Poemas de Camões

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Quem diz que Amor falso ou enganoso Quem diz que Amor falso ou enganoso, Ligeiro, ingrato, vo desconhecido,

o, Sem falta lhe ter bem merecido Que lhe seja cruel ou rigoroso. Amor brando, doce, e piedoso. Quem o contrrio diz no seja crido; Seja por cego e apaixonado tido, E aos homens, e inda aos Deuses, odioso. Se males faz Amor em mim se vem; Em mim mostrando todo o seu rigor, Ao mundo quis mostrar quanto podia. Mas todas suas iras so de Amor; Todos os seus males so um bem, Que eu por todo outro bem no trocaria. Lus de Cames Glosa a mote alheio "Vejo-a na alma pintada, Quando me pede o desejo O natural que no vejo." Se s no ver puramente Me transformei no que vi, De vista to excelente Mal poderei ser ausente, Enquanto o no for de mi. Porque a alma namorada A traz to bem debuxada E a memria tanto voa, Que, se a no vejo em pessoa, "Vejo-a na alma pintada." O desejo, que se estende Ao que menos se concede, Sobre vs pede e pretende, Como o doente que pede O que mais se lhe defende. Eu, que em ausncia vos vejo, Tenho piedade e pejo De me ver to pobre estar, Que ento no tenho que dar, "Quando me pede o desejo." Como quele que cegou cousa vista e notria, Que a Natureza ordenou Que se lhe dobre em memria O que em vista lhe faltou, Assim a mim, que no rejo Os olhos ao que desejo, Na memria e na firmeza Me concede a Natureza

"O natural que no vejo." Lus de Cames Erros meus, m fortuna, amor ardente Erros meus, m fortuna, amor ardente Em minha perdio se conjuraram; Os erros e a fortuna sobejaram, Que pera mim bastava amor somente. Tudo passei; mas tenho to presente A grande dor das cousas que passaram, Que as magoadas iras me ensinaram A no querer j nunca ser contente. Errei todo o discurso de meus anos; Dei causa [a] que a Fortuna castigasse As minhas mal fundadas esperanas. De amor no vi seno breves enganos. Oh! quem tanto pudesse, que fartasse Este meu duro Gnio de vinganas! Lus de Cames Senhora minha, se de pura inveja Senhora minha, se de pura inveja Amor me tolhe a vista delicada, A cor, de rosa e neve semeada, E dos olhos a luz que o Sol deseja, No me pode tolher que vos no veja Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada, Onde vos terei sempre debuxada, Por mais cruel inimigo que me seja. Nela vos vejo, e vejo que no nasce Em belo e fresco prado deleitoso Seno flor que d cheiro a toda a serra. Os lrios tendes nu~a e noutra face. Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso Quem os tiver, se h tanto bem na terra! Lus de Cames Julga-me a gente toda por perdido Julga-me a gente toda por perdido, Vendo-me to entregue a meu cuidado, Andar sempre dos homens apartado E dos tratos humanos esquecido. Mas eu, que tenho o mundo conhecido, E quase que sobre ele ando dobrado, Tenho por baixo, rstico, enganado Quem no com meu mal engrandecido.

V revolvendo a terra, o mar e o vento, Busque riquezas, honras a outra gente, Vencendo ferro, fogo, frio e calma; Que eu s em humilde estado me contento De trazer esculpido eternamente Vosso fermoso gesto dentro na alma. Lus de Cames Nunca em amor danou o atrevimento Nunca em amor danou o atrevimento; Favorece a Fortuna a ousadia; Porque sempre a encolhida cobardia De pedra serve ao livre pensamento. Quem se eleva ao sublime Firmamento, A Estrela nele encontra que lhe guia; Que o bem que encerra em si a fantasia, So u~as iluses que leva o vento. Abrir-se devem passos ventura; Sem si prprio ningum ser ditoso; Os princpios somente a Sorte os move. Atrever-se valor e no loucura; Perder por cobarde o venturoso Que vos v, se os temores no remove. Lus de Cames Qual tem a borboleta por costume Qual tem a borboleta por costume, Que, enlevada na luz da acesa vela, Dando vai voltas mil, at que nela Se queima agora, agore se consume, Tal eu correndo vou ao vivo lume Desses olhos gentis, Ania bela; E abraso-me por mais que com cautela Livrar-me a parte racional presume. Conheo o muito a que se atreve a vista, O quanto se levanta o pensamento, O como vou morrendo claramente; Porm, no quer Amor que lhe resista, Nem a minha alma o quer; que em tal tormento, Qual em glria maior, est contente. Lus de Cames O cisne, quando sente ser chegada O cisne, quando sente ser chegada A hora que pe termo a sua vida, Msica com voz alta e mui subida Levanta pela praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada Chorando do viver a despedida; Com grande saudade da partida, Celebra o triste fim desta jornada. Assim, Senhora minha, quando via O triste fim que davam meus amores, Estando posto j no extremo fio, Com mais suave canto e harmonia Descantei pelos vossos desfavores La vuestra falsa f y el amor mio. Lus de Cames Ditoso seja aquele que somente Ditoso seja aquele que somente Se queixa de amorosas esquivanas; Pois por elas no perde as esperanas De poder nalgum tempo ser contente. Ditoso seja quem, estando absente, No sente mais que a pena das lembranas, Porque, inda mais que se tema de mudanas, Menos se teme a dor quando se sente. Ditoso seja, enfim, qualquer estado, Onde enganos, desprezos e iseno Trazem o corao atormentado. Mas triste de quem se sente magoado De erros em que no pode haver perdo, Sem ficar na alma a mgoa do pecado. Lus de Cames Eu cantarei de amor to docemente Eu cantarei de amor to docemente, Por uns termos em si to concertados, Que dois mil acidentes namorados Faa sentir ao peito que no sente. Farei que amor a todos avivente, Pintando mil segredos delicados, Brandas iras, suspiros magoados, Temerosa ousadia e pena ausente. Tambm, Senhora, do desprezo honesto De vossa vista branda e rigorosa, Contentar-me-ei dizendo a menor parte. Porm, pera cantar de vosso gesto A composio alta e milagrosa Aqui falta saber, engenho e arte. Lus de Cames

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