ANO XX - No. 240 - DEZEMBRO DE 1979

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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
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ANO XX — N9 240
Sumario
Pcg

"COMO NAO NOS TERÁ DADO TUDO COM ELE ?" 485

"Nova et Velera" (coisas novas e antigás):


"A IGREJA E SEUS MODELOS11 por Avery Dulles, S. J 487

Um livro "revolucionario" :
"ENFOQUES MATEREALISTAS DA BIBLIA" por Michel Clévenot 502

Enfoque novo :
"O EVANGELHO Á LUZ DA PSICANÁLISE" por Francoise Dolto ... 514

Uma reformulacáo histórica :


"IDADE MEDIA : O QUE NAO NOS ENSINARAM" por Regirte Pernoud 520

ÍNDICE 1979 535

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

• * *

NO PRÓXIMO NÚMERO:

Interrogacóes e aspiragoes do homem russo. — Acordó


ecuménico sobre o Batismo. — "Oracáo aos Macons". —
I Congresso Mundial de Filosofía Crista.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Numero avulso de qualquor mes 32,00

Assinatura anual 320,00

e Iícda^ao de Estévao Bcttcncourt O.S.B.

ADJIINISTRACAO REDACAO DE PR
Uvrarta Missionária Editora
Rila México, 111-B (Castelo)
20.031 Rio de Janeiro (RJ) 20.000 Rio de Janeiro <RJ)
Tel.: 224-0059
"COMO NAO NOS TERÁ DADO TUDO COM ELE ?"
(Rm 8, 32)

Mais do que o próprio Filho, o Pai nao podia ter dado aos
homens. E o Pai O deu como servidor pobre e humilde, para
derramar a riqueza de Deus dentro da miseria do homem
ou a eternidade dentro da temporalidade da criatura.
Esse dom de Deus poe termo a longo período de expecta
tiva da parte dos homens. Desde o sáculo V, o povo de Deus
nao tinha profetas; o céu parecía ter-se fechado; a historia de
Israel era austera, marcada pela presenca do estrangeiro domi
nador (persas: 538-331; macedónios: 331-323; egipcios:
323-200; sirios: 200-63; romanos: 63 a.C. - 135 d.C). Sobre
este paño de fundo o Natal toma todo o seu significado:
ocorre como um sorriso de Deus; o Filho é a graca ou o sem
blante benévolo do Amor de Deus (cf. 2Cor. 13,13), que
rompe o silencio e a penumbra da historia para dizeraospovos
grandes verdades: os homens sao filhos de Deus, e nao apenas
criaturas biológicas; sao chamados a comungar na vida do Pai
e a herdar a vida eterna; as realidades pequeñas e pobres da
existencia humana sao "vasos de argila nos quais se coloca
inestimável tesouro" (cf. 2Cor. 4,7). Tudo é grande, tudo é
divinizado pelo fato de que Deus toca o que é do homem,
vivendo com os homens e como os homens.
A doacao de que fala o Apostólo em Rm 8,32, é ilustrada
no Antigo Testamento pela imagem das nupcias. Estas implicam
sempre a mutua doacao de esposo c esposa. Ora, segundo os
profetas, Deus quis fazer-se esposo da filha de Sion; quis dar-se
a ela como um esposo se dá á esposa. Mais íntima uniao nao
poderia ser concebida: o Pai deu o Filho á humanidade num en
lace matrimonial, como, alias, insinuam as parábolas do Evan-
gelho (cf. Mt 22, 2-4; Le 14, 16-24)1
Esta abordagem de Natal sugere duas conclusoes:
1) O Apostólo, de ¡mediato, propoe a primeira: "Se Ele
entregou o próprio Filho, como nao nos terá dado tudo com
Ele?" (Rm 8,32). Em outros termos: como aínda julgar que
Deus possa alguma vez esquecer os seus filhos ou possa ser
omisso para com eles? A tentapao de assim pensarmos ñas ho
ras dif icéis e amargas dissipa-se diante do raciocinio de Sao Pau
lo, raciocinio, alias, que já encontrava seus ecos antecipados nu-
ma passagem do profeta Isaías:
"Sion dizia: 'O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de
mim!
Acaso pode urna mulher esquecer-se do menino que amamenta,
e nao ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela o esqueces-
se, eu nunca te esqueceria. Eis que te gravei ñas palmas das minhas maos"
(Is 49, 14-16).
Que a consciéncia desta verdade, tao coerente com a
mensagem de Natal, nunca se apague na mente do crístao
máxime nos momentos obscuros, em que o desánimo tende a
sobrepujar a fé e a esperanca! Quando o Pai entregava o seu
Filho aos homens no seio da Virgem, Ele já previa cada urna
das nossas situacoes amargas e de antemao se comprometía
a fazer de nossos males bens ainda maiores. Alias, com muito
acertó dizia S. Agostinho: "Deus nunca permitiría o mal se,
em sua sabedoría, Ele nao tivesse recursos para tirar do mal
bens ainda maiores". Sería absurdo ou ilógico, da parte do cris
tao, pensar diversamente; seria, sim, conceber Deus á guisa de
um Senhor grande e poderoso, mas limitado e deficiente,
como sao os homens.
2) O dom de Deus aos homens, testemunhado mais urna
vez pelo Natal, suscita com vigor novo o dom dos homens a
Deus. Se Ele quis correr o risco de se dar á criatura, esta pode-se
dar ao Criador sem correr algum risco. Para entender devida-
mente o que significa o dom de Natal, basta lembrar o que
pensavam os filósofos gregos pré-cristaos: Platao, por exemplo,
admitía que o homem tivesse amor á Divindade, pois esta é
perfeita, mas nao podía conceber que a Divindade amasse
o homem, visto que este nada tem a Ihe dar, por ser imper-
feito. Aristóteles, discípulo de Platao, chegava mesmo a dizer
que a Divindade nao conhece o homem, pois, se o conhecesse,
teria a imperfeicao em sua mente! É precisamente sobre este
paño de fundo que ressoa, de maneira contrastante, a mensa
gem de Natal:
"Ele nao poupou o próprio Filho, mas O entregou por todos nos.
E, com Ele, deu-nos tudo o mais".
Eis o que o Natal está mais urna vez a recordar. Seja a cele-
bracao de 1979 penhor de revigoramento da fé e da esperanca
nos cristaos e provoque em todos a única resposta condigna:
a de um amor mais vivo e coerente nao somente a Deus, mas-
também a todos os homens. Possam estes, através do nosso
testemunho, chegar a conhecer o grande dom de Deus
(cf. Jo 4,10)!
E. B.
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XX - N9 24O - Dezembro de 1979

"Nova et Vetera" (Coisas novas e antigás):

"a igreja e seus modelos"


por Avery Dulles S. J.
Em sintese: O livro de Avery Dulles expoe cinco concepcoes de Igre-
¡a propostas por teólogos dos últimos decenios (fazendo eco, alguns, a anti
gás tradicoes):
- o modelo institucional, decorrente da organizacao jurídica da
Igreja;
- o modelo místico, que realca a comunháo de amor dos fiéis com
Oeus e entre si;
- o modelo sacramental, que poe em foco a face sensível e humana
da Igreja como sinal que exprime e comunica a vida do próprio Deus;
- o modelo querigmático, que focaliza a Igreja como arauto da Pa
la vra de Deus;
- o modelo diaconal, que considera a Igreja como servidora e pro
motora da justica, da paz e da fraternidade entre os homens.
A. Dulles julga sabiamente que nenhum desses modelos esgota o con-
teúdo da realidade da Igreja, que, em última análise, é um misterio ou algo
de transcendental. Para aproximar-se dessa realidade transcendental, o es
tudioso deve combinar entre si os aspectos válidos de cada qual das eclesio-
logias apontadas, dando especial énfase ao modelo sacramental. A Igreja de
Cristo realiza simultáneamente os cinco enfoques indicados, sendo, porém,
que nenhum destes pode ser aceito de maneira exclusiva t irrestrita.
A Igreja de Cristo assim caracterizada subsiste, de maneira plena, na
Igreja Católica Romana; há, porém, elementos da mesma verdadeira Igreja
ñas comunidades cristas (protestantes e ortodoxas orientáis) separadas de
Roma. Estas vém a ser realizagoes incompletas ou parciais da única Igreja
de Cristo, tendentes a realizar em si de maneira plena ou consumada o mo
delo da verdadeira Igreja.
O livro de A. Dulles se recomenda por sua capacidade de sintetizar
elementos diversos e múltiplos. Ajuda a clarear conceitos. Todavía nao se
devem separar do respectivo contexto as suas afirmacoes sob pena de falsi
ficar o pensamento do autor, que é lúcido e equilibrado.

