel se falar em ordem social justa, pois jamais se proporcionar felicidade a todos, sendo inevitvel que a felicidade de um pode entrar em conflito com a felicidade do outro. Exemplos: 2 (dois) homens amam uma mesma mulher e ambos acreditam que o seu amor a sua fonte de felicidade. Como ela somente pode pertencer a um deles, a felicidade de um culminar na infelicidade do outro. Sob esse prisma, jamais haver ordem social que possa solucionar um problema de forma justa, ou seja, da maneira que todos os homens possam ser igualmente felizes. A sentena salomnica, do sbio rei Salomo, que mandou dividir uma criana ao meio para entregar cada metade uma das mes que a reivindicava, para realmente entreg-la me que abdicasse do seu direito (comprovando, assim, verdadeiramente am-la, segundo o rei) justa somente se uma das mulheres amar a criana. Se ambas as mulheres a amarem, e por isso abdicarem do seu direito, o litgio permanecer pendente, e ainda que a criana seja adjudicada por uma das partes, a deciso no ser justa, pois uma das partes sair infeliz. Da mesma forma, a escolha de um dentre dois homens de igual capacidade para comandar um exrcito, tendo sido escolhido o mais
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capacidade para comandar um exrcito, tendo sido escolhido o mais adequado o de boa aparncia e que demonstra uma personalidade forte, demonstra que no h ordem social que possa compensar totalmente as injustias da natureza.
3. Se justia felicidade, a ordem social impossvel, enquanto justia significar felicidade individual. A ordem social justa impossvel ainda que procure proporcionar, ao menos, a maior felicidade do maior nmero de pessoas possvel. (definio de justia de Jeremy Bentham). Essa formulao no se aplica se o conceito de felicidade for subjetivo, um valor subjetivo, com as diferentes concepes de cada indivduo. A felicidade capaz de ser garantida pela ordem social a de sentido objetivo-coletivo, jamais no sentido subjetivo-individual. Dessa forma, por felicidade, somente poderemos entender a satisfao de certas necessidades reconhecidas como tais pela autoridade social o legislador como a necessidade de alimentao, vesturio, moradia e equivalentes. Tem-se, pois, que a satisfao das necessidades socialmente reconhecidas algo diverso do sentido original da palavra felicidade, que tem natureza altamente subjetiva. 4. O conceito de felicidade dever sofrer, assim, uma radical transformao de sentido para tornar-se uma categoria social: a felicidade da justia. Tal qual o conceito de liberdade, para se tornar um princpio social; o conceito de liberdade freqentemente identificado com o de justia, na medida em que uma ordem social considerada justa se garantir a liberdade individual. A verdadeira liberdade (de qualquer jugo, de qualquer tipo de governo) incompatvel com todo o ordenamento social, sendo que o seu conceito no pode conservar o significado negativo da existncia livre de governo; deve, pois, aceitar uma forma especial de governo: liberdade deve significar governo pela maioria, se necessrio contra a minoria. Da mesma forma, o conceito de justia transforma-se de princpio que garante a felicidade individual de todos em ordem social que protege determinados interesses, reconhecidos como dignos dessa proteo pela maioria dos subordinados a essa ordem. 5. Mas quais os interesses humanos que tm esse valor e qual a hierarquia desses valores? essa a questo que coloca quando surgem conflitos de interesses. Somente onde h tais conflitos que a justia se torna um problema, pois onde no h conflitos de interesses no h necessidade de justia. Um conflito de interesses somente se apresenta quando um interesse s pode ser satisfeito a custa de outro, ou seja, quando dois valores se contrapem e no possvel a concretizao de ambos. Assim, deve-se decidir qual dos interesses o maior, o mais elevado. O problema de valores , antes de tudo, o problema dos conflitos de valores. Tal problema no solucionado com meios do conhecimento racional, mas determinado por fatores emocionais e possui, portanto, carter subjetivo. Significa dizer que o juzo de valor s vlido para o sujeito que julga, sendo portanto relativo. HIERARQUIA DE VALORES
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HIERARQUIA DE VALORES
6. De acordo com determinada convico tica, a vida humana o valor maior. Em decorrncia dessa concepo, absolutamente proibido matar um ser humano. Tal concepo tica contrria , mas igualmente tica, daqueles cuja convico de que o interesse e a honra da nao so um valor maior, tendo o indivduo, por essa concepo, o dever tico de sacrificar a sua prpria vida e de matar o inimigo da nao. Dessa forma, pura e simplesmente impossvel decidir de modo racional-cientfico entre os dois juzos, que se fundam em concepes contraditrias. Em ltima anlise, o sentimento e a vontade (no a razo), que so elementos emocionais da atividade consciente que solucionam o conflito. 7. Igual conflito tambm sopesado quando se trata dos valores liberdade e vida: o suicdio de um escravo ou prisioneiro capturado eticamente admissvel? A depender de qual concepo tica a ser adotada, o suicdio poderia ser eticamente vlido, ou invlido. a questo da hierarquia dos valores vida e liberdade, sendo dela somente possvel extrair uma resposta subjetiva, vlida somente para o sujeito que julga ( juzo de valor). No uma constatao vlida para todos, como um juzo de realidade (ex: o fogo queima, os metais se expandem no calor so juzos de realidade). 8. Discorre-se de outro conflito de juzo de valores: prefervel que um povo adote uma chamada economia de planejamento, onde se garanta segurana econmica para todos na mesma proporo, em troca da supresso da liberdade individual; ou prefervel a liberdade individual? Aos que tenham muita autoconfiana, prefervel a liberdade individual, e aos que sofram de complexo de inferioridade, melhor ser a segurana econmica. Mas qual desses valores maior: a liberdade individual ou a segurana? Trata-se novamente de juzo de valor, no juzo de realidade, que pode ser verificado atravs da experimentao. 9. H ainda o conflito de valor do mdico que constata ser o paciente portador de doena incurvel que em pouco tempo o levar morte: dever ele contar ao paciente ( valor do apego verdade) ou mentir para poup-lo de sofrimento maior j que est no final de sua vida (valor da compaixo)? Trata-se novamente de decidir de qual desses valores hierarquicamente superior para se saber se a deciso tomada ou no tica, que, mais uma vez, impossvel de se saber com base em consideraes racionais-cientficas. 10. Plato defende a idia de que justo aquele que se comporta de acordo com a lei, e injusto aquele que se comporta contrariamente lei. Somente o justo feliz, e o injusto infeliz. A vida mais justa mais bem-aventurada disse Plato. Contudo, Plato admite a hiptese de que, em um ou outro caso, o homem justo possa ser infeliz e o injusto, feliz. Contudo, continua o filsofo, absolutamente necessrio que os cidados subordinados ao ordenamento legal acreditem na verdade da afirmao de que somente o justo feliz, mesmo que tal afirmao no
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seja verdadeira; do contrrio, ningum obedecer s leis. Assim, todo governo tem o direito de propagar a idia de que o homem justo feliz e o injusto, infeliz, mesmo que isso seja uma mentira. Dessa forma, a mentira extremamente til, pois garante a obedincia s leis. Concluise, pois, que Plato coloca o valor justia (considerada como legalidade) como superior ao valor verdade. 11. A resposta pergunta sobre a hierarquia de valores como vida e liberdade; liberdade e igualdade; liberdade e segurana; verdade e justia; apego verdade e compaixo; indivduo e nao, ser necessariamente diversa, a depender da pessoa que se pergunta, verificar qual o juzo de valor que adota. A resposta ter sempre o carter de um juzo de valor subjetivo e, portanto, relativo. A JUSTIA COMO UM PROBLEMA DE JUSTIFICAO DO COMPORTAMENTO HUMANO 12. O fato de juzos de valor legtimos serem subjetivos (o que possibilita a existncia de juzos de valor bem diversos), no significa que cada indivduo tenha seu prprio sistema de valores. Um sistema de valores positivo no uma criao arbitrria de um indivduo isolado, mas resultado de uma influncia exercida por indivduos uns sobre os outros num determinado grupo (tribo, famlia, cl, casta, profisso) e sob condies econmicas especficas. Todo sistema de valores, especialmente uma ordem moral com sua idia central de justia, um fenmeno social e, conseqentemente, distinto, conforme a natureza da sociedade na qual teve origem. O fato de tais valores serem aceitos por todos os membros de uma sociedade perfeitamente compatvel com o carter subjetivo e relativo dos juzos que mantm esses valores. A unanimidade sobre um juzo de valor existente entre muitos indivduos no absolutamente prova de que esse juzo seja correto, isto , objetivamente vlido. Como exemplo, o fato de a maioria dos homens ter acreditado na idade media que o sol girava em torno da terra no ou foi prova de que essa crena se baseia na verdade. O critrio justia, assim como o de verdade, no de modo algum a freqncia com que surgem os juzos de realidade ou de valor. Na histria humana, juzos de valor de aceitao geral foram freqentemente suplantados por outros, opostos queles em maior ou menor escala, porm de aceitao igualmente geral. Por exemplo, na sociedade primitiva considerava-se justa a responsabilizao coletiva (ou responsabilidade hereditria pecado original) enquanto na sociedade moderna, o princpio oposto (responsabilidade individual). 13. Embora no se possa responder racionalmente qual seja o valor maior, a resposta de uma indagao de qual juzo de valor o mais adequado constitui a afirmao de um valor objetivo, ou seja, de uma norma de valor absoluto. A justificao ou racionalizao uma singularidade do homem, em razo da sua conscincia. o que talvez uma das caractersticas que o diferencie do animal. O comportamento exterior do homem no se diferencia muito do comportamento dos
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animais: os peixes grandes devoram os pequenos; contudo, o peixe humano, que assim age igualmente por instinto, procura justificar sua conduta perante si prprio e a sociedade para aplacar a idia de que o seu comportamento para com o semelhante bom. 14. Sendo o homem racional, procura justificar seu comportamento racionalmente, atravs da funo razo, mas impelido pelo seu desejo ou pelo temor. Contudo, tal justificao racional restrita, somente podendo se relacionar com um determinado fim a ser atingido. A relao entre meio e fim coincide com a de causa e efeito e pode, portanto, ser comprovada com base na experimentao e, conseqentemente, de modo cientfico-racional. Isso pode ser, por vezes, impossvel, quando os meios para realizar determinado fim sejam de natureza social, pois o estado atual da cincia ainda no permite uma compreenso clara do nexo de causalidade entre os fenmenos sociais , bem como no h experincia suficiente que habilite o homem a afirmar de modo preciso quais os meios mais apropriados para a realizao de determinados fins sociais. Tal questo vista quando o legislador enfrenta o dilema de decidir se deve ameaar o cometimento de tal crime com pena de morte ou com priso, para a sua represso: deveria conhecer o efeito causado pela ameaa das diversas penas sobre os homens com tendncias a cometer os crimes dos quais se procura reprimir, o que atualmente desconhecido. E por isso que nem sempre o problema da justia nem sempre solucionvel de forma racional. Assim, no se consegue fornecer uma justificao total para a nossa conscincia, pois por meios altamente adequados podem ser atingidos fins altamente duvidosos. Os fins justificam (ou santificam) os meios, mas os meios no justificam os fins. E exatamente a justificao do fim, daquele fim que no mais meio para um fim mais alto, o fim ltimo ou maior, que se constitui a justificao definitiva de nosso comportamento. 15. Quando um comportamento humano justificvel para determinado fim, deve-se perguntar tambm se o fim igualmente justificvel. Trata-se de se supor se um fim ultimo, um fim maior, que o problema efetivo da moral geral e da justia em particular. Se o comportamento justificvel somente como meio adequado para um fim pressuposto, sua justificao tambm estar condicionada ao fato de o fim pressuposto ser tambm justificvel. A justificao assim condicionada, portanto relativa nesse sentido, no exclui a possibilidade do seu oposto; pois , no sendo justificvel o fim ltimo, tambm no meio para alcan-lo. A democracia uma forma de regime justa, pois assegura a liberdade individual. Isso significa que a democracia somente justa sob a premissa de a preservao da liberdade individual ser o fim maior. Se ao invs da liberdade individual for a segurana econmica o fim maior, e comprovada que ela no pode ser alcanada em um regime democrtico, ento uma outra forma de regime, no mais a democracia, dever ser aceita como justa. Outros fins exigem outros meios. Dessa forma, a democracia somente justificvel como forma de regime relativa e no absolutamente boa.
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16. Nossa conscincia pode no se contentar com uma justificao assim condicionada. Ela pode exigir uma justificao incondicionada, absoluta. Assim teremos a conscincia tranqila se justificarmos nosso comportamento apenas como meio adequado para um fim, cuja justificao parea duvidosa. Ela exigir que justifiquemos nosso comportamento como fim ltimo, ou, o que d no mesmo, que a nossa conduta corresponda a um valor absoluto. Isso impossvel por meios racionais, pois toda justificao , por sua natureza, uma justificao como meio adequado; um fim ltimo no mais um meio para outro fim. Se nossa conscincia postula valores absolutos, ento a nossa razo no tem condies de suprir tais exigncias. O absoluto em geral e valores absolutos em particular encontram-se alm da razo humana, para a qual s possvel uma soluo condicionada e portanto relativa do problema da justia como um problema de justificao do comportamento humano. 17. Contudo, a necessidade de justificao absoluta parece ser mais forte que qualquer reflexo racional, por isso o homem busca na religio ou na metafsica essa justificao (justificao absoluta). Isso significa, todavia, que a justia desse mundo deslocada para um outro mundo, transcendental. Sua concretizao se torna a funo essencial de uma autoridade sobre-humana, uma divindade, cujas caractersticas e funes so,por sua natureza, inacessveis cognio humana. O homem deve acreditar na existncia de Deus, na existncia de uma justia absoluta, mas incapaz de compreend-la, de defini-la abstratamente. Os que no conseguem aceitar tal soluo metafsica sustentam, para o problema, a idia de valores absolutos, aferveis de modo racionalcientfico,iludindo-se, segundo o autor, com a possibilidade de encontrar valores absolutos que so, na verdade, constitudos por elementos emocionais. A definio de valores absolutos e definio de justia em particular, revelam-se, pois, frmulas vazias, atravs das quais toda e qualquer ordem social pode ser legitimada. PLATO E JESUS 18. Plato o representante clssico do tipo metafsico, sendo a justia o problema central de toda sua filosofia. Desenvolve a famosa doutrina das idias, que denomina serem as idias substncias transcendentais, existentes em outro mundo, numa esfera inteligvel, inacessvel ao homem perturbado pela sensorialidade. Representam valores absolutos que, embora devessem ser concretizados no mundo dos sentidos, nunca o so totalmente. A idia do Bem absoluto a idia fundamental a qual se subordinam todas as demais e da qual elas obtm sua validade. Esta desempenha na filosofia de Plato um papel idntico ao de Deus na teologia de qualquer religio. Inclui justia, alusiva a quase todos os dilogos de Plato, que procura responder o que justia? com a pergunta o que bom ou o que o Bem?. Em quase todos os seus dilogos, Plato procura responder essa questo
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de forma racional, mas de nenhum deles ocorre um resultado definitivo, sempre concluindo ser necessrio proceder mais anlises. O mtodo a qual freqentemente Plato menciona em seus dilogos a dialtica, que um mtodo especfico de pensamento abstrato, livre de toda representao sensorial e que capacita quem o domina apreenso das idias. Contudo, ele prprio no se utilizava desse mtodo em seus dilogos. Sobre a idia do Bem absoluto, Plato reconhece que ele se encontra alm de todo conhecimento racional e alm de todo ato de pensar. apreendido por meio de uma vivncia mstica, conhecida a poucos e somente por graa divina. Dessa forma, Plato conclui que no pode haver resposta questo da justia, j que se trata de um mistrio de Deus, que confia a sua resposta se que o faz a poucos escolhidos, que impreterivelmente no conseguiro transmitir esse conceito aos outros. 19. A filosofia de Plato assemelha-se, nesse aspecto, pregao de Jesus, cujo fundamento maior tambm era a justia. Jesus refutou o princpio da retaliao contido no velho testamento, anunciando como sendo a nova e verdadeira justia o princpio do amor (retribuio do mal com o bem, devendo-se amar o malfeitor e at mesmo o inimigo). Essa justia encontra-se alm de qualquer ordenao possvel dentro de uma realidade social, sendo o amor representado por essa justia algo diverso do amor humano, pois contrrio natureza humana. O amor pregado por Jesus no o amor dos homens. o amor de Deus. Mas o mais estranho desse amor compatibiliz-lo com o castigo cruel e eterno afligido aos pecadores no dia do Juzo Final, sendo tambm o temor divino mais profundo que o humano. Essa contradio Jesus no procurou explicar, o que no seria possvel, pois uma contradio apenas para a limitada razo humana, no para a razo absoluta de Deus, inconcebvel ao homem. Corrobora isso o ensinamento de Paulo, primeiro telogo da religio crist, ensinando que a filosofia, ou seja, o conhecimento lgico-racional, no o caminho para a sabedoria divina, contida na sabedoria oculta de Deus, sendo essa justia somente revelada atravs da f. Tambm admite Paulo que o amor pregado pro Jesus, sobre a nova justia, se encontra alm do conhecimento racional, sendo esse um mistrio dentre muitos outros mistrios da f. AS FRMULAS VAZIAS DA JUSTIA 20. O tipo racionalista, que procura definir o conceito de justia, est representado tanto na sabedoria popular de muitas naes como em consagrados sistemas filosficos. Segundo uma das sete sabedorias gregas, a definio de justia conceder a cada um aquilo que seu. Essa frmula, apesar de ter sido aceita por muito pensadores importantes, sobretudo filsofos de direito, facilmente demonstrvel ser vazia, pois a questo decisiva o que realmente cada um pode considerar como sendo seu permanece sem resposta. Assim, tal princpio somente pode ser aplicado sob a premissa de se ter decidido previamente essa questo. Assim, essa frmula conceder a cada um aquilo que seu pode justificar qualquer ordem social, seja capitalista
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ou socialista, democrtica ou autocrtica, possibilitando qualquer ordem social ser dada como justa. Conclui-se que essa frmula no define justia de modo absoluto, pois alm de no ter qualquer valor como definio de justia (sendo necessrio previamente determinar-se um valor absoluto: definir o que de cada um), ela possibilita apreciar como justo valores apenas relativos a uma determinada ordem social, moral ou jurdica positiva. 21. O mesmo se aplica ao princpio o bem paga-se com o bem, o mal com o mal (princpio da retaliao). Do mesmo modo, essa formulao necessita prvia elucidao da questo decisiva: o que o bem e o que o mal? Apesar de aparentemente fcil essa definio, a sua resposta no , contudo, absolutamente bvia, uma vez que opinies sobre o que o bem e o que o mal divergem muito entre os povos distintos e em pocas diferentes. . O princpio da retaliao expressa somente a tcnica especfica do |Direito positivo, que associa o mal do injusto ao mal da conseqncia do injusto. Mas esse princpio o qual se baseiam todas as normas jurdicas positivas, e, por isso, toda ordem jurdica pode ser justificada como concretizao do princpio da retaliao. A questo da justia , porm, aferir se uma ordem jurdica, ao aplicar o princpio da retaliao, justa, ou seja, se o fato contra o qual o Direito reage como algo injusto, opondo-lhe portanto o mal da conseqncia do injusto, realmente um mal para a sociedade; e se o mal que o Direito estabelece como conseqncia do injusto pode ser considerado como tal. essa a questo especfica, para a qual o princpio da retaliao no constitui uma resposta. 22. Sendo que retaliao significa retribuir igual com igual, ela uma das mltiplas variedades nas quais aparece o princpio da igualdade, considerado a essncia da justia. Tal princpio parte da premissa de que todos os homens (tudo aquilo que tem fisionomia humana) so iguais por natureza, devendo todos eles serem tratados com igualdade. Tal afirmao errnea, eis que os homens so bem diferentes, no existindo realmente duas pessoas iguais. Dessa exigncia, somente possvel aferir que o ordenamento social no deve levar em considerao determinadas diferenas na concesso de direitos e imposio de deveres; Apenas algumas diferenas, nunca todas elas, pois seria absurdo tratar crianas como adultos; idosos como jovens; loucos como sos. Quais seriam e no seriam, ento, as diferenas a serem consideradas para tratar igualmente os homens? A essa questo o princpio da igualdade no oferece resposta, divergindo igualmente as ordens jurdicas positivas a esse respeito, muito embora no ignorem tais diferenas para a concesso de direitos e imposio de deveres. Enquanto numa sociedade concede-se direitos polticos apenas aos homens (e no s mulheres), outra obrigam somente aos homens alistar-se no servio militar. Mas o que justo? Aquele que indiferente perante a religio tender considerar as diferenas religiosas insignificantes, mas o que tem f considerar fundamental a diferena dentre aqueles que compartilhem da sua f e todos os demais (infiis) e entender como justo conceder queles
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todos os demais (infiis) e entender como justo conceder queles direitos que sero negados estes.
O princpio da igualdade, como todo o direito, deve ser interpretado no sentido de que somente os iguais devero ser tratados de forma igual, significando a sua questo decisiva: o que igual? Essa questo no respondida pelo denominado princpio da igualdade. Portanto, toda e qualquer diferena poder ser considerada essencial no tratamento dos subordinados lei por uma ordem jurdica positiva e ser, por isso, a base de um tratamento diferenciado, sem que, com isso, essa ordem jurdica entre em contradio com o princpio da igualdade sendo, portanto, esse princpio por demais vazio para determinar o contedo de uma ordem jurdica. 23. O chamado princpio da igualdade perante a lei significa apenas que a legislao deve ser aplicada de acordo com o seu sentido, no significando que os rgos jurdicos devam fazer distines que a prpria legislao a ser aplicada no o faa (ex: direitos polticos somente aos homens, no s mulheres; somente cidados, no estrangeiros; somente a membros de uma determinada raa ou religio, no aos das outras). o princpio da legalidade ou juridicidade, imanente por natureza a toda ordem jurdica, no importando se essa ordem justa ou injusta. 24. A aplicao do princpio da igualdade em relao produtividade e renda conduz exigncia: conceder a mesma produtividade igual participao na renda. Essa a ordem na qual se fundamenta a ordem social capitalista, o pretenso direito igual desse sistema econmico (Karl Marx). Marx diz que se trata de um direito desigual, pois no leva em considerao a diversidade existente entre os homens no tocante sua capacidade de trabalho. . Por isso afirma ser um direito injusto, pois no leva em considerao a diversidade existente entre os homens no tocante a sua capacidade de trabalho. injusto ser considerado igual o mesmo volume de trabalho realizado por um homem forte e habilidoso ou por um homem fraco e desajeitado, sendo tal igualdade apenas aparente, pois se ambos obtiverem a mesma remunerao, recebero igual por desigual. Igualdade verdadeira e, portanto, justia verdadeira, no aparente conclui Marx somente poder ser concretizada numa economia comunista, onde vale o axioma: cada um conforme suas capacidades, cada um conforme suas necessidades. Se esse princpio fosse aplicado a uma economia de produo planejada ( a estabelecida por uma autoridade central), colocam-se as seguintes questes: Quais as aptides de cada um? Para que tipo de trabalho cada um capacitado? Qual o volume de trabalho que se pode exigir de cada pessoa, segundo suas tendncias naturais? evidente que essas questes no podem ser decididas por cada indivduo, de acordo com a sua prpria avaliao, mas pelo rgo da comunidade constitudo para tal fim, e de acordo com as normas gerais estabelecidas pela autoridade social. Quais as necessidades podem ser satisfeitas? Por certo, somente aquelas para cuja satisfao funcione o processo de produo planejado, conduzido por uma autoridade
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central. E nem mesmo na sociedade comunista do futuro, onde a mo de obra produtiva cresa e todas as fontes de riqueza jorrem com abundncia (Marx), a extenso de sua satisfao poder ser entregue a cada um, deve continuar nas mos da autoridade central. Assim, o sistema comunista de justia pressupe, da mesma forma que a proposio a cada um aquilo que seu que a resposta s questes decisivas para a sua aplicao seja dada por uma ordem social positiva. Embora se trate de uma ordem social determinada, ningum pode prever como uma tal ordem, por se realizar num futuro distante, se realizar, e como sero por ela solucionadas as questes decisivas para a aplicao do princpio comunista de justia. Conclui-se que essa forma proposta por Marx, resumida norma cada um conforme suas capacidades, reconhecidas pela ordem social comunista; a cada um conforme suas necessidades, determinada por essa ordem visa garantir a satisfao das necessidades do indivduo , de forma a existir na sociedade comunista harmonia entre todos os interesses coletivo e individuais. Portanto, haveria liberdade individual ilimitada, sendo isso pura utopia que, segundo Marx, ser vivenciada no futuro, tendo como conseqncia a inexistncia de conflitos de interesses, e nesse caso o horizonte muito mais amplo da justia dever ter sido ultrapassado. 25. O axioma denominado regra de ouro no faas aos outros o que no queres que te faam tambm decorre do princpio da igualdade. No modo positivo: o que queres que te faam, faze-o tu tambm aos outros. Em concluso, ningum deseja que o outro lhe cause dor, mas sim que um deseja que o outro lhe cause prazer. Contudo, se um homem sentir prazer em causar dor ao outro, ser um violador da regra de ouro. Como se comportar contra o violador dessa regra? essa a questo da justia: se ningum causasse dor a outrem, somente prazer, no haveria problema algum de justia. Se, contudo, aplicarmos a regra de ouro em caso de sua violao, chegaremos conseqncia absurda de que no devemos castigar os criminosos, pois no gostaramos de ser castigados. Essa interpretao culminaria obrigatria concluso supresso da moral e do direito que, certamente, no a sua inteno. Dessa forma, a regra de ouro dever ser entendida no sentido de estabelecer um critrio objetivo, significando: comporte-se perante os outros conforme os outros devem se comportar perante voc, ou seja, comporte-se conforme uma regra objetiva. Mas como devemos nos comportar? Essa a questo de justia. E a resposta a ela no dada atravs da regra de ouro, mas por ela pressuposta, pelo fato de que ordem da moral positiva e do direito positivo que est sendo pressuposta. KANT 26. Se o critrio subjetivo contido no teor da regra de ouro for substitudo por um critrio objetivo, por meio de interpretao, a regra seria a seguinte: comporte-se de acordo com as normas gerais da ordem social. Essa frmula tautolgica de interpretao da regra de ouro levou Immanuel Kant formulao do famoso imperativo
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categrico que o resultado essencial de sua filosofia da moral e sua soluo para a questo da justia. Essa formulao diz: aja de acordo com a mxima que voc espera transformar-se em lei geral, ou seja, o comportamento humano bom ou justo se for determinado por normas que o homem, ao agir, pode ou deve esperar que sejam obrigatrias a todos. Mas quais seriam essas normas? essa a questo decisiva da justia e o modelo do imperativo categrico, conforme os demais, no d resposta. 27. Ao se examinar o modelo do imperativo categrico proposto por Kant, constata-se que a sua aplicao refere-se aos regulamentos d amoral tradicional e do direito positivo de sua poca. Apesar de ser uma frmula vazia e compatvel com as demais formulaes de justia (princpio da regra de ouro ou dar a cada um o que seu, a teoria do imperativo categrico poder servir de justificao para toda e qualquer ordem social em geral e para todo e qualquer regulamento em particular. Essa possibilidade explica porque essas frmulas, apesar da sua total falta de contedo, ainda hoje so aceitas como respostas satisfatrias questo da justia, e provavelmente ainda o sero no futuro. ARISTTELES 28. Um outro exemplo bastante significativo de infrutfera tentativa de se definir o conceito de justia absoluta atravs de um mtodo racionalcientfico a tica de Aristteles. Trata-se de uma tica de virtude, ou seja, visa a um sistema de virtudes, entre as quais a justia a virtude mxima, a virtude plena. Aristteles afirma ter encontrado um mtodo cientfico (matemticogeomtrico) para determinar as virtudes, ou seja, para responder questo do que seria eticamente bom, pois a virtude o meio-termo entre dois extremos, ou seja, dois vcios, um por escassez e o outro por excesso. Ex: a virtude da coragem, por exemplo, o meio termo entre o vcio da covardia (escassez de valentia) e o vcio da temeridade (excesso de valentia). Esse o famoso ensinamento da mestes. A virtude o oposto do vcio; se a tendncia mentira vcio, ento o apego verdade virtude. A existncia de vcios, porm, Aristteles a pressupe como indiscutvel; e por vcios entende aqueles que a moral tradicional de sua poca estigmatizava como tais. Conclui-se, portanto, que a tica da doutrina de mestes s aparentemente resolve a questo. Persistem os questionamentos do que bom? e do que mau? , que a tica aristotlica confia moral positiva e ao Direito positivo, ordem social estabelecida. Portanto, a ordem social e no a frmula de mestes que determina o que demais e o que de menos e com isso tambm a virtude, que se encontra a meio caminho entre ambos. Assim, a real funo da frmula tautolgica de mestes pressuposta pela ordem social estabelecida, sendo bom aquilo que est de acordo com a ordem social vigente. 29. O carter tautolgico da frmula de mestes torna-se evidente quando se aplica virtude da justia, sendo (segundo Aristteles) o comportamento justo o meio-termo entre praticar o injusto e sofrer o
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comportamento justo o meio-termo entre praticar o injusto e sofrer o injusto. Assim, a frmula a virtude o meio termo entre dois vcios no faz sentido nem mesmo como metfora, pois o injusto que se pratica e o injusto que se sofre no so dois vcios ou males: so um nico e mesmo injusto. E a justia , simplesmente, o oposto desse
injusto. Conclui-se,pois, que a questo decisiva o que injusto no respondida atravs da frmula de mestes , sendo a resposta pressuposta, considerada pela definio da moral positiva e pelo direito positivo. Pelo exposto, conclui-se que o ensinamento de mestes no visa determinar a essncia da justia, mas reforar a validade da ordem social, estabelecida com base na moral positiva e no direito positivo. Essa realizao, politicamente significativa, protege a tica aristotlica de uma anlise crtica, que evidenciaria a sua falta de valor cientfico. O DIREITO NATURAL 30. O tipo metafsico e o tipo racionalista da filosofia do Direito esto representados na Escola do Direito Natural (Sculos XVII e XVIII, quase totalmente abandonada no sculo XIX, mas tornada novamente influente nos dias atuais). Essa escola afirma existir uma regulamentao absolutamente justa das relaes humanas que parte da natureza em geral ou da natureza do homem como ser dotado de razo. A Natureza apresentada como uma autoridade normativa, como uma espcie de legislador. Por meio de uma anlise da natureza, podemos encontrar as normas a ela imanentes, que prescrevem a conduta humana correta, ou seja, justa. Se se supe que a natureza criao divina, ento as normas a ela imanentes o Direito Natural so expresso da vontade de Deus. A doutrina do Direito apresentaria, portanto, um carter metafsico. Se todavia o direito natural deve ser deduzido da natureza do homem enquanto ser dotado de razo (o princpio da justia pode ser encontrado na razo humana) ento aquela doutrina se reveste de um carter racionalista. DO ponto de vista da cincia racional do Direito, o mtodo religioso-cientfico da doutrina do Direito natural no entra absolutamente em cogitao. Entretanto, o mtodo racionalista sabidamente insustentvel. A natureza como um sistema de fatos, unidos entre si pelo princpio da causalidade, no dotada de vontade e no pode, por isso, prescrever qualquer comportamento humano definido. A partir dos fatos, do que realmente acontece, no se pode deduzir aquilo que deve ser ou acontecer, baseando-se em sofisma a tentativa de a doutrina racionalista tenta deduzir normas do Direito natural como base para o comportamento humano. Aplica-se o mesmo tentativa de deduzir tais normas da razo humana, eis que normas que prescrevem comportamentos humanos s podem partir de uma vontade, somente sendo essa vontade humana se excluda da especulao metafsica. A afirmao de que o homem deve se comportar de determinado modo s pode ser feita pela razo humana, tendo como premissa um fato de que, por ato da vontade humana, estabeleceu-se norma que prescreve tal comportamento. A razo humana pode compreender e descrever, no prescrever. Encontrar normas para o comportamento humano no
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31. Vrios adeptos da doutrina do Direito natural deduziram princpios de justia extremamente diversos uns dos outros, a partir da natureza divina, ou os tenham encontrado na natureza humana. Robert Film (dessa escola) entendeu serem justas a autocracia e a monarquia absoluta, eis que as nicas formas de governo natural (e por isso justa).J John Locke comprova, atravs do mesmo mtodo, que a monarquia absoluta jamais pode ser considerada como uma forma de governo, somente a democracia pode valer como tal, pois apenas ela corresponde natureza, e apenas ela, portanto, justa. A maioria dos jusnaturalistas afirmava que a propriedade individual (com base na ordem social feudal e capitalista) era um direito natural portanto sagrado, inalienvel que a natureza ou razo haviam conferido ao homem; Por conseguinte, a propriedade coletiva ou a comunho de bens , ou seja, o comunismo, eram contra a natureza e a razo e,assim, injustas. Conclui-se , pois, que os mtodos da doutrina do Direito natural, que se baseiam em um sofisma , pode-se comprovar tudo e, portanto, nada. ABSOLUTISMO E RELATIVISMO 32. So Vos os esforos para encontrar, por meios racionais, uma norma absolutamente vlida de comportamento justo, ou seja, uma norma que exclua a possibilidade de tambm considerar o comportamento contrrio do justo. A experincia espiritual do passado demonstra que a razo humana somente consegue compreender valores relativos. Isso significa que o juzo, por meio do qual algo declarado justo, nunca poder ser emitido com a reivindicao de excluir a possibilidade de um juzo de valor contrrio. Justia absoluta um ideal irracional. Do ponto de vista racional, h somente interesses humanos, e portanto conflito de interesses. A soluo sempre ser ou o sacrifcio de um deles para a satisfao do outro, ou promover um compromisso entre ambos, pois no ser possvel comprovar que somente uma, no a outra soluo, seja a justa. Se a paz social pressuposta como valor maior, a soluo de compromisso pode ser vista como justa. Mas tambm a justia da paz uma justia relativa, no absoluta. 33. Qual a moral da filosofia de justia relativista? Ser que h alguma? Ser que o relativismo no amoral, ou at imoral, como pensam alguns? No essa a opinio de Kelsen. O princpio da Moral que fundamenta (ou do qual se pode deduzir) uma doutrina relativista o princpio da tolerncia: a exigncia de compreender com benevolncia a viso religiosa ou poltica de outros, mesmo que no a compartilhemos, e, exatamente porque no a compartilhamos, no impedir a sua manifestao pacfica. Obviamente, numa viso de mundo relativista no resulta o direito tolerncia absoluta, somente tolerncia no mbito de um ordenamento jurdico positivo, que garanta a paz entre os submetidos a essa justia, proibindo-lhes qualquer uso da violncia, porm no lhes
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restringindo a manifestao pacfica de opinies. Os mais altos ideais morais foram comprometidos pela intolerncia daqueles que os defenderam. Por exemplo, na inquisio espanhola, em defesa da religio crist no foram somente queimados os corpos dos hereges, mas tambm sacrificados um dos ensinamentos mais notveis de Cristo: No julgueis, para no seres julgado;Pierre Bayle, um dos grandes libertadores do esprito humano, fazia objeo queles que acreditam poder melhor defender uma ordem religiosa ou poltica vigente por meio da intolerncia aos heterodoxos: Toda desordem surge da intolerncia, no da tolerncia ; Jos II,imperador da ustria, nas pginas gloriosas da carta de Tolerncia, escreveu Se a democracia uma forma de governo justa, ela s pode significar liberdade, e liberdade significa tolerncia. E se a democracia precisar se defender das intrigas antidemocrticas, ser tolerante? Sim, na medida em que no reprimir demonstraes pacficas de opinies antidemocrticas. exatamente nessa tolerncia que reside a diferena entre democracia e autocracia. Mas direito de qualquer governo , mesmo democrtico, reprimir com violncia e evitar, pelos meios adequados, tentativas de derrub-lo com o uso da violncia. O exerccio desse direito no entra em contradio nem com o princpio da democracia, nem com o princpio da tolerncia. Contudo, difcil traar um limite claro entre a propagao de certas idias e a preparao de uma insurreio revolucionria. Mas a possibilidade de manter a democracia depende da possibilidade de encontrar tal limite. 34. Significando a democracia liberdade, e liberdade tolerncia, nenhuma outra forma de governo mais favorvel cincia que a democracia. A cincia s pode prosperar se for livre; ela ser livre no somente quando o for externamente, ou seja, quando estiver independente de influncias polticas, mas tambm quando o for interiormente, quando houver total liberdade no jogo do argumento e do contra-argumento. Nenhuma doutrina pode ser reprimida em nome da cincia, pois a alma da cincia a tolerncia. Kelsen iniciou este ensaio com a questo: O que Justia? Conclui que, agora, ao final, est absolutamente ciente de no t-la respondido. Aduz a seu favor, como desculpa, o fato de estar em tima companhia (faz implcita meno aos leitores, uma vez que seria mais do que presuno faz-los acreditar que conseguiria aquilo que fracassaram os maiores pensadores). De fato, Kelsen assume que no sabe se pode dizer o que justia, a justia absoluta, esse belo sonho da humanidade. Conclui que deve satisfazer-se com a justia relativa, e s pode declarar o que significa justia para si prprio: uma vez que a cincia a sua profisso e, portanto, a coisa mais importante em sua vida, trata-se (a justia) daquela justia sob cuja proteo a cincia pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e sinceridade. a justia da liberdade, da paz, da democracia e da tolerncia . II. A IDIA DE JUSTIA NAS SAGRADAS ESCRITURAS
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O CARTER TRANSCENDENTAL DA JUSTIA DIVINA Um dos elementos mais importantes da religio crist a idia de que a justia uma qualidade essencial de Deus, como Deus absoluto, sua Justia deve ser justia absoluta, isto significa eterna e imutvel. Apenas uma religio cuja divindade tida como justa, pode desempenhar um papel na vida social Do ponto de vista da cognio racional, a justia absoluta de Deus deve estar necessariamente em conflito com outra qualidade que a onipotncia. Se Deus onipotente, nada do que efetivamente acontece pode ser contra ou sem o seu desejo. A idia de justia divina absoluta deve ser aplicvel vida social dos homens. Se a justia divina deve servir como um padro da justia que os homens esto procurando para a regulamentao de suas relaes mtuas, a teologia deve tentar partir de seu ponto inicial que a incompreensibilidade da justia absoluta, para uma posio menos rgida a suposio de que a vontade de Deus, embora incompreensvel pela prpria natureza, pode no obstante, ser compreendida pelo homem de uma ou de outra maneira. A incoerncia da posio torna inevitvel que este torneio de pensamento deva, por fim, retornar ao ponto de partida. Como Deus existe, a justia absoluta existe, e, assim, como deve acreditar na existncia de Deus, embora seja incapaz de compreender sua natureza, o homem deve acreditar na existncia da justia absoluta, embora no possa saber o que ela realmente significa. A justia um mistrio um dos muitos mistrios da f. A JUSTIA NA REVELAO DIVINA E NA MORALIDADE CRIST MODERNA Para a teologia Deus se revela de duas maneiras: nos seus atos e nas suas palavras. Se Deus criou o universo pode-se concluir que, toda criao sua manifestao de vontade. Em assim sendo, possvel encontrar a resposta para a questo do que justo e injusto na natureza, assim como na histria. A doutrina do direito natural fundamenta-se em um pressuposto , a filosofia hegeliana da histria do outro. Tanto na natureza como na histria, vemos ao mesmo tempo, uma luta impiedosa em que o mais forte destri o mais fraco, e o auxlio mtuo. Nem na anlise mais cuidadosa da natureza e da histria pode fornecer um critrio para distinguir o bem e o mal; e nossa razo nos diz que no possvel concluir, a partir do que , o que deve ser. A outra revelao a palavra de Deus nas Escrituras parece ser uma manifestao muito mais clara de sua justia. Mas muitas instituies apresentadas nas escrituras, diretamente aprovada ou ao menos no reprovadas por Deus ou pelos homens, por ele inspirados como o caso da poligamia, da escravido a vingana do sangue esto em franca oposio ao sentimento de justia dos cristos modernos . Como por exemplo, no famoso parecer que justifica pelo direito divino a bigamia de Filipe de Hesse, declararam que o que permitido na lei mosaica no que concerne ao casamento no proibido no Novo Testamento. No apenas no antigo testamento como no novo testamento a
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escravido reconhecida como uma instituio legal e justa, embora tambm existam prescries com o objetivo de restringir o direito do proprietrio e, assim atenuar a situao do escravo. No Levtico 25,6, a escravido apresentada como ordenada por Jav ou, pelo menos como no incompatvel com a lei que transmitiu no Monte Sinai por meio de Moiss. Embora a lei de Jav exiba uma tendncia para restringir a vingana de sangue, esse costume surge firmemente estabelecido entre os judeus e reconhecido por Deus. H um procedimento diretamente ordenado por Jav, que tem como objetivo determinar se uma mulher suspeita cometeu ou no adultrio. Nesse rito, mulher suspeita obrigada a tomar uma gua amarga que causa maldio que desempenha o papel decisivo. O sacerdote que executa o rito pe nessa gua um p que esteja no cho do tabernculo ento deve fazer a mulher prestar o seguinte juramento Se nenhum homem deitou contigo e se no te voltaste para os atos indecentes enquanto casada com o teu marido, fica imune a esta gua amarga que traz a maldio, Mas se erraste enquanto casada com o seu marido e te maculaste com outros homens alm do seu marido, ento Jav faa de ti execrao e maldio entre o teu povo, fazendo-te ter um ventre facilmente fertilizado e ao mesmo tempo abortar; ento esta mulher deve dizer: Assim seja, assim seja. Depois o sacerdote deve escrever as maldies em um pedao de pergaminho e depois lav -las nas guas e a mulher deve beber a gua com a tinta em que as maldies foram escritas. Se ela for inocente a gua no lhe far mal nenhum, porm, se for culpada, a gua ter o efeito indicado na maldio. justamente o elemento mgico do rito que to repulsivo ao sentimento religioso, assim como idia de devido processo de Direito que prevalece entre os cristos modernos. O mesmo verdadeiro no que diz respeito crena em demnios ou espritos imundos que penetram nos corpos dos homens e causam doenas mentais, mencionados nos evangelhos. Segundo estes, o prprio Jesus acreditava na existncia desses demnios e usava seu poder divino para exorciz-los. A REVELAO DAS ESCRITURAS, CONTRATIDRIA ENTRE SI. A revelao das escrituras no apenas est em algumas partes em oposio direta moralidade do cristianismo moderno, como tambm contraditria em si, no menos contraditria que a revelao na criao. Por exemplo, quanto ao divrcio, o cdigo Deutermio, que se apresenta como um ato de legislao divina, contm uma regra: quando um homem tomar uma mulher e casar -se com ela, se acontecer que ela no agrade, porque encontrou nela alguma indecncia, poder escrever-lhe um ato de divrcio e, colocando-o em sua mo, pode despedi la de sua casa. E quando ela deixar a sua casa, poder casar-se com outro. Mas quando os fariseus perguntaram a Jesus se era legtimo um homem divorciar se de sua esposa , Jesus respondeu que marido e mulher
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tornar-se-o um, de modo que no mais sejam dois, mas um. O que
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tornar-se-o um, de modo que no mais sejam dois, mas um. O que Deus uniu ento o homem no separe. Pode-se concluir no haver muita dvida que tratam de duas idias totalmente diferentes e incompatveis entre si, constituem a base da lei divina como o caso do casamento poligmico e anulvel revelado por Moiss e a lei divina que institui o casamento monogmico e inviolvel revelado por Jesus. H outra contradio no antigo testamento quanto questo de ser justa ou no a responsabilidade individual ou coletiva, e especificamente a hereditria Todas essas contradies podem ser facilmente explicadas a partir de um ponto de vista histrico como diferentes etapas de uma evoluo jurdica. Mas uma interpretao histrica inaplicvel caso as escrituras devam ser tomadas como a revelao da justia absoluta e, portanto, imutvel de Deus. REDISTRIBUIO E AMOR DIREITO E JUSTIA O antagonismo entre o princpio da redistribuio e o princpio do amor, entre a regra: paga o mal com o mal e o bem com o bem e a regra: ama o teu inimigo e paga o mal com o bem, tem ntima ligao com esse antagonismo de vises totalmente diferentes da relao existente entre a justia e o direito positivo. Segundo uma, a justia e o Direito so idnticos, segundo a outra, eles podem entrar em conflito. Nessa metfora expressa uma das idias bsicas da teologia judaica que a relao entre Deus e o homem constituda por um contrato, a aliana que Jav firmou com o seu povo. A idia de que Deus firmou um contrato com os homens e que assim como a outra parte desse contrato, est obrigado por ele muito caracterstica da tendncia para racionalizar o que, por sua prpria natureza irracional relao entre Deus e os homens. Por meio desse contrato, Jav assume a obrigao de proteger seu povo e Israel a de ser fiel a Jav e obedecer sua lei. Jav, por ser um deus zeloso, insiste acertadamente no cumprimento das clusulas do contrato pela outra parte. Tal cumprimento da obrigao contratual de Jav. Mas a violao pelo seu povo autoriza Jav a punir o infrator da aliana. Essa a justia de Jav. A justia a qualidade mais essencial e o princpio dessa justia a retribuio. A JUSTIA DE JAV : A RETRIBUIO Antes do ensinamento de Jesus era evidente para o povo judeu que justia significava retribuio. Como todos os povos primitivos, os hebreus, nas primeiras etapas de sua evoluo, consideram a natureza como parte da sociedade e, portanto, explicavam os fenmenos em termos de vida social, isto , em primeiro lugar, segundo o princpio da retribuio.