— 487 —
_Z PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

Comentario: Há livros que merecem especial atencao por


que abordam assuntos importantes de maneira original, é o que
acontece com a obra do teólogo jesuíta norte-americano: "A
Igreja eseus modelos".1- A Igreja é um dos temas mais focali
zados na Teología do pós-Concílio, de modo que a bibliografía
respectiva é muito vasta. Ora o autor em pauta leu boa parte
desses estudos e procurou sistematizar as suas linhas em esque
mas ou modelos, oferecendo assím ao leítor si'nteses interessan-
tes e perspectivas panorámicas, que Ihe facilítam conbecer diver
sas teses sobre a Igreja correntes em nossos dias.
Eis por que vamos, a seguir, procurar apresentar o conteú-
do do livro de Oulles, acrescentando algumas observares á su a
exposicao.

1. O conteúdo do livro

O autor comeca registrando as divergencias existentes entre


conservadores e progressistas na Igreja: enquanto os primeiros se
preocupam com mudancas ocorrentes após o Concilio, outros as
aplaudem e mais outros julgam que aínda nao sao suficientes.

Por que este fenómeno?

— Em parte, porque cada grupo de cristaos tem em mente


determinada concepcao ou determinado modelo2 de Igreja. Ca
da um desses modelos tenta, de alguma forma, ¡lustrar o que se-
ja a Igreja. Esta, porém, nao "cabe" dentro de modelo algum'/
mas ultrapassa, em sua realidade, qualquer tentativa de esque-
matizacao, visto que é um misterio... misterio inserido no gran
de misterio das cartas paulinas. Para S. Paulo, sim, "misterio é o
plano divino de salvacao que se realizou concretamente na pes-
soa de Jesús Cristo" (pp. 13s). O próprio Concilio do Vaticano
II utilizou a expressao "O misterio da Igreja" para intitular o
cap. 1 da Constituicao sobre a Igreja ("Lumen Gentium").

1 AVERY DULLES. S.J., A Igreja e leus modelos. Tradujo de Alexandre


Macintyre. — Ed. Paulinas. Sao Pauto, 130 x 200 mm, 239 pp.

2 O autor atsim emende "modelo":


"Quando uma imagem 6 empregada refletida e criticamente para aprofundar a
compreen$a*o teórica de uma realidade, torna-se o que hoie se denomina 'um mode
lo1 "(p. 21).
A. Oulles reconhece que o vocábulo foi usual principalmente no setor das cien
cias físicas e sociais (ib.).

— 488 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»
Como quer que seja, a teologia se vé obrigada a conceber
modelos para falar da profunda realidade da Igreja. Em conse-
qüéncia, A. Dulles julga poder distinguir cinco modelos princi
páis na Eclesiologia contemporánea. Expoe-nos, apresentando
seus pontos positivos e negativos:

1.1. Os cinco modelos da Igreja

Cinco sao os modelos apresentados por Dulles: Igreja insti-


tuicao, Igreja comunhao mística, Igreja sacramento, Igreja arau-
to, Igreja serva.

1.1.1. A Igreja como ¡nstituicáb

1. A visao institucional concebe a Igreja prevalentemente


como sociedade visfver; dotada de estruturas jurídicas, com defi-
nicao de direitos e deveres dos respectivos membros. O aspecto
institucional sempre existiu na Igreja; é mesmo imprescindível,
para que a Igreja, reunindo em si multidoes de homens, hetero
géneas por suas origens, possa cumprir adequadamente a sua
missao.

O interesse pelo caráter institucional da Igreja desenvolveu-


-se a partir do séc. XVI quando teólogos e canonistas, responden-
do aos reformadores protestantes, se viram levados a acentuar
certas características da Igreja que os adversarios negavam. S.
Roberto Bellarmino (+ 1621), seguindo esta tendencia, dizia
que a Igreja é, por exemplo, urna sociedade "tao visfvel e palpá-
vel como a comunidade do povo romano ou o Reino de Franca
ou a República de Veneza" (De controversia, tomo 2, lib. 3,
cap. 2, Giuliano, Ñapóles, 1957, vol. 2, p. 75).

O Concilio do Vaticano I (1869/70) devia estudar a seguí ri


te proposicao, que afinal nao chegou a ser promulgada pelo
Concilio (interrompido abruptamente pela guerra franco-alema
de 1870):

"Ensillamos e declaramos: a Igreja tem todos os sinais de urna verda-


deira sociedade. Cristo nao deixou esta sociedade indefinida e sem urna
forma estabelecida. Ao contrario, ele próprio Ihe deu existencia, e sua von-
tade determinou a forma de sua existencia e Ihe deu a sua constituicfo.
Nao é a Igreja parte ou membro de qualquer outra sociedade e de modo al-
gum se confunde com nenhuma outra sociedade. É tao perfeita em si mes-

— 489 —
_6 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

ma que se distingue de todas as sociedades humanas e paira sobre elas".

Como dito, esta declaracao nao chegou a ser aprovada.

2. Que dizer a propósito?

a) É ¡negável que a Igreja precisa de organizacao jurídica e


caráter institucional. Nenhuma sociedade humana dispensa os
fato res de boa ordem e administracao. Nao se deve confundir
"institucionalismo" (exagero de instituicao), que é abusivo, com
"caráter institucional, jurídico, administrativo", queé um fator
positivo de harmonía e eficiencia.

b) Acontece, porém, que, por forca de circunstancias histó


ricas, a índole institucional da Igreja foi sendo enfatizada com
demasiado interesse no séc. XIX.

c) Leve-se em conta que o Concilio do Vaticano II, logo


em suas primeiras sessoes solicitado a pronunciarle sobre um
modelo institucionalista da Igreja, rejeitou o que Ihe foi apresen-
tado, classificando-o de "clericalista, juridicista e triunfalista".
Na verdade, a acentuacao da nota institucional da Igreja pode le
var ao exagero de se conceber a Igreja como constituida prepon-
derantemente de clérigos, aos quais incumbem as tarefas de ensi-
nar e dirigir. A Igreja é entao fácilmente assemelhada a urna pi
rámide, na qual todo o poder desee do Papa aos bispos e sacer
dotes, enquanto na base o povo fiel desempenha papel passivo e
parece ocupar posicao inferior. Na verdade, porém, todos os
membros da Igreja tém os mesmos deveres e direitos fundamen
táis, de modo que o Papa e os bispos, juntamente com os leigos,
devem ser contados como fiéis de Deus.

Alias, o modelo institucional da Igreja nunca foi proposto,


de maneira exclusiva, pelos documentos oficiáis eclesiásticos; os
textos do Concilio do Vaticano I e as encíclicas de Leao XIII e
Pió XII, por muito que tenham insistido sobre a Igreja como
"sociedade perfeita", nunca identificaram essa sociedade exclu
sivamente com os seus elementos institucionais, mas sempre se
referiram á imagem do Corpo de Cristo e á comunhao com a
gracao de Cristo.

Eis por que passamos a considerar.