ACI O N AME N T O
Qualquer evento que o homem primitivo teme interpretado como punio; qualquer evento que deseja, como recompensa de uma autoridade sobre-humana. Essa interpretao personalista e, portanto, o social da natureza pode fundamentar no animismo, isto , na crena de que todas as coisas so animadas, dotadas de alma que nelas
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monotesmo, segundo o qual a natureza a criao de um deus onipotente e, portanto, a manifestao de sua justa vontade. O ato divino da criao, tal como descrito no Gnesis, um comando de Deus, e, como Deus justo, qualquer evento dessa espcie deve ser interpretado como merecido pelo homem;se for um mal, como punio por sua m conduta, se for um bem, como recompensa por sua boa conduta. O princpio de retribuio como essncia da Justia de Jav expresso por Moises nesta breve frmula vede, hoje estou colocando diante de vs uma beno e uma maldio: uma beno se obedecerdes aos mandamentos de Jav, vosso Deus, que vos dou vosso Deus, e se vos desviardes do caminho que vos estou apontando hoje, e correrdes atrs de deuses estranhos que no conheceis ( Deuteronmio11,26 ss.) Como em quase todas as religies, a punio e a recompensa no tm a mesma importncia. A punio est em primeiro plano, recompensa em ltimo, nesse sistema de justia, especialmente se tiver de ser aplicada, no diretamente por Deus, de uma maneira transcendental, mas por homens, na forma de sanes socialmente organizadas. Que a justia como retribuio signifique em primeiro lugar punio a conseqncia do fato de ser a ameaa de punio por conduta indesejvel no promessa de recompensa pela conduta contrria a tcnica especfica do direito positivo; e a idia de justia sempre reflete mais ou menos a realidade social tal como manifestada no Direito positivo. VINGA-TE MAS AMA AO PRXIMO Deves amar ao prximo como a um de vs um mandamento de solidariedade nacional e perfeitamente compatvel com o princpio da retribuio. Essa sentena precedida pelo mandamento no deves vingar-te nem guardar rancor dos membros de tua raa A proibio geral vingana certamente est em contradio com a instituio da vingana de sangue reconhecida em outras partes da Escritura, mas perfeitamente compatvel com o jus talionis. Mas essas manifestaes espordicas de uma moralidade do perdo no so caractersticas do Antigo Testamento, que dominado pela justia do igual por igual. Tratam apenas de princpios polticos que no tem nenhuma relao com a regra de JUSTIA. A REJEIO DO PRINCPIO DA RETRIBUIO POR JESUS: A NOVA JUSTIA DO AMOR Kelsen neste subtpico trata da opisio da doutrinapregada por Jesus em face ao Direito positivado. Para tanto, dividiu o tema em tpicos comentando sobre o princpio d amor, o que pensava Jesus em relao a famlia, aos impostos, ao direito de propriedade, o direito do homem julgar o prprio homem, relacionando ao tema, diversas passagens bblicas, conforme passo a explanar.
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O PRINCPIO DO AMOR EM OPOSIO AO DIREITO POSITIVO Jesus no Sermo da Montanha diz: Ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Mas eu voz digo: no resistais Injria; mas, se te baterem na face direita, oferece a outra face e se algum quiser demanda contigo por tua tnica, d-lhe tambm o manto. E se algum te forar a andar uma milha, anda duas milhas com ele. (Mateus 5,38s). Menciona que a essncia do direito positivo est em resistir o prejuzo, de aplicar o mal pelo mal e portanto a sano tem a mesma natureza do delito, pois se pratica o mal a algum que tenha realizado o mal, inclusive pelo emprego da fora; sendo o Estado a organizao dessa fora, substituindo o indivduo prejudicado pelo mal causado. Mas Jesus ao contrrio ensina no julgar para no ser julgado, perdoe para que seja perdoado. Jesus recusa-se ao direito positivo, pois rejeita o princpio de se pagar o mal praticado com outro mal praticado ao causador do mal. A contrrio, prega que devemos amar nossos inimigos e perseguidores, pois se amamos apenas quem nos ama, no praticamos mrito algum. Portanto, em vez da Justia da Retribuio (o mal pelo mal praticado), devemos aplicar o amor, que no faz nenhuma distino entre o malfeitor e o que cumpre a lei, entre o que bom e o que mal. Para ele, a punio do malfeitor provida pelo Direito e pelo Juiz, no pode estar em conformidade com a justia divina, a nova justia: o amor de Deus. Kelsen reconhece tratar-se de uma doutrina revolucionria, porque incompatvel com o direito e talvez alm da natureza humana, alerta que o amor de Deus justia num sentido transcendental, acima da idia racional do homem. Faz uma crtica do ponto de vista da razo humana, dizendo que a doutrina de Jesus no a soluo do problema da Justia na condio de tcnica social para a regulamentao das relaes humanas, pois implica a solicitao de abandonar o desejo de justia tal como concebido pelo homem. A DOUTRINA DE JESUS SOBRE A FAMLIA Kelsen e as passagens bblicas deixam evidentes que Jesus no respeitou certas prescries virtuais, exemplos; alimentao (Marcos 7,20); a limpeza (Mateus 15,3ss 20); ao jejum (Marcos 2,18); ao sbado (Mateus 12,10; Marcos 2,23; Lucas 6,5; 14,1; Joo 5,10; 9,14). Declarou ainda o divrcio (que era permitido pela Lei) um crime equivalente ao adultrio, mas pregava que era melhor no casar fundamentando em diversas razes tais como: alguns so incapazes de casar-se porque assim nasceram, alguns porque os homens assim os fizeram e, outros que assim se fizeram pelo Reino de Deus. Que aceite quem puder. (Mateus 19,3). Trouxe ainda outros ditos de Jesus que equivalem a um no reconhecimento familiar Se algum vier a mm sem odiar o pai e a me e a esposa e filhos e irmos e irms, e a sua prpria vida, no poder ser meu discpulo. (Lucas 14,26) e no reconhecia uma das mais sagradas obrigaes de um filho, enterrar o pai morto Ele disse a outro Segue-me. Mas ele disse Deixa-me primeiro enterrar meu pai. Jesus
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disse a ele, Que os mortos enterrem seus mortos; tu deves partir e espalhar a notcia do Reino de Deus. (Lucas 9,59). Seus seguidores no podiam nem ao menos chamar pai ao progenitor No deveis chamar ningum da terra vossa de pai, pois tendes apenas um pai, vosso pai celestial (Mateus 23,9). Reconhecia que seus ensinamentos poderia sim ter o efeito de dissolver a famlia (Mateus 10,20). No lamentava esse efeito (dissoluo da famlia) e at mesmo o declarava como seu propsito. No pensais que vim trazer paz terra. No vim para trazer a paz ma uma espada. Pois vim para voltar o homem contra seu pai, e a filha contra sua me, e a nora contra sua sogra, e os inimigos do homem estaro em sua prpria casa. Ningum que ama o pai e a me do que a mim digno de mim. (Mateus 10,34). Mateus, Marcos e Lucas relatam que Jesus ignorava qualquer relao com a me e os irmos. Lhe disseram Tua me e teu irmo chamam por ti l fora. Ele respondeu, Quem so minha me e meus irmos?. E olhando para as pessoas a sua volta respondeu: Aqui esto minha me e meus irmos. Quem quer que faa a vontade de Deus meu irmo e minha me. (Marcos 3,31; Mateus 12,48 e Lucas 8,19). O ENSINAMENTO DE JESUS SOBRE OS IMPOSTOS Kelsen no tocante aos impostos que deveriam ser pagos, leciona que os ensinamentos de Jesus eram ao menos contrrio a Lei existente. Certa vez indagado sobre pagar o tributo ao imperador Jesus ao solicitar um denrio aos seus seguidores teria-os indagado sobre a efgie e ottulo ali representados no que tange sua titularidade e, eles lhe disseram so do imperador. E Jesus disse Pagai ao imperador o que pertence ao imperador e pagai a Deus o que pertence a Deus. (Marcos 12,14). Na verdade Jesus no disse que era certo pagar o tributo ao imperador. At reconhecia a marca da propriedade do Imperador, a moeda pertencia ao imperador, mas isso no tem nada a ver com a obrigao de se pagar tributo. Alis a acusao a qual foi levado a Pilatos era: Eis um homem que encontramos desviando nossa nao e proibindo o pagamento de impostos ao Imperador.. Kelsen comenta que tal acusao talvez no fosse infundada, vez que Jesus acreditava e se considerava Rei Messinico de Israel e, acreditava que o Reino de Deus havia chegado, no reconhecendo a autoridade do Estado romano, que era incompatvel com o reino davdico. Ento como poderia acreditar que era certo pagar impostos ao Imperador? O ENSINAMENTO DE JESUS SOBRE A PROPRIEDADE altamente significativo. Assim como a famlia, a propriedade incompatvel com seguir Cristo. Proibiu os seguidores de carregar dinheiro consigo. Ensina Kelsen Nem a propriedade nem qualquer tipo de considerao tem lugar nessa doutrina.. A bblia relata vrios casos de seguidores que abandonaram tudo o que tinham para segui-lo, como os irmos pescadores Pedro e Andr onde Jesus disse-lhes: Vinde e segue-me e
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farei de vs pescadores de homens.. Jesus menciona ainda que ningum pode servir a Deus e ao dinheiro ao mesmo tempo, o dinheiro para ele mammon o prprio diabo. Ento distinguiu o rico do pobre, para este relatou a certeza da felicidade no Reino do Cu, enquanto para aquele (o rico) relatou em um de seus ensinamentos mais fcil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um homem rico entrar no Reino de Deus.. Jesus no contrrio apenas ao dinheiro, mas sim a qualquer tipo de economia. Essa postura antieconmica de Jesus o resultado de sua idia do Reino de Deus, o qual, em sua opinio, era iminente. Pois, no Reino de Deus, nenhum trabalho necessrio j que Deus alimentar, vestir e abrigar diretamente seu povo. O ENSINAMENTO DE JESUS SOBRE O DIREITO DO HOMEM DE JULGAR O HOMEM Trata-se do conflito mais evidente entre o ensinamento de Jesus e a Lei judaica; o de no mais julgar outras pessoas. A bblia relata que algum na multido lhe disse: Mestre diga a meu irmo que me d a minha parte de nossa herana. E ele disse: Quem me fez juzo ou arbitro de vossos negcios? (Lucas 12,13). Existe ainda o famoso caso da mulher surpreendida em adultrio, onde lhe disseram Na lei Moiss ordena que apedrejemos.. Pressionado Jesus responde: Quem no tiver pecado dentre vs, que atire a primeira pedra.. Tais respostas esto em conformidade com o novo princpio de justia proclamado no retribuio, mais sim o amor. E se no h mais retribuio ento o direito positivo no mais aplicado. Importante ressaltar que no obstante o tudo dito, na sentena seguinte, o antagonismo entre o amor de Deus e o julgamento , de certo modo, atenuado, pois evidentemente incompatvel com a funo de Jesus como Messias e juiz no juzo final, punindo os pecadores e recompensando os justos. A IDIA MESSINICA Kelsen alerta que considerarmos Jesus o pregador da nova justia do amor, ou seja, o Messias e Juiz do mundo constitui uma contradio insupervel na doutrina da justia. E seus discpulos certamente acreditavam nele como o Messias. O REINO DE DEUS COMO REINO DE JUSTIA NESTE MUNDO A idia do Reino de Deus era o centro do ensinamento de Jesus. Prevalecia entre os judeus a vinda de um mundo de perfeita justia e felicidade. A crena de um segundo paraso, neste mesmo mundo tendo a Palestina como Terra Santa e compreendendo todo o mundo, onde a paz e a prosperidade reinaro, o solo ser ftil, a morte no mais ameaar a humanidade. Tal paraso no livro de Enoque chamado de Jardim da Justia (Enoque 32,3; 77,3). H passagens bblicas que descrevem com riqueza de detalhes como ser tal paraso (Isaas 29,18). O Reino de Deus, pelo menos originariamente era imaginado como uma comunidade estabelecida nesta terra. Uma organizao poltica do povo
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comunidade estabelecida nesta terra. Uma organizao poltica do povo Judeu e mesmo na metade do sculo I a.C., de modo geral pensava-se no Messias como ser humano, porm havia tambm a concepo do Messias como ser-sobre-humano, vindo do cu. NENHUMA CRENA NA IMORTALIDADE DA ALMA A misso do Messias era realizar a Justia neste mundo. Essa justia no era concebida como retribuio exercida em outro mundo sobre as almas imateriais e imortais dos homens aps a morte. Entre os judeus da Palestina prevalecia a idia de que corpo e alma esto inseparavelmente ligados, de tal modo que uma alma vivendo sem seu corpo era-lhes estranhas. A crena de que a alma pode existir sem seu corpo no fora ensinada
em nenhuma parte do antigo testamento. Antes quando se fala na alma, refere-se ao homem vivo. No antigo testamento prevalecia a idia de que os mortos existem no Xeol (Nmeros 16,33), um lugar de escurido e p onde ficam dormindo. O Xeol a generalizao do tmulo. Nas escrituras no existe nenhuma relao entre Deus e a terra dos mortos, o Xeol no tem nada haver com a justia, nesta terra de esquecimentos no h diferenas entre o justo e o injusto, h um nico destino para todos. A justia de Deus no dada a conhecer no Xeol (Salmos 88,12). A CRENA NA RESSURREIO DOS MORTOS Embora no houvesse nenhuma idia de justia no Xeol, havia, no obstante, uma crena na justia de Deus a ser realizada aps a morte. A crena no estava na imortalidade da alma, mas sim na ressurreio dos mortos a ser realizada neste mundo, pelo juzo final que inaugura o reino messinico. Primeiramente a idia era de que somente os justos ressuscitariam do Xeol, posteriormente passou a acreditar que todos se ergueriam para que fossem julgados pelo Juzo final. Como a esperana pela libertao nacional desempenhava um papel decisivo na crena da vinda do Messias e, consequentemente o Reino de Deus era concebido como uma restaurao do reino dardico um reino sobre essa terra, apenas a ressurreio do corpo podia ajustar-se a esse esquema. A espiritualizao da crena na ressurreio e no Reino de Deus uma transformao posterior. O JUZO FINAL Considerava-se que esse julgamento era dirigido no apenas contra os pagos e os inimigos e supressores de Israel, mas sim um julgamento individual de todos os vivos e dos mortos ressuscitados. Um julgamento universal de toda a humanidade. Tem o verdadeiro carter de um processo judicial. Todos sero julgados exatamente de acordo com os feitos que cometeram em vida. Segundo uma verso, o prprio Jav seria juiz, segundo outra, o Messias exercer este ofcio, recompensando os justos com a vida eterna e feliz e os injustos com a dor eterna no Hades.
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A SEPARAO DA CRENA ESCATOLGICA E DA IDIA MESSINICA Originariamente, a crena na ressurreio e no Reino Messinico inaugurados pelo juzo final, coincide com a crena escatolgica como crena em um mundo futuro. Posteriormente, surgiram outras idias que levaram a uma separao das duas. O desejo de justia necessitava que a crena em uma retribuio fosse estabelecida imediatamente aps a morte. No tempo entre a morte e a ressurreio supunha-se que o destino dos justos e dos injustos no fosse o mesmo (felicidade aos primeiros e estado de dor aos segundos). Para tanto, para alguns o Xeol era dividido em compartimentos, de tormento para os injustos e conforto para os justos. Para outros, os justos vo imediatamente aps a morte para o cu. A retribuio exercida imediatamente aps a morte podia ter apenas um carter provisrio enquanto existisse a crena no juzo final e na ressurreio. Contudo, existia uma tendncia crescente de que este paraso messinico era apenas uma etapa provisria para se alcanar a felicidade definitiva. Tal estado transcendental de bem-aventurana, esperado aps o perodo messinico, no poderia referir-se a vida fsica do paraso messinico. Pressupunha a crena na imortalidade da alma influenciada pela filosofia grega. Por derradeiro, os judeus para quem Jesus pregou ainda acreditavam na ressurreio dos mortos e no paraso messinico como etapa final. A IDIA QUE JESUS TEM DO REINO DE DEUS No possvel separar no ensino de Jesus a esfera messinica e a esfera escatolgica (parte da teologia que trata do fim dos tempos). O mundo futuro de justia coincide com o reino messinico. Jesus apresenta a viso de que a era presente de injustia e de que a nova era (do Reino de Deus) trar justia pela inverso completa das presentes relaes sociais. O princpio da inverso se verifica nas afirmaes de que muitos que hoje so os primeiros sero os ltimos, e os ltimos sero os primeiros (Marcos 10, 31). Ou em bem-aventurados sois vs, que sois pobres, pois o reino de Deus vosso (...) mas ai de vs, que sois ricos, pois tivestes vosso conforto! (Lucas, 6, 10). Este princpio da inverso inteiramente oposto ao mandamento ama os teus inimigos e ora pelos que te perseguem; uma aplicao da lei da retribuio. uma justia do ressentimento, no a justia do amor de Deus. A idia de retribuio no ensinamento de Jesus. Os Evangelhos atribuem a Jesus alguns feitos e ditos que no esto inteiramente em conformidade com seu mandamento de no resistir ao mal e amar o inimigo. Segundo Mateus, por exemplo, Jesus havia chamado os fariseus de hipcritas, serpentes. Mesmo quando prega a nova justia do amor em oposio antiga justia da retribuio, Jesus nem sempre se emancipa desta. O amor de Deus no deve esperar nenhuma recompensa (Lucas, 6, 32), mas Jesus tambm diz se amardes apenas aqueles que vos amam, que recompensa podeis esperar? . o prprio princpio da retribuio que Jesus aplica ao dizer todo aquele que me reconhecer perante os
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homens eu reconhecerei perante meu Pai no cu (Mateus 10, 32). Jesus ensinou deveis sempre tratar os outros como gostareis que eles vos tratassem. o princpio da retribuio: igual por igual. O ensinamento de Jesus sobre o juzo final. Verifica-se a retributividade especialmente no julgamento no fim da era injusta e no incio da era justa que anunciado por Joo Batista, assim como pelo prprio Jesus. Este um dia marcado pela retribuio e pelo castigo cruel. E quem fala contra o Filho do Homem ser perdoado, mas quem fala contra o Esprito Santo no pode ser perdoado, neste mundo ou no mundo por vir (Mateus 12, 24 ss.) O Reino de Deus est no meio de vs. A afirmao de Jesus de que o Reino de Deus alcanou-vos implica que, na sua opinio, o Reino de Deus j chegou, de que seus arautos j podem ser vistos. Quando os fariseus lhe perguntaram quando viria o reino de Deus, ele respondeu O Reino de Deus est no meio de ns (Lucas, 17, 21). Essa opinio de que o reino de Deus est iminente, ou melhor, est presente, conseqncia inevitvel da crena de que ele o Messias, cuja misso estabelecer esse reino de justia na terra. O Reino de Deus como realizao de Justia na terra. No pode haver dvida de que o reino de Deus, tal como descrito nos Evangelhos Sinpticos, era imaginado, em conformidade com a tradio judaica, como uma comunidade terrena de homens vivendo fisicamente. Jesus fala repetidamente em comer e beber no Reino de Deus. O entendimento de que o Reino de Deus imaginado por Jesus ou por seus seguidores era uma organizao poltica terrena, resulta do fato de que acreditavam nele como o rei messinico de Israel, o profetizado governante do rei davdico restaurado. Como o rei legtimo deve descender de Davi, os Evangelhos tentam provar sua descendncia, apesar do prprio Jesus declarar que o Messias no tem que ser o filho de Davi (Mateus 22, 45). Eles o provam pela ascendncia de seu pai Jos, marido de sua me, Maria, embora, ao mesmo tempo afirmem que Maria o concebeu pela influncia do Esprito Santo. Jesus tambm, no rejeitou a crena dos discpulos de que ele era o Messias, rei de Israel. Ele finalmente admitiu ao sumo sacerdote, assim como a Pilatos, que era o Messias e o rei de Israel. E foi com base nessa afirmao que foi condenado morte. Por outro lado, verdade, conforme o autor do Evangelho segundo So Joo, Jesus disse a Pilatos meu reino no deste mundo (Joo 18, 36). Mas essa declarao no significa como s vezes se interpreta que seu reino est alm do seu mundo, que no tem nada a ver com o domnio deste mundo real. Significa apenas que seu reino origina-se no cu e que ser estabelecido neste mundo por uma interveno direta e miraculosa de Deus. Qualquer tentativa de interpretar o Reino de Deus no ensinamento de Jesus como um domnio meramente espiritual incompatvel com o fato de que um elemento essencial desse ensinamento era a crena na ressurreio. A ressurreio um elemento essencial no ensinamento de Jesus sobre o Reino de Deus no apenas porque esse reino uma comunidade de seres vivos vivendo nesse mundo, mas acima de tudo, porque o juzo final, com o qual tem incio esse reino, um julgamento
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dos vivos e dos mortos (Atos 10, 42). Como nessa era m muitos morreram sem a punio ou a recompensa que mereciam, eles devem ser erguer-se dos mortos para serem trazidos justia no dia do juzo final. Para levar a cabo o julgamento, o Messias, o Filho do Homem, descer do cu sobre as nuvens. significativo que o Reino de Deus venha do cu para a terra e no que os homens vo aps a morte para o reino do cu. Essa a idia expressa na orao, venha ns ao vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no cu (Mateus 6, 10) Como haver o cu sobre a terra, o antagonismo deste mundo imperfeito e de um outro mundo, perfeito, acabar. O Reino de Deus, tal como estabelecido aps o juzo final, um mundo perfeito e isso significa, em primeiro lugar, um mundo absolutamente justo e, neste aspecto, um mundo sobre-humano sobre esta terra. muito caracterstico do Reino de Deus que o dualismo de uma esfera humana emprica e uma esfera divina transcendental seja abolido. Os que vivem no reino vero Deus; e isso significa: experimentaro a justia absoluta. A justia do juzo final: a retribuio. Contudo, a justia a ser realizada pelo juzo final nada mais que a retribuio: o castigo impiedoso dos maus, a recompensa generosa para os bons; e a punio est em primeiro plano. Jesus anuncia o juzo final como os dias de vingana (Lucas, 21, 22). O julgamento a execuo da justia da retribuio. O castigo eterno dessa retribuio divina inteiramente coerente com o Deus de vingana do Antigo Testamento, mas incompatvel com a nova justia, o amor de Deus no Sermo da Montanha. Foram muitas as tentativas de eliminar as contradies do ensinamento de Jesus por meio de interpretaes mais ou menos artificiais. O mtodo mais bem-sucedido diferenciar os ditos autnticos e noautnticos de Jesus com base em uma anlise histrico-crtica das fontes. Assim, por exemplo, a passagem decisiva em Mateus 25, 31, em que Jesus apresentado como Juiz do juzo final, sentenciando os malfeitores ao fogo eterno, foi declarada como uma elaborao de Mateus. Tal mtodo histrico-crtico, porm, no compatvel com o conceito do Novo Testamento como revelao divina. Por esse mtodo pode-se reconstruir um sistema de moralidade mais ou menos coerente no ensinamento de Jesus, mas no se pode eliminar o fato de que o Novo Testamento contm idias de justia contraditrias. Isso especialmente verdadeiro no que diz respeito relao existente entre os Evangelhos Sinpticos e as Epstolas de Paulo. O ENSINAMENTO DE JESUS COMPARADO COM O ENSINAMENTO DE PAULO A rejeio de Paulo da lei judaica. Foi muitas vezes enfatizado que h uma diferena entre o ensinamento de Jesus e o de Paulo. Essa diferena evidente no que diz respeito idia de justia e de sua relao com o direito positivo. Quanto Lei Judaica, Paulo vai muito mais adiante que Jesus, que tentou sustentar a aparncia pelo menos em princpio de que no era contra a Lei. Mas Paulo declarou abertamente agora a Lei no se aplica mais a ns (Romanos 7, 6). que
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abertamente agora a Lei no se aplica mais a ns (Romanos 7, 6). que ningum aceito por Deus como justo por obedecer Lei evidente, pois o justo ter vida por causa de sua f, e a Lei no tem nada a ver com a f (Glatas 3, 10 ss). Contudo, a Lei contra a qual Paulo erguia sua voz eram antes as disposies rituais do cdigo judaico. Pois ele reconhecia e confirmava,
de acordo com a vontade de Deus, as principais instituies jurdicas do Direito positivo de seu tempo: a famlia baseada no casamento, a propriedade baseada no trabalho e o governo firmemente estabelecido no Estado. O ensinamento de Paulo quanto ao casamento e propriedade. A viso de Paulo sobre o casamento traz uma contradio, pois em certas passagens o afirma como o menor de dois males (seria bom para o homem ser solteiro, porm haveria tanta imoralidade que a unio com uma esposa seria algo necessrio); contudo o declara como instituio to sagrada quanto a relao entre Cristo e a Igreja. A contraposio entre Jesus e Paulo se acentua em certos temas. O primeiro ensinou: renuncia a tua profisso, no trabalheis para satisfazer s necessidades de teu corpo, pois Deus cuidar de ti. Como depois da morte de Jesus, os novos cristos acreditassem que o Reino de Deus estava prximo, havia certo perigo de que os crentes considerassem o trabalho suprfluo, o que poderia causar srias dificuldades polticas. Assim, Paulo ensinou Se algum se recusar a trabalhar no lhe ds comida. O prprio Paulo ganhava o sustento fazendo tendas, ao passo que Jesus, quando se tornou pregador, parece ter deixado de exercer a profisso de carpinteiro. Jesus ordenou que seus discpulos no carregassem dinheiro em seus bolsos; mas Paulo fez coletas organizadas de dinheiro para o Povo de Deus, isto , para a comunidade dos primeiros cristos em Jerusalm. Jesus ensinou que um homem rico no poderia entrar no Reino de Deus, mas Paulo apenas pedia que os ricos desse mundo fossem tambm ricos em generosidade, acumulando um valioso tesouro para o seu futuro. Paulo at mesmo reconheceu a escravido como instituio jurdica no incompatvel com a nova justia do amor. O ensinamento de Paulo sobre a autoridade estabelecida. Jesus no pregava que se pagassem impostos e no reconhecia nenhuma autoridade terrena, mas Paulo ordenou expressamente aos cristos que pagassem impostos aos homens autorizados a receb-lo. As autoridades existentes do Imprio Romano que para Jesus eram o reino de Satans so agentes de Deus. Assim: o homem que faz o certo no tem que temer os magistrados, como tem o malfeitor. Se no queres temer as autoridades, faz o certo e eles te recomendaro por faz-lo pois so agentes de Deus para fazer-te bem. Paulo traz uma aplicao do princpio: a cada um o seu, segundo a lei existente. A doutrina de Paulo no implica apenas um reconhecimento sem reservas do Direito positivo do Imprio Romano e da autoridade estabelecida desse Estado; a justificao mais elevada possvel de qualquer Direito positivo e de qualquer autoridade de Estado estabelecida, e, portanto, do princpio da retribuio como uma
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manifestao da vontade de Deus. A IDIA MSTICA DE JUSTIA DE PAULO A interpretao de Paulo da justia do amor. Aps insistir na obedincia incondicional lei do Estado e de, assim, reconhecer a retribuio como o princpio da justia, Paulo afirma: no devas nada a ningum exceto o deve do amor mtuo, pois quem quer que ame seus semelhantes, satisfaz plenamente Lei. Paulo questiona se esse amor compatvel com a Lei baseada no princpio da retribuio: errado em Deus estou usando termos humanos comuns infligir castigo? E responde: de maneira nenhuma! Pois como ele poderia julgar o mundo? (Romanos 3, 5). Nas cartas de Paulo, a vingana, a raiva e a ira de Deus no so mencionadas menos vezes que o amor de Deus. Paulo repete o ensinamento de Jesus: no pagueis o mal com o mal, no te vingues; mas acrescenta, deixa espao para a ira de Deus, pois a Escritura diz, A vingana a mim, eu me vingarei, diz o Senhor (Romanos 12, 17 ss). E, imediatamente aps proclamar a justia do amor, ele apresenta sua doutrina de que as autoridades estabelecidas do Estado so institudas por Deus e, assim, deve ser considerada a vontade de Deus que os malfeitores sejam punidos por essas autoridades. A espiritualizao do Reino de Deus no ensinamento de Paulo. Ao contrrio de Jesus, Paulo, ao reconhecer a autoridade legal do Imprio Romano, no podia sustentar a crena no Reino de Deus como restaurao do Estado judeu estabelecido neste mundo. O Reino de Deus tinha de ser transformado em uma ideologia puramente religiosa e apoltica por meio de sua transferncia desse mundo para um mundo transcendental, de modo que parecesse inofensivo para a polcia romana. Essa espiritualizao do reino de Deus e, especialmente, do elemento mais essencial, a ressurreio dos mortos, a contribuio mais importante de Paulo crena crist. Paulo ao explicar a ressurreio diz que existe um corpo fsico, mas tambm um espiritual; mas que no o esprito que vem primeiro, mas o fsico, e ento o espiritual. No um corpo fsico, mas um corpo espiritual que erguido dos mortos, ento a destruio da morte significa a imortalidade da alma e ento o reino de Deus no uma questo do que comemos ou bebemos, mas da justia, da paz e da felicidade por meio da posse do Esprito Santo (Romanos 14, 17). Justia: o segredo da f. A tentativa de Paulo espiritualizar o Reino de Deus certamente no causada apenas pela inteno de evitar um conflito direto com as autoridades romanas. Est intimamente ligada a uma tendncia geral dos sentimentos religiosos de Paulo, sua inclinao para o irracionalismo e o misticismo. Ele estava inteiramente consciente da contradio entre o princpio da retribuio e o princpio do amor. Mas tal contradio existe apenas do ponto de vista da compreenso humana; relevante apenas dentro da sabedoria deste mundo, no dentro da sabedoria misteriosa de Deus. A sabedoria de Deus o que implica a sua justia um mistrio e a f, nada a mais alm da f, permite-nos apreender essa justia. Paulo
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afirma que apenas a f ensina pelo amor e que esse est alm da compreenso humana. Por esse motivo, a justia do amor permanece um segredo. O resultado final do ensinamento de Paulo, que a base da teologia Crist da justia, pode ser formulado da seguinte maneira: existe uma justia humana, relativa, que idntica ao Direito positivo, e uma justia absoluta, divina, que o segredo da f. Portanto, no existe nessa teologia nenhuma resposta questo do que justia, uma questo da razo humana que se refere a um ideal que no necessariamente idntico a todo Direito positivo e que pode ser realizado neste mundo. III. A JUSTIA PLATNICA PARTE I A marca da filosofia platnica um dualismo radical. No um, mas so dois os mundos que Plato enxerga, quando, com os olhos da alma, contempla um domnio transcendente, sem espao nem tempo, da IDIA, da coisa-em-si, da realidade absoluta, verdadeira, do ser sereno, e quando a este domnio transcendente ele ope a esfera espaotemporal da percepo sensria uma esfera de DEVIR EM MOVIMENTO, que ele considera ser apenas um domnio da semelhana ilusria, um domnio em que a realidade um no-ser. Esse dualismo protico, multiforme , na anlise final e no seu sentido mais primitivo, a oposio entre o bem e o mal. Na filosofia platnica, o tico mantm uma posio de importncia inequivocamente primordial. apenas na esfera da tica que o pensamento puro, libertado de toda experincia sensorial, possvel. Esse pensamento , pela sua prpria natureza, voltado para o ideal tico. O objetivo que Plato se esfora em alcanar a partir dos pontos de vista mais diversos e com a maior energia, da primeira ltima de suas obras, o bem absoluto. O bem, contudo, inconcebvel separado do mal. Se o bem deve ser o objeto da cognio, ento a cognio deve tambm reconhecer o mal; e isso verdade na filosofia platnica, que no - de nenhuma maneira- uma doutrina do bem como geralmente apresentada, mas uma especulao sobre o bem e o mal. A idia do bem na representao platnica destaca-se mais claramente que a concepo do mal; as reflexes concernentes ao bem so desenvolvidas com mais fora e clareza que aquelas que tm o mal como seu objeto. Apenas em um perodo tardio de sua criatividade o mal se tornou uma realidade, um ser para Plato, e isso s depois de forado a atribuir ao DEVIR, o representante do mal no dualismo ontolgico, originalmente desqualificado na condio de no-ser, uma espcie de existncia ou ser real. por isso que a concepo original do dualismo platnico sustenta que apenas o mundo da IDIA, que o MUNDO DO BEM, participa da existncia real, ao passo que o MUNDO DAS COISAS, do DEVIR, deve ser considerado como no-ser (esse mundo emprico da realidade sensria, perceptvel, o mundo temporal dos eventos concretos, o mundo do mal, na medida em que est em oposio ao mundo do bem).