— 490 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»

1.1.2. A Igreja como comunhao mística

1. Certos teólogos tém explanado a distincao entre socieda-


de (Gessellschaft) e comunidade (Gemeinschaft). Enquanto so-
ciedade lembra organizacao, autoridade, estruturas {como a es
cola, o hospital, o hotel), a comunidade implica relativa intimi
dad e entre os participantes, simpatía mutua, solidariedade. . .
como ocorrem na familia, no lar, na vizínhanca (á moda antiga).
Ora, segundo bons autores, a Igreja é prevalentemente urna
comunidade. Tal é a tese dos protestantes Rudolph Sohm, Emil
Brunner, Dietrich Bonhoeffer, como também dos católicos
Arnold Rademacher, Yves Congar, Jérome Hamer. Rademacher,
por exemplo, sustenta que a Igreja é no seu cerne íntimo urna
comunidade (Gemeinschaft) e, no seu cerne exterior, urna
sociedade (Geselleschaft). A sociedade é a manifestacao
exterior da comunidade, e a sociedade existe para promover
a realizacao da comunidade. Congar vé na Igreja dois aspectos
inseparáveis um do outro: por um lado, é formada de pessoas
que se consociam com Deus e entre si em Cristo (comunidade
de salvacáo ou, em terminología alema, Heilsgemeinschaft).
Por outro lado, a Igreja também é a totalidade dos meios
através dos quais esse consorcio se produz e mantém (institui-
cao de salvacáo, Heilsanstalt, diriam os autores alemaes).
A diferenca dos protestantes, os autores católicos nao rejei-
tam o aspecto institucional da Igreja,1 nem tencionam definirá
Igreja simplesmente como comunidade no sentido sociológico
de grupo informal. Ao contrario, admitem na Igreja a dimensao
vertical e a horizontal: a vertical é constituida pela vida divina
desabrochada em Cristo e comunicada aos homens pelo Espiri
to. A horizontal sao os elementos exteriores, visíveis e jurídicos
que concorrem para exprimir e assegurar a comunhao de vida
interior.

é certo que a S. Escritura fundamenta tal perspectiva, pro


pondo a Igreja como um corpo dotado de varios órgaos e anima
do de um principio de vida divina; cf. Rm 12 e 1 Cor 12, Efe
Cl. Os escritores cristaos antigos desenvolverán! essa imagem,
destacando-se ente todos S. Agostinho. Na primeira metade do
séc. XX, quando muito ainda se estudava a estrutura jurídica da

Sohm e Brunner julgam que o institucional na Igreja ó ¡legítimo.

— 491 —
_? «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 240/1979
Igreja, o jesuíta belga Emile Merscn contribu¡u para restaurara
nopáo de Corpo Místico mediante estudos que se tornaram fa
mosos. Pió XII em 1943, por sua vez, publicou a sua encíclica
sobre o Corpo Místico. O Concilio do Vaticano II (1962-1965)
quis apresentar a Igreja como povo de Deus, enfatizando assirn
os aspectos de comunhao de vida, caridade e verdade.
2 Que dizer desse modelo de Igreja?

a) Nao há dúvida, a nocao de comunhao atinge muito mais


o ámago da Igreia do que a da instituicao jurídica. Tem sólida
fundamentacao bíblica e patrística; além do que, corresponde
melhor as aspiracoes do homem contemporáneo, que estima as
relacoes interpessoais e comunitarias.

b) é preciso, porém, que nao se exagere o valor do aspecto


intimó e os bens meramente espirituais da vida crista a ponto de
menosprezar o aspecto visível e institucional da Igreja, como
tem acontecido princiDalmente nos chamados grupos de "Igreja
subterránea" (Underground Church) ■ e, quicá, em algumas co
munidades eclesiais de base: em tais grupos, a aversao a qualquer
norma ou instituicao tem favorecido o subjetivismo ea arbitra-
riedade ñas formulacoes da fé e ñas celebracoes da liturgia, cau
sando perplexidade em seus membros e levando ao cisma ou á
ruptura da Igreja - o que é de todo lamentável. As normas obje
tivas sao indispensáveis para evitar o subjetivismo desenfreado e
destruidor de "profetas carismáticos".

Passemos ao modelo subseqüente:

1.1.3. A Igreja como sacramento

1. No intuito de compor entre si os aspectos externos e in


ternos da Igreja, muitos teólogos católicos do séc. XX tém enfa-
tizado o conceito de Igreja-sacramento, conceito que também é
caro aos escritores antigos S. Cipriano, S. Agostinho.. ., bem co
mo a S. Tomás de Aquino (+ 1274) e, mais recentemente, a Ma-
thias Josef Scheeben (+ 1888).

O jesuíta Henri de Lubac foi o ara uto de tal concepcao nos


últimos decenios. O divino e o humano na Igreja nunca se po-
dem dissociar, argumenta de Lubac. A Igreja é, pois, a continua-
gao da Encarnacao do Filho de Deus: através de estruturas hu-

— 492 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS» 9
manas Ela comunica a vida do próprio Deus. A Igreja nao é so-
ciedade meramente humana, mas em moldes humanos. Ela traz
e comunica tesouros da vida divina. O aspecto institucional e ex
terno da Igreja é essencial, porque, sem ele, a Igreja nao seria si-
nal; nao talaría aos homens, que sao naturalmente feitos para a
linguagem sensível. Todavia o aspecto estrutural nao é suficien
te para constituir a Igreja; para ser sacramento, esta deve ser
portadora e transmissora da grapa ou dos dons transcendentais
que enriquecem os crista os.

2. Que dizer de tal esquema?

a) É realmente apto para unir em símese o modelo institu


cional e o modelo místico da Igreja. Serve também para relacio
nar a Igreja corn o misterio da Encarnapao e os sete sacramentos
comunicadores da grapa; Cristo, Igreja e os sete sinais rituais
aparecem assim como etapas do SACRAMENTO ou da comuni-
cacao de Deus aos homens mediante realidades sensíveis.

Esta concepcao dá margem também aos anseios de purifi-


cacao e conversao que devem caracterizar os membros da Igreja,
pois é certo que a Igreja se há de tornar sempre mais eloqüente
sinal de Cristo.

Estes títulos positivos explicam tenha o Concilio do Vati


cano II apresentado a Igreja como "sacramento da íntima uniSo
com Deus e da unidade de todos os homens entre si" {cf. Const.
"Lumen Gentium" n? 1. 9. 48; "Gaudium et Spes" n? 42; "Sa-
crosanctum Concilium" nP 26; "Ad gentes" nP 5).

b) Contra tal modelo, porém, há quem objete que nao poe


suficiente énfase sobre a missao ou o servipo que toca á Igreja
prestar neste mundo. Pode levar a urna atitude de esteticismo
narcisista, que difícilmente se concilia com o pleno compromis-
so do cristao em favor dos valores éticos e sociais.
Examinaremos agora outro modelo:

1.1.4. A Igreja como arauto

1. Esta perspectiva concebe a Palavra de Deus como ele


mento principal e o sacramento como elemento secundario da
Igreja. Vé a esta como assembléia convocada e formada pela Pa
lavra de Deus, tendo como precipua missao a de proclamar o

• — 493 —
^0 PKKGUNTE K RESPONDEREMOS* 240/1979
que ouviu e acredita. A fé e a pregacao sao assim mais valoriza
das do que a comunhao mística, que o segundo modelo poe em
relevo.

O principal proponente deste tipo de eclesiologia no séc.


XX é o teólogo calvinista Karl Barth, que se inspira em S. Paulo
e Lutero: o que constituí a Igrej'a, afirma, é ser a Palavra procla
mada e fielmente ouvida. A Biblia, segundo ele, julga a Igreja,
concitando-a ao arrependimento e á reforma. Hans Küng, teólo
go católico, segué de perto a eclesiologia de Barth: a Igreja, diz
ele, nao é algo que esteja fundado urna vez por todas, mas Ela se
faz em cada assembléia que se congrega para ouvir a Palavra de
Deus e adorar o Senhor. Rudolf Bultmann, por sua vez, adota
estas concepcoes: para ele, é a Palavra que constituí a Igreia
(= ekklesia, convocacao), reunindo os homens e formando a
congregacáo. A Igreja está completa em cada congregacao local;
a Igreja nao depende, para existir, de estruturas universais.

2. Que dizer a respeito?

a) Nao há dúvida, este modelo realca bem o sentido da mis-


sao da Igreja, chamada a proclamar a Boa-Nova de Jesús Cristo
contra toda idolatría. Leva á humildade, á obediencia e ao arre
pendimento, pois a palavra proclamada incessantemente exorta
a estas atitudes.

b)Todavia levantam-se dificuldades contra o modelo em


foco. Na verdade, o Cristianismo é essencialmente encarnacáo —
Deus que se faz homem —, e nao apenas, nem primeramente,
proelamacao de Palavra. Cristo nao veio apenas trazer urna men-
sagem, mas urna vida, que se torna presente e patente na Igreja,
Corpo de Cristo prolongado. Ser cristao é ser inserido em Cristo
(cf. Rm 6) e comungar na vida do Pai, que se manifestou e co
munica através da humanidade de Jesús.

A Palavra deve levar o cristao a essa insercao sacramental


em Cristo, como também há de alimentar essa insercao realiza
da. A palavra, sem sacramentos, faría do Cristianismo urna esco
la de sabedoria e de morigeracao, nunca, porém, cumpriria o
ámago da missao intencionada por Jesús Cristo, que veio comu
nicar a vida eterna aos homens mediante urna regeneracao ou
nova natividade.
O Concilio do Vaticano II, por muito que tenha valorizado

— 494 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»

a Palavra da Escritura, aínda enfatizou maís a presenca de Cristo


nos sacramentos e, em especial, na S. Eucaristía.
Mais: na concepcao católica, o magisterio da Igreja nao está
ácima da Palavra de Deus, mas, diga-se bem, é dotado por Cristo
de autorídade própria para interpretar a Palavra. Segundo algu-
mas correntes protestantes, o magisterio da Igreja está sujeito a
ser corrigido pela Palavra de Deus tal como é entendida por este
ou aquele crente em particular; ao contrario, na concepcao cató
lica, os exegetas e estudiosos estao sujeitos ao magisterio da
Igreja, que goza de especial assisténcia, da parte do Senhor, para
expor e definir o sentido das Escrituras.
Por último, ainda se deve notar que o modelo em foco, en-
fatizando excessívamente a missao de pregar, nao realca devida-
mente a acao que a Igreja deve desempenhar em prol de um
mundo mais humano e mais cristao.

Faz-se assim a transicao para o quinto modelo:

1.1.5. A Igreja como serva

1. Em todos os modelos até aqui considerados, a Igreja as-


sume urna posicáo primacial ou privilegiada em relacao ao mun
do: Deus vem a este através da Igreja e o mundo vai a Deus me
diante a mesma.
Ora no quinto modelo a Igreja aparece qual servidora do
mundo. Como Cristo se fez o servidor dos homens, "o homem
para os outros", a Igreja também o deve ser; Ela se assemelha ao
bom samaritano, que se inclina para o homem em suas neces-
sidades e Ihe oferece, com amor, os seus prestimos. Assim pen-
sam os protestantes Dietrich Bonhoeffer, Gibson Winter, Harvey
Cox, John A. T. Robinson.. . Entre os católicos, Robert Adoifs
escreveu a obra "O túmulo de Deus", em que desenvolve a no-
cao paulina de kénosis (esvaziamento): Jesus "esvazíou-se', to
mando a condicao de servo (cf. Fl 2,7). Isto quer dizer, segundo
Adoifs, que a Igreja deve esvaziar-se como Cristo, renunciando a
todas as reivindicapSes de poder e honra, para empenhar-se em
prol da reconciliacao dos homens entre si; Ela deve servir á jus-
tica, á paz, á líberdade, á compaixao... O Concilio do Vaticano
II, em sua Constituicao "Gaudium et Spes" sobre a Igreja no
mundo moderno, declara repetidamente que a Igreja se deve in-
teressar pelos problemas da humanidade, compartilhando os ¡n-

— 495 —
_12 *PERGUNTK E RESPONDEREMOS» 240/1979

teresses de todos os povos: assim como Cristo veio ao mundo


nao para ser servido, mas para servir, a Igreja há de procurar ser
vir ao mundo, fomentando a fraternidade entre os homens
(GS n? 3).

2. Que pensar desta eclesiologia de servico?

a) Por certo, procura dar á Igreja um relevo e urna missao


que a poem em diálogo com todos os homens. Se muitos se afas-
taram do Catolicismo por julgarem-no alienado e ultrapassado,
voltam a considerá-lo com respeito e simpatía por verem-no in-
teressado em colaborar na solucao dos grandes problemas da hu-
manidade. Mais: o esforco dos fiéis católicos por sair de si e ser
vir altruista mente os pobres e oprimidos há de beneficiar os pró-
prios católicos servidores dos seus semelhantes.

b) Todavía pode-se observar que tal modelo carece de sóli


da fundamentacao bíblica. Embora o Novo Testamento se refira
freqüentemente ásdiakonfai ou servicos que se prestam ñas co
munidades cristas, verifica-se que os escritos neotestamentários
dao pouca atencao á ordem temporal; nao se preocupam com as
estruturas da sociedade, talvez por causa da expectativa de pró
ximo fim do mundo que prevalecía ñas primeiras geracoes cris
tas. No Novo Testamento o servico a ser prestado pelos cristaos
é principalmente de caráter pessoal.

Dado, porém, que a Igreja como tal deva contribuir para a


instauracao de urna ordem sócio-económico-política mais huma
na, é preciso nao identificar toda a missao da Igreja com esse ob
jetivo temporal. Mesmo que a Igreja nao consiga debelar os ma
les físicos que acometem a humanidade, a sua missao nao está
fracassada, pois esta compreende, antes do mais, o anuncio de
Jesús Cristo, que, através da cruz e da morte, abriu aos homens
o caminho para a casa do Pai. A salvacáo que a Igreja tem para
oferecer ao mundo, nao consiste em valores impessoais, mas é,
em primeiro lugar, o próprio Cristo, que, conforme 1 Cor 1, 30,
se fez "sabedoria, justica, santificacao e redencao" para os ho
mens.

Urna vez expostos ao cinco modelos da Igreja, A. Dulles


aborda as concepcoes de escatologia, ministerios e revelacao di
vina mais freqüentes na teología contemporánea, pois cada urna
destas contribuí, do seu modo, para completar os diversos mo-

— 496 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»

délos de Igreja propostos anteriormente.

A expíanagao das cinco eclesiologias suscita as perguntas


capitais: afinal, qual o genuino modelo de Igreja? E onde se en-
contra a verdadeira Igreja de Cristo?

Vejamos como A. Dulles responde sucessivamente a estas


interrogacoes.

1.2. Qual o genuino modelo de Igreja?

Para esta questao o autor se volta no capítulo final de seu


livro, usando de sabedoria notável.

Primeiramente, pondera que cada um dos modelos propos


tos encerra afirmacoes válidas e importantes:

"O modelo institucional torna claro que a Igreja deve ser urna comu-
nidade estruturada e que deve permanecer o género de comunidade que
Cristo instituiu. Tal comunidade precisa incluir um oficio pastoral dotado
de autoridade para presidir o culto da comunidade como tal, para prescre-
ver os limites do dissentimento toierável e representar oficialmente a co
munidade. O modelo comunitario mostra á evidencia que a Igreja precisa
ser unida a Deus pela graca, e que pela forca dessa grapa os seus membros
devem estar amorosamente unidos uns aos outros. O modelo sacramental
nos faz perceber que a Igreja precisa, nos seus aspectos visíveis — especial
mente na sua oracáo e culto comunitarios —, ser um sinal da permanente
vitaiidade da graca de Cristo e da esperanga da redencSo que ele promete.
O modelo querigmático acentúa a necessidade de que a Igreja continué a
proclamar o Evangelho e a incitar os homens a porem a sua fé em Jesús,
Senhor e Salvador. O modelo diaconal indica a urgencia de fazer a Igreja
contribuir para a transformado da vida secular do homem e de impregnar
a sociedade humana como um todo dos valores do reino de Deus" (p. 221}.