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O pensamento que se volta para o verdadeiro ser deve ser colocado acima da percepo sensorial dessa aparncia de ser; a tica deve ter precedncia sobre a cincia natural, para que o bem, o que deve ser, possa ser afirmado como realmente sendo. A viso estabelecida pela cognio cientfica, voltada para a realidade da experincia sensria, isto , para uma explicao do mundo, radicalmente invertida pela viso tica, voltada para o valor e a justificao do mundo. Em geral, o processo de tornar relativa essa oposio fundamental de bem e mal uma das pontes por sobre as quais o pensamento humano passa da tica para a cincia natural. O ponto decisivo nesse processo esse: no apenas o bem, mas tambm o mal concebido como ser, como realidade; consequentemente, a realidade emprica percebida no apenas como mal, mas tambm como bem, como uma mistura de bem e mal. Na concepo platnica original da estrutura do mundo, encontra-se claramente presente uma inclinao para tornar absoluto esse dualismo fundamental de bem e mal. Entre os dois mundos em que se divide todo o universo, Plato pressupe uma oposio implacvel. Por outro lado, h indcios na doutrina platnica de uma tendncia para tornar relativos esses opostos. Assim, v-se na sua obra um dualismo empedernido, que no tolera pontes por sobre as quais a cognio possa passar de um mundo para o outro, e um profundo pessimismo, que nega esse mundo e a possibilidade de conhec-lo, para afirmar aquele outro mundo em ser e saber. extremo porque nega a possibilidade da cincia emprica e proclama como nico objeto de cognio verdadeira o que se encontra alm da experincia. Ao mesmo tempo, ele est obviamente tentando preencher de alguma maneira o abismo entre os dois mundos por meio da introduo de um meio-termo um mediador para a oposio implacvel desses produtos da especulao dualista. PARTE II A atividade intelectual dos grandes moralistas est enraizada na sua vida pessoal num grau muito maior do que nos outros pensadores, porque toda especulao sobre o bem e o mal origina-se de uma experincia moral profunda. O curso da vida de Plato determinado essencialmente pela paixo do amor, do Eros platnico. A imagem da vida de Plato que se pode ver a partir dos documentos deixados por ele no retrata a natureza fria, contemplativa de um erudito que se contenta em olhar o mundo meramente como um objeto de conhecimento. Antes, surge um esprito sacudido pelas mais violentas paixes, um esprito humano em que vive, em ntima e inextricvel unio com seu Eros, uma vontade indmita de poder, de poder sobre homens. Seu objetivo era formar homens e reformar sua comunidade. Assim, no h nada com o qual seus pensamentos mais se preocupem do que com a educao e o Estado.
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Esse Eros a fonte dinmica da filosofia platnica e a natureza do Eros que determina a relao pessoal de Plato com a sociedade em geral e com a sociedade democrtica de Atenas em particular. Do mesmo modo, a explicao de sua fuga do prprio mundo que ele deseja dominar, para melhor modela-lo segundo o seu desejo. Esse Eros, o amor pelos jovens, coloca Plato em oposio sociedade, pois no surge nele como expanso e enriquecimento da vida sexual normal. A natureza de Plato exclui a vida sexual normal. Via de regra, os que amavam belos jovens tinham tambm uma esposa e um filho em casa, como Scrates; mas nenhuma mulher desempenhou qualquer papel na vida de Plato. O casamento, que era envolto por um halo de santidade pela religio grega, e a famlia, que era um elemento fundamental do Estado grego, permaneceram estranhos a Plato, que passou a vida em um crculo de homens. Sentia-se incapaz de cumprir o mais importante dever patritico: o dever de prover o Estado de novos cidados, gerando filhos legtimos; e isso deve ter sido tanto mais doloroso porque sua postura intelectual voltava-se contra o declnio moral da poca e tinha como objetivo o restabelecimento da moralidade ancestral. Fora do domnio da cultura drica, especialmente em Atenas, a pederastia era vista com desprezo; Aristteles estigmatizou-a na sua tica a Nicmaco como um vcio antinatural. Mesmo o direito penal ateniense exibe uma ntida tendncia de oposio pederastia. Em O Banquete e Fedro, Plato defende o seu Eros que ama meninos contra a viso oficial, confessando-o ele prprio, embora apenas na sua forma espiritualizada. Mas esse Eros foi caracterizado pelo velho Plato, em sua ltima obra, como perigoso para o Estado, como a fonte de inmeros males tanto para os indivduos como para Estados inteiros. Isso foi escrito indubitavelmente em uma poca em que Plato se libertara da tirania desse Eros. Como jovem e como homem, ele evitou o conflito aberto apenas por meio do esforo que fez logo desde o incio, com energia inigualvel e grande fora moral, para espiritualizar esse Eros. Plato explica a viso do amor por meninos como o primeiro passo no caminho do conhecimento do bem. Ele despe seu Eros da sensualidade que a sua prpria natureza, sublimando-o completamente sob a presso das vises sociais e de suas prprias convices morais. em O banquete que o filsofo justifica seu Eros, assim justificando-se ao mesmo tempo justificando o prprio mundo. questo de Scrtates quanto real natureza de Eros, Plato faz com que a profetisa Diotima responda: Ele um grande esprito e, como todos os espritos, intermedirio entre o divino e o mortal (...) o medidor que cobre o abismo que os divide e, portanto, nele tudo unido. O que originalmente dividiu o mundo platnico agora une-o novamente. Eros produziu a separao; Eros responsvel pela reunio. Com isso, o dualismo platnico assume um vis otimista. Com a tendncia de tornar relativa a oposio entre bem e mal, a filosofia platnica volta sua ateno para este mundo e almeja um mundo unificado que abranja a natureza. A natureza que ele compreende no
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ser considerada meramente a partir de um ponto de vista tico, isto , como algo que DEVE SER ou NO DEVE SER, mas ser concebida como algo que , porque no mais concebida como absolutamente m e, portanto, como NO-SER, mas como participante em diferentes graus do ser real. Essa nova direo o reconduz sociedade e ao Estado. Plato afirma repetidamente que o Eros que ama meninos, se espiritualizado, uma forma procriadora. Por intermdio da profetisa ele faz saber que os mais belos filhos propagados pelo seu Eros espiritual incluem no apenas a poesia e as obras de escultura, mas tambm as artes da ordem social, das constituies, das leis e das obras da justia. Esses so, pois, os filhos que seu Eros desejava: as melhores leis, a ordem justa do Estado, a educao correta da juventude. Revela-se aqui de maneira mais clara a conexo ntima que existia entre o Eros platnico e sua vontade de poder sobre homens, entre suas paixes erticas e pedaggicas. PARTE III O estudo recente de Plato abalou a crena de que ele era um filsofo terico que tinha como objetivo o estabelecimento de uma cincia rigorosa. Hoje, sabe-se que Plato era por temperamento mais um poltico que um terico. Considerando que a sua vontade poltica tica era inteiramente fundada na metafsica, e, consequentemente, expressa em uma ideologia religiosa declarada, suas obras do a impresso no tanto de um sistema erudito de cincia moral, mas de uma profecia do Estado ideal. Na sua obra Epstola VII, Plato confessa que seu real desejo, da juventude em diante, foi a poltica, e que esperou toda a sua vida pelo momento oportuno para agir. O seu desejo mais ardente o domnio do Estado. Para ele, o poder deve residir na nica filosofia verdadeira, na nica que conduz ao conhecimento da justia e torna legtima a pretenso de domnio: a filosofia platnica. A Academia que Plato fundou logo aps seu retorno da primeira viagem que fez para a Siclia (Academia Platnica) foi especialmente incentivada pelos crculos aristocrticos. Consistia em uma comunidade fundada na religio platnica e no Eros platnico. particularmente na funo poltica da Academia, no seu carter como preparao para a vocao estadista, que se reconhece o seu objeto primrio. As tendncias decidiamente antidemocrticas e aristocrticas da Academia fizeram dela um baluarte do pensamento reacionrio: mas ela no era apenas o centro de educao de polcos conservadores era, igualmente, o centro da atividade poltica. A postura da Academia Platnica correspondia posio intelectual fundamental de Plato, para quem a educao era a compensao para a poltica e a escola a virtual clula do Estado ideal. Voltava-se nem tanto para a cincia exata como para a especulao tica e mstica. Assim, foi a escola corretamente denominada seita metafsica. Plato recorre mais e mais a mitos quando deseja explicar o que considera essencial. Nenhum homem de cincia faria isso. Ele descobre
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considera essencial. Nenhum homem de cincia faria isso. Ele descobre algo mais elevado e mais importante que a teoria exata junto ao seu corao e, ao tentar dar-lhe expresso, fala mais com palavras profticas obscuras, como um vidente do mundo alm, do que como um cientista do mundo. H um significado profundo no fato peculiar de Plato nunca surgir como o representante das opinies desenvidas nas obras que levam o seu nome; ele apresenta essas vises por meio da pessoa de Scrates, depois por meio de outro, o Estranho Ateniense. Esse o verdadeiro motivo da escolha dos dilogos. Sem dvida essa forma literria atraa sua natureza dividida, dilacerada como era por um conflito trgico. Ora, quem poderia sentir mais agudamente que Plato a necessidade de dar ao adversrio, alm de a si mesmo, uma oportunidade de falar? Ele tinha esse adversrio no prprio peito, e apenas permitindo que falasse podia livrar-se desse conflito interior. Assim, descobriu nesse tipo de apresentao uma escapatria possvel da necessidade de identificar-se com qualquer teoria. Plato , pois, um poeta no sentido de que se preocupa pouco com o que dizem seus personagens; se suas declaraes so mais ou menos verdadeiras questo de pouca importncia para ele. Aquilo a que Plato d suprema importncia o efeito produzido por essas falar. Ele realmente um dramaturgo, exceto pelo fato de o efeito por ele desejado no ser esttico, mas de natureza religiosa e moral. A cincia, para Plato, assim como para os pitagricos, apenas um meio para um fim.
Conhecer o mundo, seja como natureza, seja como sociedade, um fim inteiramente diverso daquele de determinar o mundo pela vontade, de form-lo ou reform-lo, de educ-lo ou domin-lo. uma lei vital de todo conhecimento puro que ele seja desenvolvido por si s. Essa lei aplica-se especialmente s cincias sociais, pois quando essas cincias so colocadas a servio da poltica elas no mais servem o ideal de verdade objetiva, mas devem tornar-se uma ideologia de poder. Quo grande era a tendncia da filosofia platnica nessa direo indicado pela concepo de verdade de Plato, a verdade platnica, to caracterstica que, juntamente com o amor platnico, pode ser tomada como elemento essencial do pensamento platnico. PARTE IV Plato diz que no Estado ideal (que o Estado governado pela filosofia platnica), o governo deve usar algumas fraudes e engodos para o bem-estar dos governados. Exemplo (regulamentao estatal do controle de natalidade): os casais selecionados sob orientao estatal para o propsito de propagao devem ser enganados para que no se considerem meramente instrumentos nas mos do governo. Devem acreditar que o destino (por meio de sorteio) designou-os uma para o outro. O interesse do Estado, para Plato, est acima de tudo em importncia at mesmo acima da prpria verdade. Os fins justificam os meios destaca-se claramente como um princpio da teoria poltica platnica; e
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essa mxima uma consequncia direta da primazia assumida pela vontade sobre o conhecimento, da justia, sobre a verdade. No dilogo As Leis, Plato faz um grande nmero de propostas
surpreendentes. Para engendrar e garantir uma postura adequada por parte dos cidados, prope dividi-los em trs coros: um para meninos, outro para jovens e um para velhos. Ser exigido desses coros que cantem as canes prescritas pelo governo, que devem incorporar ensinamentos teis ao Estado acima de tudo, devem proclamar o ensinamento de que a justia conduz felicidade e a injustia infelicidade. Assim, a crena na verdade desse ensinamento propagada. concebvel que haver oposio a esse programa da parte dos velhos, pois com o avanar dos anos natural que sintam relutncia para cantar e danar. Assim, ser necessrio providenciar para que os membros do terceiro coro sejam induzidos embriaguez, sob a direo de um funcionrio do governo, assim eles podem ser manejados facilmente como crianas. Plato formula o famoso smile dos homens como fantoches nas mos da divindade, do operador divino do espetculo de fantoches. De modo similar, o governo, que o representante da divindade, pode manipular os fios enquanto se mantm to invisvel quanto pode. A nica justificatica desse procedimento que isso contribui para os melhores interesses do homem e apenas desse modo a justia pode realizar-se. Plato faz outras propostas que visam obrigar a cincia, a poesia e a religio, na sua funo de produtoras de ideologia, a servir o Estado. Talvez no seja surpreendente descobrir que Plato como poltico ou terico da poltica adote uma posio similar do pragmatismo, que declara que o que til para o Estado e, portanto, constitui a justia, constitui igualmente a verdade. No se pode, porm, escapar impresso ocasional de que Plato, em sua capacidade de epistemologista e psiclogo, est fazendo a ressalva de uma possvel dualidade da verdade, embora no diga diretamente. De que outra maneira podemos explicar o fato de desenvolver, por um lado, sua teoria das idias com uma pronunciada tendncia monotesta e, ao mesmo tempo, afirmar a religio oficial do povo, que, com sua multiplicidade de deuses, era inteiramente incompatvel com esse monotesmo? A inclinao , antes, admitir que Plato estava bem consciente dessas contradies em sua doutrina, que elas representavam para ele graus diferentes de verdade, anlogos aos diferentes graus do Eros. Ele considerava, assim, a verdade poltico-religiosa mais importante e, portanto, ela ocupa uma posio de primazia diante da verdade racional. PARTE V Os dilogos escritos por Plato na juventude, enquanto ainda estava sob a influncia de Scrates, nos quais trata direta ou indiretamente do problema da justia, perdem-se em uma anlise estril de conceitos, em tautologias vazias.
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Caracterstico desse perodo inicial de Plato o Trasmaco, obra provalmente iniciada antes da primeira viagem de Plato Siracusa. No foi inteiramente completada, mas incorporou-se posteriormente ao primeiro livro de A Repblica. Essa seo finalmente se encerra com a declarao de Scrates de que, para ele, o resultado de toda a discusso meramente a informao de que ele no sabe nada, pois a questo real e decisiva quanto essncia da justia no foi discutida. Na medida em que no se sabe o que justo, no se pode decidir se o justo ou no uma virtude ou se o homem justo ou no feliz. Quando Plato deixou incompleto o se Trasmaco, encontrava-se no momento decisivo da sua vida, s vsperas de uma viagem Itlia meridional, onde se familiarizou com a metafsica poltica e religiosa da escola pitagrica. Esse pitagorismo tornou-se um novo guia, um guia ao qual permaneceu fiel durante todo o resto da vida. Ele acreditada ter encontrado no Pitagorismo a resposta para a questo mais premente: o mistrio da justia. A essncia da doutrina pitagrica a crena de que aps a morte a alma do homem ser punida pelo mal e recompensada pelo bem. Essa metafsica de um mundo futuro de almas, ou da metempsicose, indica uma doutrina de justia cuja essncia a retribuio. Essa a doutrina apresentada por Plato no dilogo Grgias. As principais teses morais dessa obra so que melhor sofrer a injustia que comet-la, e que melhor submeter-se punio jurdica que escapar dela. Essa crena proftica, de que a justia a retribuo no outro mundo, dominou a obra de Plato desse ponto at a sua morte. A ligao ntima entre as doutrinas platnicas da alma e da justia bvia, no apenas no fato de ele sempre apresentar uma em conjuno com a outra, especialmente na sua obra principal sobre a doutrina da alma, Fdon, mas igualmente nas modificaes pelas quais passa a doutrina da alma. A crena na concretizao da justia no outro mundo compele concepo de uma existncia futura da alma; a necessidade de uma cognio da natureza da justia conduz concepo de uma preexistncia da alma, teoria do conhecimento como reminiscncia do que foi visto pela alma no outro mundo, antes de seu nascimento nesse mundo. E a se encontra o germe da doutrina das idias. O que a alma viu na sua preexistncia so idias e, acima de tudo, a idia de justia. Poderia parecer que, com a frmula da retribuio, Plato teria dado resposta natureza da justia. Entretanto, essa resposta apenas uma resposta aparente; ela no oferece nenhuma informao real quanto natureza da justia. Fundamentalmente ela revela apenas a funo concreta do direito positivo, que meramente vincula o mal do delito ao mal da sano como sua consequncia. Ela reflete apenas a estrutura externa da ordem social existente, que uma ordem coercitiva. Essa ordem justificada pela representao do mecanismo de culpa e punio como um caso especial de um princpio geral que como vontade da divindade a lei da retribuio. Considerado por si mesmo, o conceito de retribuio to vazio quanto o de igualdade, que geralmente considerada a caracterstica da
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justia. Na verdade, a retribuio ela prpria uma frmula de igualdade, j que no faz nada mais alm de que o bem ser para os bons, o mal para os maus, o semelhante para os semelhantes. Mas o que o bem, o que exatamente a natureza desse bem do qual o mal deve ser a negao? A questo quanto natureza da justia resume-se questo quanto natureza do bem. O bem , assim, a substncia da justia, e por esse motivo Plato identifica-os frequentemente. Ento, a justia, na medida em que se refere a assuntos terrenos, o Estado, que funciona como o aparelho coercitivo da retribuo. o Estado que deve garantir o triunfo do bem sobre o mal neste mundo. Portanto, parece que a obra chamada "A Repblica" tem como objetivo fornecer uma resposta para a questo da substncia da justia. O seu ponto central est na explicao do problema do bem, e por esse motivo que a culminncia dessa obra sobre o Estado a teoria das idias, a maior das quais parece ser a idia do bem. O que realmente o bem, porm, no se descobre nesse dilogo, que se restringe afirmao de que o bem existe. Assim, a construo do Estado ideal que Plato delineia em "A Repblica" no uma soluo dos problemas materiais referentes natureza da justia. um equvoco supor que o relato platnico do Estado verdadeiro oferea o plano acabado de uma ordem estatal. Na vida da sociedade, ele exibe apenas as condies de organizao sob as quais a vida presumivelmente ir se moldar para os fins da justia, mas no explica essa vida justamente regulada, nem indica a multiplicidade das normas que regulam as relaes humanas e que constituem elas prprias a essncia da justia. No se encontra nenhuma norma geral para regulamentao da vida do povo, que se submete s duas classes reinantes (filsofos e guerreiros). Tudo deixado s decises individuais do governo, que composto de filsofos, que, por causa de sua educao, conhecem e, portanto, querem o bem. Mas em que consiste esse bem que deve realizar-se no governo? Qual a substncia dos atos de governar? Apenas da resposta a essas perguntas pode-se apreender a natureza da justia. O prprio Plato diz que a descrio da diviso tripartite do organismo social como constituio do verdadeiro Estado no dever, de nenhuma maneira, ser considerada uma resposta questo da natureza da justia. Isso demonstra a peculiaridade de seu mtodo, o adiamento contnuo da soluo de problemas. Plato tem conscincia desde o incio de que a tentativa de alcanar a natureza da justia por meio de uma analogia entre Estado e indivduo no ser bem-sucedida, pelo menos no completamente. realmente esse o caso. Depois de estabelecido o paralelo e encontradas as trs partes da alma que correspondem s trs partes do Estado, poder-se-ia crer que a resposta questo da justia bvia, embora no particularmente significativa. Essa resposta seria que as trs partes da alma (racional, espiritual e aquela onde residem os apetites) cada uma delas exercer a sua prpria funo e nenhuma outra. Segue-se, assim, uma comparao da justia com o bem-estar da alma, o que nada mais exprime alm da constituio correta da alma, e, portanto, no
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esclarece a analogia entre as constituies da alma e do Estado. Aps se desviar um tanto longamente do tema devido, Scrates retorna a sua observao de que, na verdade, necessrio um caminho mais longo e detalhado para que se compreenda a natureza da justia. Assim, em uma etapa de certo modo avanada do dilogo (presente no livro "A Repblica"), o conhecimento que foi at ento alcanado quanto natureza da justia novamente negado. Mal uma resposta para a questo parece ter sido encontrada, a posio atingida abandonada; o resultado obtido rejeitado como inexato ou errneo, e o fim novamente adiado. Plato deixou a natureza do bem em si nesse estado insatisfatrio no apenas para o presente, mas para a eternidade, e no apenas em "A Repblica", mas em todos os outros dilogos. Ele nunca responde questo. Esse mtodo tem como propsito a elevao do objeto da discusso, a justia, a um grau de divindade, para que a questo quanto sua natureza essencial possa ser evitada. O bem e o mais elevado entre todos. O que , e do que composto, qual o seu critrio, como pode ser reconhecido nas atividades humanas ou na ordem social, e, portanto, qual a sua natureza decisiva para a teoria e a prtica social - essas questes permanecem sem resposta. O filsofo que governa no Estado ideal conhece o bem. Os outros devem se contentar em adorar e obedecer. Considerando o que Plato disse em "O banquete", em "Fedro" e, especialmente, na "Epstola VII", deve-se representar a viso da idia suprema do bem como um ato intuitivo de sbita iluminao que ocorre em um momento de xtase. O conhecimento interior possvel apenas para uma pequena elite, talvez apenas para uma nica pessoa escolhida por Deus. Tal pessoa elevada acima dos outros homens porque sua experincia particular o aproxima da divindade. Essa experincia religiosa derivada de um sentido interior to raro no pode ser expressa racionalmente em conceitos como pode a experincia dos outros sentidos; tampouco pode ser comunicada a outros. Aqui, torna-se evidente que Plato no pode oferecer nenhuma resposta questo do bem absoluto. Assim, podemos compreender a afirmao paradoxal de Plato na "Epstola VII" de que no h escritos seus sobre essas questes, nem haver, pois isso no admite expresso verbal como outros estudos. O segredo da justia no pode ser revelado, nem mesmo nas leis do melhor dos legisladores. A concluso final da sabedoria platnica, a resposta oferecida questo formulada vezes e vezes ao longo dos dilogos, ou seja, a questo da natureza da justia, esta: trata-se de um mistrio divino. Na verdade, o ensinamento de Plato um misticismo genuno em seu ponto mais decisivo, pois a viso do ser supremo inexprimvel - uma experincia que no comunicvel, e no o produto da considerao racional. Quem viu o bem, o escolhido, o objeto da graa, isolado dos muitos que no contemplaram nem podero jamais contemplar essa viso. Justamente no ponto da filosofia de Plato em que se espera uma
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soluo objetiva, surge uma mera frmula para a salvao pessoal. Como filsofo governante tem um conhecimento do bem divino e o possuidor exclusivo desse segredo, ele inteiramente diferente dos outros homens. A massa do povo, que no tem nenhum direito poltico, no tem outra escolha, seno acreditar na sabadoria e na graa do governante. Essa crena o fundamento da obedincia incondicional dos sujeitos sobre a qual a autoridade do Estado platnico repousa. O misticismo platnico, a mais completa expresso do irracional, a justificao da sua doutrina poltica anti-democrtica; a ideologia de todas as autocracias.
IV. A DOUTRINA DA JUSTIA DE ARISTTELES I Aristteles tenta desenvolver, na tica, sua filosofia moral. Partindo de uma filosofia fundamental da realidade e do ser, que apresenta uma filosofia geral em suas determinaes mais gerais do ser. Preocupa-se com a realidade das propriedades e relaes do ser como tal, ocupa-se daquilo que e no daquilo que deve ser. Porm, faz a ressalva de que a cincia dos princpios e das causas iniciais do que coincide com o que deve ser. Aps, abandona este dualismo e estuda a finalidade das aes. Toda ao deve ter como objetivo o bem; seja o bem em particular, ou o Bem supremo; este ltimo como um bem geral, que definido pela cincia dos princpios e das causas iniciais. E, desenvolve um estudo sobre a tica ligada ao bem. A filosofia da natureza fundamental do ser estudada por Aristteles como o objetivo de definir o bem absoluto que todas as aes devem estar voltadas, e, este bem absoluto a causa e o fim de todas as aes que se concretiza em Deus. Deus um conceito a ser estudado que se divide no antagonismo de mvel (o domnio da natureza), e imvel (teologia ou como o conhecimento de Deus). A teologia como metafsica coloca-se acima de todas as cincias. A metafsica aristotlica exibe uma clara tendncia de personificar seu primeiro princpio, apresentado como motor imvel e o bem absoluto. A vida, a felicidade e a atividade so atribudas a ele... O autor se refere ao pensamento que Aristteles passou a desenvolver para explicar o bem absoluto (o bem imvel). Aristteles refletia da seguinte maneira: um motor ou uma fora inicial com uma fora em si mesmo, movimenta os demais motores ou foras, que ganham fora somente a partir da fora inicial, a fora inicial que compreende o bem absoluto que gerar os demais movimentos e transformar as demais coisas. Assim Deus em relao aos seres, compreende um bem absoluto, e como j dito, tem a vida, a felicidade e a atividade e possui esses elementos sempre, enquanto possumos esses elementos por alguns momentos. Ainda afirma, que Deus pensaria somente em coisas divinas que so boas, e por isso pensaria somente Nele mesmo o tempo todo, o que equivale a uma tautologia (redundncia) vazia. H trs verses da tica para Aristteles: tica a Nicmaco, a tica a
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Eudemo e a Grande tica. Aristteles inicia a sua tica afirmando o bem aquilo a que todas as coisas visam, o que quase idntica a tese principal da Metafsica o fim para o qual se faz cada ao o bem, o bem em cada caso particular e, em geral, o bem supremo em toda a natureza, porm a metafsica defende que bem: o bem para o homem. Plato defende a idia de que h um bem absoluto em outro mundo. J Aristteles rejeita a idia de Plato para a tica e afirma o bem no um termo geral que corresponde a uma nica idia. E ainda, Aristteles afirma que se o bem algo que existe e separadamente absoluto ento nunca ser alcanado pelo homem, porm este bem que se busca agora est ao alcance do homem, que ser buscado instintivamente e dificilmente ser retirado dele. Desenvolvendo o pensamento sobre o bem Supremo afirma que este Bem a felicidade que parecer uma verdade incontestvel, da qual s se pode confirmar com um relato explicito. E o autor afirma que a felicidade pode ser identificada como uma virtude. Seu ponto de partida o desejo humano, e afirma; A felicidade buscada pelo homem o estado inalcanvel de satisfao completa de todos os desejos da mente. Essa felicidade atingida como uma recompensa pela virtude. Se voc virtuoso e se conduz como se deve conduzir ento ser feliz. E, por fim coloca que a verdadeira felicidade nada mais do que a prpria virtude, desde que seja uma virtude voltada para o bem. Se a virtude for do homem mau a felicidade ser apenas aparente, enganadora e falsa. Ele rejeita a idia de que a virtude o objetivo da vida, pois at dormindo se pode ter virtude, e nesse sentido no se pode afirmar que o homem virtuoso sofra menores ou maiores infelicidades e infortnios. Conclui afirmando que evidente que a felicidade concebida como consequncia ou recompensa da virtude e no como sinnimo ou formas de sentimentos idnticos. Nossa definio concorda com a descrio do homem feliz como aquele que vive bem ou faz bem; pois ela virtualmente identificou a felicidade com uma forma de boa vida ou bem fazer. E a partir desta definio Aristteles concorda com os que pronunciam ser a felicidade virtude, ou alguma virtude particular e faz a seguinte declarao: nenhum homem supremamente feliz pode tornar-se infeliz. Pois ele nunca cometer aes odiosas ou vis, j que sustentamos que um homem verdadeiramente bom e sbio suportar todos os tipos de destino com decoro e sempre atuar da maneira mais nobre que as circunstncias permitirem. Por fim Aristteles retoma a primeira definio de felicidade como: certa atividade da alma em conformidade com a virtude perfeita. II Assim, o bem, o valor moral, humanizado; apresentado como a virtude do homem. Consequentemente, a tica de Aristteles almeja um sistema de virtudes humanas, entre as quais a justia a principal das virtudes, a virtude perfeita A tica no pode ser afirmada com exatido,e o autor reescreve um
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pensamento de Aristteles: devemos ficar satisfeitos se, lidando com sujeitos e partindo de premissas assim incertas (como os conceitos de bem e justia), conseguirmos apresentar um tosco esboo da verdade (...) Aristteles tem a famosa Doutrina do Meio (mestes) em que ele tenta aplicar uma analogia matemtica-geomtrica para solucionar o problema da tica, definindo o que virtude. E faz consideraes importantes sobre a virtude: A virtude um estado mdio entre dois extremos, que so vcios, um o do excesso, o outro o da deficincia. A virtude um estado mdio no sentido de que almeja atingir o meio (...) o excesso e a deficincia so marca do vcio, e a observncia do meio uma marca de virtude. E depois ele explica que o excesso e a deficincia destroem a perfeio, ao passo que a observao do meio a preserva,e s assim para se ter uma obra perfeita. E para utilizar um calculo matemtico-geomtrico transforma a qualidade em quantidade e parte de um ponto comum. E explica a aplicabilidade deste sistema quanto ao valor moral: Ora, de todas as coisas que so contnuas e divisveis, possvel tomar a maior parte ou a menor parte, ou uma parte igual, a essas partes podem ser maiores, menores e iguais de acordo com a prpria coisa ou relativamente a ns, sendo a parte igual a um meio entre o excesso e a deficincia... Porm ele afirma um pouco depois que muito difcil descobrir o ponto mdio de qualquer coisa. E afirma: a quantificao do valor moral, o esquema tripartite de muito, mdio, pouco, a pressuposio essencial de um mtodo matemtico-geomtrico para determinar o bem uma falcia. No domnio dos valores morais no h quantidades mensurveis como no domnio da realidade enquanto objeto da cincia natural. Parte deste ponto para chegar a concluso de como deve ser a norma e os atos em conformidade com ela, com o seguinte raciocnio: A afirmao de que uma conduta humana definida boa ou m, certa ou errada, justa ou injusta, virtuosa ou viciosa, pressupe a assuno de que algo deve ser feito. A afirmao de que algo deve ser feito uma norma. uma maneira de expressar a idia de que algo um fim, no um meio para um fim. um julgamento de valor. E este juzo de valor que dar ensejo a norma. A conduta do homem que est de acordo com a norma, se diz que ele obedece a norma. E ainda ressalta que uma conduta no pode ser muito ou pouco conforme a norma, ou a conduta est em conformidade ou no est em conformidade. Porm afirma que h trs graus ou quantidades de desconformidade: excesso, meio, deficincia; que no se refere a qualidade do valor moral, mas sim a uma realidade psquica. Ele compelido a modificar sua teoria do meio dizendo que a virtude a observncia do meio apenas no que diz respeito sua essncia e definio que formula o seu ser original, mas, no tocante excelncia e correo, um extremo. E as vezes no se tem a conduta como equivalente a qualquer das extremidades. E, portanto, abandona a doutrina do meio (tripartite: dois extremos e um ponto mdio da conduta) e inicia a teoria bipartite (bem e mau,
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A doutrina do meio deixa a impresso de que a conduta ou est de acordo com a norma ou no est de acordo, porm no leva em conta que no sistema h vrias normas e que muitas vezes a conduta est inteiramente de acordo com uma norma, mas em conflito com outra norma, para ter a conformidade com a norma observa-se a aplicao do princpio da proporcionalidade. E desse modo fazendo uma analogia pode-se afirmar que a virtude a disposio dos homens que em conformidade com a ordem moral. Esse o verdadeiro significado da afirmao de que a virtude a observncia do meio relativo ao homem. A mestes pretende estabelecer de modo peremptrio o valor moral, mas deixa este nus para a autoridade da moralidade positiva e do direito positivo (ordem estabelecida) definir o valor da moral. III Este terceiro tpico discorre sobre a justia e segundo ele a principal das virtudes. No que diz respeito justia e injustia (dikaiosne e adika) temos de investigar de que espcie de aes elas precisamente se ocupam, em que sentido a justia a observncia de um meio e quais so os extremos entre os quais o que justo um meio. Nossa indagao pode seguir o mesmo procedimento que as nossas investigaes precedentes. E coloca dois conceitos de justia: a legitimidade e a igualdade. Coloca a legitimidade como um conceito mais amplo (genrico) e a igualdade como um conceito mais restrito (especifico). E completa a idia com o seguinte raciocnio Vimos que o violador da lei injusto e o homem respeitador da lei justo. claro, portanto, que todas as coisas legtimas so justas em um sentido da palavra, pois o que legtimo decidido pela legislao, e as diversas decises da legislao chamamos regras de justia. E completa: Ora todos os pronunciamentos do Direito visam ou ao interesse de uma classe dominante determinada pela excelncia, ou de outra maneira semelhante; de tal modo que, em um dos seus sentidos o termo justo aplicado em qualquer coisa que produz e preserva a felicidade, ou as partes componentes da felicidade, da comunidade poltica. E por fim o autor coloca: o que equivale a um glorificao incondicional do direito positivo. A justia da igualdade dividida em dois tipos a distributiva e a corretiva. A justia distributiva aquela aplicada para distribuio de riqueza, honra e bens divisveis (justia social). Visa a justia social, tem o objetivo de implementar a isonomia com a aplicao do princpio da proporcionalidade, se concede a tutela social de igual modo aos indivduos que se encontrem socialmente iguais, sendo irrelevante as caractersticas do indivduo. Por conseguinte a indivduos em iguais situaes devem ser concedidos direitos idnticos, sendo esta regra justa em qualquer situao. E, finaliza com o princpio suum cuique, a cada um o seu, ou a cada um o que lhe devido. J a justia corretiva exercida pelo juiz ao solucionar lides. a
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retribuio pelo ato, visa recompor a igualdade de direitos, atravs dos princpios da reciprocidade e da proporcionalidade. E coloca o juiz ideal, por assim dizer, a justia personificada. E divide as transaes em voluntrias (civil) e involuntrias (criminal). A justia corretiva exige que o servio e o contra servio que constituem a permuta sejam iguais. A mesma igualdade prevalecer entre crime e punio. Porm se pergunta qual a retribuio (para o contra servio) ou qual a punio (para o crime) adequada? Ele tenta responder com uma formula matemtica-geomtrica: O injusto sendo aqui o desigual, o juiz esforase para igualar (a desigualdade) (...) o juiz esfora-se para torn-las (as duas partes da linha) iguais por meio da pena ou perda que impe, subtraindo o ganho. A igualdade se restaura observando-se que o igual uma mdia pela proporo aritmtica entre o maior e o menor. A igualdade deve prevalecer entre a retribuio ou punio. Servio e servio de retribuio tm de ser igualados, j que, em si, no so e no podem ser iguais, no sentido de que duas metades de uma linha o so, assim como o crime e a punio no podem ser iguais nesse sentido. por isso que Aristteles finalmente obrigado a renunciar a sua frmula matemtica, segundo a qual a igualdade estabelecida pela justia corretiva. E defende que a existncia do Estado depende da aplicao da reciprocidade proporcional, o que deve ser aplicado tambm para a justia corretiva, de modo que deve haver a reciprocidade da justia na base da proporo e no na base da igualdade. De forma que a punio ser igual ao crime e a recompensa igual ao mrito. A retribuio vem dos instintos mais primitivos do homem o desejo de vingana. O que justia, portanto, fica sem resposta, e utiliza o princpio novamente cada um o seu. Para aplicao da teoria do meio ele faz as seguintes ponderaes: A justia um modo de observar o meio, embora no da mesma maneira que as outras virtudes. E o autor explica: Dizer que a justia um meio entre cometer e sofrer injustia uma expresso figurada do julgamento de que a justia no injustia, nem a injustia que cometida nem a injustia que sofrida, as quais porm so ambas a mesma e nica injustia. Partindo deste raciocnio Aristteles tenta buscar uma idia mais substancial de paz, e prefere que os legisladores busquem a paz e no a justia, pois onde a paz prevalece no h necessidade de justia. De forma que a paz tem a sua identificao de justia com Direito. A justia: uma funo do Estado. Pois o Direito a ordem poltica; e o Direito determina o que justo. A justia ser aplicada pelo Estado, que estabelecer uma ordem jurdica, e far determinaes gerais de quem e o que igual. Esse o princpio da justia no sentido de legitimidade ou no sentido de igualdade; essa a igualdade perante o direito essa igualdade mantida por normas gerais, que ser aplicada a casos particulares. Deve-se racionalizar a idia de justia como valor objetivo, de modo que o valor moral de justia seja substitudo pelo valor lgico de nocontradio. Todos os pensamentos sobre justia tentam buscar uma
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contradio. Todos os pensamentos sobre justia tentam buscar uma definio do que justo.
A ordem social que deve justificar a validade do Direito positivo. Como Aurlio Agostinho, um bispo, que viveu na poca do Imprio Romano numa poca que o cristianismo no exercia o domnio, faz as seguintes afirmaes: Onde no h justia verdadeira no pode haver direito. Pois o que feito pelo direito feito justamente, e o que feito injustamente no pode ser feito pelo direito. Pois as invenes injustas dos homens no devem ser consideradas nem chamadas de leis;. Ainda afirma Agustinho A justia a virtude que d a cada um o que lhe devido, e por conseqncia de seu raciocnio no Imprio Romano nunca houve direito. Porm essa frmula no deve ser levada por absoluta, pois nega a existncia de um Estado que organizou a maior parte da humanidade civilizada, e nega um direito que a matriz de todo o direito moderno.
V. A DOUTRINA DO DIREITO NATURAL PERANTE O TRIBUNAL DA CINCIA I O Direito natural tenta solucionar o conflito entre o certo e o errado das condutas humanas (natureza do homem, da sociedade e das coisas), conforme o que seria, respectivamente, natural ou antinatural. Parte, para isso, da considerao de que a natureza o legislador supremo. Personifica a natureza e subordina o homem autoridade desta. A doutrina do Direito natural pode ter um carter mais ou menos religioso em fases evolutivas: - 1 fase - animismo, onde os seres naturais so considerados animados, podendo prejudicar ou proteger o homem. A adorao se direciona natureza; - 2 fase - monotesmo, a natureza, criada por Deus, manifestao de sua vontade justa e toda-poderosa. Grotius, Hobbes e Puffendorf elaboram raciocnio para justificar as caractersticas do Direito natural como inato e imutvel, pois decorrente de Deus. Paralelamente, o Direito posto pelo homem apenas temporrio e mutvel. Grotius define a lei da natureza como um ditame da prpria natureza racional por meio do qual certos atos so proibidos ou prescritos pelo autor da natureza, Deus. Afirma, ainda, que a lei da natureza, que procede das caractersticas essenciais implantadas no homem, pode ser corretamente atribuda a Deus, porque Ele desejou que tais traos existissem em ns Hobbes declara que a lei da natureza um ditame da razo, mas os ditames da razo so concluses ou teoremas quanto ao que conduz conservao e defesa de si mesmos, ao passo que a lei propriamente dita a palavra do que, por direito, tem domnio sobre os outros. Mas, se considerarmos os mesmos teoremas, tais como expressos na palavra de Deus, que, por direito, comanda todas as coisas, ento sero
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Puffendorf acompanhando Hobbes, diz que se os ditames da razo os princpios do Direito natural devem ter a fora do Direito, a obrigao do Direito natural provm de Deus. Kelsen critica a diferena essencial entre as leis da cincia e a moral e o Direito. Na cincia, os fenmenos se relacionam por causa e efeito: o calor dilata o corpo metlico. J na tica e no Direito e na moral, tem-se que se A existe, B deve existir: se um homem est necessitado, seus semelhantes devem assisti-lo; se um homem comete assassinato, deve ser punido. a diferena entre a causalidade leis da cincia e a normatividade na moral e no Direito. O juzo de valor exercido a partir da norma pressuposta. Se em conformidade a esta, a conduta ser positiva, boa ou correta; do contrrio ser negativa, m ou errnea. No existe nenhuma inferncia lgica a partir do para o deve ser da realidade natural para o valor moral ou jurdico. A diversidade existente entre os sistemas morais/jurdicos varia conforme a vontade de seu autor priorizando bem estar individual ou coletivo, liberdade social ou segurana social tornando os valores relativos, conforme a ordem jurdica ou moral local. Diversamente, o sistema de direito natural nico, pois a autoridade que emite as normas/valores nica, absoluta e transcendental: Deus, cujos valores so absolutos. No entanto, o Direito natural toma as regras deduzidas da natureza como regras do Direito, concebendo a natureza como parte da sociedade. Conclui, ento, que perante o tribunal da cincia, a doutrina do Direito natural no tem nenhuma chance. Mas pode negar a competncia desse tribunal recorrendo ao seu carter religioso. II O dualismo Direito natural e Direito positivo traz outro conflito em si. Se a natureza humana a fonte do Direito natural, ela deve ser fundamentalmente boa. Mas, por outro lado, a necessidade do Direito positivo funda-se exatamente na maldade do homem, que de sua natureza. Hobbes e Pufendorf no caem nesse conflito, pois admitem o homem como mau e entendem o Direito positivo fixado pelo Estado, como autorizao formalista dada pelo Direito natural. a natureza ideal do homem que deduzida do Direito natural. III A validade do Direito positivo ocorre na medida de sua correspondncia com o Direito natural. A admisso entre os autores da possibilidade ou no de conflito entre esses direitos revela uma inferioridade do primeiro em relao ao segundo. Hobbes sustenta impossvel a contrariedade do Direito positivo com a lei da natureza: isto porque o contedo do Direito positivo fixado pelo representante da nao, ou mesmo da interpretao por este. Tratando-se de pessoa nica o monarca-, dificilmente haver contradio entre as leis. Esse Direito ser simultaneamente o positivo
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e o natural.(Identificao do Direito positivo com o Direito natural). A maioria dos autores que defende o Direito natural no nega a possibilidade do conflito entre o Direito natural e positivo; mas tentam provar que ocorrer apenas excepcionalmente. Pufendorf rejeita a impossibilidade das leis civis oporem-se s naturais. Mas esta lei contrria ao Direito natural dificilmente seria aprovada, a no ser que o fim fosse a destruio do Estado. O conflito teoricamente possvel, mas praticamente excludo. Para Pufendorf os princpios gerais do Direito natural esto incorporados ao Direito positivo. Com as divergncias entre os autores acerca da lei da natureza, verifica-se a necessidade de uma medida comum do que deve ser chamado certo e errado. Seria a correta razo, o que deve ser entendido como a razo de alguns homens que detm o poder soberano. o que afirma Hobbes: o Direito no decorre da autoridade dos autores de filosofia moral, mas sim daquela ideia que foi adotada pelo poder soberano e incorporada ao Direito civil, por exemplo. Isto significa que, se um indivduo considera que uma regra do Direito positivo contrria ao Direito natural, no a opinio do indivduo particular, mas a opinio da autoridade competente do Estado que prevalece. Ao discutir se um tirano pode ou no ser chamado ordem pelo povo, Puffendorf diz que : a presuno de justia coloca-se sempre ao lado do prncipe. Ou seja, a presuno que sempre existe de que o Direito positivo o Direito natural. Outra forma de alcanar a identificao entre o Direito positivo e o natural a definio de justia aceita pela maioria dos seguidores do Direito natural: a cada um o seu. Para Hobbes isso pressupe a existncia de um Direito positivo definindo o que de cada um e, conseqentemente, onde no h comunidade nada injusto. A definio de Pufendorf de justia sob o Direito natural a vontade perptua de dar a cada homem o que lhe devido. Acrescenta que algo s devido a algum com base em um direito perfeito se houver a possibilidade de mover uma ao num tribunal humano. Ou seja, a justia definida com o sentido de Direito natural possvel apenas sob o Direito positivo. Embora Pufendorf critique Hobbes, ambos entendem a relao essencial entre o Direito positivo e natural, como a justificao do primeiro pelo segundo. Outro princpio do Direito natural a restrio ao direito de resistncia, quando se admite o conflito entre o Direito natural e o positivo. Para Hobbes essa restrio se d em decorrncia do poder do soberano ter sido conferido pelos prprios homens (lei da natureza). Para Grotius, que admite que se a ordem for contrria lei da natureza ou mandamentos de Deus no dever ser cumprida, afirma que ordem injusta do soberano deve-se antes lhe suportar que lhe resistir pela fora. Pufendorf, que, ao contrrio de Hobbes, entende que o soberano pode causar dano ao cidado, afirma que, em considerao nobreza da posio do prncipe e seus outros benefcios, no interesse dos concidados e de todo o Estado, deve preferir a sua fuga ou
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abrigamento em outro Estado. Admite a defesa pela fora, mas no a permisso aos demais cidados de abandonar a obedincia. Locke aprofunda a questo da desobedincia/resistncia: admite o direito de resistncia quando o uso da fora pelo governo for injusta e ilegtima (contrria ao Direito natural e ao Direito positivo). Surge a questo da competncia para decidir essa questo quando os homens esto ordenados em uma comunidade. Para tanto, apresenta dois pareceres: Portanto, sempre que algum nmero de homens estiver unido em sociedade, de tal maneira que todos tenham renunciado a seu poder executivo da lei da natureza e os cedido ao pblico, ali e s ali haver uma sociedade poltica ou civil.[...] E isso tira os homens de um estado de natureza para um estado de nao estabelecendo um juiz sobre a terra, com autoridade para determinar todas as controvrsias e reparar os danos que possam acontecer a qualquer membro da comunidade; esse juiz o legislativo ou o magistrado por ele nomeado. Quem julgar se o prncipe ou o legislativo agem contrariamente ao seu encargo? Isso, talvez, homens mal-intencionados e facciosos podem propagar entre o povo quando o prncipe apenas faz uso de sua devida prerrogativa. A isso respondo: o povo julgar. Pois quem julgar se o seu encarregado ou o deputado age bem e em conformidade com o encargo que nele repousa, seno aquele que o nomeia e deve , por t-lo nomeado, deter ainda um poder de livrar-se dele quando no cumprir seu encargo? Se isso razovel em casos particulares de homens particulares, por que seria de outro modo nos de maior importncia, em que o bem-estar de milhes est envolvido, e em que tambm o mal, se no evitado, maior e a reparao muito difcil, cara e perigosa? Para Kant, a resistncia de parte do povo ao poder legislativo supremo do Estado no legtima em nenhum caso, especialmente se o poder estiver corporificado em um monarca individual. Para Kelsen. a prerrogativa de interpretao do Direito natural pelas autoridades estabelecidas pelo Direito positivo e a ausncia do direito de resistncia desnatura o Direito natural. Isto porque a funo do Direito natural no era enfraquecer a autoridade do Direito positivo, mas sim fortalec-lo. O carter da doutrina do Direito natural conservador. A adaptao do Direito positivo tendncia reformadora do direito no campo internacional decorre no do Direito natural de forma automtica, mas sim do resultado de ato da autoridade legisladora. Assim, doutrinadores como Benedito Winkler eram contrrios inovaes no campo do Direito, pois o Direito natural e tambm o positivo, jubet bona, prov o bem. IV Cada doutrina de Direito natural estabelece princpios, muitas vezes contraditrios entre si. Hobbes o poder do governo estabelecido em conformidade com o Direito natural , pela sua prpria natureza, absoluto, isto , ilimitado. Contrariamente, Locke o poder supremo em toda a nao no pode ser arbitrrio, pois,
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Locke o poder supremo em toda a nao no pode ser arbitrrio, pois, resultando do poder cedido pelas pessoas em seu estado de natureza, no pode ser transferido em maior grau do que estes possuam. Seria colocarem-se em estado pior que o de natureza. A monarquia absoluta contrria natureza; todos os homens so livres, iguais e independentes por natureza, no podendo ser tirado desse estado sem o seu consentimento. Assim, aquilo que inicia e efetivamente constitui alguma sociedade poltica nada mais que o consentimento de certo nmero de homens livres, capazes de maioria para unirem-se e incorporarem-se em tal sociedade. Rosseau a renncia liberdade equivale renncia a ser homem; tal renncia incompatvel com a natureza do homem incabvel a autoridade absoluta e a obedincia ilimitada. Filmer usando o raciocnio de Hobbes, ope-se a ele: prova que a
democracia contrria lei da natureza, pois impossvel a concesso de autoridade suprema para todo o povo; tampouco o princpio da maioria capaz de sujeitar toda a multido. Deus sempre governou seu povo apenas pela monarquia. Problema atual o princpio da propriedade privada e a justia do sistema jurdico e econmico fundamentado nesse princpio. S se tem conseguido defender o sistema capitalista pelo Direito natural (de Grotius a Kant). Ope-se a isso o fato de a Igreja considerar que Deus deu todas as coisas para todos os homens em comum. Grotius considera que isso somente ocorreu num primeiro momento quando o homem vivia de modo simples e inocente. Posteriormente, o homem se degenerou e a propriedade primitiva comum tambm foi abandonada. Tentando deduzir o direito da propriedade privada a partir da natureza, RICHARD CUMBERLAND escreve que no se pode sujeitar as coisas s vontades contrrias de vrios homens ao mesmo tempo. Assim, e especialmente em se tratando dos homens responsveis por promover o bem comum, deve-se lhes outorgar a propriedade das coisas e dos trabalhos das pessoas com excluso das outras, pelo menos por algum tempo, na medida em que isto necessrio para promover o bem pblico. Esse direito de propriedade individual tambm vem acompanhado do direito de sua inviolabilidade. A distribuio de bens estabelecida em conformidade com o Direito natural pela lei positiva da propriedade justa; ela assegura a maior felicidade possvel. Conseqentemente, qualquer tentativa de mud-la e substitu-la por outro sistema econmico contrria lei natural e, portanto, injusta. Locke argumenta que um dos propsitos essenciais do Estado (Direito positivo) proteger o direito de propriedade, estabelecido pelo Direito natural. Posiciona o direito de propriedade alm do poder do Estado da a limitao deste. Com base no direito de propriedade estabelece o primeiro limitador do poder do Estado: o general tem poder de vida e morte sobre o soldado, mas no pode apoderar-se dos seus bens
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(propriedade mais valiosa que a vida). Todavia, embora no raciocnio de Locke se veja uma slida argumentao no combate ao comunismo, outros doutrinadores do Direito natural tambm indicam que a propriedade privada contrria s leis da natureza e fonte de todos os males sociais (Cdigo da Natureza - Morelly 1755 Paris o comunismo o nico sistema ditado pela natureza). Para Morelly, a lei da sociabilidade significa que a natureza distribuiu as faculdades humanas entre os indivduos, mas a propriedade permaneceu indivisa, assim ningum proprietrio exclusivo. A diviso da propriedade, dos produtos da natureza uma monstruosidade do legislador. Considera a lei da natureza com carter inteiramente religioso. V A influncia da doutrina do Direito natural apesar de todas as suas contradies decorre da necessidade de justificao. A sociologia e a filosofia, embora se oponham doutrina do Direito natural, tambm utilizam a inferncia do para o deve ser. Os destaques da sociologia no sculo XIX so Auguste Comte Cours de philosophie positive - e Herbert Spencer Principles of Sociology. Suas obras so caracterizadas por confundirem a descrio e a explicao da vida social concreta com a proclamao de postulados normativos, de enunciados sobre a realidade social e de juzos polticos de valor. Ambos os autores partem da suposio de que a vida social dos homens determinada por leis causais e sob a influncia da teoria da evoluo orgnica (Lamarck e Darwin). Chegam teoria fundamental da evoluo que indicaria o progresso permanente da humanidade (permitindo explicao do passado, presente e previso do futuro). Em ambos o estgio mais elevado coincide com o ideal poltico, deduo esta que parte da lei fundamental da evoluo progressiva, tal qual se deduz a lei correta da natureza no Direito natural. A suposio que a evoluo social progressiva implica que um valor social imanente realidade social (pressuposto caracterstico do Direito natural). Mas um valor no pode ser imanente realidade, pois altamente subjetivo e no objetivamente averiguvel como a realidade. O resultado atingido por Comte diferente do atingido por Spencer como efeito necessrio da evoluo. Para Comte trs so os estdios sucessivos da evoluo: o teolgico, o metafsico e o positivo. Importa apenas o terceiro estgio, resultado necessrio da evoluo social e Estado ideal da sociedade. Seus aspectos lembram em muito os aspectos da Repblica de Plato, principalmente por partir do dualismo fundamental de vida especulativa atividades filosficas ou cientficas e estticas ou poticas e a vida prtica atividade industrial. Comte supe como lei fundamental a prioridade do mais simples sobre o mais especial e complexo, prevendo que no futuro haver uma prevalncia da vida especulativa sobre a vida ativa. A autoridade do governo poltico governo temporal - se preocupar predominantemente com a vida ativa, enquanto a autoridade espiritual se incumbir predominantemente da educao
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moral e intelectual. Compreende assim que a diferena entre a funo do capitalista e do trabalhador se deve ao fato de a primeira ser mais abstrata e geral, enquanto a segunda mais concreta. Da que, chegarse- a compreender que a relao de subordinao do trabalhador ao capitalista no por abuso da fora ou riqueza e sim decorrente da divergncia entre a natureza das funes. A subordinao , portanto, to arbitrria quanto mutvel. A sociedade futura no se fundamentar como afirmam os seguidores da doutrina do Direito natural- na ideia de direitos, mas no princpio do dever. Os direitos de um resultaro dos deveres dos outros para com ele. No haver distino entre funo pblica e privada Comte vago quanto ao sistema econmico na sociedade futura, mas admite os capitalistas como depositrios da riqueza da sociedade. A autoridade especulativa ter a funo de rbitro nos conflitos, devido a seu valor superior e de imparcialidade. Espera tambm a paz mundial e o estabelecimento de uma repblica europia ou ocidental como decorrncia da evoluo social determinada pela lei fundamental da evoluo. A humanidade encontra-se agora no limiar da vida plenamente positiva, cujos elementos esto todos preparados e apenas espera de sua coordenao para formar um novo sistema social, mais homogneo e mais estvel do que a humanidade at hoje experimentou. Spencer tambm parte da lei da evoluo progressiva. Classifica as sociedades em simples, compostas, duplamente compostas e triplamente compostas. Tambm podem ser agrupadas como militantes ou industriais. Militantes: na sua forma desenvolvida organizada sobre o princpio da cooperao compulsria; caracterizado pelo poder central desptico e pelo controle poltico ilimitado da conduta pessoal; os membros existem para o benefcio do todo; a sujeio absoluta autoridade a virtude suprema e a resistncia a ela um crime. Industriais: na sua forma desenvolvida organizada sob o princpio da cooperao voluntria; caracterizada por um poder central democrtico ou representativo e pela limitao do controle poltico sobre a conduta pessoal; a vontade dos cidados suprema, o agente governante existe apenas para executar sua vontade. O poder regulador alm de subordinado tem alcance restrito. Resistir ao governo irresponsvel e aos excessos do governo responsvel DEVER. H tendncia a desobedincia pelas minorias de legislao quando interfere de certas maneiras, bem como a desobedincia s leis inquas pode causar sua abolio. A transio do tipo militante para o tipo industrial representa a da escravido para a liberdade, da autocracia para a democracia, do estatismo para o liberalismo poltico e econmico. esta a tica evolucionista de Spencer. Ele parece considerar que a vida humana o fim ltimo. Assim, se a ao humana boa, ela apta a conseguir a preservao da vida a evoluo tendendo para a autopreservao. Elabora trs etapas da evoluo: autopreservao, preservao da prole
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Elabora trs etapas da evoluo: autopreservao, preservao da prole e preservao dos semelhantes. E a conduta boa surge daquela que cumpre todas as trs classes de fins ao mesmo tempo. A evoluo foi um erro? frase caracterstica da tica sociolgica evolucionista. Spencer responde que no foi um erro. Junto com o pressuposto da vida humana como valor supremo da sua filosofia moral, coloca a liberdade individual. Assim, a vida humana correta deve ser preservada, ou seja, quando a vida estiver em conformidade com a lei da liberdade igual. Esta lei se resume em: todo homem livre para fazer o que quiser, contanto que no infrinja a igual liberdade de algum outro homem. E, como o homem no livre porque como parte da natureza est vinculado lei da causalidade, a liberdade igual de Spencer pode se restringir apenas liberdade moral-poltica (deduz como o Direito natural, da realidade natural e social, normas moral-polticas.) Do direito igual de liberdade Spencer deduz direitos concretos, tais como o direito integridade fsica, o direito ao livre movimento e, especialmente, o direito propriedade individual, que, como Spencer expressamente declara, implica que o comunismo uma violao da justia. Para ele a funo do Estado e do seu Direito positivo apenas manter os direitos estabelecidos pela natureza. O carter de Direito natural desse tipo de sociologia evidente. A lei da natureza ou implica uma norma social. Essa sociologia permite a Comte justificar um programa poltico altamente coletivista, e a Spencer, um programa poltico radicalmente individualista. VI Principais representantes da filosofia da histria no sculo XIX: G.W.F. Hegel e Karl Marx. Hegel diz que a razo governa o mundo e esta razo implica a moralidade, cujas leis so o Racional Essencial. A histria do mundo o curso necessrio racional do Esprito do Mundo. Ou seja, o Esprito do Mundo a personificao da razo. Desse modo, a histria a realizao da vontade do Esprito do Mundo, e as aes do Estado e dos indivduos so os instrumentos e os meios daquele para alcanar seu objeto. A idia de Hegel de que a razo dirige o mundo uma idia de aplicao da verdade religiosa, pois a considerao de que o plano racional absoluto do mundo controlado pela Divina Providncia. , portanto, uma teologia da histria. Deus imanente e transcende ao mundo, e como sua vontade boa a realidade deve ser considerada perfeita. Sua tese de que o que acontece e aconteceu essencialmente obra de Deus resumida em o Real racional e o racional Real. Real racional: tudo o que existe o racional. O julgamento de uma fase da histria ou de um evento como melhor ou pior que outro, considerando que Deus imanente ao mundo e,
portanto, tudo necessariamente bom, perde seu valor, seu significado. Mas para a teologia na sua condio tica importa distinguir o bem do
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mal. E para a filosofia da histria a diferenciao das fases histricas essencial. E, como a teologia utiliza o diabo como um contra-deus na
interpretao tica do mundo, a filosofia da histria de Hegel consegue o mesmo resultado pela suposio da realidade que no perfeita (manifestada na histria), mas que est a caminho da perfeio. A histria do mundo a realizao progressiva da Razo. Esse progresso que o trajeto do Esprito do Mundo, um progresso necessrio, pois a Razo como Soberana do mundo dotada de poder infinito. Hegel demonstra que sua filosofia da histria uma teologia da histria ao tentar solucionar o problema central desta: como o criador onipotente e absolutamente bom do mundo pode ordenar ou permitir o mal na natureza e na sociedade. Da chamar sua tese de teodicia justificao dos caminhos de Deus. Conclui ento que a histria do mundo a realizao do Esprito do Mundo e que esta a verdadeira Teodicia, a Justificao de Deus na Histria. O conflito na Teodicia ocorre entre a ideia de que a vontade de Deus absolutamente boa e onipotente. Se a lgica for considerada, uma das duas proposies no verdadeira; ou a contradio no pode ser excluda. Para reconciliar sua teologia da histria com a cincia racionalista, Hegel inventa a lgica sinttica da dialtica. Assim, elimina a lei da contradio que impossibilitaria duas proposies contrrias de serem verdadeiras. Tenta fazer crer que a presena da contradio no um defeito do pensamento, que ela parte do pensamento especulativo. Do mesmo modo que as foras opostas da natureza ou da sociedade determinam um terceiro movimento, a contradio tambm que move o pensamento (lei do pensamento e, ao mesmo tempo, dos fatos). Hegel incide na mesma falcia do Direito natural que conclui o dever ser a partir do ser. De sua filosofia: tudo o que existe racional e o Estado absolutamente racional. O Estado a idia tica ou esprito tico realizado, tem direito supremo sobre o indivduo, e este existe apenas por meio do Estado. O indivduo tem sua verdade, sua existncia real e sua condio tica apenas sendo membro do Estado. Segundo a viso religiosa do mundo a natureza uma manifestao (inconsciente) de Deus; para Hegel o Estado a manifestao consciente de Deus. O racionalismo entende que o Estado existe apenas na mente dos indivduos que adaptam sua conduta ordem social, que chamamos de Estado; Hegel entende o Estado como algo mais que a realidade objetiva, pois a realizao do esprito absoluto no domnio da conscincia. A nao como Estado o esprito (divino) substantivamente realizado e diretamente real. Portanto, o poder absoluto sobre a terra. Define, ainda, que a histria do mundo como revelao da autoconscincia do Esprito do Mundo ou como a realizao progressiva da razo, exibe quatro estdios ou pocas sucessivas, e que em cada poca uma nao definida dominante: imprio oriental, depois o grego, depois o romano, seguido pelo germnico. Este ltimo (germnico?) ser a unidade do divino e do humano; a verdade objetiva reconciliada com a liberdade. D-se o nome de princpio nrdico a reconciliao e a evoluo de todas as contradies que se dar neste
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ltimo perodo (germnico) Decorre da filosofia da histria de Hegel o materialismo histrico de Marx. Este utiliza a lgica dialtica de Hegel como instrumento. Todavia, conforme Marx, Hegel entende o processo de pensamento como um sujeito independente, em que o mundo real apenas sua forma externa. J Marx entende a idia como o mundo material refletido pela mente humana. Assim, Hegel um idealista, Marx um materialista. Ambos compreendem a dialtica como evoluo a partir da contradio, esta inerente realidade social. Essa contradio fundamental em Marx. Quanto ao valor, tambm Marx entende este como inerente realidade, mas no identifica pensar e ser, pois para ele a dialtica apenas reflete os processos dialticos na realidade. Esse mtodo deve ser usado para conhecer a dialtica da sociedade. Mas, ao rejeitar a identificao hegeliana de pensar e ser, Marx priva-se da nica possibilidade de justificar - tanto quanto isso possvel sua identificao falaciosa da relao de foras opostas na natureza e na sociedade com a contradio lgica. Kelsen diz da futilidade do mtodo dialtico, pois possibilita a Hegel louvar o Estado e a Marx amaldio-lo. Marx, juntamente com Friedrich Engels, critica o Estado por considera-lo um maquinismo coercitivo, cuja funo manter o domnio de um grupo grupo que em a posse dos meios de produo domina o outro que no tem a posse dos bens de capital. O Estado uma organizao coercitiva com o propsito de manter a represso de uma classe por outra. Com estabelecimento do socialismo abolio da propriedade privada e a socializao dos meios de produo o sistema capitalista e o Estado como instituio social desaparecer. Ele cr que a sociedade comunista do futuro ser uma sociedade sem Estado, a ordem social ser mantida sem a fora, pois ser do interesse de todos. Esta condio ideal da humanidade, embora no ocorra sem revoluo, inevitvel porque o resultado necessrio da lei da evoluo histrica, do processo dialtico da histria. As explicaes precedentes demonstram que a doutrina do Direito natural, quer apresente seus resultados como dedues a partir de uma lei da natureza em termos da jurisprudncia, quer como dedues a partir de uma lei da evoluo em termos da sociologia ou da histria, opera com um mtodo logicamente errado, por meio do qual os juzos de valor mais contraditrios podem ser, e efetivamente foram, justificados. Do ponto de vista da cincia, isto , do ponto de vista de uma busca da verdade, tal mtodo inteiramente destitudo de valor. Mas, do ponto de vista da poltica, como um instrumento intelectual na luta pela realizao de interesses, a doutrina do Direito natural pode ser considerada til. Em seu dilogo, As leis, Plato distingue mentiras que so permissveis e mentiras que no o so. Mentiras so permissveis se forem teis ao governo: assim, ao governo permitido fazer o povo crer que apenas o homem justo pode ser feliz, mesmo que isso seja uma mentira. Pois, se uma mentira, uma mentira til: ela assegura a obedincia lei: Nenhum legislador digno de seu sal poderia encontrar mentira mais til que esta ou mais eficaz no persuadir todos os homens a agir com justia. Que a doutrina do Direito natural, como pretende,
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a agir com justia. Que a doutrina do Direito natural, como pretende, seja capaz de determinar de modo objetivo o que justo, uma
mentira; mas quem considera til pode us-la como uma mentira til. VI. UMA TEORIA DINMICA DO DIREITO NATURAL I A situao intelectual de nosso tempo, resultante das experincias abaladoras das duas guerras mundiais, caracterizada no campo da filosofia social por um renascimento da doutrina do Direito Natural, dirigida contra o positivismo relativista que prevaleceu durante a segunda parte do sculo XIX e a primeira dcada do sculo XX. O elemento essencial da doutrina, que afirma deduzir princpios de justia da natureza em geral e da natureza do homem em particular, a sua viso monista da relao entre realidade e valor (fatos e normas, o ser e o dever ser). Ela sustenta que a realidade e o valor no so como presume o positivismo dualista duas esferas separadas, mas que o valor imanente realidade. Para a doutrina do Direito Natural, os juzos de valor juzos que se referem a esses valores imanentes so to objetivos, isto , verificveis por meio da experincia, quanto os julgamentos sobre a realidade. O positivismo, por outro lado, supe que os juzos de valor so subjetivos e, portanto, apenas relativos, porque no so uma descrio de fatos, mas, em ltima anlise, a expresso de desejos e medos. A doutrina do Direito Natural perdura e sucumbe com a suposio de que o valor imanente realidade. Em estudo intitulado Platos Modern Enemies and the Theory of Natural Law, John Wild entende como Direito Natural, em conformidade com a doutrina tradicional, um padro universal de ao, aplicvel a todos os homens em todas as partes, exigido pela prpria natureza humana para a sua plenitude. A teoria do Direito Natural, segundo Wild, uma tradio realista da filosofia, radicalmente emprica em sua metodologia. Essa doutrina sustenta que as entidades naturais esto em um estado incompleto ou de potncia e que tendem sempre para alguma coisa de que carecem. Ela se fundamenta em uma viso dinmica da existncia que se ope ao atomismo lgico, o qual considera a existncia como composta exclusivamente de unidades plenamente determinadas e atuais. A viso de que a realidade ou a existncia est em fluxo no pode ser rejeitada e, de fato, no rejeitada por uma filosofia positivista. Contudo, do ponto de vista de uma cincia objetiva da natureza, a afirmao de que a realidade est em fluxo nada mais pode significar a no ser que a realidade encontra-se em um estado de mudana permanente. Interpretar a mudana de um estado para outro como a realizao de uma tendncia muito problemtico. Pois tendncia um termo ambguo. Pode significar algo como inteno ou propsito, isto , pode implicar uma viso teleolgica ou normativa, inteiramente incompatvel com uma cincia cuja funo a descrio e a explicao objetiva de fatos. Em tal cincia, tendncia pode significar
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Uma tendncia, que nada mais do que uma mudana provvel de um fenmeno observado, no exige nada. A expanso previsvel de um corpo metlico aquecido no exigida pelo corpo aquecido; tampouco o desenvolvimento de um fruto exigido pela flor ou o desenvolvimento de um ser humano pelo embrio. Todos esses fenmenos so apenas mudanas regulares e, portanto, previsveis. A viso de que uma tendncia, isto do ponto de vista de uma cincia objetiva da natureza -, uma mudana previsvel de um fenmeno observado, exige sua realizao ou sua plenitude equivale viso de que uma causa exige o seu efeito. Isto , apesar da afirmao de Wild no sentido contrrio, uma interpretao teleolgica ou normativa da natureza. Caso aceita a viso de que existem na natureza tendncias imanentes que exigem sua prpria realizao, ento se a mudana esperada pelo observador no se produziu, isto , se a entidade em questo toma um estado diferente do esperado, esse estado tambm deve ser considerado a realizao de uma tendncia. Do ponto de vista de uma cincia objetiva da natureza, que descreve e explica o que (sem pressupor uma norma que prescreva o que deve ser), no h motivo para avaliar uma realizao como boa e a outra como m. Se as flores de uma macieira no se desenvolverem como espera o jardineiro, mas tornarem-se produtos no comestveis, estes, para o botnico, sero o efeito necessrio de certas causas, exatamente como a mais doce ma, e, portanto, a realizao de uma tendncia que to natural ou existencial como a que tem como realizao a fruta comestvel. O fato de que uma mudana esperada o curso normal de mudana significa apenas que regular, isto , em conformidade com uma regra que descreve a conduta atual de entidades existentes. Identificar o curso normal de uma mudana com a bondade apia-se na falcia de confundir dois significados inteiramente diferentes do termo normal: conformidade com uma regra que descreve a conduta efetiva de entidades, e conformidade com uma regra que prescreve uma conduta definida de entidades, isto , uma norma. Trata-se de confuso caracterstica de todas as doutrinas do Direito natural a confuso entre a lei da natureza e a lei moral. Que a mudana esperada seja boa e a anormal seja m so juzos de valor que no podem ser obtidos em uma cincia que descreve e explica a realidade. Esses juzos expressam a relao de uma coisa com as exigncias que no so imanentes a essa coisa, mas criadas por homens, e que, caso se refiram ao estado ou conduta do homem, so apresentadas como normas. II A diferenciao entre o bem e o mal, impossvel em uma descrio e explicao da realidade, essencial a uma doutrina do Direito natural, que tem em vista normas que regulam a conduta humana. Se tentar encontrar essas normas em fatos e como a doutrina dinmica do Direito natural em tendncias imanentes realidade, ela deve diferenciar tendncias boas e ms, ou qualificar a realizao de certas tendncias como boa, e a sua no-realizao como m. Ela deve
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projetar na realidade o valor que pressupe. justamente isto que a teoria dinmica do Direito natural est fazendo. A tese mais fundamental envolvida nessa teoria que valor e existncia, embora distintos, esto estreitamente interligados. Wild diz: Se os valores no existem de alguma maneira, a reflexo tica muito barulho por nada. Portanto, existir, segundo a teoria dinmica do Direito natural, significa o mesmo que ser um fato -, os valores tm de existir da mesma maneira que os fatos. Os principais argumentos que Wild apresenta a favor de sua tese, de que os valores so fatos, so, em primeiro lugar, que lutamos para a sua realizao. A teoria dualista no nega que os valores podem ser realizados, mas isto significa apenas que ocorreu um fato, que, na opinio do observador, est em conformidade com um valor ou uma norma prescrita por ele como vlida. No significa que o fato seja o valor ou a norma, ou que o valor ou a norma sejam um fato de qualquer tipo. O segundo argumento a afirmao de que, se os valores no existem de alguma maneira, a reflexo tica muito barulho por nada, isto , que o dualismo relativista de existncia e valor torna a tica e a justificao moral impossveis; isto conduz ao niilismo moral, ou seja: se os valores no so fatos, no h valores em geral e valores morais em particular, e, portanto, nenhuma ordem moral possvel. Este argumento seria insustentvel mesmo se fosse verdade que no pode haver valores morais ou uma ordem moral, se os valores no forem fatos. O positivismo relativista e dualista no afirma que no existam valores, ou que no exista uma ordem moral, mas apenas que os valores em que os homens realmente crem no so valores absolutos, mas relativos, e que no existe uma, mas que existem muitas ordens morais diferentes, sob cuja validade efetiva os homens de fato vivem e sempre viveram. H uma ligao essencial entre o conceito de valor de o de norma. Uma norma constitui um valor. Da afirmao de que uma norma existe no decorre que ela exista como um fato e, portanto, esteja encerrada na realidade. A afirmao significa apenas que uma norma vlida, que foi criada por um ato humano, e isso significa que a norma o significado especfico de um ato humano. Esse ato existe como fato e pode ser descrito por um enunciado de ser; mas seu significado de que algo deve ocorrer no um fato. S pode ser descrito por um enunciado de dever ser. A viso de que os valores so imanentes realidade ou de que as normas no feitas por homens esto encerradas na existncia fundamenta-se, consciente ou inconscientemente, em uma interpretao teolgica do mundo; ou seja, se as normas no so feitas por um ser humano, ento teriam sido feitas por Deus, o mesmo que fez a realidade. III Ento surge o problema de como distinguir bem e mal como fatos existentes. Para solucionar esse problema, Wild introduz o conceito de plenitude. A informao de que algo, se for completado, bom, e, se no for
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completado, se for privado de algo, mau, tautolgica pois, no conceito de plenitude, o valor do bem e, no de privao, o valor do mal, j esto implcitos. Do ponto de vista da mera da mera descrio e explicao da realidade, todas as entidades so completas tal como so, e, se o estado concreto no qual uma entidade no curso de sua mudana existe interpretado como um estado de no plenitude ou privao, todas as entidades so sempre incompletas ou privadas de algo. Uma criana incompleta porque ainda no um homem, e um homem incompleto porque ainda no velho, e um velho incompleto porque ainda no est morto. Ento existe no apenas uma tendncia para a vida, mas tambm uma tendncia para a morte; e se como a teoria dinmica do Direito natural supe a realizao de uma tendncia boa, a realizao de uma tendncia para a morte to boa quanto a realizao de uma tendncia para a vida. Ento impossvel fundar em tendncias imanentes existncia a norma fundamental que, como veremos mais tarde, a teoria dinmica do Direito natural pressupe, a saber, que a vida deve ser preservada e promovida. Se o valor (ou desvalor) imanente existncia, todas as coisas existentes so boas ou todas so ms. Ento impossvel distinguir na existncia o bem e o mal, porque tanto um como outro coincidem com a existncia. Tal distino possvel apenas se for pressuposta uma norma que prescreva o que deve ser. Apenas ento possvel julgar que uma entidade completa, isto , que o que deve ser; ou que incompleta, privada de algo, isto , que no como deve ser. A teoria dinmica do Direito natural no consegue superar essa dificuldade. At agora a teoria dinmica do Direito natural no produziu nada alm da assero de que existem, na natureza humana, assim como em todas as entidades finitas, tendncias para a plenitude, o preenchimento ou a perfeio, isto , a tese fundamental de sua viso dinmica de mundo, a qual projeta na realidade as normas que pressupe. Esta projeo torna-se evidente pelo fato de que Wild, com base em nada mais alm da assero infundada de que existem tendncia aperfeioadoras na natureza humana, chega concluso: Quando assim compreendidas e expressas em proposies universais, essas tendncias so normas ou leis morais. Segundo a teoria dinmica do Direito natural, o juzo de que uma entidade encontra-se em estado saudvel ou doentio um enunciado sobre um fato observvel, experimentado e, ao mesmo tempo, um juzo de valor. O juzo de que uma entidade viva encontra-se em um estado correto ou saudvel pode, realmente, referir-se a um mero fato, o fato de que as funes vitais dessa entidade no esto impedidas. Se esse juzo implica a idia de que o estado correto ou saudvel bom, ele assume o carter de um juzo de valor, e tal juzo de valor s possvel se o sujeito que julga pressupe uma norma exigindo que esse estado correto deva ser. O estado correto de uma cobra venenosa bom para a cobra, se pressupomos que ela quer viver; mas, para os homens que destroem a vida desses seres para salvar a sua prpria, ele mau. Os homens
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vida desses seres para salvar a sua prpria, ele mau. Os homens pressupem a norma de que a vida humana deva ser preservada.