Todavia nao se pode aceitar, de maneira exclusiva e sem


restricao alguma, nenhum dos cinco modelos. Tomado ¡solada-
mente, cada qual dos tipos eclesiológicos poderia levar a serias
distorcoes. Na verdade, cada um dos mesmos afirma facetas au
ténticas da Igreja, mas nenhum abrange adequadamente toda a
realidade eclesial, pois esta é um misterio. Para que o estudioso
se aproxime tanto quanto possível desse misterio, faz-se mister
combinar entre si os cinco modelos, integrando numa sfntese
harmoniosa tudo que haja de válido em cada um. Mais: essa sfn
tese poderá ser feita da melhor maneira, caso se dé ao modelo
sacramental urna certa primazia:

— 497 —
H «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

"Para incorporar os valores existentes nos varios modelos, o tipo sa


cramental de eclesiologia tem, a meu ver, mérito especial. Preserva o valor
dos elementos institucionais porque a estrutura oficial da Igreja Ihe confe-
re contornos claros e visíveis, de sorte que pode ser um sinal vi'vido. Preser
va o valor comunitario porque, se a Igreja nao fosse urna comunhfo de
amor, nao poderia ser um sinal auténtico de Cristo. Preserva a dimensáo da
proelamacao porque, so confiando em Cristo e rendendo-lhe testemunho,
quer seja a mensagem bem acolhida, quer n5o, pode a Igreja apontar eficaz
mente em Cristo o portador da grapa redentora de Deus. Preserva este mo
delo, finalmente, a dimensáo do servico secular, porque sem ele nSo pode
ria a Igreja ser um sinal de Cristo, o servidor" (p. 225).

De resto, observa muito sabiamente o autor, "somente a


¡luminacao interior do Espirito Santo prové o homem do neces-
sário tato e discricao para poder ver tanto os valores como os li
mites dos diversos modelos" (p. 226). Também se deve admitir
que em cada fase da historia a Igreja dé énfase a um de seus de
terminados modelos a fim de poder dialogar melhor com os ho-
mens de tal época: "O fato de que a Igreja de certo sáculo possa
ter sido prevalentemente urna instituicao, nao impede que a
Igreja em outra geracao seja sobretudo urna comunidade de gra-
ca, um arauto, um sacramento, urna serva" (p. 226).

Quanto ao modelo que a Igreja assumirá no futuro, diz A.


Dulles que depende nao só da iniciativa dos homens, mas, aínda
mais, das livres inspirapoes do Espirito Santo. Por conseguinte,
para desempenhar a sua missao na Igreja, os cristaos devem
abrir-se "ao que o Espirito diz as Igrejas" (Ap 2,17). Sob a guia
do Espirito, as imagens e formas da vida crista continuarlo a
mudar acidentalmente, como mudaram nos séculos passados; te
to será sinal de vitalidade e vigor espirituais. Todavía é preciso
lembrar que "o que é novo na Igreja sempre nasce do passado e
lanca as suas raízes na Escritura e na Tradicao" (p. 231). Com
outras palavras: toda mudanca será o desabrochamento homogé
neo do potencial de riquezas espirituais já contidas na sementé
da Palavra e da vida I aneada por Cristo á térra durante a sua
existencia mortal. Nenhuma mudanca genuína poderá implicar
ruptura com as raízes da Tradicao crista ou com a esséncia da
realidade eclesial.

Para terminar, colocamos com A. Dulles a pergunta:

— 498 —
»A IGREJA E SEUS MODELOS»
1.3. E qual a verdadeira Igreja?

No decorrer da historia, o surto de comunidades eclesiais


encabecadas por profetas diversos levou os cristaos a procurar os
criterios que distinguiam das igrejas espurias a verdadeira e úni
ca Igreja de Cristo.

Principalmente a partir do séc. XVI os teólogos se esmera-


ram por enunciar tais notas distintivas da auténtica Igreja: Lúte
ro (+ 1546) enumerava sete, ao passo que o cardeal Roberto Be-
larmino {+ 1621) compós urna lista de quinze notas. Contudo
permaneceram clássicas através de todos os tempos as quatro
notas já enumeradas pelo Credo: a Igreja de Cristo é una, santa,
católica e apostólica. Dulles nao explana o significado preciso
destas notas (nem é o caso de o fazermos aqui). Chama a aten-
gao, porém, e muito oportunamente, para a maneira como o
Concilio do Vaticano II utilizou as quatro mencionadas caracte
rísticas a fim de definir a Igreja de Cristo. Na verdade, os padres
conciliares, na Const. "Lumen Gentium" n? 8, reafirmaram o
aspecto visível ou humano e o aspecto espiritual ou divino'da
Igreja de Cristo, dizendo:

"Assim como a natureza assumida pelo Verbo Divino Ihe serve de ór-
gao vivo de salvacáb, a Ele indissoluvelmente unido, semejantemente o or
ganismo social da Igreja serve ao Espirito de Cristo, que o vivifica para fa-
zer progredir o corpo místico (cf. Ef 4,16)" (Const. "Lumen Gentium"
n?8).

Logo a seguir, continua o texto conciliar:

"Esta é a única Igreja de Cristo que no Símbolo confessamos una,


santa, católica e apostólica e que nosso Salvador depois de sua ressurreicfo
entregou a Pedro para apascentar (Jo 21,17), confiando-a a ele e aos de-
mais apostólos para a propagarem e regerem (cf. Mt 28,18ss), levantando-a
para sempre como coluna e fundamento da verdade (1 Tim 3,15). Esta
Igreja, constituida e organizada neste mundo como urna sociedade, subsis
te na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em
comunhao com ele, embora fora de sua visível estrutura se encontrem va
rios elementos de santificacao e verdade. Estes elementos como dons pró-
prios á Igreja de Cristo, impelem á unidade católica" (ib.).

Os comentadores deste texto - e Dulles com eles - obser-


vam o emprego propositado do termo "subsiste na Igreja Católi
ca", em lugar de "é a Igreja Católica". Note-se que o verbo é se
encontrava ñas redacoes iniciáis desta passagem, tendo sido in
tencional mente substituido por "subsiste na Igreja Católica".

— 499 —
J6 l'KKGUNTt: K KKSI'ONDKUKMOS* 240/1979
O verbo subsiste, no caso, indica que a Igreja de Cristo se realiza
na Igreja Católica Romana (governada pelo sucessor de Pedro)
e, ao mesmo tempo, permite dizer que, fora da Igreja Católica
Romana, se encontram elementos da verdadeira Igreja de Cristo.
Com outras palavras: a verdadeira Igreja se realiza plenamente
na Igreja Católica Romana e parcial ou incompletamente em ca
da denominacao crista (protestante ou ortodoxa) que contenha
algum ou alguns dos elementos constitutivos da Igreja de Cristo.
Vé-se, pois, que o modelo da Igreja de Cristo se realiza dentro
dos moldes das comunidades cristas em graus diversos: dentro
da própria Igreja Católica Romana, se existem todos os elemen
tos divinos constitutivos da Igreja, pode haver maior ou menor
fidelidade dos católicos a esses elementos divinos; pode haver,
sim, urna face humana ora mais ora menos fiel á santidade in
trínseca ou divina da Igreja de Cristo. Assim a própria Igreja Ca
tólica Romana é chamada a renovar constantemente o seu sem
blante humano, a fim de nao trair a presenca de Cristo que ela
deve transmitir ao mundo.