O carter bom ou mau de um estado no , como sua sade ou sua enfermidade, um fato observvel, experimentado; a conformidade ou no conformidade com uma norma pressuposta pelo observador. Uma identificao correta com bondade especialmente impossvel se bondade significar valor moral, e trata-se de um valor moral almejado pela doutrina do Direito natural. Os valores morais aplicam-se apenas conduta humana; e os termos correto e incorreto referem-se na linguagem usual antes a estados biolgicos que a aes humanas. Se aplicados a aes humanas, podemos talvez dizer que, se um homem, por meio de sua conduta, preserva sua vida, sua conduta correta. A correo de sua conduta um fato observvel; o efeito dessa conduta. Mas a resposta questo de ser boa ou m essa conduta correta depende das normas que pressupomos, no pode ser descoberta pela observao e anlise da conduta. A identificao do fato do carter sadio com o valor moral da bondade, apesar da afirmao de Wild em sentido contrrio, a projeo de um valor subjetivo na realidade objetiva. IV Para sustentar o parecer de que a distino entre um estado sadio e um estado doentio prova que os valores do bem e do mal so imanentes realidade introduzida a distino entre tendncias essenciais e tendncias no essenciais ou acidentais. Isso no coerente pois, em uma de suas verses, a teoria dinmica do Direito natural conhece apenas um tipo de tendncia: a tendncia para a plenitude. Segundo a teoria dinmica do Direito natural, no existem tendncias para o incorreto. O mal o resultado do fato de que uma tendncia deformada ou distorcida e, portanto, permanece em estado privativo ou incompleto. Contudo, na medida em que essa doutrina no responde questo de como distinguir, por meio de uma observao imparcial, fatos distorcidos (e, como tais, maus) de tendncias no distorcidas (e, como tais, boas), ela no fornece esse padro estvel e universal. Esse padro fornecida pela distino mencionada acima, que desempenha um papel decisivo na teoria dinmica do Direito natural, a distino entre tendncias essenciais ou naturais e, que se conformam natureza do homem, e tendncias que no so essenciais ou naturais, mas acidentais. Apenas aquelas constituem, segundo a teoria dinmica do Direito natural, o que comumente designado lei moral, e, consequentemente, so chamadas direitos. Essa distino no compatvel com a viso de que o que existe sempre contm em germe tendncias para o correto, embora essas tendncias possam ser impedidas de atingir o seu objetivo por serem deformadas ou distorcidas. Wild posteriormente caracteriza as tendncias essenciais, isto , naturais, de tal maneira que elas podem ser consideradas inerentes apenas aos seres humanos. Ele diz que existem duas caractersticas distintivas de uma tendncia natural ou essencial: primeiro, ela
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compartilhada por todos os membros da espcie; segundo, sua realizao, pelo menos at certo grau, exigida para o viver da vida humana. Assim, a necessidade de alimento uma tendncia natural; o desejo de torturar outros homens no . O padro de ao universalmente exigido para o viver da vida humana essencial. o padro do Direito natural. Na verdade, segundo a teoria dinmica do Direito natural, as tendncias que existem na natureza humana manifestam-se em desejos, em desejos naturais, que essa teoria distingue de apetites acidentais. A necessidade de alimento uma tendncia essencial ou natural porque um desejo natural, em contraposio ao desejo de torturar outros homens, que no uma tendncia natural porque segundo a teoria dinmica do Direito natural no compartilhada por todos os membros da espcie humana. claro que pode existir uma necessidade de alguma coisa, isto , que alguma coisa possa ser, segundo nosso conhecimento, necessria preservao da vida humana, sem que o homem sinta um desejo dela. Mas isso diferente de um impulso efetivamente sentido, compartilhado por todos os seres humanos. Se as normas do Direito natural tm de ser fundamentadas em desejos naturais, isto , desejos compartilhados por todos os seres humanos, no possvel estabelecer um sistema de normas naturais regulamentando a vida social dos homens. Pois no h outro desejo natural compartilhado por todos os homens que no o alimento. A necessidade de educao certamente no se baseia em um desejo efetivamente sentido por todos os homens e certamente no necessria para preservar a vida do homem. Se o desejo de alimento uma tendncia, ento o desejo de torturar outros homens tambm uma tendncia, embora uma tendncia que no compartilhada por todos os homens. Isto est em conflito aberto com a viso de que existem tendncias para o correto e que o mal consiste no fato de que uma tendncia voltada para o correto deformada ou distorcida. O desejo de torturar outros homens no pode ser concebido como uma tendncia para o correto deformada ou distorcida. Alm disso, as tendncias constitutivas da natureza humana que so desejos evidentemente so diferentes das tendncias imanentes natureza de outras entidades que no os seres humanos, as tendncias que um fsico pode prever a partir do conhecimento da estrutura dessas entidades. Ento, o termo tendncia usado com dois significados totalmente diversos. Se esse no for o caso, as tendncias, que a teoria dinmica do Direito natural supe existir na parte da natureza que no humana, devem ser tambm desejos ou algo similar a desejos; e, ento, sua implicao teleolgica no pode ser negada.
V A norma pressuposta pela teoria dinmica do Direito natural a norma de que a vida humana deve ser vivida, ou, mais precisamente formulado, que a vida humana deve ser preservada e promovida. Isso
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implica que a vida humana, a vida de todo ser humano, o valor supremo. Wild afirma que a distino entre o que essencial e o que acidental consiste em separar os traos que esto necessariamente envolvidos na existncia da coisa ou da relao daqueles que so meramente extrnsecos e acidentais. Contudo, se uma tendncia constitutiva da existncia humana essencial na medida em que sua realizao exigida caso a vida humana tenha de ser vivida, isto , na medida em que se conforma norma pressuposta de que a vida humana deve ser preservada e promovida, ento o termo essencial tem outro significado que no o de um trao necessariamente implicado na existncia de uma coisa. Se essencial significa necessariamente implicado na existncia de uma coisa, ento, do ponto de vista de uma descrio e explicao imparcial das coisas, no existem traos implicados na existncia de uma coisa concreta que sejam necessariamente implicados. O significado de uma definio no como o de uma norma que uma coisa deve ter alguns traos, mas apenas que, se ela no tem os traos envolvidos na definio, no a coisa definida. A conduta humana pode estar em conflito com a tendncia essencial, isto , o homem pode violar a norma de que a vida humana deve ser preservada e promovida se, por exemplo, um homem cometer suicdio ou assassinato; mas ele continua a ser um ser humano. Se, porm, um ser carece dos traos implicados na definio de ser humano, ele no um ser humano. Conseqentemente, uma tendncia que constitui a existncia humana essencial ou natural apenas porque a sua realizao est em conformidade com a norma pressuposta de que a vida humana deve ser preservada e promovida, e no porque est necessariamente implicada na existncia de um ser humano. VI Obrigao um conceito fundamental de qualquer teoria jurdica ou moral. A afirmao de que uma norma ou obrigao compulsria para o indivduo significa que ele deve conduzir-se como a norma prescreve. importante distinguir to claramente quanto possvel entre obrigao no sentido normativo do termo e o fato de que um indivduo tem a idia de uma norma ou obrigao, de que essa idia tem certa influncia motivadora sobre ele e, finalmente, leva a uma conduta em conformidade com a norma. costumeiro caracterizar o carter obrigatrio de uma obrigao, assim como o efeito motivador que a idia de norma tem na mente de um indivduo, como uma necessidade. O termo necessitar usado com dois significados diferentes. O primeiro significado expressa uma relao normativa, o segundo uma relao causal. A mesma ambigidade prevalece no termo compulsrio. Que uma obrigao seja compulsria pra um indivduo pode significar no apenas que o indivduo deve conduzir-se em conformidade com a obrigao, mas tambm que a idia da obrigao tem um efeito motivador sobre ele. Todas as tentativas de fundamentar a obrigao no fato baseiam-se na
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Todas as tentativas de fundamentar a obrigao no fato baseiam-se na confuso de obrigao no seu sentido normativo com a idia que um indivduo tem de uma obrigao e o efeito motivador dessa idia. A teoria da obrigao de Wild um exemplo tpico dessa confuso. Ele tem conscincia do significado normativo especfico do termo, reconhece que esse conceito expressa o carter de dever, que o dever ser no idntico ao ser e que um no pode ser inferido do outro. Contudo, ele caracteriza a obrigao como um sentimento humano e afirma que a obrigao claramente um impulso, ou
tendncia, factual, que nos liga existencialmente ou nos impele a certos valores. Isso significa que ele reduz o dever ser ao ser. evidente que somos fisicamente impelidos ou obrigados apenas pela idia apenas pela idia que temos em nossa mente de uma obrigao, que pode ser um impulso, isto , um motivo mais ou menos eficaz e, como tal, um fato psicolgico, um sentimento que pode impelir-nos em certa direo, especialmente para cumprirmos a obrigao de que temos uma idia e, assim, realizarmos um valor. Mas certamente no o carter de dever que nos impele ou obriga fisicamente, pois isso pode ser apenas o efeito de um fato existente, e o carter de dever no um enunciado sobre um fato existente. Para Wild, a obrigao parece ser um tipo de necessidade que obriga e compele. Segundo essa teoria, a obrigao moral o resultado da transformao do apetite bruto, cujos dois passos so o reconhecimento racional das necessidades naturais e do valor universal que satisfar a necessidade. Do fato de que um homem sente uma necessidade urgente que ele sabe ser compartilhada por todos os homens e necessria preservao e promoo da vida humana e de que, alm disso, conhece o valor que satisfar a necessidade, decorre segundo a teoria dinmica do Direito natural que ele est moralmente obrigado, isto , deve realizar esse valor. Trata-se de uma concluso a partir do que para o que deve ser feito. Essa falcia poderia ser evitada se a teoria dinmica afirmasse a seguinte norma fundamental do Direito natural: os homens devem conduzir-se de certa maneira se sentirem uma necessidade urgente que sabem ser compartilhada por todos os homens e que sua satisfao necessria para a preservao e a promoo da vida humana, e, se sabem, alm disso, que essa conduta constitui a satisfao dessa necessidade. evidente que nenhuma ordem moral pode ser fundamentada em tal norma. O fato de que um homem, por causa de sua ignorncia, no sabe ou no se importa se a necessidade que sente compartilhada por todos os homens, ou o fato de que ele est errado quanto ao valor que satisfar adequadamente a essa necessidade, no podem livr-lo da obrigao moral em questo. Ainda mais importante: a necessidade de alimento a nica que satisfaz s exigncias da teoria dinmica. A necessidade de educao, a outra necessidade apontada por essa teoria, no compartilhada por todos os homens nem necessria preservao da vida humana. Aplicada necessidade de alimento ou tendncia de fome, a teoria dinmica
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beber. Pois comer e beber so o valor universal que satisfar a essa necessidade. Comer e beber podem ser um direito natural, mas no uma obrigao. O direito de um indivduo de conduzir-se de certa maneira condicionado pela obrigao de outro ou de todos de no impedir o primeiro ou de capacit-lo a exercer o seu direito. Uma teoria moral pode afirmar a obrigao de no privar o homem do meio de satisfazer sua necessidade de alimento ou como afirma a doutrina socialista a obrigao de garantir a todos uma satisfao perfeita dessa necessidade. Essas obrigaes, porm, no decorrem do fato de que a necessidade de alimento comum a todos os homens, mas decorre exclusivamente do pressuposto de que a satisfao dessa necessidade exigida para o viver da vida humana. Isto, tal como assinalado, s pode significar: a partir de uma norma pressuposta pela teoria moral que afirma essas obrigaes, que exige que a vida humana deva ser preservada e promovida. VII Essa norma no pode ser fundada sobre fatos experimentados e observveis. No se pode provar que uma tendncia no sentido de mudana ou desejo previsvel para a preservao e a promoo da vida em geral ou da vida humana em particular seja imanente natureza em geral ou natureza humana em particular. perfeitamente possvel que o desenvolvimento csmico conduza a uma total destruio da vida, especialmente da vida humana. Assim, a suposio de uma tendncia csmica destruio da vida no est excluda. No que diz respeito vida humana, h realmente um fato que pode ser interpretado como uma tendncia para a preservao e a promoo da vida humana. o instinto de autopreservao. Contudo, trata-se de uma tendncia para a preservao e a promoo da prpria vida, e a realizao, plenitude ou concluso dessa tendncia s possvel custa da preservao e da promoo da vida de outros seres. A necessidade de alimento, reconhecida pela teoria dinmica do Direito natural como tendncia essencial ou natural, dita a destruio da vida de plantas e animais. Alm disso, h situaes em que a vida de um ser humano s pode ser preservada com sacrifcio da vida de outro ser humano, mesmo que tal conduta no seja necessria para preservar ou promover a prpria vida. Se uma doutrina do Direito natural afirma que preservar ou promover a prpria vida custa da preservao e promoo da vida de outros seres humanos contra a natureza do homem, ele no se refere natureza humana tal como ela realmente , mas natureza humana tal como deveria ser em conformidade com uma norma pressuposta. Ela no infere uma norma a partir da natureza real, mas infere uma natureza ideal a partir de uma norma pressuposta. O ponto decisivo que essa tendncia est voltada para a preservao e a promoo da prpria vida, a expresso do egosmo, ao passo que todas as ordens morais, isto , sociais, especialmente uma ordem moral
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que afirma ser lei natural e, portanto, vlida sempre e em toda parte, esto voltadas contra o egosmo do homem, sua tendncia para satisfazer aos prprios interesses custa dos interesses dos outros. Elas tentam restringir essa tendncia: esto fundamentadas no princpio do altrusmo. A necessidade de alimento o principal exemplo de uma tendncia natural sobre a qual a teoria dinmica do Direito natural afirma fundamentar as normas desse Direito , como tal, moralmente indiferente. O que conta apenas como essa necessidade ou desejo de um indivduo satisfeito em relao com a mesma necessidade ou desejo dos outros indivduos, e, nesse contexto, essa tendncia natural no uma base possvel para normas naturais. Se as normas naturais esto encerradas na existncia, como afirma a teoria dinmica do Direito natural, essas normas devem ter encontrado expresso em ordens morais ou jurdicas positivas, isto , ordens sociais que efetivamente existem ou existiram, no sentido de que suas normas so ou foram eficazes, isto , geralmente aplicadas e obedecidas por homens vivendo sob essas ordens. Mas a norma fundamental pressuposta pela teoria dinmica do Direito natural, a saber, que a vida humana deve ser vivida, ou, o que d no mesmo, que a vida de todo ser humano deve ser preservada e promovida, nunca foi reconhecida por nenhum sistema moral ou jurdico positivo. A norma implica a idia de que a vida humana, a vida de todo ser humano, o valor supremo. Certamente no essa a idia de moralidade crist, que considera a vida, isto , a vida do homem neste mundo, como m, e apenas a existncia transcendental em outro mundo como boa. Os sistemas morais ou jurdicos efetivamente estabelecidos entre vrios povos no consideram e no consideraram a vida de todos os seres humanos como igualmente valiosa. O mesmo se aplica escravido, justificada por filsofos como uma instituio natural e justa, e aos sistemas morais que esto na base das ordens jurdicas positivas de nosso tempo que reconhecem a guerra como ao legtima e, portanto, no pressupem que a vida de seres humanos pertencentes ao inimigo deva ser preservada e promovida. Se todas essas ordens sociais so ou foram realmente eficazes, como poderiam ser consideradas contra a natureza humana, se a natureza for tomada efetivamente como e como se manifesta na vida social dos homens? Uma filosofia realista e emprica, como a teoria dinmica do Direito natural afirma ser, certamente no est em condies de negar que a realidade social uma manifestao da natureza humana, e a realidade social o Direito positivo, no um Direito natural imaginrio. VII. JUZOS DE VALOR NA CINCIA DO DIREITO Na teoria do Direito encontramos dois tipos de juzos que so considerados juzos de valor. Um refere-se conduta dos sujeitos do Direito e qualifica essa conduta como lcita ou ilcita (VALORES DE DIREITO). O outro se refere ao prprio Direito ou atividade do legislador que cria o Direito, sendo o seu produto justo ou injusto (VALORES DE JUSTIA). A atividade do juiz tambm pode ser considerada
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(VALORES DE JUSTIA). A atividade do juiz tambm pode ser considerada justa ou injusta, mas apenas na medida em que ele atua na condio de criador de Direito. Na medida em que apenas aplica o direito, sua conduta qualificvel como lcita ou ilcita, exatamente como a conduta dos que esto sujeitos ao Direito. Esses dois tipos de juzos implicam que certo objeto tem valor afirmativo ou negativo, que valorvel. Qual o significado desses juzos? O que eles afirmam? A questo s pode ser respondida analisando-se o que os envolvidos com o Direito legisladores, juzes, advogados, partes e juristas querem realmente dizer quando emitem tais juzos. Quanto aos juzos que atribuem qualidade de lcita ou ilcita a certa conduta humana, podem ser verdadeiros ou falsos. Como o direito se manifesta na forma de uma ordem jurdica positiva, a mesma conduta pode ser lcita relativamente a tal ordem jurdica e ilcita relativamente outra. Norma uma regra que determina ou probe certa conduta o dever ser. II Segundo uma teoria amplamente aceita, todo valor funo de um interesse, significa que algum est afirmativa ou negativamente interessado no objeto. Um valor existe quando um fato psquico existe, se esse deixar de existir, o valor desaparece ou se modifica. O interesse pode ser da pessoa que faz o juzo ou de alguma outra. O juzo no o dever ser, mas o ser. O juzo de valor afirma que algum valora um objeto. Nessa teoria, o valor e a realidade (existncia) no so opostos. So opostos, porm, se o juzo de valor afirma uma relao entre o
objeto valorado e uma norma, dever ser, cuja existncia pressuposta pela pessoa que emite o valor. Nessa teoria normativa, a significao do juzo de que uma pessoa se conduz lcita ou ilicitamente que ela se conduz ou no segundo a norma. O valor um dever ser. Apenas se concebemos o valor como uma relao entre objeto e uma norma faz sentido traar uma distino entre juzos de valor e juzos de fato. A deciso do parlamento um evento natural, um fato da realidade natural que ocorre em certo tempo e em certo lugar do mundo. uma vontade coletiva voltada para um mesmo fim. No necessrio decidir, por enquanto, se essa interpretao psicolgica correta ou no, somente que evento natural, que enuncia que certos indivduos querem tal deciso. A teoria do interesse, assim, seria aplicvel tambm aos juzos jurdicos de valor e aos valores de direito. Descobriremos, porm, que tal interpretao dos valores de direito no pode ser cogitada. III A aplicao da teoria do interesse aos valores de Direito o resultado de uma identificao falaciosa (enganosa) da norma jurdica com o ato por meio do qual criada. A norma e o ato que cria a norma so duas
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entidades que devem ser mantidas separadas, para obter uma descrio satisfatria do fenmeno do Direito.
A expresso direito positivo significa que o Direito um complexo de normas firmadas ou criadas por certos atos, ao passo que o Direito natural no criado por ningum, ele existe independente da vontade, sendo descoberto por meio do exame da natureza. Entre o ato criador da norma e o seu significado (isto , a norma criada por esse ato) prevalece um tipo de paralelismo similar ao que existe entre os pensamentos e sentimentos. A norma no possvel sem o ato do criador, mas os dois so entidades diferentes. O ato criador a conditio sine qua non da norma, mas no a sua conditio per quam. O criador da norma pode no existir mais e a norma continua a existir. Um jurista desejoso de encontrar esse momento no investiga o estado de esprito dos que criaram a norma, isso no importa, mas o contedo da norma que eles criaram. IV Supondo que o ato criador de norma um ato de quem tem o contedo da norma como objeto, a teoria de valor do interesse parece encontrar pelo menos uma aplicao indireta aos valores do Direito. A afirmao de licitude ou ilicitude de uma conduta, no pode ser interpretada como significando que a conduta ou no efetivamente desejada por certas pessoas. Mas talvez possa ser interpretada como significando que a conduta correspondeu ou no a uma norma que foi criada por um ato de vontade que tem contedo da norma como objeto. A deciso parlamentar por meio da qual, segundo a constituio, uma lei promulgada no , de maneira nenhuma, uma vontade coletiva. Ela seria apenas se uma lei no pudesse ser constitucionalmente promulgada sem que a vontade se desse por maioria absoluta, contudo, isso no o que acontece, sendo necessria apenas a maioria simples, o que demonstra que a minoria no tinha vontade que aquela determinada lei fosse promulgada. Muitas vezes aqueles que conhecem o contedo da Lei e querem no esto entre aqueles cuja vontade decisiva segundo a constituio. Ainda, uma Lei expressa em palavras, que em sua interpretao, pode sofrer diferentes interpretaes diversas daquela desejada pelo legislador. A objeo de que uma norma sempre criada por ato de vontade, que tem o contedo da norma como seu objeto, uma bvia fico. Mas, para que possamos afirmar a existncia de uma norma, deve sempre existir um fato que cria a norma. V Que o fato criador de norma no necessariamente um ato de vontade que tem o contedo da norma como seu objeto evidente no caso em que a criao de uma norma se de por um costume. Uma norma de direito consuetudinrio nasce no da vontade do parlamento, mas sim de condutas costumeiramente tomadas por um grupo social. Os atos que do origem a uma norma jurdica no tem o contedo dessa norma como objeto. Aqui o fato no idntico norma, assim como o fato de que o parlamento aprova um projeto de lei diferente da norma correspondente qual d origem. A regra de ser, que afirma que as
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pessoas efetivamente se conduzem de certa maneira, no a mesma norma de dever ser, que estipula que devem conduzi-se dessa maneira. A norma pressuposta transforma o costume em um fato criador da norma, assim como a constituio d poder legislativo ao parlamento. VI O motivo para a validade de uma norma oferece a resposta questo: por que uma pessoa deve conduzir-se como a norma prescreve? Porque a validade de uma norma o seu modo especfico de existncia, porque o motivo para a validade de uma norma tambm o fundamento de sua existncia. A srie de motivos para a validade de uma norma no infinita como a srie de causas de um efeito. Deve existir uma razo final, uma norma fundamental, que fonte de validade de todas as normas pertencentes a certa ordem jurdica. Embora a existncia de toda norma jurdica seja condicionada por certo fato, no um fato, mas uma norma o motivo pelo qual todas as normas do sistema existem. Isso demonstra que uma norma no idntica a seu fato condicionador. VII Os juzos de valor ao domnio do Direito em que as normas devem sua existncia a atos legislativos tm a mesma concluso de quando elas so criadas pelo costume, onde somente pode ser base de um juzo de valor uma norma jurdica, independente de sua natureza, se do parlamento ou dos costumes, se positivada por pessoas consideradas autoridades. o que faz a diferena entre os membros de um corpo legislativo e os membros de uma quadrilha. A norma legal criada pelo legislador pressupe as normas da constituio e, do mesmo modo, o juzo de valor de que uma conduta lcita ou ilcita porque se conforma ou no a um estatuto pressupes um juzo de valor estabelecendo ser a funo do legislador uma funo legal. O ato que cria uma constituio de onde todas as outras normas vo derivar deve igualmente ser qualificado por uma norma, uma norma no pode receber sua validade de mais nada, a no ser de outra norma. Um dever ser deriva de outro dever ser; nunca conseqncia de um mero ser. Essa pode ser uma constituio prvia, ou ainda caso seja a primeira das primeiras, que ainda no uma norma de direito positivo, ela pode ser chamada de uma norma hipottica. Essa norma fundamental base de todos os juzos jurdicos de valor possveis na estrutura jurdica de um Estado dado. VIII A ordem de um Estado , assim, um sistema hierrquico de normas legais. O nvel mais baixo composto de normas individuais criadas pelos rgos aplicadores de Direito, especialmente os tribunais. Essas normas individuais so dependentes dos estatutos, que so normas gerais criadas pelo legislador, e das regras do Direito consuetudinrio, que formam o nvel superior seguinte da ordem jurdica, que por sua vez dependem da constituio escrita ou no escrita, no importa, sendo essa o nvel mais elevado de uma ordem jurdica nacional. Ento, as normas da constituio, no recebem sua validade de alguma norma
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jurdica positiva, mas de uma norma pressuposta pelo pensamento jurdico, a norma fundamental hipottica. A validade de uma constituio s admitida se essa for emenda, caso seja a primeira constituio histrica do Estado em questo a presuno de que a constituio legal. IX O juzo de valor de que a criao da primeira constituio legal significa que os indivduos que a criaram foram autorizados a tanto por certa norma. uma norma pressuposta no pensamento jurdico para sustentar a existncia de quaisquer outras normas. A explicao para a criao originria da constituio pode ser metafsica, remontada vontade de Deus, sendo esse comando uma norma transcendental j que escapa ao mbito da experincia humana, mas positiva, j que segundo a crena religiosa - foi criada pelo ato de uma vontade sobre-humana, ou se assim nos recusarmos a aceitar, somos forados a deter-nos na norma que foi apresentada aqui como a norma fundamenta hipottica. X Uma anlise do pensamento jurdico demonstra que os juristas consideram vlida uma constituio apenas quando a ordem jurdica nela fundamenta eficaz. Ser eficaz significa que os rgos e sujeitos dessa ordem, de um modo geral, conduzem-se de acordo com as normas da ordem. A revoluo consiste no fato de que uma constituio substituda por outra, no em conformidade com suas prprias clusulas, mas pela fora. Na viso dos juristas o que priva a antiga constituio de sua validade, de sua existncia legal, precisamente o fato de que ela perdeu sua eficcia, isto , que deixou de corresponder norma fundamental geral que estabelece o princpio da eficcia. O governo que levado ao poder pela revoluo e que promulga a nova constituio uma autoridade legitima apenas quando capaz de tornar eficaz a nova ordem. XI O princpio da eficcia refere-se essencialmente ordem jurdica como um todo, no norma jurdica isolada. Assim, a existncia de uma norma jurdica positiva pressupe: (1) a eficcia da ordem jurdica total qual pertence norma; (2) a presena de um fato que cria a norma; (3) a ausncia de alguma norma que a anule. A existncia de uma norma, a sua validade, diferente da existncia de um fato. A eficcia um fato objetivamente verificvel. Na medida em que tal verificao dos juzos jurdicos de valor possvel, o valore de Direito um valor objetivo. XII O valor de Direito, tal como concebido pela teoria normativa, objetivo tambm em outro sentido. Segundo essa teoria, um objeto valorvel valorvel para todos, J segundo a teoria do interesse, um objeto valorvel apenas para uma pessoa interessada nele, que deseja ou quer ou no quer esse objeto. Assim, se norma criada para todos .