Eis, em grandes linhas, as teses do livro de Avery Dulles


que nos propusemos apresentar. Resta dizer urna palavra de re-
f lexao sobre os méritos dessa obra.

2. Avahando a obra...

O estudo de Dulles nos sugere tres consideracoes principáis:


1) O autor goza de notável capacidade de esquematizar ou
de compreender elementos múltiplos e diversos em síntese har-
moniosa. Isto torna a leitura do livro proficua e esclarecedora.
Precisamos de sínteses, que relacionem entre si elementos dos
quais vamos tomando conhecimento isoladamente, sem perce-
ber de ¡mediato o fio condutor que os perpassa.
Verdade é que toda esquematizacáo corre o risco de ser ar
tificial ou de enquadrar violentamente em modelos realidades
que ultrapassam os termos desses modelos. O próprio Dulles re-
conhece que a Igreja é um misterio ou que ela transcende, pela
riqueza de sua vida e de seu potencial, os limites de qualquer es
quema dentro do qual a queiramos emoldurar. — E por isso que
se deve ler o livro de Dulles de modo a nao ¡solaras respectivas
frases ou seccoes; antes, tenha-se sempre em vista a conclusao
final do autor (cap. 12: Avaliacao dos modelos, pp. 216-231),
que, alias, vai enfatizada ñas linhas abaixo.

— 500 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS» 12_

2) 0 autor propoe a combinacao dos diversos modelos


da Igreja entre si, dando-se prevaléncia ao modelo "Igreja sacra
mento" (p. 225).
Ora julgamos que Dulles foi um tanto tímido ao propor es
ta afirmativa. Ela podia ser mais acentuada no decorrer da obra,
pois ¡negavelmente a Igreja é o sacramento que prolonga a en-
carnacao do Verbo; por seu aspecto humano, Ela continua a fa
ce humana de Jesús de Nazaré, face através da qual se exprimía
e comunicava a realidade divina do mesmo Senhor Jesús: assim
também pelas estruturas sensíveis da Igreja (no que estas tém de
essencial), transmite-se a graca, que santifica os homens. — Por
sua vez, o sacramento da Igreja atinge todo e qualquer homem
mediante os sete ritos sacramentáis; na sua insignificancia ou po
breza aparente (agua, pao, v.inho, óleo, palavras), estes expri-
me.m e infundem valores transcendentais ou divinos.
Em torno do conceito de sacramento que, como se vé, é
central na mensagem crista, alinham-se os demais aspectos da
Igreja:
— o institucional ou jurídico, sem o qual nenhuma socieda-
de composta de homens pode subsistir;
— o místico ou a comunhao íntima com Deus, que é, sem
dúvida. o aspecto interior do sacramento da Igreja (ou aressa-
cramenti);
— o querigmático ou proclamador, que é o meio de chamar
todos os homens a comungar no sacramento do Corpo de Cristo;
— o diaconal ou aspecto "servico", que redunda do fato de
que Cristo veio trazer aos homens urna mensagem de amor e jus-
tica, que nao pode ser meramente teórica, mas há de ser encar
nada na historia dos homens.
3) Parece-nos que A. Dulles foi assaz feliz ao considerar o
quinto aspecto da Igreja. Procurou mostrar que o servico ás rea
lidades temporais nao deve absorver toda a atencao da Igreja,
mas, ao contrario, há de ser decorréncia da assimilacao de valo
res transcendentais. Em especial, enfatiza a necessidade de que o
clero se abstenha de militáncia ativa em favor de determinado
partido político (pp. 197s).
é, pois, para desejar que a obra de Dulles se torne objeto
de leitura e estudo de grupos cristaos interessados em crescer na
fé. Ela se presta a tanto, desde que lida com o senso de equili
brio que animou o seu autor.

— 501 —
Um livro revolucionario:

"enfoques materialistas da biblia"


por Michel Clévenot

Em sfntese: O livro de M. Clévenot intitulado "Enfoques materialis


tas da Biblia" faz eco ao de Fernando Beto: Lectura matérialistede l'Evan-
gile de Marc. Parte da premissa (nao provada, mas gratuitamente afirmada)
de que toda a historia é movida por fatores económicos, políticos e ideoló
gicos; portanto, tambéma historia sagrada e a de Jesús. O autor considera
"mitológicas" todas as passagens da Biblia que se refiram ao transcenden
tal; ele as elimina como acréscimos tardíos para poder detectar o cerne da
historia do Antigo Testamento e de Jesús, que seria o jogo de fatores mate
rialistas. Assim a figura de Jesús é reduzida a de um líder revolucionario,
que foi morto como zelota; Jesús terá deixado nao urna doutrina, mas urna
praxis, que continua através da agio revolucionaria de seus discípulos.
O livro de Clévenot nao pode ser tido como obra objetiva e científi
ca, pois parte de preconceitos, alimentados durante todo o decorrer do es-
tudo apresentado. O autor nao conhece a bibliografía referente a S. Marcos
nem mesmo estudou suficientemente a que se refere aos livros do Antigo
Testamento. Na verdade, o primeiro cuidado de qualquer intérprete de
determinado texto há de ser o de reconstituir o ambiente e a mentalidade
do(s) respectivo(s) autores. Se nao procede assim, o estudioso faz do texto
em pauta um mero pre-texto para expor as suas idéias pessoais. é o que se
dá no caso de M. Clévenot.
Além do mais, observamos que o livro em foco está mal traduzido,
revelando desconhecimento da temática por parte do tradutor e certo des
caso por parte da Editora.

Comentario: As correntes de pensamento moderno tém-se


projetado sobre as Escrituras Sagradas, procurando enfocá-tas á
partir de novas e novas premissas... Daí a crescente bibliografía
contemporánea que propoe enfoques estruturalistas, psicanalis-
tas, materialistas da Biblia. . . Ora o livro de Michel Clévenot1
pretende fazer eco ao de Fernando Belo: Lecture materialiste de
pretende fazer eco ao de Fernando Belo: Lecture matérialiste de
l'Evangile de Marc ( Ed. du Cerf, Paris 1975). No prefacio, F.
nando Belo é austera e difícil, desconcertante pelo seu ecleticis-
mo metodológico (cf. p. 14); por isto diz que Michel Clévenot
tenciona propor urna apresentacao breve, simples e acessível do
enfoque materialista da Biblia.

1 MICHEL CLéVENOT, Enfoques materialistas da Biblia. Ed. Paz e Térra.


Rio de Janeiro 1979, 140 x 208 mm, 164 pp.

— 502 —
«ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA» 19.

0 livro de M. Clévenot tem-se difundido nos meios estu-


dantis teológicos do Brasil. Por ser pioneiro em nossa bibliogra
fía, tem despertado a atencao. Eis por que Ihe dedicaremos as
páginas subseqüentes, resumindo o conteúdo da obra e adicio
nando alguns comentarios.

1. As teses de Michel Clévenot

O livro em pauta compreende duas partes principáis: a pri-


meira (A Biblia ou Escrituras) aborda a questao da origem dos
livros do Antigo Testamento; a segunda (O Evangelho segundo
Sao Marcos ou um relato da prática de Jesús) se detém no se
gundo Evangelho e propoe a ¡nterpretacao materialista do texto
sagrado. Vejamos de per si cada qual das duas partes.

1.1. "A Biblia ou Escrituras"

Segundo Clévenot, as Escrituras comecam com o rei Salo-


mao (séc. X a.C), embora facam eco a tradicoes oráis e escritas
anteriores.