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Essa objetividade de valores de Direito limitada apenas na medida em que sua existncia implica a existncia (isto , a validade, o dever ser) de uma norma jurdica, e esta por sua vez, depende da pressuposio da norma fundamental. Pressupondo a norma fundamental, podem submeter a uma prova objetiva os juzos jurdicos de valor baseados na norma fundamental pressuposta. Mas no h nenhuma necessidade de pressupor a norma fundamental. XIII Esse o motivo por que possvel sustentar que a ideia de uma norma, um dever ser, meramente ideolgica. Um conceito ideolgico um conceito que cumpre outra funo alm da de descrever e explicar a realidade. Se o sistema de normas jurdicas uma ideologia, uma ideologia paralela a uma realidade definida. Essa realidade consiste na eficcia do sistema como um todo e nos fatos que constituem a criao ou a anulao de normas particulares, pode ser denominada uma realidade social, a designao social pressupe que esta realidade interpretada luz de uma ideologia normativa. Essa realidade social muitas vezes ope-se ao Direito, como poder ope-se a norma. Nesse sentido o Direito pode ser considerado como ideologia especfica de dado poder histrico. Esse poder geralmente identificado com o Estado. Diz-se que o Estado o poder por trs do Direito. Esse dualismo muitas vezes uma realidade social e de uma ideologia condicionada e determinada por essa realidade. XIV O valor de justia no da mesma natureza que o valor do Direito. As normas que so efetivamente usadas como padres de justia variam de individuo para individuo e muitas vezes so irreconciliveis. Por exemplo, enquanto o liberal considera a liberdade como ideal de justia, o socialista v o ideal na igualdade. impossvel determinar a norma de justia de modo exclusivo. Ela , em ltima anlise, uma expresso do interesse do indivduo que pronuncia uma instituio social como justa ou injusta. No h um padro exclusivo de justia: o que encontramos efetivamente muito ideal diferente e muitas vezes, conflitante. Existe, porm, um Direito positivo. Seu contedo pode ser averiguado sem ambigidade por um mtodo objetivo. As normas de Direito positivo corresponde certa realidade social, mas no s normas de justia. Nesse sentido, o valor do Direito objetivo, ao passo que o valor da justia subjetivo. E isso se aplica mesmo que s vezes em grande nmero de pessoas tenha o mesmo ideal de justia. Esta investigao dos juzos de valor que surgem na cincia do Direito parece estabelecer os seguintes resultados. (1) O valor no necessariamente uma relao com o interesse. O valor Tambm pode consistir em uma relao com uma norma. (2) O conceito de uma norma (um dever ser) indispensvel descrio de certos fenmenos. No tem nenhuma implicao metafsica. (3) O significado de uma norma um dever ser em contraposio a um
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ser.
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ser. (4) Um valor subjetivo se seu objetivo valorvel apenas para os que esto interessados nesse objeto. Um valor objetivo se o seu valor objeto for valorvel para todos. VIII. O DIREITO COMO TCNICA SOCIAL ESPECFICA A essncia da tcnica jurdica (p. 225) A tcnica social da motivao direta e indireta A sociedade o ordenamento da convivncia de indivduos. Essa convivncia constitui em si um fenmeno biolgico, mas se torna um fenmeno social pelo fato de ser regulamentada. A ordem social, constituda pelo complexo de normas, determina como o indivduo deve conduzir-se em relao aos outros (conduta recproca dos indivduos). Podem-se distinguir vrios tipos ideais de ordens, conforme a maneira como a conduta socialmente desejada ocasionada, a depender de sua motivao, que pode ser indireta ou direta. Um dos motivos para a conduta est na motivao indireta por meio de normas com sano, com a aplicao do princpio da retribuio (princpio de recompensa ou punio), consistente em associar a conduta em conformidade com a ordem com a promessa de vantagem; e a conduta contrria ordem com a ameaa de uma desvantagem. Outro motivo, raramente encontrado em forma pura, advm da motivao direta por meio de normas sem sano, cuja atrao direta dos indivduos pela conduta, simplesmente por estar decretada pela norma, acarreta a conduta em conformidade com a norma, por obedincia voluntria. Esclarece-se que nenhuma norma gera essa suficiente atrao aos indivduos e que toda conduta social vem acompanhada de um juzo de valor, que implica uma sano de ordem (reao do grupo referente aprovao ou reprovao da conduta pelos seus semelhantes). Logo, a diferena que certas ordens sociais prevem sanes definidas, outras, por outro lado, tm sanes derivadas da reao automtica da comunidade, no expressamente provida pela ordem. As sanes providas pela ordem social podem ter carter transcendental (religioso) ou social-imanente (social-organizada). As de carter transcendental so aplicadas por autoridade sobre-humana, desta forma, a retribuio emana da divindade, que mantm a ordem social primitiva por sanes religiosas. Nos primrdios do desenvolvimento religioso, o homem primitivo associa os seus deuses com as almas dos mortos. Sem o dualismo Aqui e Alm, a retribuio realizada no Aqui (morte, doena, m sorte na caa). As sanes socialmente imanentes (ou socialmente organizadas) devem ser cumpridas pelos indivduos segundo dispositivos da ordem social. A vingana de sangue, entre grupos, a mais primitiva delas, em que se reage contra o prejuzo considerado injustificado por um membro de um grupo estranho. A alma do assassinado compele os parentes a se vingarem. Por medo de uma sano imposta pelas almas dos mortos, a sano socialmente organizada garantida por uma sano transcendental. Posteriormente, o desenvolvimento religioso passa-se a considerar a
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divindade em outro plano (Alm), e a retribuio divina adiada para o Alm (cu ou inferno). A ordem social perde seu carter puramente religioso, servindo este como suplemento e apoio da ordem social. Nas duas sanes tpicas (punio e recompensa), ganha primazia o medo do castigo, que se sobrepe expectativa de recompensa, cuja significao secundria. A tcnica da recompensa se desenvolve nas relaes privadas entre indivduos. A tcnica da punio o mtodo de ocasionar a conduta socialmente desejada, pela ameaa e a aplicao de um mal pela conduta contrria. Nesta ordem coercitiva, cuja eficcia repousa nas medidas de coero, o mal, quando constitui sano socialmente organizada, aplicado pela privao de posses contra a vontade do possuidor (no obrigatoriamente com fora fsica, somente quando h resistncia). Esta ordem coercitiva contrasta com a ordem que prev sanes recompensa e a ordem que no executa nenhuma sano (pela tcnica da motivao direta). Para essas duas ltimas ordens, a eficcia repousa na obedincia voluntria. Note-se que a obedincia voluntria , ela prpria, uma forma de motivao, de coero, e, portanto, no liberdade, mas coero no sentido psicolgico (e no no sentido de privao involuntria de posses). O Direito como ordem coercitiva que monopoliza o uso da fora (p. 230) H um elemento comum entre as diversas ordens jurdicas (diferentes em seu teor e vigentes em diferentes pocas e povos), que justifica o uso da palavra Direito como conceito provido de importante significado social. Refere-se tcnica social especfica de uma ordem coercitiva , que, apesar das enormes diferenas entre comunidades, essencialmente a mesma para todos. Ordens sociais que perseguem o mesmo objetivo, mas por meios diversos: Quadro comparativo Ordens sociais Medida conduta contrria Previso e Carter Aplicador 1) Direito Medida de coero prevista na ordem jurdica Provida pela ordem jurdica e socialmente organizada. ATO da comunidade jurdica Outro homem, designado pela ordem jurdica (agente da comunidade social) 2) Moral Reprovao moral No provida pela ordem moral e no socialmente organizada Seus semelhantes 3) Religio Castigo (= doena ou morte do pecador) Provida pela ordem religiosa, no socialmente organizadas, de carter transcendental. ATO da autoridade sobre-humana Autoridade sobre-humana (mais eficaz) O Direito no exclui o uso da fora, mas o probe nas relaes entre indivduos. Como o ordenamento promove a paz e pacifica a sociedade, o Direito autoriza o emprego da fora apenas por certos indivduos e apenas sob certas circunstncias, a contrario sensu, para todas as demais circunstncias no autorizadas, ele proibido. Por esse motivo, o Direito uma organizao da fora e faz de seu uso um monoplio da comunidade, porque apenas o indivduo, autorizado pela ordem
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jurdica, pode aplicar a medida coercitiva, atuando como rgo dessa ordem ou da comunidade por ela constituda. Assim, o Direito prov uma paz relativa, porque admite o emprego da fora mesmo que reservadamente; no provendo uma paz absoluta, cuja condio a ausncia absoluta de fora (estado de anarquia). No h um estado de Direito, o qual essencialmente um estado de paz. A interveno da fora (medida de coero) permitida como sano, como reao da comunidade proibida interveno forosa de um indivduo nas esferas de interesse alheias, quando a conduta de abster-se havia sido induzida pelo Direito, por sua tcnica social. Desta forma, protegem-se as esferas de interesses do indivduo pela ordem social. A ideia de uma comunidade sem fora A pergunta central desse tpico : O Direito inevitvel ou no? Suposies: a coercibilidade talvez derive do contedo peculiar de certa ordem jurdica, ou talvez no houvesse a necessidade de prever medidas coercitivas porque os indivduos no teriam motivos para a conduta contrria e houvesse motivao direta, por obedincia voluntria. Faz-se um paralelo com a necessidade do Estado, que tambm uma ordem coercitiva. A histria confirmou o brocardo: ubi societas ubi jus, porque no houve comunidade que no fosse legal, constituda pelo direito como ordem coercitiva. A doutrina do anarquismo terico, pensada e desejada por otimistas e sonhadores polticos, prev uma sociedade livre de qualquer coero, na qual no h nenhuma lei (Direito positivo) e nenhum Estado. A ordem natural JUSTA (faz todos os homens felizes), visto que conta com a obedincia voluntria de todos os sujeitos porque corresponderia natureza do homem, e suas relaes recprocas exigiram apenas o que eles desejassem, no havendo necessidade de compelir as pessoas sua prpria felicidade. Essa realidade vista como iluso, porque, se possvel, j teria sido realizada. Partindo do conhecimento da natureza humana (provida de impulso de agresso inato ao homem) e da impossibilidade da felicidade de todos os homens (diante de incompatibilidades de vontades), considera-se muito improvvel uma ordem natural e justa, reconhecida de imediato por todos e de pronta obedincia, que possa escapar do risco de ser violada, mesmo que ela assegurasse todas as vantagens desejadas pelos homens. Supor a satisfao geral partir de um pressuposto utpico: de que o homem bom por natureza. A doutrina do socialismo marxista representou essa ideia politicamente com mais sucesso, ao considerar suprfluo o mecanismo de coero (Estado e Direito), se fosse abolida a propriedade privada e socializados os meios de produo, levando cessao dos conflitos de classes. Os anarquistas previam a extino imediata do Estado, j os marxistas admitiam a extino do Estado capitalista, substitudo pelo Estado proletrio, caminhando para desaparecimento gradual do Estado. A economia planejada socialista para o grau mais elevado de
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produtividade exige um carter autoritrio, gerido por um gigantesco corpo administrativo hierarquicamente organizado, com tendncias totalitrias, limitando a liberdade do indivduo mais severamente. Este Estado deve contar com perturbaes da parte de seus cidados, mesmo que no seja por necessidades econmicas, mas por outras necessidades (desejo de prestgio, libido, sentimentos religiosos). Mesmo no socialismo, h necessidade do Direito, pelo uso de suas medidas de coero quando no houver obedincia voluntria de seus sujeitos em todos os sentidos. No se pode esperar que medidas preventivas possam ser to eficazes a ponto de tornar as medidas repressivas inteiramente suprfluas. A evoluo da tcnica jurdica Diferenciao da relao dinmica entre a criao e a aplicao do direito
A relao fundamental da esttica do Direito (em estado de repouso) a estabelecida pela norma jurdica entre delito e sano, em que a ordem jurdica vincula uma sano a uma conduta, denominada delito, para induzir a conduta oposta, que no invocar sano. Na perspectiva do Direito em seu movimento especfico e no processo da criao do Direito, observa-se que Direito regulamenta a sua prpria criao, exigindo, para que a norma pertena ordem jurdica, que ela passe a existir de uma certa maneira, estipulada por norma da prpria ordem. O Direto Natural no precisa ser criado pelo ato do homem, apenas reconhecido por ele como Direito emanado da natureza. Por outro lado, o Direito positivo no tem apenas de ser criado, mas deve ser aplicado. H dois mtodos de criar Direito: 1. Costume (conduta similar e repetida do sujeito); 2. Legislao (ato consciente de um rgo especial estabelecido para o propsito de criar Direito). A dinmica tpica do Direito est na progresso entre a criao e sua aplica, que pode ser dividida em etapas: (i) a criao de uma norma geral abstrata, (ii) a criao da norma individual decretando a sano pelo tribunal (no caso concreto); (iii) execuo da norma individual (aplicao da sano). No sistema primitivo, a dinmica era dividida em apenas duas etapas (i) e (iii), sob a tcnica da iniciativa individual, porque a norma geral era aplicada diretamente ao caso concreto, sem uma norma individual decretada por um rgo, j que prprio sujeito levava a cabo a sano. Com o desenvolvimento dos tribunais, a norma individual decretada (ii) se insere entre a norma geral (i) e a execuo da sano (iii). O processo de criao das normas gerais tambm tende desenvolverse, havendo hierarquia de normas gerais e individuais (etapas: constituio estatutos com base na constituio decretos com base nos estatutos regulamentos com base nos decretos grau mais baixo: execuo da medida concreta). Diferenciao da relao esttica entre delito e sano Diferenciao da sano: Direito Criminal e Direito civil.
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Originalmente havia apenas a sano penal, entendida como punio. Depois surgiu a execuo civil, pela privao coercitiva da propriedade para compensar o dano ilicitamente causado. Como semelhana: ambas as sanes garantem a conduta desejada pela mesma tcnica social, qual seja a reao contra o delito na forma de um ato de coero como sano. Quadro comparativo de distines Sanes Propsito Uso da propriedade tomada fora Processo judicial Forma Civil Reparao do dano causado Devolvida ao sujeito ilegalmente prejudicado Iniciado por exigncia de um sujeito especfico. Processo contencioso Disputa entre duas partes. Princpio da propriedade privada Penal Retribuio ou preveno* Cabe comunidade jurdica Iniciado ex officio (exigncia do rgo da comunidade) Disputa entre um rgo da comunidade e o infrator. * A distino relativa, porque a civil tem uma funo preventiva, mesmo que secundariamente. Diferenciao da sano: responsabilidade coletiva e responsabilidade individual. O princpio da responsabilidade individual consiste na tcnica jurdica mais refinada em que apenas aquele que comete o delito deve ser responsvel pelo delito, contra quem a sano ser dirigida. Por outro lado, o princpio da responsabilidade coletiva dirige a sano ao prprio indivduo que comete o delito e a todos os membros do grupo social a qual ele pertence. No direito primitivo, o indivduo identificado como elemento integral de seu grupo, ele no auto-suficiente. Os mritos e demritos individuais so dirigidos a todo o grupo. A responsabilidade coletiva um elemento tpico do estado de justia que ainda subsiste o princpio da iniciativa individual, sendo que a vingana de sangue dirigida contra a pessoa que cometeu o feito e toda sua famlia. O desenvolvimento tcnico do direito progride da responsabilidade coletiva para a individual. Diferenciao do delito: responsabilidade absoluta e culpabilidade Responsabilidade absoluta responsabiliza por um resultado socialmente prejudicial ocasionado pela conduta do indivduo, sem levar em conta se ele agiu com inteno ou negligncia. No caso de culpabilidade, deve-se existir tambm uma ligao mental especfica (inteno, negligncia, culpa). Nas ordens jurdicas primitivas, o caso da culpabilidade desconhecido. O desenvolvimento tcnico do Direito evolui da responsabilidade absoluta para a culpabilidade, como regra geral, pois existem importantes excees nas ordens jurdicas modernas (ex. responsabilidade das pessoas jurdicas). A centralizao O direito primitivo descentralizado, porquanto todas as funes de
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O direito primitivo descentralizado, porquanto todas as funes de Com o desenvolvimento do Direito, a centralizao da funo de aplicao da sano precede a centralizao da funo de criao do
Direito. No Direito consuetudinrio, ainda no havia rgos legislativos especiais (as normas gerais eram criadas pela colaborao de todos os indivduos sujeitos ordem jurdica: mtodo descentralizado de criar Direito), mas a aplicao do Direito era centralizada pela funo exclusiva dos rgos especiais (juzes, rgos especiais diferentes e independentes das partes em conflito). Diante deste panorama, reconhece-se que no existem, no domnio do Direito, fatos absolutos (fatos em si). Qualquer opinio quanto existncia de um fato (opinio subjetiva), tal como determinado pela ordem jurdica, irrelevante do ponto de vista jurdico. A existncia do fato est condicionada opinio autntica (opinio da autoridade instituda pela ordem jurdica) e s assim, pelo processo prescrito, a ordem jurdica vincula certa punio a um fato. Para o desenvolvimento tcnico do Direito, nenhum outro passo foi to importante quanto o estabelecimento de tribunais, porque possibilitou a aplicao do Direito a todos os casos. Os tribunais atuavam como tribunais de arbitragem (tentar um acordo, decidir se houve delito, autorizar a parte a executar a sano). Posteriormente, h centralizao da execuo, por um rgo da comunidade jurdica, o que dependia de uma administrao poderosa. A centralizao da funo judicial e da administrao, mesmo sem um rgo legislativo, transforma uma comunidade primitiva em Estado, que uma ordem jurdica centralizada. Nas relaes intertribais, o primeiro rgo central foi o chefe, que posteriormente surge como juiz e no legislador. No incio do desenvolvimento, as funes judiciais e legislativas ficam em primeiro plano. Recentemente v-se o Estado judicial transformado em Estado administrativo, com o crescente nmero de leis administrativas. A administrao indireta (tcnica do Estado liberal-capitalista) utiliza a mesma tcnica do judicirio, ao induzir, por meio da ameaa de uma sano, a conduta do cidado considerada desejvel pela administrao. Diferencia-se da administrao direta (tcnica do Estado socialista), que voltada para os rgos pblicos e se distingue da atividade judicial. O captulo finaliza com uma anlise do Direito internacional, associando sua estrutura com as caractersticas do direito primitivo, porque radicalmente descentralizado, com criao das normas pelos costumes, ausncia de rgo especial para aplicao das normas, iniciativa individual da parte dos sujeitos, responsabilidade coletiva e responsabilidade absoluta, mas com a peculiaridade de ter pessoas jurdicas como sujeitos os Estados. Est progredindo o desenvolvimento tcnico do Direito internacional e, medida que a obrigao e a autorizao direta dos indivduos e a centralizao aumentam, a fronteira entre Direito nacional e Direito internacional tende a desaparecer, aproximando-se idia de Estado mundial. IX. POR QUE A LEI DEVE SER OBEDECIDA?
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Qual o motivo para a validade do Direito? Para avaliar as diversas respostas a esta pergunta certos termos devem ser esclarecidos. Por Direito entenda-se Direito positivo nacional ou internacional. Por validade entenda-se a fora obrigatria da lei a idia de que ela deve ser obedecida pelas pessoas cuja conduta regulamenta. A questo por que essas pessoas devem obedecer lei. II Uma resposta freqentemente aceita que os homens devem obedecer ao Direito positivo porque e na medida em que ele se conforma aos princpios da moral. Os princpios morais que se referem s atividades humanas criadoras e aplicadoras de Direito constituem o ideal de justia; segundo este ponto de vista, ento, o motivo para a validade do Direito a sua justia. questo de como esses princpios morais devem ser determinados, a resposta tpica que eles so, por assim dizer, imanentes natureza. Os pontos de vistas precedentes constituem a doutrina do Direito natural, que concebe a natureza como uma autoridade legisladora. Mesmo se aceito que as normas que regulamentam a conduta humana podem ser deduzidas da natureza, surge a questo de por que os homens devem obedecer a essas normas. Para esta questo adicional a doutrina do Direito natural no tem nenhuma resposta. A doutrina simplesmente pressupe talvez como evidente que os homens devem obedecer aos comandos da natureza. Esta a hiptese fundamental dessa doutrina, a sua norma fundamental, seu motivo para a validade do direito. Contudo, essa hiptese fundamental no pode ser aceita por uma teoria do Direito positivo porque impossvel deduzir a partir da natureza normas que regulamentem a conduta humana. As normas so a expresso de uma vontade, e a natureza no tem nenhuma vontade. H outro motivo. A doutrina do Direito natural de que o Direito positivo vlido porque se conforma justia conduz a um ou outro dos seguintes resultados ambos inaceitveis para uma teoria do Direito positivo: (a) Se todo Direito positivo for considerado vlido, todo o Direito positivo segunda a doutrina do Direito natural deve ser considerado justo, em conformidade com o Direito natural. Desse modo, todo o Direito feito pelo homem pode ser justificado se for dotado de autoridade sobre-humana. Se, porm, todo o Direito for justo, ento Direito e justia so idnticos; e, ento, dizer que o Direito vlido porque justo equivale a dizer: o motivo para a validade da lei a lei; a lei deve ser obedecida porque a lei deve ser obedecida. (b) Se o Direito identificado como justia e o Direito positivo com o Direito natural, os conceitos de justia ou de Direito natural tornam-se sem sentido. Eles tm sentido apenas se existir um antagonismo possvel entre justia e Direito natural, de um alado, e Direito positivo, de outro. Na verdade, representantes destacados da doutrina do
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Direito natural proclamaram, em nome da justia ou do Direito natural, princpios que no apenas se contradizem mutuamente, mas que esto em oposio direta a muitas ordens jurdicas positivas. Todos esses princpios representam os juzos de valor altamente subjetivos de seus diversos autores sobre o que consideram justo ou natural. Por exemplo, se a propriedade individual um Direito natural, como declaram alguns autores, ento a ordem jurdica de um Estado comunista no vlida e no passa de uma organizao de bandidos. Mas, se a propriedade jurdica for contrria natureza, como afirmam alguns autores, a ordem jurdica de um Estado capitalista no tem nenhuma chance de ser reconhecida como um Direito vlido, a que seus cidados devam obedecer. Dizer, portanto, que o Direito positivo vlido porque justo no uma resposta para nossa pergunta. A doutrina do Direito natural no responde questo de por que o Direito positivo vlido, mas sim questo, totalmente diferente, de por que o Direito natural vlido. a norma pressuposta de que os homens devem obedecer aos comandos da natureza. a sua norma fundamental. III H outra doutrina a teologia crist que oferece uma resposta para nossa questo. Os homens devem obedecer a qualquer Direito positivo porque sua obedincia ordenada por Deus, cujos representantes so as autoridades legislativas. Elas so autorizadas por Deus a produzir Direito, e, conseqentemente, esse Direito deve ser considerado no meramente como um Direito feito por homens mas como um Direito que tem origem na vontade de Deus. Em ltima anlise, a obedincia do homem devida a Deus e no ao Direito positivo como tal. Contudo, a afirmao de que os homens devem obedecer ao Direito positivo porque Deus assim ordena no uma resposta final questo de por que o Direito positivo vlido. Pois, mesmo se for tido como certo o fato de que Deus emite esse mandamento, surge a questo de por que os homens devem obedecer aos mandamentos de Deus. Os homens devem obedecer ao Direito positivo porque os homens devem obedecer aos mandamentos de Deus, que ordenou a obedincia ao Direito positivo. Que os homens devem obedecer aos mandamentos de Deus uma norma que no pode ser apresentada como emitida por Deus. Pois, se a autoridade emite uma norma prescrevendo que um indivduo deve obedecer ordem de outro indivduo, essa norma implica autorizar o outro indivduo a emitir a ordem, e o indivduo autorizado por essa norma est sujeito a ela exatamente como o indivduo obrigado a obedecer. Portanto, uma autoridade que emite tal norma teria de ser considerada superior a ambos. Deus no pode autorizar uma norma autorizando Deus a emitir ordens, porque Deus ordem suprema. Conseqentemente, a norma de que os homens devem obedecer aos mandamentos de Deus no pode ser uma norma emitida por uma autoridade; pode ser apenas uma norma pressuposta pela teologia, sua hiptese metafsica, sua norma fundamental. segundo essa doutrina teolgica o motivo para a validade do Direito. A resposta que a teologia crist d a nossa questo, assim como a
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resposta doutrina do Direito natural, encontra o motivo para a validade do Direito em uma ordem superior, colocada acima do Direito positivo em uma ordem divina ou natural. Segundo ambas as doutrinas, o Direito positivo em si no tem nenhuma validade. IV Esta anlise das duas doutrinas demonstra, primeiro, que suas hipteses no so aceitveis por uma cincia do Direito positivo. Segundo, deve-se supor que o Direito positivo uma ordem suprema, soberana. Essa ordem caracterizada por uma estrutura hierrquica. Seu fundamento a constituio escrita ou no-escrita, sobre a qual repousam os estatutos decretados pelos legisladores. Devemos obedecer s decises de um juiz ou administrador, em ltima anlise, porque devemos obedecer constituio. Se perguntarmos por que devemos obedecer s normas da constituio existente, podemos ser remetidos a uma constituio mais antiga, que foi substituda de maneira constitucional pela constituio existente; dessa maneira, chegamos primeira constituio histrica. questo de por que devemos obedecer s suas clusulas, uma cincia do Direito s pode responder: a norma de que devemos obedecer s estipulaes da primeira constituio histrica s deve ser pressuposta como hiptese como hiptese se a ordem coercitiva, estabelecida com fundamento nela e efetivamente obedecida e aplicada por aqueles cuja conduta regulamenta, for considerada uma ordem vlida, obrigatria para esses indivduos, se as relaes entre esses indivduos forem interpretadas como deveres, direitos e responsabilidades legais, no como meras relaes de poder; e se for possvel distinguir o que legalmente certo e legalmente errado, em especial o uso legtimo e ilegtimo da fora. Essa a norma fundamental de uma ordem jurdica positiva, a razo final para a sua validade, vista do prisma de uma cincia do Direito positivo. a razo conclusiva para a validade do Direito positivo, porque, a partir desse prisma, impossvel supor que a natureza ou Deus ordenem a obedincia primeira constituio histrica, que os pais da constituio foram autorizados a estabelec-la pela natureza ou Deus. A norma fundamental de que devemos obedecer s disposies da primeira constituio histrica no criada pela autoridade jurdica, isto , no uma norma positiva criada em conformidade com a constituio; uma norma que como nos diz a cincia do Direito positivo pressupomos como hiptese quando consideramos a ordem coercitiva que regulamenta efetivamente a conduta humana no territrio de um Estado como uma ordem normativa obrigatria para seus habitantes. Esse pressuposto no um produto da livre imaginao. a aplicao do princpio geral da eficcia, que, como princpio normativo, desempenha um importante papel no domnio do Direito. Assim o positivismo jurdico responde questo por que o Direito vlido, reportando-se a uma hiptese que pode ou no ser aceita em outras palavras, justificando a obedincia lei apenas condicionalmente. Contudo, neste aspecto, no h nenhuma diferena
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entre o positivismo jurdico, por um lado, e a doutrina do Direito natural ou da teologia, por outro. O motivo para a validade do Direito, segundo os trs, uma norma fundamental hipottica. Assim como a norma fundamental do positivismo jurdico no emitida pela autoridade jurdica, mas pressuposta no pensamento jurdico, as normas fundamentais da doutrina do Direito natural e da teologia crist no so emitidas pela natureza ou por Deus, mas pressupostas como hipteses por essas doutrinas. Conseqentemente, essas doutrinas tambm podem justificar a obedincia lei apenas condicionalmente. A nica diferena que a validade para a qual a norma fundamental do positivismo jurdico fornece o motivo a validade imanente do Direito positivo, ao passo que a validade para a qual a norma fundamental da doutrina do Direito natural ou da teologia crist fornece o motivo a validade de uma ordem natural ou divina. V A questo quanto ao motivo da validade do Direito foi restringida nas consideraes anteriores ao Direito nacional. O Direito internacional composto de normas do Direito consuetudinrio e do Direito convencional sendo este ltimo o Direito criado por tratados com base no Direito consuetudinrio. Portanto, o motivo para a validade do Direito internacional, a sua norma fundamental, uma norma que institui o costume como fato criador do Direito a norma de que os Estados devem conduzir-se como os Estados costumeiramente se conduzem nas suas relaes mtuas. A norma que autoriza o costume do Estado a criar Direito obrigatrio para os Estados s pode ser uma norma pressuposta pelos que interpretam as relaes mtuas dos Estados, no como meras relaes de poder, mas como relaes jurdicas, na condio de obrigaes, direitos e responsabilidades; por aqueles, novamente, que consideram os atos dos Estados como legais ou ilegais, isto , como relaes regulamentadas por uma ordem jurdica vlida. uma hiptese a condio sob a qual tal interpretao possvel. Essa hiptese, a norma fundamental do Direito internacional, , em ltima anlise, tambm o motivo da validade das ordens jurdicas nacionais. X. A TEORIA PURA DO DIREITO E A JURISPRUDNCIA ANALTICA A Teoria do Direito e a Filosofia da Justia A Teoria Pura do Direito uma teoria do Direito positivo uma teoria geral do Direito, no se tratando de uma apresentao de uma ordem jurdica especial. Procura-se, com esta teoria, descobrir a natureza do prprio Direito, e determinar sua estrutura e suas formas tpicas, independentemente do contedo varivel que apresenta em diferentes pocas e entre diferentes povos. Deve-se responder questo do que o Direito, no do que deve ser. Enquanto esta questo poltica, a teoria pura do Direito cincia. Esta teoria chamada pura por procurar excluir da cognio do Direito positivo todos os elementos estranhos a este.
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A jurisprudncia, cincia especfica do Direito, deve, segundo Kelsen, ser distinguida tanto da filosofia da justia quanto da sociologia (cognio da realidade social). A Teoria Pura do Direito no busca responder questo de se dado Direito justo ou no. Tampouco se considera competente para responder o que constitui a prpria justia. Tais questes no podem ser respondidas cientificamente, logo no so objetos da presente teoria. No entanto, a libertao do conceito de Direito da idia de justia difcil porque eles so constantemente confundidos no pensamento poltico e na linguagem comum. Jurisprudncia normativa e sociolgica O objeto da Teoria Pura do Direito o Direito positivo, ou seja, uma ordem por meio da qual a conduta humana regulamentada de uma maneira especfica por normas que dispem como os homens devem conduzir-se. A jurisprudncia v o Direito como um sistema de normas gerais e individuais, sendo seu objeto justamente essas normas e jamais a conduta efetiva dos indivduos. A jurisprudncia considera uma norma jurdica vlida apenas se ela pertencer a uma ordem jurdica que, de modo geral, eficaz, isto , se os indivduos cuja conduta regulamentada pela ordem jurdica efetivamente se conduzirem, de modo geral, como deveriam conduzir-se segundo a ordem jurdica. Assim, se uma ordem jurdica perdesse sua eficcia, suas normas seriam invlidas. possvel, contudo, que uma ordem jurdica seja eficaz como um todo, sendo considerada vlida, mas que uma norma particular, embora vlida, no seja eficaz em um caso concreto por no ter sido obedecida ou aplicada, embora devesse s-lo. A diferena entre a validade e a eficcia consiste no dever ser presente no conceito da primeira. A jurisprudncia apresenta, com base em normas jurdicas vlidas, proposies que tm um sentido puramente descritivo. Essas proposies so enunciados que descrevem o dever ser da norma jurdica. Estes enunciados so chamados de Regras de Direito, em contraposio s normas jurdicas, emitidas pela autoridade jurdica. A regra de Direito, apresentada pela jurisprudncia, assim como a lei da natureza, um julgamento hipottico que vincula uma conseqncia especfica a uma condio especfica. Entretanto, enquanto a cincia natural descreve seu objeto a natureza em proposies de ser, a jurisprudncia descreve seu objeto o Direito em enunciados de dever ser. Esta jurisprudncia, que pode ser considerada uma jurisprudncia normativa do Direito, por ter uma viso especificamente jurdica do mesmo, diverge de outra, a sociolgica. Esta descreve os fenmenos do direito no em proposies que afirmam como os homens devem conduzir-se, mas em proposies que dizem como eles efetivamente se conduzem. Essas regras da vertente sociolgica jurisprudencial proporcionam o meio de prever os acontecimentos futuros na comunidade jurdica, a conduta futura a ser caracterizada como lei. Desse modo, enquanto a jurisprudncia normativa determina como os tribunais deveriam decidir em conformidade com as normas jurdicas
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em vigor, a sociolgica determina como eles decidem e como provavelmente decidiro. Observa-se que contanto que a ordem jurdica seja eficaz como um todo, existe a maior probabilidade de que os tribunais efetivamente decidam como deveriam decidir. A Teoria Pura do Direito no nega a validade de tal jurisprudncia sociolgica, mas a nega como nica cincia do Direito. Admite-se que ambas as jurisprudncias andam lado a lado, tratando cada uma de problemas diferentes. Enquanto a normativa trata da validade do Direito, a sociolgica trata de sua eficcia. Ressalta-se que a possibilidade de previso do funcionamento jurdico pela jurisprudncia sociolgica diretamente proporcional ao grau em que esse funcionamento foi descrito pela jurisprudncia normativa. A sociologia do Direito no apenas tem a funo de descrever e prever, se possvel, as condutas efetivas dos indivduos que criam a lei, aplicamna, e obedecem-lhe, mas tambm deve explic-la causalmente. Para tal, deve investigar as ideologias pelas quais os homens so influenciados em suas atividades criadoras e aplicadoras de lei. Entre essas ideologias a idia de justia desempenha um papel decisivo, sendo uma das tarefas mais importantes da sociologia do Direito. O conceito de norma Considerando que a Teoria Pura do Direito limita-se cognio do Direito positivo, sua orientao em boa parte a mesma da jurisprudncia analtica, descrita na obra anglo-americana de Johhn Austin. Contudo, divergem em alguns pontos, especialmente no que diz respeito ao conceito central da jurisprudncia, a norma. A jurisprudncia analtica no emprega esse conceito e ignora a distino entre ser e dever ser, que o fundamento do conceito da norma. Para ela, lei sinnimo de regra, de comando, sendo este a expresso da vontade de um indivduo dirigida conduta de outro indivduo. Assim, um comando consiste no desejo dirigido conduta de outra pessoa e na sua expresso de uma ou de outra maneira (querer + sua expresso). Acontece que as regras jurdicas que constituem o Direito no so efetivamente comandos. Isso porque elas so vlidas e obrigam indivduos mesmo quando a vontade pelas quais foram criadas h muito deixaram de existir . Kelsen afirma, ento, que dizer que uma lei particular um comando, uma vontade do legislador s pode ser tomado como uma expresso figurado. Isso porque a conduta humana decretada, provida ou prescrita por uma regra de Direito sem nenhum ato psquico de vontade. A lei seria, portanto, um comando despsicologizado. O homem deve conduzir-se conforme a lei. Nisto reside a importncia do conceito de dever ser, e revela a necessidade do conceito de norma (regra que afirma que um indivduo deve conduzir-se de certa maneira, mas no afirma que tal conduta a vontade efetiva de algum). Pode-se reconhecer, no entanto, um comando como sinnimo de norma quando o mesmo tem fora obrigatria. O elemento da coero
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O elemento da coero
Nesse aspecto, convergem a Teoria Pura do Direito e a jurisprudncia analtica ao considerarem a coero como elemento essencial do Direito. A lei, conforme a jurisprudncia analtica, seria uma regra forosamente aplicada por uma autoridade dada, e o meio pelo qual o Direito fora a obedincia de indivduos consiste na aplicao de sanes em caso de desobedincia. Essa coero seria psquica. Obedecer-se-ia pelo temor da sano. Entretanto, explica Kelsen, de um ponto de vista de um mtodo estritamente analtico, esta formulao no correta. Os indivduos podem ser impelidos a respeitar a norma por outros motivos, morais ou religiosos, por exemplo, podendo ser estes ainda mais importantes que o medo da sano do Direito. Assim, a coero psquica no um elemento especfico do Direito, estando a questo quanto aos motivos da conduta legtima fora do objetivo da cognio voltada apenas para o contedo da ordem jurdica. Neste caso, se est diante de um problema da jurisprudncia sociolgica e no da analtica ou normativa. Esta pode apenas afirmar que o Direito estabelece medidas coercitivas como sanes, que so dirigidas, sob condies definidas, contra indivduos definidos. Assim, no a coero psquica decorrente da idia que os homens tm do Direito, mas as sanes externas que ele prev que constituem a essncia do Direito. O Direito no , como formula John Austin (jurisprudncia analtica), uma regra executada por uma autoridade especfica, mas antes uma norma que estipula uma medida de coero especfica como sano. A norma jurdica refere-se conduta de duas entidade: o cidado, contra cujo delito dirigida a medida coercitiva da sano, e o rgo que deve aplicar a medida coercitiva do delito. A funo da norma vincular a sano como conseqncia a certas condies, entre as quais o delito desempenha um papel decisivo. Observada a partir de um ponto de vista sociolgico, a caracterstica essencial do Direito, pela qual ele se distingue de todos os outros mecanismos sociais, o fato de que ele procura ocasionar a conduta socialmente desejada atuando contra a socialmente indesejada o delito por meio de uma sano. A jurisprudncia analtica leva em considerao apenas o contedo da ordem jurdica e, portanto, apenas a ligao entre delito e sano. O sentido, segundo a Teoria Pura do Direito, em que condio e conseqncia esto ligadas na norma jurdica o de dever ser. Se algum rouba, deve ser punido. Dessa maneira, a cincia do Direito descreve as relaes que a norma jurdica, emitida pela autoridade jurdica estabelece entre delito e sano. pelo estabelecimento dessa relao que a norma jurdica impe deveres e confere direitos aos indivduos sujeitos ao Direito. O dever jurdico Inicialmente, salienta Kelsen que a sano pode ser dirigida no apenas contra o delinquente, mas contra outros indivduos: os que se encontram em uma relao especfica com o delinqente mesma
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individual e coletiva. Um exemplo desta ltima a vingana de sangue, ou vendetta, do Direito primitivo. Tal o procedimento, mesmo hoje, afirma Kelsen, no Direito Internacional, cujas sanes (retaliao e guerra) so dirigidas contra o Estado como entidade ou seja, contra cidados do Estado cujo rgo violou a lei. Importante distinguir responsabilidade de dever. A primeira recai sobre o indivduo contra o qual a sano dirigida, enquanto o ltimo recai sobre o delinqente potencial que pode, por meio de sua conduta, cometer o delito. Normalmente, no Direito moderno, os sujeitos do dever e da responsabilidade so a mesma pessoa. Mas h a exceo da responsabilidade coletiva, regra no Direito Internacional. Na teoria de Austin da jurisprudncia analtica essa separao entre responsabilidade e dever no feita. Ele parte da suposio de que a sano sempre dirigida contra o indivduo que comete o delito, no percebendo a diferena existente entre ser obrigado a manter certa conduta e ser responsvel por certa conduta. Segundo Austin, uma norma jurdica um comando de conduta legal. O decreto da sano no surge na norma que obriga o indivduo. Apenas se a norma jurdica for caracterizada, como faz a Teoria Pura, como uma normal pela qual decretada uma sano para a conduta ilegal, que se pode distinguir o caso em que a sano dirigida contra o indivduo que age contrariamente ao comando da lei, do caso em que a sano dirigida contra algum que se torna responsvel pelo delito cometido por outrem. O direito jurdico Direito pode significar que algum tem o direito de conduzir-se de certa maneira, significando que ele no tem o dever de conduzir-se de outra maneira; ele livre, nesse aspecto. Mas tambm direito pode ter um significado positivo de que algum obrigado a conduzir-se de maneira correspondente. Por exemplo, eu ter o direito de usar um objeto em meu poder implica o dever de outra pessoa no me pertubar nesse uso. Todo direito verdadeiro, que no for simples liberdade negativa em relao a um dever, composto de um dever para com outro ou vrios outros. Direito, neste sentido um dever relativo. Neste aspecto, acertada a jurisprudncia analtica. Contudo, ela no contm nenhum conceito de direito diferente do de dever. Tal direito existe quando a ordem jurdica confere a uma pessoa a oportunidade de tornar eficaz o dever de outrem iniciando uma ao judicial e, assim, aplicando a sano estipulada para a violao. apenas nesse caso que o direito de A conduta de B deixa de coincidir com o dever de B para com A. Portanto, a Teoria Pura do Direito restringe o conceito de direito a essa situao. Apenas nesse caso existe separadamente um direito no sentido estrito do termo. A teoria esttica e a teoria dinmica do direito: a hierarquia das normas A jurisprudncia analtica, tal como apresentada por Austin, considera o Direito um sistema de regras completo e pronto para aplicao, sem considerar o processo de sua criao. uma teoria esttica do Direito.