O cerne inicial das Escrituras do Antigo Testamento seria a


seccao de 2 Sm 9-20; 1 Rs 1-2. Trata de Davi como sucessor de
Saúl e antecessor de Sal orna o. A intencao dos redatores destes
capítulos terá sido a de justificar a ascensao de Salomao ao tro
no. Por conseguinte, na corte deste rei (970-931), os oficiáis re
gios terao elaborado tal relatório, movidos por tendencias polí
ticas, económicas e ideológicas.1 Segundo Clévenot foram inte-
resses de tal tipo que inspiraram também os redatores dos subse
qüentes escritos bíblicos que trazem as siglas E (Eloísta) e O
(Deuteronómio). Somente no exilio (587 — 538 a.C.) e apóso
exilio, os sacerdotes e os escribas procuraram apresentar a his
toria de Israel como algo de sagrado ou como urna seqüéncia de
acontecímentos dirigidos pelo próprío Senhor Deus; assim fa-
zendo, ¡ntroduziram na tradicao de Israel perspectivas "idealis
tas" e místicas, que nao corresponden! á genuína e primitiva
¡nspiracao dos livros do Antigo Testamento.

1 A palavra "ideología" assume varios significados no vocabulario contem


poráneo. Para Clévenot, ela é "a representacSo que as pessoas fazem do mundo em
que vivem" (p. 34); seria algo como filosofía.

— 503 -
20 PERPUNTE E RESPONDEREMOS* 240/1979

Mais precisamente diz Clévenot: os redatores dos escritos


iniciáis da Biblia compuseram sob Salomáo o código dito Javis-
ta (jeovista, segundo o tradutor brasileiro do livro) ou J. Este
código procurou harmonizar as faccoes dos israelistas do Norte
(oriundas de José e Efraim) com as faccoes do Sul de Israel (ori
undas de Judá); em vista disto, esmeraram-se por mostrar artifi
ciosa ou forjadamente que todas tinham os mesmos ancestrais
(Abraao terá sido um persongem leridano1), com direito á posse
da mesma térra e ao cumprimento das mesmas promessas; te rao
experimentado a mesma líbertacao do Egito, cultuando o mes-
mo Deus e seguindo urna mesma política. . .(cf. pp. 40-44).

O código E, escrito no reino do Norte após a morte de Sa


lomáo e o cisma das dez tribos (930 a.C), exprime a mentalida-
de antidavídica da populacao da Samaría e exalta os persona-
gens típicos das tribos setentrionais (José, Efraim, Manassés,
Elias...).

0 código deuteronómico D (Dt 12-26) deve ter sido pro-


duzido na regiao do Norte de Israel, mais ou menos na mesma
época que o documento E. Visto que teve origem em ambiente
de camponeses, exprime a consciéncia de que a chuva e o sol sao
urna dádiva. A própria vida é, antes de mais nada, urna dádiva;
em conseqüéncia, a vida social ou a possibilidade de vida pacata
entre os cías se baseia na dádiva recíproca. Introduziu-se assim a
filosofía da dádiva em Israel, que Clévenot opoe á filosofía capi
talista da troca ou da venda.

Finalmente o documento P (sacerdotal) se deve aos sacer


dotes que reelaboraram as tradicoes de Israel durante o exilio
(587-538 a.C.) e depois. Esses autores acentuaram fortemente a
idéia de pureza ritual e exprímiram urna concepcao mágica do
universo; a vida e a morte estariam ligadas as potencias misterio
sas que governam o mundo.

Quase todos os demais escritos bíblicos e apócrifos de Isra


el ter-se-ao formado em época posterior ao exilio, dando expan-
sao aos sentimentos do povo de Israel submetido ao jugo de do
minadores estrangeiros. Os sacerdotes, que estavam no poder em
Israel após o exilio, transformaram os escritos históricos e legis
lativos de Israel em "Leí de Deus" ou palavra sagrada, caída do

1 Af irmagao gratuita, nao comprovada.

504 -
«ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA» 21

céu. — Ora a le ¡tura "idealista" da Biblia aceita esta suposicao.


propalada pelos sacerdotes. A leitura materialista, porém, remo-
ve tal hipótese: ela afirma que os escritos de Israel nao sao mais
do que o testemunho de grupos sociais que pugnavam entre si
numa luta de classes. Portanto, através da leitura da Biblia
desembarazada das explicacoes dadas pela classe dominante dos
sacerdotes e idealistas, o estudioso descobre a real e auténtica
historia de Israel nos seus níveis económico, político e ideológi
co (cf. pp. 29s.}.

Afirma Clévenot:

"Urna das metas do nosso trabalho é desarmar a leitura idealista da


Biblia. Nos o fazemos a partir de lugares (materialistas) de luta atuais, e so-
bretudo contra o aparelho político eclesiástico" (p. 30).

Clévenot encerra a primeira parte do seu livro descreyendo


a organizacao sócio-polftico-económica da Palestina anterior a
Cristo, ou seja, o fundo de cena ao qual sobreveio a pregacao de
Jesús de Nazaré. Assim o leitor do livro tem os elementos opor
tunos para passar á segunda parte da obra, que aborda o Evange-
I no de Sao Marcos. . . . lido, naturalmente, á luz do materialis
mo.

Proporemos, pois, sumaria análise dessa segunda parte do


livro.

1.2. "O Evangelho segundo Sao Marcos ou um Relato


da Prática de Jesús"

Logo de inicio (p. 79) o autor diz que, provavelmente,


Marcos nao é o autor do Evangelho a ele atribuido; Marcos sería
"pseudepígrafe"!

Para entender Me, Clévenot se vale da distincao entre rela


to e discurso, "proposta pela lingüistica contemporánea para
analisar as diferentes formas de producao textual" (p. 81).

O relato usa a terceira pessoa e os verbos no aoristo (ou


perfeito). Refere acontecimentos ou práticas. Ao contrario, o
discurso caracteriza-se pelos pronomes eu e tu, pelos demonstra-
tivos e pelos verbos em todos os tempos menos o aoristo.

Ora, diz Clévenot, o Evangelho segundo Marcos é um reía-

— 505 -
22 iPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

to, e nao um discurso. Com outras palavras: Marcos nao refere


um ensinamento ou urna doutrina de Jesús, mas, sim, a prática
ou os feitos de Jesús. Tal conclusao corresponde bem aos prin
cipios marxistas, segundo os quais a praxis tem primazia sobre
o logos ou a doutrina.1 Para Marx, o que importa é fazer algo,
é revolucionar a ordem ou redistribuir a producto material; o
pensar é funcao da producao material ou urna superestrutura.
Jesús, portanto, veio agir e revolucionar, e nao doutrinar. E "o
texto de Marcos. . . é o relato subversivo de urna prática subver
siva" (p. 86). Tal é o sentido originario da redacao de Marcos;
esta, porém, foi retomada pela ideología dominante, que acres-
centou ao texto primitivo de Marcos episodios de índole mito
lógica, como o prólogo (Me 1, 2-15: pregacao de Joao Batista,
Batismo de Jesús, tentacao no deserto, inicio da pregacao de Je
sús)2, as profecías da Paixlo (Me 8,31-39; 9,30-32; 10,32-34), o
episodio da transfiguracao (Me 9, 2-13). .. Assim a prática mes-
siánica de Jesús foi ideologizada ou foi transformada em teolo
gía.

A leitura idealista aceita tranquilamente essa teología; ela


acredita na inocencia ou na transparencia do texto, utiliza os
olhos da fé ou do bom senso. Assim procedendo, os leitores
idealistas se iludem, como se iludem aqueles que só levam em
contá o preco de determinada mercadoria posta no comercio; na
verdade, para avahar essa mercadoria, é preciso levar em conta a
pré-história da mesma, ou seja, o trabalho de todos os operarios
que contribuiram para produzi-la.3 A fím de nao incorrer no
erro dos idealistas, que sao simplórios, os materialistas, diante
do texto de Marcos, procuram "encontrar o jogo dos códigos"
ou dos fatores económicos e pol íticos que o produziram; "pro-

1 Sao palavras de Engels citadas por Clévenot:


"A estrutura económica da sociedsde é a cada momento a base real que per
mite, em última análise, explicar toda a superestrutura das ¡nstituicSes jurídicas e po
líticas, como também das idéias religiosas, filosóficas « outras de cada período histó
rico" (Anti-Dühring p. 55, citado por Clévenot, p. 139).