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A Teoria Positiva do Direito, a seu turno, reconhece que um estudo da esttica do Direito deve ser complementado por um estudo de sua dinmica, do seu processo de criao, at porque, o processo pelo qual se cria uma norma jurdica regulamentado por outra norma jurdica. Na verdade, outras normas geralmente determinam no apenas o processo de criao, mas tambm, em maior ou menor grau, o contedo da norma a ser criada. Por exemplo, a liberdade de expresso no deve ser determinada por estatuto, ou deve ser determinada apenas de certa maneira. A diferena entre normas que determinam o modo de criao de outras normas e aquelas que determinam seu contedo expressa meio de uma distino entre Direito adjetivo e Direito substantivo. As normas jurdicas que governam a criao de outras so superiores a estas, devendo a ordem jurdica ser analisada de um ponto de vista dinmico, com normas de diferentes hierarquias. Neste sentido funcional, constituio designa as normas que determinam a criao e ocasionalmente, at certo ponto, o contedo das normas jurdicas gerais, que, por usa vez, governam normas individuais como as decises judiciais. A relao entre uma norma de nvel superior e uma norma de nvel inferior, entre uma constituio e um estatuo decretado em conformidade com ela, por exemplo, significa tambm que na norma superior encontra-se o motivo para a validade da norma inferior; uma norma jurdica vlida porque passou a existir da maneira prescrita por outra norma. Este o princpio de validade peculiar ao Direito positivo. O fundamento de validade da constituio a norma fundamental da ordem jurdica. Esta norma fundamenta a responsvel pela unidade da ordem jurdica. O direito e o estado Austin refere-se a uma sociedade composta por um soberano e sditos. Ele diz que todo Direito criado por juiz criao do soberano ou do Estado, mas Estado, nesse caso, no significa uma sociedade poltica, mas o detentor da soberania na sociedade. Como a lei emana do soberano, este no est sujeito a mesma. Esse conceito de soberano sociolgico ou poltico, mas no jurdico no obstante, elemento essencial da jurisprudncia de Austin. Contrastante com o mtodo terico da jurisprudncia analtica, que deriva seus conceitos apenas de uma analise do Direito Positivo. Percebe-se, portanto, estar ausente na teoria de Austin um conceito jurdico de Estado. J a Teoria Pura do Direito afirma que o Estado no seus indivduos; a unio especfica de indivduos, e essa unio funo da ordem que regulamenta sua conduta recproca. uma comunidade poltica porque e na medida em que o meio especfico pelo qual essa ordem reguladora busca atingir seu fim a decretao de medidas de coero. A ordem jurdica ordem coercitiva. O que geralmente chamado de ordem jurdica do Estado o prprio Estado. Direito e Estado so geralmente considerados duas entidades distintas. Mas se for reconhecido que o Estado , por sua prpria natureza, um ordenamento da conduta humana, e que a caracterstica essencial
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ordenamento da conduta humana, e que a caracterstica essencial Direito, no mais pode prevalecer esse dualismo.
dessa ordem, a coero, ao mesmo tempo o elemento essencial do Os homens criam o Direito com base nas prprias normas definidas por este. Os indivduos que criam o Direito so rgos da ordem jurdica ou, o que equivale mesma coisa, rgos do Estado. Eles so rgos porque e na medida em que preenchem suas funes de acordo com as estipulaes da ordem jurdica que constitui a comunidade jurdica. Um indivduo como rgo do Estado significa que certas aes executadas por ele so atribudas ao Estado, unidade da ordem jurdica . Caso se resolva o dualismo de Direito e Estado e se reconhea o Estado como uma ordem jurdica, os chamados elementos do Estado territrio e populao surgem como as referencias territoriais e pessoais da validade da ordem jurdica nacional. O que Austin designa como soberano surge como rgo supremo da ordem, e a soberania , ento, no uma caracterstica do indivduo ou do grupo de indivduos que perfazem esse rgo, mas uma caracterstica do prprio Estado. Ser a soberania uma caracterstica da ordem jurdica nacional significa que no se presume nenhuma ordem superior a esta. Direito internacional e direito nacional A teoria do direito internacional, como teoria do Estado, no existe no domnio da jurisprudncia analtica que admite a validade do Direito internacional apenas como moralidade internacional positiva. Essa uma teoria dualista, que diferencia totalmente Direito nacional e Direito internacional. J a Teoria Pura do Direito demonstra que perfeitamente possvel considerar o Direito internacional como um Direito real, j que contm todos os elementos essenciais de uma ordem jurdica. Trata-se de uma ordem coercitiva no mesmo sentido que o Direito nacional: obriga os Estados a uma conduta mtua definida, visto que estipula sanes (retaliaes e guerra) contra a conduta contrria. Aqui se tem a teoria monista. A teoria monista considera o Direito nacional e o internacional como um sistema de normas, como uma unidade. As opinies diferem no que diz respeito a como esse todo construdo. Alguns afirmam que o Direito internacional parte do nacional, das normas do direito nacional que regulamentam a relao do Estado com outros Estados. As regras que se admite serem Direito internacional podem obrigar um Estado apenas quando este as recebe e, com isso, incorpora-as sua prpria ordem jurdica. a teoria da primazia do Direito nacional, derivada da idia de Estado soberano. Sendo isto verdadeiro, para cada uma das muitas ordens jurdicas nacionais, no h, segundo essa teoria, um Direito internacional, mas tantas quantas forem as ordens jurdicas nacionais. No existe, na verdade, um Direito internacional como tal, mas apenas o Direito nacional. A Teoria Pura do Direito defende a primazia do Direito internacional. O Direito internacional positivo pode ser considerado caso se renuncie suposio da soberania de cada Estado um sistema de normas colocado acima das ordens jurdicas nacionais, conferindo-lhes posio
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Hoje, afirma Kelsen, a tendncia antes para uma filosofia de valores universalistas, segundo a qual a comunidade superior ao indivduo. Na esfera das relaes internacionais, o parecer de que o Estado essencialmente soberano uma filosofia individualista, baseada na individualidade do Estado. O dogma da soberania no o resultado da anlise cientfica do fenmeno do Estado, mas a suposio de uma filosofia de valores. Consequentemente, no pode ser contestada cientificamente. A anlise do Direito internacional positivo feita pela Teoria Pura do Direito demonstra que suas normas so incompletas e necessitam de suplementao pelas normas das ordens jurdicas nacionais. Dizer que o Direito internacional obriga um Estado a certa conduta significa que o Direito internacional obriga um indivduo a tal conduta na condio de rgo desse Estado, mas que o Direito internacional determina diretamente apenas a conduta, deixando ordem jurdica nacional a determinao do indivduo cuja conduta constitui o contedo da obrigao internacional. Um princpio geralmente reconhecido do Direito internacional diz que se for estabelecido um poder que possa assegurar a obedincia permanente sua ordem coercitiva entre os indivduos cuja conduta essa ordem regulamenta, ento a comunidade constituda por essa ordem coercitiva um Estado no sentido do Direito internacional. A esfera me que essa ordem perfeitamente eficaz o territrio do Estado; os indivduos que vivem no territrio so o povo do Estado no sentido do Direito positivo internacional. Kelsen conclui o ensaio dizendo que assim como tarefa da cincia natural descrever seu objeto a realidade em um sistema de leis da natureza, tarefa da jurisprudncia compreender toda lei humana em um sistema de regras de Direito, o que ignorado pela jurisprudncia analtica de Austin. XI. DIREITO, ESTADO E JUSTIA NA TEORIA PURA DO DIREITO I A Teoria Pura do direito considera uma das principais tarefas libertar a cincia do direito as relquias do animismo. Um exemplo tipico da duplicao animista do conhecimento o dualismo Direito e Estado. No se pode negar que o Direito uma ordem social, ou seja,ordem que regulamenta a conduta dos seres humanos. E que ordem um conjunto de normas que prescreve certa a conduta humana. Assim dizer que o proposito do Direito estabelecer a ordem cria a iluso de que so duas coisas Direito e Ordem. Mas o Direito a prpria ordem. A cincia do Direito deve definir seu objeto com a seguinte pergunta: o que o direito na condio de objeto de uma cincia particular. Deve se aqui buscar uma caracteristica comum atravs de uma palavra que consiga designar um objeto, que consigo constituir uma caracteristica suficientemente significativa. A Teoria Geral do Direito supe que coero um elemento essencial do Direito. As ordens sociais ao longo da histria esto ligados a idia de Direito como ordem coercitiva e
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ainda que descreve atos coercitivos como sano. Assim Direito assumiu esse significado ao longo da histria. O conceito de Direito como ordem coercitiva refere-se ao conteudo das normas de Direito. No se pode negar porm que preciso eficcia para validade do Direito. Ou seja conformidade da conduta humana ao Direito. Nenhuma ordem social, nem mesmo a que chamamos moralidade ou justia considerada vlida se no for at certo ponto eficaz. Porem, a eficacia como condio de validade do Direito no pode ser confundida com a coero como elemento essencial do conceito de Direito. II Na relao Direito e estado, diz-se que o Estado uma comunidade poltica que cria ou executa a ordem social chamada Direito. Mas o que seria comunidade? Comunidade uma comunidade de interesses, individuos que tem interesses em comum formam uma sociedade. Interesses em comum podem ser motivos para se estabelecer uma comunidade, porm nem todos os individuos que tem interesse em comum formam sociedade. Sustentar esse conceito seria sustentar o interesse ideologico, onde o interesse seria preponderante a comunidade. A afirmao de que a sociedade chamada Estado baseia-se no interesse comum dos seus sujeitos equivale a doutrina que essa comunidade esta baseada no consentimento de todos os seus membros. Como um contrato social . E isso uma das piores invenes juridicas inventada pelos juristas romanos. o mesmo caso da afirmao de Plato (As leis): apenas o homem justo feliz, o homem injusto infeliz. E Plato ainda afirma que se for uma mentira, uma mentira til. Comunidade seria as relaes humanas determinadas por uma ordem regulamentadoras das condutas recprocas dos envolvidos. Essa ordem social constitui comunidade. Ser um membro dessa comunidade nada mais do que estar sujeito a essa ordem. Para evitar dualismo, nada melhor do que afirmar que a ordem social a comunidade e no que ela constitui a comunidade. Se o Estado uma comunidade, uma comunidade juridica. Ele uma ordem juridica que constitui a comunidade. Porem afirmar que o Estado como ordem social idntico ao Direito no correto. Nem toda ordem juridica Estado. A ordem juridica relativamente centralizada sim, Estado. E Estado aqui pessoa atuante, literalmente falando, como a autoridade, o poder por trs do Direito. Isto o animismo que a Teoria Pura do Direito tenta,em vo,eliminar, por ser tautologicamente vazia. III A Teoria Pura do Direito limita-se a uma anlise da estrutura do Direito positivo, baseando-se em um estudo comparativo das ordens sociais existentes e tambm das que existiram historicamente. Portanto os estudos da origem do Direito ultrapassam a esfera da teoria. Alguns pontos so ocupados pela sociologia e histria, que exigem metodos diferentes. A diferena metodologica entre uma analise estrutural do
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Direito e a sociologia e histria equipara-se a diferena entre teologia e sociologia ou histria da religio. O objeto da teologia Deus, tido como existente; o objeto da sociologia e historia da religo a crena dos homens. A Teoria Pura do Direito trata o Direito como sistema de normas vlidas criadas por atos dos seres humanos. J a sociologia e histria do Direito tenta descrever e explicar o fato de o homem ter idias diferentes do Direito em pocas e lugares diferentes, e ainda conformar ou no sua conduta as idias. A pureza da Teoria do Direito propoe uma analise estrutural, adequado ao seu problema espefico, eliminando problemas que exijam metodos diferentes. Essa pureza a exigencia indispensvel de evitar esse sincretismo de metodos. Eliminar esses problemas de metodos diferentes no negar sua existencia. A Teoria Pura do Direito nunca pretendeu ser a nica cincia. Juntamente com a sociologia e historia do Direito a analisa estrutural do Direito se faz necessrio para compreender o fenomeno complexo do Direito. A questo de determinar se a ordem juridica justa ou injunsta no pode ser respondida pelos metodos e analise estrutural do Direito positivo. Isso no implica de que a questo do que justia no possa ser respondida de maneira objetiva. Mas Direito e justia deveriam ser considerados dois conceitos diferentes. Se e idia de justia tiver funo a de ser um modelo para a feitura de um bom Direito, e ainda um criterio para determinar um bom e um mau Direito. A jurisprudncia tradicional tende a identificar Direito e justia, como usar o termo Direito no sentido de Direito justo, e ainda dizer que um Direito positivo no real se no for justo. Dizer que esse Direito no o Direito verdadeiro quase impossvel, uma vez no h critrio objetivo para o termo justia. O efeito real da identificao terminologica de Direito e justia uma justificao ilicita de qualquer Direito positivo. No existe um critrio objetivo de justia porque essa afirmao de ser justo ou injusto um juzo de valor que se refere a um fim absoluto e esses juzos de valor, pela sua prpria natureza so de critrio subjetivo, baseados em elementos emocionais da mente. Juizos de valor definitivo so atos de preferncia; a escolha de dois valores conflitantes; o melhor ao invs do bom. como escolhar entre liberdade e segurana por exemplo. Alguns se sentem felizes quando livres, outros preferem a segurana, e assim consideram justo um sistema social que garanta segurana economica. Assim seus juzos de valores, sobre liberdade e segurana, e assim sobre justia baseia-se em seus sentimentos e assim as idias de justia so muito diferentes. Diferentes so os enunciados sobre a realidade. O enunciado sobre fatos baseia-se nos sentidos controlados pela razo. Devemos sustentar a diferena evidente entre juizo de valor e enunciados sobre a realidade. E essa diferena, embora relativa consideravel o suficiente para justificar a diferenciao do juzo sobre o que justo e o enunciado sobre o que Direito. Direito positivo a lei criada por atos dos seres humanos, no tempo e espao, em contraposio a lei natural. A questao sobre o Direito positivo no depende dos sentimentos dos sujeitos, mas veridicada por fatos objetivamente verificveis ao passo que responder o ser justo do Direito, depende da funo emocional da mente do sujeito.
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A identificao do termo Direito e justia um dos elementos caracteristics da doutrina do Direito natural que apresenta a justia como lei natural. O Direito positivo tambm lei. E enquanto no for provado desacordo com a lei natural, e lei verdadeira. E os doutrinadores, bastante conservadores, consideram que existe presuno favoravel a conformidade do Direito positivo ao Direito natural. Essa presuno sustentada pelo dualismo entre Direito positivo e Direito natural. Os atos dos seres humanos pelo qual a lei criada, tem carater constitutivo, mas pelo Direito natural considerados como meramente declaratorios. Os orgos reproduzem a lei da natureza, de Deus, pela razo humana. No as criam. Pode-se fracassar nessa descoberta da lei, mas os orgos das comunidade, responsaveis por essa descoberta tem a suposio de que de modo geral conseguem faze-lo com sucesso, caso contrario no haveria lei nenhuma realizada. A doutrina de um Direito dual ou seja, Direito verdadeiro, criado por autoridades misteriosas e o Direito positivo que a reproduo daquele Direito), surge em varios disfarces. Rousseau em sua distino entre vontade geral e vontade de todos. A vontade geral justa por estar voltada ao interesse comum dos membros da comunidade. Os orgaos da comunidade, ao fazerem a lei, tem de estar em conformidade com a vontade geral. Podem conseguir ou no, mesmo que a vontade da maioria ou unanime, pode no expressar a vontade geral, e ainda assim ser aplicada a todos. Como saber se a maioria, a vontade de todos esta em conformidade ou no com a vontade geral? No h resposta na obra de Rousseau. Outra forma de Direito dual esta na escola histrica alem,alegadamente oposta ao Direito natural. A escola alem sustenta que o Direito tem origem no espirito do povo. O costume no fato criador, apenas testemunho de um Direito preexistente. Mas o costume considerado um testemunho absolutamente confiavel; assim o Direito consuetudinario um Direito verdadeiro e ainda preferivel ao Direito estatuario. O defensor dessa escola do Direito consuetudinrio Savigny, que sustenta que o povo respeita muito mais o que no tem origem visivel e tangivel do que o que foi feito diante dos nossos olhos por homens do nosso tipo. Uma doutrina similar a doutrina da solidariedade social, defendida por Leon Duguit. Nessa doutrina o legislativo e judiciario no criam o Direito, apenas constatam e aplicam um Direito preexistente, que tem origem na solidariedade social. A autoridade chamada solidariedade social nada mais do que a vontade geral de Rousseau, ou o esprito do povo, da escola alem. A questo decisiva : o Direito positivo para ser obrigatorio deve conformar-se ao Direito objetivo que criado pela solidariedade social e assim essa doutrina dever decidir em uma caso concreto se o Direito positivo esta ou no em conformidade com o Direito objetivo, o Direito justo e verdadeiro. Mas o que Direito objetivo, se o sentimento de um homem ou a concepo desse Direito diferem dos de outros, se o legislador positivo constata como Direito objetivo regras que conforme os sentimentos e idias de algum que
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deveria obedecer o Direito positivo, no so Direito objetivo? impossivel que um individualista e um socialista concordem quanto ao que a solidariedade social exige ou ao quanto o Direito objetivo, o verdadeiro Direito . Duguit ignora esse problema porque da como certo aquilo que ele, a partir do seu ponto de vista individualista considera ser o Direito o Direito objetivo por excelncia. Quem competente para decidir de um Direito positivo est ou no em conformidade com o Direito objetivo? Duas respostas so possveis. da competencia exclusiva do criador da lei, legislador e juiz decidir essa questo se houver disputa. O Direito positivo ser sempre declarado de acordo com o Direito bjetivo. A outra possibilidade de que qualquer individuo competente para decidir. O Direito positivo em si no imperativo por que so os homens que os emite, e so iguais perante si, ningum tem o Direito de comandar outros. A opinio de ser ou no o Direito positivo em conformidade com o Direito objetivo tem o mesmo peso se conferido por legislador e juiz, ou por individuos. O que difere a opinio de o individuo governante do indivduo governado que o primeiro tem o poder de impor sua opinio e tem autoridade maior do que a opinio dos indivduos governados. O dualismo Direito positivo e Direito objetivo o efeito e propsito de justificar um pelo outro. Esses exemplos visam explicar porque a teoria pura do Direito insiste em separar o conceito de Direito do conceito de justia e porque essa teoria renuncia a qualquer justificao do Direito positivo como espcie de supra-Direito, deixando essa tarefa a religio ou metafsica social. XII. CAUSALIDADE E RETRIBUIO Introduo A fsica moderna, que a mais exata de todas as cincias, demonstra que a antiga noo de que a lei da casualidade determina absolutamente todos os eventos foi modificada essencialmente. Mas qual a fonte, a origem que pretende serem todos os eventos determinados por uma lei absoluta? Vamos mostrar como a crena na causalidade surgiu na evoluo do pensamento humano. A causalidade no uma forma de pensamento que nasce com a conscincia humana (o que Kant chamou de noo inata), antes, houve um perodo em que a forma de interpretar o mundo no era causalmente. O pensamento causal estranho ao homem primitivo, que interpretavam a natureza por pensamentos sociais, tinha pensamento animista (personalista), sendo todos os seres governados pelas mesmas leis, segundo o princpio da retribuio, ou seja, o homem retribui o bem com o bem, o mal com o mal, sendo retribudo (punido ou recompensado) segundo atitudes suas ou do grupo ao qual pertence, o pensamento que domina por completo o homem primitivo. Isso verificado pelas relaes histricas desse homem com os animais, plantas, os objetos e com sua religio/mitos. Desse modo, possvel que o pensamento cientfico causal tenha se desenvolvido a partir do pensamento retributivo, o que nos mostra a filosofia natural dos antigos gregos, que teve sua origem nas concepes mticas e religiosas, que se baseiam na idia de retribuio.
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Parte I A filosofia natural grega, primeira grande tentativa de concepo cientfica da realidade foi afetada pelos valores sociais, vez que foram tomados como ponto de partida para a explicao causal da realidade. A natureza, inicialmente, foi explicada pela analogia sociedade, sendo o Estado o padro para a compreenso do universo nessa nascente cincia natural. Com a progressividade da especulao, percebe-se um distanciamento entre a lei do Estado (norma) e a lei da natural (causalidade), tornandose princpios totalmente distintos. Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxmenes buscam um princpio fundamental que explique a unidade do universo, partindo da viso de governo monrquica (o ar alma do mundo, a razo primeira dos acontecimentos e do movimento), razo pela qual diziam que o im tinha alma, pois atrai/movimenta o ferro (uma explicao causal com origem social). Ainda hoje acreditamos nessa explicao causal (a causa atrai o efeito, assim como o homem ao errar atrai o mal e, por consequncia, a punio). Assim, a ideia de retribuio deu origem explicao causal. Com o tempo percebe-se que deve existir uma igualdade de natureza entre a causa e o efeito. Na pea Agamemnn squilo, expressa o pensamento de que errnea a crena tradicional de que muita sorte trz m sorte. antes o pecado que cria o pecado, assim como pais originam filhos iguais a si, equiparando, assim, mal com punio, bem com recompensa, numa equiparao qualitativa e quantitativa (quanto mais mal maior a punio, quanto maior o bem, maior a recompensa). A Justia contm a ideia de retribuio, igualdade e equilbrio, com base na balana. O equilbrio entre os contrrios (seco/molhado, calor/frio, terra/gua, fogo/ar) gera justia, seu desequilbrio gera injustia. Essa ideia a primeira noo de que uma lei imanente governa todo o universo compreendida. uma primeira tentativa de entender a causalidade, todavia, essencialmente a lei da retribuio. A cincia moderna at hoje v a relao de causa e efeito de maneira cronolgica, isso em razo de no incio o mal (que era a causa) preceder cronologicamente a punio (que era o efeito). Herclito v a natureza como uma sucesso de opostos, mas ele utiliza da figura da guerra para explicar as relaes causais (A guerra pai de tudo e rei de tudo), partindo dessa viso, Herclito chega na ideia de logos (que a razo eterna, universal que governa todas as coisas). Em seus escritos Herclito reforava a ideia de uma lei universal (A lei divina prevalece tanto quanto quer, suficiente para todas as coisas e mais forte do que todas as outras coisas). Essa regra jurdica, projetada no cosmos, inviolvel porque considerada como vontade absoluta de uma divindade. a ideia de Direito natural, no sentido de ordem jurdica natural, que formulada aqui. Anaximandro expressa a ideia jurdica de retribuio da seguinte forma: O sol no ultrapassar suas medidas, mas, se o fizer, as Frias (demnios da vingana grega), as crias de Dike [Justia, deusa da retribuio], descobri-lo-o. Esse trecho interpretado como sendo a inviolabilidade da lei da causalidade, uma
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interpretado como sendo a inviolabilidade da lei da causalidade, uma normativa. O sol poder at ultrapassar sua medidas, todavia, quando isso ocorrer, ser punido, pois a lei universal, como regra jurdica, estabelece sanes. Essa norma uma lei de retribuio e, como tal, vontade inabalvel de uma divindade. Assim, a inviolabilidade da lei
causal, to contestada na cincia moderna, origina-se da inviolabilidade que o mito e a filosofia natural. A primeira cincia natural (fsica) desenvolve sua lei natural a partir desse princpio de retribuio. A ideia de retribuio, nas leis que regem o cosmo, foi observado em outros filsofos (poeta Esquilo em a personagem Prometeu; Empdocles que teve sua filosofia influenciada por elementos rficos e pitagricos, com a ideia de transmigrao das almas e metempsicose, podendo a alma incorporar-se em outros seres, animais ou plantas, razo pela qual todos esto sujeitos a uma mesma lei, que garante a todos o mesmo direito de viver). A norma fundamental de toda essa teogonia (explicao do mudo pelos mitos/deuses) a proibio de matar, assim, a natureza torna-se evidentemente uma parte da sociedade, e a lei da retribuio torna-se, na verdade, uma lei natural. Empdocles ensinava que uma mesma e nica ordem jurdica existe para todas as coisas vivas e proclamava solenemente que as punies inexpiveis ameaam os que as ferem. A noo moderna de causalidade est estabelecida nos escritos dos atomistas (Leucipo e Demcrito) que realizaram a quase completa separao da lei da causalidade do princpio da retribuio, eliminando todos os elementos teolgicos da interpretao da natureza e rejeitando causas que so , ao mesmo tempo, fins. A lei universal deixou de ser uma norma (baseada na retribuio divina) e passou a ser uma necessidade da natureza (objetiva e impessoal). O sofista Protgoras, professor de Demcrito, o ensinou que a punio do Estado, pela norma, tem um propsito claro: contempla o futuro, ou seja, impedir aquela pessoa particular, e outros que o vem punido, de fazer mal novamente. Assim, a lei do Estado, como lei da natureza, libertada do mito da retribuio. Demcrito busca nos tomos o fundamento para explicar a natureza, num esquema de ao e reao (golpes e contragolpes de tomos), mas essa ideia anloga ao princpio da retribuio, que liga uma ao a sua reao especfica, a saber, o mal punio, o mrito recompensa. Plnio (analisando os atomistas em sua obra Histria Natural) afirma que Demcrito reconhecia apenas duas divindades: punio e recompensa. Demcrito usa a palavra causa que originalmente significa culpa, assim, a causa responsvel pelo efeito, tal raciocnio tem um elemento normativo que at os dias atuais acompanha a cincia natural. Parte II Na Idade Mdia, a ideia da existncia de um princpio da causalidade absolutamente vlido corria o risco de perder-se, em razo da viso teleolgica de mundo que prevaleceu neste perodo. Mas Bacon, Galileu e Kleper retomaram tal ideal, e ele continuou a ser o princpio predominante, at que em certas esferas da fsica moderna (fsica
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Hume foi o primeiro a criticar a ideia de causalidade, de que toda causa est ligada a determinado efeito. Segundo Hume, nossa mente levada pelo costume a esperar que certo fenmeno ser sempre acompanhado no futuro pelo mesmo fenmeno que o acompanhou regularmente no passado. Contudo, continua o filsofo, nossa mente no levada pelo costume a crer que uma exceo est absolutamente excluda. Hume influenciado pela ideia de Direito consuetudinrio que prevalecia na Inglaterra em seu tempo (dizia ele o costume o grande guia da vida humana), mas o costume no constitui regras sem excees, razo pela qual a ligao de causa e efeito, conforme falamos, deve ter sido originada da ideia de retribuio oriunda da antiga filosofia grega. A fsica moderna tambm discorda de outra tese causalista, de que o efeito deve ser igual causa. Philipp Frank, aps analisar as teses de cientistas causalistas (Robert Mayer e Driesch) diz que impossvel simplesmente considerar a energia em geral como a medida da causalidade. Nenhum evento dependente apenas uma causa. Razo pela qual alguns filsofos abandonaram completamente a noo de causa e substituram-na pela de condies ou componentes de um evento e a noo de efeito foi substituda pela de resultantes. A noo de causalismo substituda pela de condicionalismo. Critica-se tal substituio, vez que a noo de causa no completamente abandonada, mas apenas modificada, renunciando somente ideia bipartite (ligao entre dois fatos = causa e efeito), para afastar a noo que se originou da ideia de retribuio. A retribuio realmente firmada nessa ideia bipartite, pois que segundo o postulado retributivo ningum deve ser punido duas vezes pelo mesmo fato (ne bis in idem). A causalidade tambm pretendeu abandonar o esquema cronolgico dos elementos causa e feito, assim, conforme alguns postulados modernos, no existe vinculao cronolgica de precedncia e sucesso entre causa e efeito, o que existe uma vinculao funcional, onde a causa pode virar efeito e o efeito a causa a depender da dinmica e observao dos fenmenos, que podem ser simultneos. A lei de Boyle estabelece uma ligao entre presso e volume de um gs, que so dois fatos simultneos, embora por costume possa se dizer que um elemento causa do outro, o que em realidade existe uma dependncia funcional entre os elementos e no cronolgica. Mas o principal golpe conta a lei da causalidade foi desferido pela mecnica quntica (a mecnica das partculas subatmicas), em razo do princpio da incerteza de Heisenberg, em sntese, afirma que a medio da velocidade de um eltron tanto mais inexata quanto mais exata a medio de sua posio no espao e vice-versa, ou seja, saber a velocidade exata do eltron implica em no saber sua posio, mas saber sua posio exata, implica em no saber qual sua velocidade exata. Isso significa que o objeto de observao modificado pelo prprio ato de observar, por mais exata que seja essa observao (quero observar a velocidade, modifico a posio, se quero observar a posio eu interfiro na velocidade do eltron). Isso torna impossvel o
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discernimento do fenmeno causal, pois que o observador, visando medir s causa e efeito, interferiu no objeto de estudo. Razo pela qual muitos fsicos (Heisenberg e Bohr), diante da incerteza nas observaes causais, recorrem estatstica (probabilidade) no se aplicando a lei universal de causalidade. Em decorrncia disso, muitos filsofos chegam a afirmar que a natureza no , como supunha a fsica clssica, governada por leis (determinista). Reichenbach interpreta a crise da fsica moderna no como uma questo de substituio da causalidade por leis estatsticas, mas como uma modificao da noo de causalidade, que caminha da certeza absoluta (da fsica clssica) para a probabilidade (da fsica moderna). A probabilidade causal (ligao provvel) seria a substituta da antiga necessidade (ligao necessria). Mesmo antes do princpio da incerteza, quando usava-se a lei da causalidade para eventos futuros, utilizava-se da probabilidade, basta ver as obras de Laplace, que entendia que sendo impossvel para a mente humana considerar todas as foras de um dado momento futuro, este poderia ser previsto apenas como probabilidade. A teologia sempre pregou que somente Deus pode prever o futuro. Transferindo essa ideia emocional para o racional, percebe-se que por trs dela est nada mais que a noo imemorial de que a lei que governa o mundo a vontade de Deus, portanto, uma norma. A norma determina o que deve acontecer no futuro, a lei natural, ao contrrio, busca no passado a causa para o evento presente. O que podemos ver no futuro, pela cincia, mera suposio de que o passado se repetir. Afirmar que a lei da causalidade pode prever o futuro no fundo justificar a origem normativa da causalidade. Malebranche desenvolveu uma teoria na qual diz que com base na experincia no percebemos nenhuma ligao necessria entre os fenmenos e nenhuma fora causal., o que observamos so sucesses regulares, que so comandadas por Deus. Nesse ponto Malebranche e Hume se aproximam, pois que ambas justificam na experincia a conexo entre causa e efeito que percebemos, todavia, Hume no justifica direitamente em Deus suas concluses, antes, procura desvincular a divindade de suas especulaes. O princpio da causalidade, na cincia moderna, no pode ser validado como oriundo de uma autoridade metafsica (Deus), mas pode ser compreendido como um postulado epistemolgico dirigido cognio (compreenso) humana, apenas para ordenar uma ligao simples entre os fenmenos observveis na realidade, como causa e efeito, admitindo que existem excees a ele, assim como o fato de que uma norma jurdica pode ser violada por uma exceo (e por tal no deixa de ser vlida), o que justifica ainda mais sua validade, pois s pode ser violada porque vlida, assim, apenas uma regra que descreve uma conduta real pode ter uma exceo. Portanto, quando a cincia natural descreve a realidade em conformidade com o postulado epistemolgico da causalidade, as chamadas leis da natureza, podem muito bem ter excees e ser meras leis de estatsticas de probabilidade. Essa transformao da noo de causalidade o ltimo passo no processo de sua emancipao do princpio de retribuio.
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XIII. CAUSALIDADE E IMPUTAO Diante da usual distino entre cincias naturais e sociais como cincias que tratam de dois objetos diferentes: natureza e sociedade; eis que feita a indagao Kelseniana na investigao sobre cincia jurdica: Natureza e sociedade so realmente dois objetos distintos? Considerando o direito como norma, ou seja, como sistema de normas, e limitando a cincia jurdica ao conhecimento e descrio dessas normas jurdicas e s relaes por estas constitudas, delimita-se o direito em face da natureza e a cincia jurdica, como cincia normativa, em face de todas as outras cincias que visam o conhecimento, informado pela lei da causalidade, de processos reais.. Segundo Kelsen, somente por essa via se alcana um critrio seguro de distino unvoca de sociedade e natureza e de cincia social e natural. Para desenvolver essa proposta que possibilita o sentido do princpio imputao, Kelsen inicia-se a presente discusso. Dentre as varias definies, a natureza uma ordem particular de coisas ou um sistema de elementos que esto ligados uns com os outros como causa e efeito, e um exemplo clssico Kelseniano dessa causalidade a afirmao de um corpo metlico (ferro) que quando aquecido, expande-se, dilata, sendo a ligao entre calor e expanso exemplo de causa e efeito. Se h uma cincia social que diferente da cincia natural, ela deve descrever seu objeto diferentemente do princpio de causalidade, ou melhor, no apenas a partir dele. A sociedade uma ordem da conduta humana, e sendo assim, com essa afirmao da sociedade enquanto ordem normativa se tem claro que na abordagem em que Kelsen se refere conduta humana, verificase uma conexo dos atos de conduta humana entre si e com outros fatos. Nesse sentido, Kelsen anuncia uma relao no apenas formada de acordo com o princpio da causalidade, mas tambm com outro princpio que totalmente diferente do princpio da causalidade. Nesse sentido, apenas com a compreenso e aplicao de tal princpio, a partir da prova de que est presente no pensamento humano e aplicado por cincias que tm por objeto a conduta dos homens entre si enquanto determinada por normas, que se poder fundamentar a diferena da sociedade como uma ordem ou um sistema diferente da natureza e as cincias que se ocupam da sociedade como diferentes das cincias naturais. Logo, a proposta de Kelsen de que somente quando a sociedade passa a ser entendida como uma ordem normativa da conduta dos homens entre si que ela pode ser concebida como um objeto diferente da ordem causal da natureza, e do mesmo modo tambm que a cincia social pode ser contraposta cincia natural. Enfim, somente quando o direito for uma ordem normativa da conduta dos homens entre si, pode ele como fenmeno social ser distinguido da natureza, e assim, a cincia jurdica, enquanto cincia social, ser separada da cincia da natureza. Segundo Kelsen, o princpio ordenador da ordem normativa da conduta
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dos homens entre si, diferente do princpio da causalidade, denominado como princpio da imputao.
A ligao entre delito e sano estabelecida por uma prescrio ou por uma permisso (uma norma), a cincia do Direito descreve seu objeto por meio de proposies em que o delito est ligado sano pela cpula deve; denominando-se essa ligao de imputao, assim, a idia de imputao como ligao especfica do delito sano est implcita no juzo jurdico de que um indivduo , ou no, juridicamente responsvel por sua conduta, ou seja, a sano imputada ao delito, e no causada pelo delito. Na sua efetiva aplicao no direito, o princpio da imputao, que embora anlogo ao da causalidade distingue-se deste de maneira essencial. A analogia entre os princpios da imputao e da causalidade reside na circunstncia de que o primeiro tem nas proposies jurdicas uma funo completamente anloga do princpio da causalidade nas leis naturais. Nesse sentido, da mesma maneira que uma lei natural, uma proposio jurdica liga entre si dois elementos. Assim pode-se dizer que a diferena que existe de que a ligao que se exprime na proposio jurdica totalmente diferente da lei natural expressa pelo princpio da causalidade. Para Kelsen, a ligao da proposio jurdica vem de sua produo por uma norma estabelecida pela autoridade jurdica, por uma vontade, enquanto que a ligao de causa e efeito apresentada pela lei natural totalmente independente de qualquer interveno nesse sentido. A noo de imputao a que Kelsen se refere a mesma que se opera com o sentido jurdico de imputabilidade, a de que imputvel aquele que pode ser punido por sua conduta, aquele que pode ser responsabilizado por ela. Inimputvel, de modo contrrio, aquele que por ser menor ou doente mental no pode ser punido pela mesma conduta, no pode ser por ela responsabilizado. A imputao que se apresenta no conceito de imputabilidade no a ligao de uma determinada conduta com a pessoa que assim se conduz, mas a ligao de uma determinada conduta, de um ilcito, com uma conseqncia do ilcito. Por isso Kelsen afirma que a conseqncia do ilcito imputada ao ilcito, mas no produzida pelo ilcito, como sua causa. Por certo, portanto, que a cincia jurdica no busca uma explicao causal dos fenmenos jurdicos, e em suas proposies jurdicas que descrevem estes fenmenos ela no aplica o princpio da causalidade, mas sim o princpio da imputao. Kelsen diferencia a imputao da causalidade, ressaltando, no entanto, que as duas partem da mesma proposio: um julgamento hipottico que liga alguma coisa como condio, a outra coisa como conseqncia. A diferena que o princpio da causalidade afirma que se A existe, B existe (ou existir), enquanto o princpio da imputao afirma que se A existe, B deve existir. Nos dizeres do autor a diferena entre causalidade e imputao que a relao entre a condio, que na lei da natureza apresentada como causa, e a conseqncia, que aqui apresentada como efeito, independente de um ato humano ou sobre-humano; ao passo que a
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relao entre condio e conseqncia afirmada por uma lei moral, religiosa ou jurdica estabelecida por atos de seres humanos ou sobre-humanos. justamente este significado especfico da ligao entre condio e conseqncia que expresso pelo termo dever ser. Esse princpio da imputao est na base da interpretao da natureza pelo homem primitivo que interpreta os fatos que apreende atravs dos seus sentidos segundo os mesmos princpios que determinam as relaes com os seus semelhantes, conforme normas sociais, pois fato que na conscincia dos homens que vivem em sociedade, existe a representao de normas que regulam a conduta e vinculam os indivduos e que, por assim ser, apresentam as normas e sanes mais antigas da humanidade. Para Kelsen, as normas mais antigas da humanidade provavelmente so aquelas que visam a limitar os impulsos sexuais e agressivos. O incesto e o homicdio so, absolutamente, os crimes mais antigos; como so a perda da paz e a vingana de sangue, as mais antigas sanes socialmente organizadas. E na base dessa sano est o princpio mais primitivo que determina a vida social, a norma da retribuio, que compreende a punio como recompensa, assim, condio e conseqncia esto ligadas no segundo o principio da causalidade, mas segundo o principio de imputao, as quais possuem em sua base originria a regra da retribuio Para o homem primitivo, aquilo que a cincia moderna denomina como natureza uma parte de sua sociedade como ordem normativa, cujos elementos esto ligados entre si segundo o princpio fundamental da imputao. Existe na mente do homem primitivo uma necessidade de explicao de um evento, se considerado prejudicial interpretado como punio reta. Em outros termos: eventos prejudiciais so imputados conduta errada; eventos vantajosos, conduta certa. Nesse sentido, ocorrendo um evento de tal tipo, a pergunta do homem primitivo no ser: qual a causa dele; mas: quem responsvel por ele. Trata-se de uma interpretao normativa da natureza, e, como a norma da retribuio, que determina as relaes dos homens, um principio social especifico, denominando-a de interpretao socionormativa da natureza. O mais importante da imputao, no sentido lato da palavra, a ligao da conduta humana com o pressuposto sob o qual essa conduta prescrita numa norma. Desse modo, toda retribuio imputao, mas nem toda imputao retribuio. Logo, grande a probabilidade de que a lei da causalidade tenha surgido da norma de retribuio, agora de maneira mais evidente, como resultado de uma transformao do princpio da imputao, em virtude do qual, na norma de retribuio, a conduta no-reta ligada pena e a conduta reta ligada ao prmio. Dando continuidade investigao Kelseniana sobre cincia jurdica, cabe aqui evidenciar algumas diferenas entre o princpio da causalidade e o princpio da imputao. Ao passo que ambos se apresentam como juzos hipotticos nos quais um determinado pressuposto ligado com uma determinada conseqncia, revela-se
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sua primeira diferena justamente no sentido da ligao de cada um. O princpio da causalidade afirma que, quando A , B ou ser. J o princpio da imputao afirma que quando A B deve-ser. Outra diferena profundamente importante consiste em que toda a causa concreta pressupe como efeito uma outra causa, e todo efeito concreto deve ser considerado como causa de um outro efeito, de tal forma que a cadeia de causa e efeito interminvel nos dois sentidos. J no princpio da imputao a situao se d de maneira diferente: o pressuposto a que imputada a conseqncia, seja numa lei moral, seja numa lei jurdica, no necessariamente uma conseqncia que tenha de ser atribuda a outro pressuposto, e a conseqncia tambm no tem necessariamente de ser outro pressuposto a que se deva atribuir nova conseqncia. A terceira diferena a de que h um ponto terminal na imputao diferentemente do que ocorre na srie causal. Esse ponto terminal da imputao inconcilivel com a idia de causalidade. Conclui-se assim que no se pode aplicar a mesma norma para a natureza e para a proposio jurdica. O princpio da causalidade parte da natureza independente da vontade dos homens, como por exemplo, a erupo de um vulco, j a imputao aparece como responsabilizao de um ato cometido atravs de uma norma jurdica um dever-ser, e tem como conseqncia a punio. Enfim, basicamente os dois princpios so diferenciados pela natureza da conseqncia. Na relao causal (causalidade), o efeito no a descrio do estabelecido por ato de vontade dos titulares de competncia jurdica, como pode se verificar nas sanes na relao normativa. XIV. CINCIA E POLTICA Realidade e valor comum afirmar que a cincia deve ser independente da poltica. Com isto, quer-se dizer que a busca da verdade, funo essencial da cincia, no deve ser influenciada por interesses polticos, que so os interesses envolvidos no estabelecimento e na manuteno de uma ordem social definida ou de uma instituio particular. A poltica como arte de governar, como prtica de regulamentar a conduta social dos homens uma atividade que necessariamente pressupe a assuno consciente ou inconsciente de valores. A independncia da cincia diante da poltica significa, em ltima anlise, que o cientista no deve pressupor nenhum valor. Enunciados cientficos so juzos sobre a realidade; por definio, so objetivos e independentes de desejos e temores de sujeito que julga porque so verificveis por meio da experincia. So verdadeiros ou falsos. Juzos de valor, porm, tm carter subjetivo porque so baseados, na personalidade do sujeito que julga, em geral, e no elemento emocional de sua conscincia, em particular. O princpio de excluir juzos de valor do campo da cincia parece ter uma exceo. Existe um valor que a cincia deve pressupor- a verdadeh um juzo de valor que um cientista pode pronunciar legitimamente: o
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h um juzo de valor que um cientista pode pronunciar legitimamente: o juzo de que algo verdadeiro ou falso. Contudo, a verdade no um valor do mesmo sentido que os valores na base da atividade poltica como, por exemplo, a liberdade individual ou a segurana econmica. Verdade significa conformidade com a realidade, no conformidade com um valor pressuposto. O juzo de algo verdadeiro ou falso a
verificao da existncia ou no-existncia de um fato, e tal juzo tem um carter objetivo na medida em que independente do desejo ou do temor do sujeito que julga e verificvel pela experincia dos sentidos, controlados pela razo. Pode-se demonstrar pela experincia que o enunciado O ferro mais pesado que a gua verdadeiro e que o enunciado A gua mais pesada que o ferro falso; e um deles verdadeiro e outro falso mesmo se o sujeito que julga, por um motivo ou outro deseja o contrrio. Por outro lado, o enunciado de que certa organizao, que garante a liberdade individual, mas no segurana econmica, boa no enunciado sobre um fato, no deve ser verificado por experimento e no verdade nem falso. Juzos sobre valores no contradizem juzos sobre a realidade, na verdade, apenas se seu significado tal que no podem contradizer ou afirmar juzos sobre a realidade que so juzos no sentido especfico do termo. Nesse sentido, a realidade e valor so sempre duas esferas diferentes. Os termos valor e juzo de valor so frequentemente usados em outro sentido. Tal o caso quando e enunciado de que algo meio adequado para certo fim considerado juzo de valor. O enunciado refere-se relao entre causa e efeito e, justamente essa relao entre fatos que constitui uma realidade especfica, a realidade da natureza. A cincia natural descreve seu objeto como real aplicando o princpio da causalidade- isto , por meio de enunciados de que em dada condio, uma consequencia especfica certamente, ou provavelmente ocorrer. Esses enunciados so chamados de leis da natureza. O enunciado de que algo um meio adequado para um fim verdadeiro ou falso; para ser verdadeiro, deve ser verificvel pela experincia. O enunciado de que uma organizao comunista boa significa que meio adequado de ocasionar segurana econmica para todos, e se enunciado de que uma organizao comunista m significa apenas que ela no tem este resultado. Ambos so juzos sobre a realidade, e, se so classificados como juzos de valor, tais juzos de valor no so diferentes de juzos sobre a realidade, mas apenas um tipo especial de tais juzos, e, portanto, no devem ser excludos da esfera da cincia. A cincia pode determinar os meios, mas no pode determinar os fins. O enunciado de que algo um fim, no idntico ao enunciado de que um indivduo, especialmente o sujeito que julga, ou vrios indivduos o desejam. O segundo um enunciado sobre um fato sobre o estado de esprito efetivo dos seres humanos. Se por fim designa-se aquilo que um indivduo efetivamente deseja, esse termo significa a inteno do indivduo, o propsito a que ele est efetivamente visando. Mas, no sentido especfico, o enunciado de que algo um fim, por exemplo, o enunciado de que a segurana econmica para todos o fim da vida social, expressa a ideia de que algo deve ser buscado como um fim,
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mesmo que no seja efetivamente buscado. Nesse sentido, o conceito de fim idntico ao de fim correto. Portanto este enunciado (fim correto) equivale afirmao de que esse algo prescrito por uma norma. Nesse sentido, fim significa valor e, nesse sentido, uma norma constitui valor. Em outras palavras, apenas como enunciado sobre o que deve ser feito, em conformidade com uma norma pressuposta como vlida, que o enunciado de que algo um fim um juzo de valor no sentido especfico do termo, em contraposio a um juzo sobre a realidade, na condio de enunciado sobre o que efetivamente feito ou provavelmente ser feito. Devemos distinguir um fim, que pode ser considerado um meio para outro fim, de um fim ltimo, ou, o que d no mesmo, um valor constitudo por uma norma fundamental, isto um valor supremo. Obedecer aos mandamentos de Deus um fim ltimo- um valor supremo, o contedo de uma norma fundamental. O enunciado de que a cincia pode determinar o meio, mas no o fim ltimo, equivale ao enunciado de que a cincia no deve pressupor a validade uma norma fundamental. Enunciados cientficos sobre os meios adequados podem ser formulados apenas como proposies condicionais: se for pressuposta como vlida a norma fundamental que constitui um fim ltimo, ento meio adequado. Juzos sobre fins ltimos ou supremos so, apesar de sua pretenso a uma validade objetivam altamente subjetivos. Assim, eles diferem de juzos sobre a realidade, que- sedo verificveis pela experincia e completamente independentes da personalidade do sujeito que julga, particularmente de seus desejos e temores- so, pela prpria natureza objetivos. Essa objetividade uma caracterstica essencial da cincia, e, por causa, de sua objetividade, a cincia ope-se poltica e deve ser separada dela, porque a poltica uma atividade baseada, em ltima anlise, em juzos de valor subjetivo. A cincia da poltica e a cincia poltica O princpio da objetividade aplica-se cincia social, assim como cincia natural e, em particular, chamada cincia poltica. O objeto da cincia poltica a poltica- a atividade dirigida para o estabelecimento e a manuteno de uma ordem social, especialmente o Estado. Ao descrever os fenmenos que estuda, o cientista poltico deve levar em considerao os valores que os homens pressupem em suas atividades polticas. Mas ao faz-lo no deve considerar a norma que constitui o valor como vlida, ele no deve aprovar nem desaprovar o objeto de sua anlise, para que seu trabalho no se torne, em vez de uma cincia da poltica, uma cincia poltica, no sentido de um instrumento da poltica. Se isso acontece, ela no uma cincia, mas uma ideologia poltica. A separao de cincia e poltica, que significa absteno de juzos de valor em uma cincia cujo objeto, por assim dizer, est impregnado de juzos de valor, no to paradoxal como parece; necessrio admitir apenas que verificar o fato de que os homens so, consciente ou inconscientemente, determinados em suas atividades polticas por juzos definidos bem diferente de apoiar esses juzos de valor. No h
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motivos para diferenciar cincias naturais e sociais no que diz respeito ao postulado de separar cincia e poltica. Os que negam a legitimidade desse postulado no que diz respeito cincia poltica aceitam- pelos menos em parte- um dos princpios mais caractersticos da filosofia marxista; o dogma de que a cincia no pode ser separada da poltica porque apenas parte da superestrutura de uma realidade econmica (o que significa, segundo essa filosofia, uma realidade poltica) e, consequentemente, nunca realmente mais do que um instrumento poltico. Esse dogma nega a possibilidade de uma cincia independente. Embora a cincia deva ser separada da poltica, a poltica no necessita ser separada da cincia. A cincia em geral e a cincia poltica em particular podem fornecer os meios adequados, mas, como foi assinalado, ela no pode determinar os fins ltimos da poltica. Contudo, admitir que esses fins, baseiam-se em juzos de valor subjetivos parece muito difcil para aqueles que- por motivos polticosprocuram uma justificao absoluta do sistema poltico que tentam estabelecer ou sustentar. Se no esto dispostos a encontrar tal justificao na religio, tentam obt-la na cincia. Tambm essa tendncia caracterstica da filosofia marxista, que afirma estabelecer um socialismo cientfico. A verdadeira cincia, claro, recusa-se a ser substituo da religio e no pode seno destruir a iluso de que juzos de valor podem ser derivados da cognio de realidade, de que os valores so imanentes realidade, que o objeto do estudo cientfico. A viso de que valor imanente, realidade, se sustentada por uma teoria da sociedade anti-religiosa, antimetafsica, (como, por exemplo, pela filosofia de Comte ou pela interpretao econmica da histria Marx), no tem nenhum fundamento. Cincias normativas O postulado da separao entre cincia e poltica pressupe que o objeto da cincia a realidade. Existem, porm, cincias, ou disciplinas geralmente consideradas cincias, como a tica e a jurisprudncia, cujo objeto parece no ser a realidade, mas valores. Elas descrevem normas que constituem valores, e, nesse sentido, podem ser chamas de cincias normativas. Para consider-los cincias, devemos levar em considerao o fato de que existem dois tipos de normas, assim, existem dois tipos diferentes de juzos de valor: existem normas positivas, criadas por atos de indivduos e normas que no so criadas nessa maneira, mas so apenas pressupostas na mente dos indivduos que atuam e julgam. As normas do Direito positivo podem ser estabelecidas pelo costume, por atos legislativos, jurisprudenciais, atos administrativos ou transaes jurdicas. Os atos pelos quais so criadas as normas de um sistema normativo positivo so sempre fatos manifestados no mundo exterior, perceptveis aos sentidos. Dizer que uma norma criada por um fato uma figura de linguagem. A norma o significado especfico do fato, e esse significado, imperceptvel aos nossos sentidos, resultado de uma interpretao. Interpretar o significado de um fato como norma possvel apenas sob condio de pressupormos outra norma que confira a esse fato a
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condio de pressupormos outra norma que confira a esse fato a ltima anlise, no pode ser uma norma positiva. A diferena entre uma norma positiva e norma no positiva
particularmente claro no campo do Direito. A primeira constituio histrica s tem carter de norma obrigatria se pressupomos uma norma segundo a qual devemos conduzir-nos tal como os que estabeleceram a constituio ordenaram que nos conduzssemos. Se no supomos que os pais da constituio receberam sua autoridade de Deus, essa norma uma norma fundamental. No foi estabelecida, como foi a prpria constituio pelos atos de seres humanos; ela apenas pressuposta pelos que querem interpretar certas relaes humanas como relaes jurdicas ou como relaes determinadas por normas jurdicas. Esse pressuposto, porm no arbitrrio. Na verdade, pressupomos que devemos conduzir-nos como os que estabeleceram a constituio ordenaram que nos conduzssemos, se a ordem jurdica estabelecida com base nessa constituio, for de modo geral, eficaz. princpio da eficcia implcito na norma fundamental. A jurisprudncia como cincia do Direito tem normas positivas por objeto. Apenas o Direito positivo pode ser objeto de uma cincia do Direito. o princpio do positivismo jurdico, em oposio doutrina do Direito natural, que pretende apresentar normas jurdicas no criadas por atos de seres humanos, mas deduzidas a partir da natureza. Deduzir normas a partir da natureza, isto , considerar a natureza como legisladora, pressupe a ideia de que a natureza criada por Deus e, assim, a manifestao de vontade, que absolutamente boa. Portanto, a doutrina do Direito natural no uma cincia, mas uma metafsica do Direito. O Direito positivo pode ser Direito nacional (Direito de um Estado, baseado na constituio) ou Direito internacional (criado pelos costumes). Mas a norma em que a validade de um Direito positivo se fundamenta , na verdade, uma norma no-positiva, e o princpio do positivismo jurdico pode ser sustentado apenas se restringindo por esse fato. Essa restrio, porm, no abole a oposio entre positivismo jurdico e a doutrina do Direito natural. A norma fundamental de uma ordem jurdica positiva- em contraposio s normas substantivas do Direito natural que prescrevem uma conduta humana definida como em conformidade com a natureza ( e isso significa justa) e probem uma conduta humana definida com contrria natureza ( e isso significa injusta) - tem carter meramente formal. Serve como fundamento para qualquer ordem jurdica positiva, independentemente de sua conformidade ou no-conformidade com o Direito natural e, tem na cincia do Direito, um carter meramente hipottico. Normas jurdicas positivas podem ser objeto de uma cincia jurdica, porque a existncia- e isso significa a validade- de uma norma positiva condicionada pela existncia de fatos. Esses fatos so os atos pelos quais a norma jurdica criada, como um costume, um ato legislativo, judicial ou administrativo, uma transao legal, juntamente com a eficcia da ordem jurdica total qual pertence a norma. A afirmao de que certa conduta humana (ou certo ato do Estado) legal ou ilegal
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pode ser verdadeira ou falsa, sendo verificvel pela experincia. Tal norma existe apenas se for criada em conformidade com a
constituio que est na base daquele Direito e, essa constituio vlida apenas se a ordem jurdica sobre ela estabelecida for, de modo geral, eficaz. So fatos que podem ser verificados pela cincia da natureza. Portanto, a afirmao de que normas so o objeto da cincia do Direito no significa que o objeto dessa cincia no seja a realidade. Significa apenas que esse objeto no uma realidade natural tal como descrita pela cincia natural. Mas o objeto da cincia jurdica pode ser caracterizado como realidade jurdica, tal como descrita pela cincia jurdica, consistem em fatos que tm- contato que seja pressuposta a validade da norma fundamental no-positiva- um significado especfico: o significado de normas positivas. A cincia natural descreve seu objeto como real enunciado que em certas condies (causas), ocorrem, necessria ou provavelmente certas conseqncias (seus efeitos). Essas proposies, como foi assinalado, so as chamadas leis da natureza, que so leis da causalidade. Os enunciados pelos quais a cincia do Direito descreve seu objeto no so uma aplicao do princpio da causalidade; eles no tm significado das leis da natureza, embora tenham a mesma forma gramatical. Seu significado no o de que, em certa condio, determinada consequncia ocorre efetivamente, isto , necessria ou provavelmente, mas que, sob condio de certa conduta humana, outra conduta humana deve ocorrer como conseqncia. Esses enunciados so regras de Direito. Na regra de Direito de que se um homem comete roubo, outro homem deve punir o ladro a punio no descrita como efeito nem o roubo como a causa. O termo dever expressa o significado especfico da ligao entre condio e consequncia, estabelecida por uma norma jurdica (uma prescrio ou permisso), como diferente da ligao entre causa e efeito. Pode ser designada como imputao. necessrio lembrar, claro que, quando o princpio da imputao aplicado, e quando se afirma que, sob a condio de certa conduta, outra conduta deve ocorrer, o termo deve no tem seu significado moral costumeiro, mas significado puramente lgico. Designa, como a causalidade, uma categoria no sentido da lgica transcendental de Kant. A cincia do direito e a poltica Se as proposies por meio das quais a cincia do Direito descreve seu objeto forem chamadas regras de Direito, devem ser distinguidas das normas jurdicas descritas por essa cincia. As primeiras so instrumentos da cincia jurdica, as segundas so funes da autoridade jurdica. Ao descrever o Direito por meio de regras de Direito, a cincia do Direito no exerce a funo de autoridade social, que uma funo da vontade, mas funo da cognio. Embora se possa considerar que as normas jurdicas emitidas pela autoridade jurdica constituem valor especfico a saber, o valor jurdico, as regras de Direito no so juzos de valor em nenhum sentido possvel do termo, assim como as leis da natureza por meio das quais a cincia natural descreve seu objeto no so juzos de valor. A nica norma no-positiva que a cincia do Direito pode levar em
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considerao- no como seu objeto- norma fundamental da ordem jurdica que seu objeto. A funo especfica da norma fundamental de uma ordem jurdica positiva, que constitui valor jurdico, servir como fonte ltima do Direito, isto , como razo da validade da constituio de uma ordem jurdica; e a constituio aquela norma jurdica positiva ( ou conjunto de normas) que regulamenta a criao de outras normas da ordem jurdica. Portanto, a norma fundamental de uma ordem jurdica positiva, como foi assinalado, tem um carter meramente formal; ela no constitui um valor substantivo como, por exemplo, a norma no-positiva de que os homens deve ser livres, ou de que os homens devem viver em segurana- que constituem o valor chamado justia. Um Direito positivo pode ser justo ou injusto; a possibilidade de ser justo ou injusto uma conseqncia essencial do fato de ser positivo. O juzo de que algo legal ou ilegal, como foi assinalado, refere-se necessariamente a uma ordem jurdica definida, vlida para certo espao e em certo tempo. O que legal segundo uma ordem jurdica pode ser ilegal segundo outra. Nesse sentido, o valor constitudo por normas jurdicas positivas sempre um valor relativo. Mas a ideia de justia, em seu sentido especifico, designa um valor absoluto, constitudo por uma norma no-positiva que se afirma vlida em todas as partes em todos os tempos, uma norma substantiva como um contedo imutvel. Mesmo se o enunciado de que alguma coisa justa ou injusta significar que ela est ou no em conformidade com uma norma de uma ordem moral positiva, estabelecida pelo costume ou pelos comandos de um fundador religioso, ele estar excludo do campo da cincia do Direito. Pois a validade de tal norma positiva depende de uma norma fundamental do Direito positivo, que a nica condio sob a qual a cincia do Direito pode descrever seu objeto como um conjunto de normas vlidas que constituem o valor jurdico especfico. Outros valores, especialmente o valor da justia, que valor especfico segundo o qual o Direito positivo chama valores polticos, para serem distinguidos do valor jurdico. Mas, embora a cincia do Direito possa e deva ser separada da poltica, isto , embora o cientista jurdico deva abster-se de juzos de valor poltico, o processo legislativo, que funo da autoridade jurdica, no pode ser separado da poltica. Pois essa funo determinada no apenas pelas normas jurdicas, mas Tb por normas de outro sistema normativo que, para distingui-las do Direito, so chamadas, como foi assinalado de polticas. uma peculiaridade do Direito de reger sua prpria criao. Assim como a constituio rege a criao dos estatutos ou institui o costume como fato criador do Direito, estatutos e regras de Direito consuetudinrio regem a criao de normas especficas pelos tribunais nas jurisprudncias. Ao criar uma norma, a autoridade jurdica aplica uma norma superior que determina a criao e o contedo da norma inferior. Na medida em que sua funo criadora de normas deixada ao seu arbtrio, a autoridade jurdica pode ser, e efetivamente , determinada por outras normas que no as normas jurdicas- e nessa medida sua funo tem um carter poltico, ao passo que uma funo
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medida sua funo tem um carter poltico, ao passo que uma funo jurdica na medida em que determinada por normas jurdicas. Normalmente o rgo legislativo juridicamente obrigado pela constituio. esse caso quando a constituio probe ou prescreve
certo contedo para essas normas, por exemplo, quando a constituio probe certo contedo a restrio da liberdade religiosa. Na medida, em que a funo legislativa , determinada pela constituio, o legislador pode ser, e efetivamente , determinado por princpios polticos, especialmente pela sua ideia de justia. Ele pode preferir um conceito a outro no mesmo campo, pq considera um justo e o outro injusto. O cientista jurdico no tem escolha de aceitar ou rejeitar o Direito, tal como estabelecido pelo legislador, com base no seu juzo sobre o que justo ou injusto. Ele pode apenas examinar se as normas criadas pelo rgo legislativo esto ou no em conformidade com as normas positivas da constituio, e o resultado desse exame , em ultima anlise, a verificao objetiva de um fato, no um juzo subjetivo de valor. Mas, mesmo o enunciado do cientista jurdico, de que um estatuto ou no constitucional, no tem nenhuma importncia jurdica, pois a questo de se o estatuto ou no constitucional no pode ser decidida pela cincia do Direito, mas pela autoridade jurdica a quem o Direito confere esse poder. A aplicao do Direito por uma autoridade jurdica, assim como a descrio do Direito pelo cientista poltico, implica uma interpretao do Direito. Interpretar uma norma jurdica encontrar seu significado. uma exigncia da tcnica jurdica que a norma jurdica seja formulada to claramente quanto possvel, para que seu significado seja inquestionvel. Por vezes, mais de um significado pode ser encontrado em uma norma jurdica. Existem diferentes mtodos de interpretao: segundo a inteno do legislador, interpretao histrica ou lgica e a interpretao restritiva ou extensiva. Mesmo que um mtodo de interpretao seja obrigatrio, ele pode fornecer significados diferentes e contraditrios. Ao aplicar uma norma, a autoridade jurdica escolhe em desses significados e, assim, atribui fora de Direito. Isso pode ser chamado uma interpretao autntica, embora na linguagem tradicional esse termo seja usado apenas para designar uma norma jurdica cujo propsito expresso interpretar uma norma anterior, no a interpretao implcita na aplicao da norma. A escolha de um dos vrios significados de uma norma jurdica por uma autoridade jurdica em sua funo aplicadora do Direito um ato criador do Direito. Na medida em que essa escolha no determinada por uma norma superior, uma funo poltica. Portanto, a interpretao automtica do Direito por uma autoridade jurdica pode ser caracterizada como interpretao poltica. Por outro lado, a tarefa de um cientista jurdico que interpreta um instrumento jurdico demonstrar seus possveis significados e deixar autoridade jurdica competente a escolha, segundo princpios polticos, do que esta autoridade julga mais adequado. Ao mostrar as possibilidades que a lei a ser aplicada abre autoridade jurdica, o cientista jurdico serve cientificamente funo aplicadora de direito; ao revelar a ambiguidade e assim, a necessidade de melhorar a redao,
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Se o cientista jurdico recomenda autoridade jurdica um dos diferentes significados de uma norma jurdica, ele tenta influenciar um processo criador de Direito e exerce uma funo poltica e no cientifica; se ele apresenta essa interpretao como a nica correta, esta atuando como um poltico disfarada de cientista. Portanto a interpretao cientifica do Direito, que a interpretao do Direto por um cientista jurdico pode ser caracterizada como uma interpretao jurdica em contraposio interpretao aplicada a uma autoridade jurdica. Ao preferir uma das diversas interpretaes possveis, excluso de outras, a segunda pode ser caracterizada como uma interpretao poltica. O jurdico e o poltico A distino entre uma funo jurdica e uma funo poltica como distino como uma funo determinada por normas jurdicas e uma funo determinada no por normas jurdicas, mas por normas polticas, de muitas vezes de considervel importncia. Um exemplo tpico o reconhecimento de uma comunidade ou de um Estado, ou de um corpo de indivduos como governo de um Estado. Segundo alguns autores o reconhecimento tem apenas carter declaratrio, no tem conseqncias jurdicas. Portanto, uma comunidade um Estado se cada um cumprir as exigncias do Direito internacional, independentemente de ser ou no comunidade reconhecida pelos outros Estados. Segundo outros autores, o reconhecimento tem um carter constitutivo, o que significa que tem conseqncias jurdicas essenciais. Assim, uma comunidade um Estado apenas quando reconhecida pelos outros Estados. Mas, na verdade, o reconhecimento um ato constitutivo e declaratrio, o ato chamado reconhecimento compreende duas funes: uma funo jurdica, que constitutiva, e uma funo poltica, que declaratria. frequente a afirmao de que a constituio de um Estado, ou a constituio de uma comunidade internacional, no um instrumento jurdico mas um instrumento poltico, que, conseqentemente deve ser interpretado no juridicamente, mas politicamente. No pode haver a menor dvida que a constituio de um Estado ou tratado constituinte de uma comunidade internacional so instrumentos jurdicos. A nica questo se so, ao mesmo tempo instrumentos polticos. Se a resposta afirmativa certamente no se fundamenta no contedo dos instrumentos, que, por sua prpria natureza, Direito e nada mais que Direito. O instrumento em questo pode ser chamado poltico apenas no que diz respeito ao propsito do Direito que contm. O propsito poltico no priva, em absoluto, o instrumento em carter jurdico. No existe nenhum instrumento jurdico que no tenha um propsito extrajurdico, porque o Direito, visto a partir de um ponto de vista teleolgico, sempre um meio e no um fim. Portanto, o propsito poltico ou econmico de uma norma jurdica no pode excluir uma interpretao jurdica, isto , legal, sobretudo porque uma interpretao jurdica inclui como foi assinalado todas as interpretaes possveis de uma norma jurdica.
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A doutrina de que existem disputas jurdicas, ou poltica, no passveis de deciso judicial em virtude de inaplicabilidade do Direito internacional existente interpreta erroneamente aquilo que uma inadequao do ponto de vista no- jurdico, classificando-o como impossibilidade jurdica. Seu propsito no interpretar o Direito de maneira objetiva, mas justificar a tentativa de excluir a aplicao do Direito existente, em contradio com seu significado cientificamente verificvel. Assim, essa doutrina no uma teoria cientifica, mas um instrumento de poltica. O uso equivocado da distino jurdico e poltico um dos meios mais eficazes, embora no nico, empregados para confundir a cincia do Direito com a poltica. Evitar a fuso destas duas esferas heterogneas to essencial para preservao do carter cientfico da jurisprudncia quanto vital a separao de cincia e poltica para a existncia de toda e qualquer cincia independente.
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