2 Clévenot julga que esses episodios sato mitológicos por causa da figura de
JoSo Batista (no deserto, vestido de pele de camelo...) e por causa do esquema "céu-
terra-rio (" inferno)", no qual aparecem o Espirito, os anjos e SatS.

3 Quem leva em conta apenas o preco convencional de urna mercadoria, segué


a teoria do "valor de troca", isto é. "define a capacidade que tem um objeto de ser
trocado por outros objetos e assim transforma todos os produtos do trabalho huma
no, e até os trabalhadores, em mercadorias vendáveis" Icf. p. 99).

— 506 —
» ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA» 23

curam encontrar o trabalho que o produziu e as condicoes de


producao que o tornaram possível e necessário" (p. 86). Obser
va Clévenot:

"Isto significa finalmente fazer urna leitura subversiva, que escapa da


fascinacao idealista. . . . Nosso trabalho será o de retomar urna leitura que
tem sido governada há sáculos por todas as ortodoxias e fazer reaparecer o
dinamismo subversivo de Marcos. Em outros termos, mostrar como o rela
to da prática de Jesús produziu (e continua a produzir) a subversao dos có
digos dominantes" (p. 86).

Postos estes principios, Clévenot se volta para a análise do


texto de Marcos:

Poe em relevo todos os conflitos de Jesús com os fariseus


ou com a classe dominante e a ordem vigente em Israel: assim as
cinco controversias de Me 2,1-3,6, que acabam com a decisao de
condenarem Jesús á morte (cf. Me 3,6); a réplica do divorcio
(cf. 10,1-12), a advertencia aos ricos (cf. Me 10,17-22), a defini-
cao de autoridade-servico (cf. Me 10,41-45), a purif¡cacao do
Templo {cf. Me 11, 15-19), a parábola dos vinhateiros homici
das (cf.Mc 12, 1-12), o pagamento do imposto a César (cf. Me
12, 13-17), o verdadeiro sentido da Lei (cf. Me 12, 28-34), a
crítica aos escribas (cf. Me 12, 38-40), o óbolo da viúva (cf. Me
12, 41-44)... Em todos esses casos, Jesús tocava o ámago da or-
gaiíizacao económico-político-ideológica da Palestina no século
primeiro. Ele preconizava o sistema da dádiva em lugar do siste
ma da compra. Com efeito, antes da multiplicacao dos pies, os
apostólos sugeriam a Jesús que mandasse a multidao comprar al-
guma coisa para comer (Me 6, 36), e falaram de duzentos dená-
rios (Me 6, 37); ao que Jesús respondeu: "Dai-lhes vos mesmos
de comer. . . Quantos pies tendes? I de ver" (Me 6, 37s). Jesús
assim recorría a urna estrategia comunista!

Finalmente Jesús morreu como se fosse um zelota: "Real


mente a crucíficacao é a morte que os romanos davam aos escra-
vos foragidos e aos zelotas. . . A inscrícao do motivo da conde-
nacao 'O Rei dos Judeus' (15,26) é típicamente zelota"
(pp. 128s).

é claro que, segundo o enfoque materialista, Jesús nao res-


suscitou corporalmente dentre os mortos. As noticias de ressur-

— 507 —
24 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

reicao em Me signif icam apenas que, após a morte, "o corpo au


sente de Jesús continuará a transmitir sua forca através do relato
de sua prática, continuando pelos discípulos entre os pagaos"
{p. 130).

Foi por isto que as mulheres se amedrontaram: elas nao vi-


ram mais Jesús após a morte do Senhor. .. Seria necessário par
tir pelos caminhos do mundo contando apenas com a inacreditá-
vel promessa, feita por um jovem vestido de branco, de que a
forca de Jesús precedería os discípulos em todos os cami
nhos! .. .

Pelo mesmo motivo o Evangelho de Marcos nao tem fecho.


Termina em Me 16,8; a seccao 16, 9-20,que se Ihe segué, nao é
da mao do evangelista, mas foi acrescentada por um discípulo
que nao compreendeu o pensamiento do mestre. A prática de Je
sús se prolonga na prática de todos os "cristaos"; por isso o
Evangelho de Marcos permanece inacabado:

"Se o relato da prática de Jesús permanece aberto, nao é um mero


acaso ou esquecimento: é porque depois da morte de Jesús e de sua 'ausen
cia' corporal no seio dos seus, sua presenca continua sob urna outra forma,
e o relato de sua prática prossegue-se entao através do relato da prática de
todos os 'cristaos'" <pp. 89s).

E qual seria a auténtica prática dos cristaos?

Clévenot responde que ela consiste em fé, esperanca e cari-


dade..., entendidas, porém, em sentido materialista.

Fé... Esta supoe o escutar e o ouvir a palavra (cf. Me


4,15s: a parábola do semeador). Todavía só se tornam discípulos
os que saem do círculo da classe dominante. A prática da fé,
portanto, é a prática ideológica dos olhos e dos ouvidos.
Esperanca... é a prática política ou dos deslocamentos há-
beis e estratégicos.

Caridade... E a prática económica das maos. É o trabaIho


que transforma os corpos.

O problema do cristao, portanto, é o de "descobrir qual se


rá a sua prática em cada um dos tres níveis e qual a relacao que
essa prática mantém com o relato da prática de Jesús" (p. 142).

Concluí Clévenot:

— 508 —
ENFOQUES MATERIALISTAS DA BtBLlA- 25

"Por conseguirle, urna leitura materialista nunca pode ser separada de urna
certa prática económica e política liberadora, é na medida em que lutamos para
suprimir a sociedade de classes e a exploracSo do homem peto homem que temos
vontade de reler ainda hoje em dia uns textos onde veío á luz um desejo que foi
suficientemente forte para afrontar a morte" <p. 143).

Quanto á Divindade de Jesús, entende-se que, para Cléve-


not, seja tao somente um título que foi atribuido a Jesús pelas
comunidades cristas primitivas. Corresponde ás tendencias teo
logizantes e mitologizantes que surgiram na primeira geracao
crista. Já Paulo em 1 Ts 1, 1, ou seja, no ano de 51, fala do "Se-
nhor Jesús Cristo". As razoes deste fenómeno, segundo Cléve-
not, sao as seguintes:
No nivel económico, a maioria dos cristaos era recrutada
entre as carnadas mais pobres das populapoes mediterráneas;
por conseguinte, os cristaos nao poderiam provocar nenhuma
mudanca ñas forcas de producao. Isto acarretava, no nivel polí
tico, a total capitulacao frente ao Estado Romano, apoiado pelo
exército. Por conseguinte, os cristaos, bloqueados nos setores
económico e político, haviam de se recuperar no plano ideológi
co; eles fariam da mensagem de Jesús urna "religiao de salvapao",
semelhante ás que existiam no Oriente (cultos de misterios). A
prática messiánica "roí, por isto, ideologizada; isto é, "foi reto
mada dentro do discurso teocéntrico, o que se chama de 'teolo
gía'" (p. 134).
Assim se constituiu "o Cristianismo como urna prática de
caráter predominantemente ideológico. Um dos indicios mais
claros é a progressiva transformacao, pela teología, do assassina-
to de Jesús em morte predestinada, sacrificial no sentido do sis
tema de pureza, sangue derramado 'pela remtssao dos pecados'
(Mt 26,28)".
Desta forma parece estar suficientemente exposto o pen-
samento de Michel Clévenot. Interessa agora propor-lhe alguns
comentarios.

2. Que dizer?

Teceremos cinco consideracoes em torno do livro de M.


Clévenot:

2.1. Preconceitos anticientíficos


O trabalho científico é, tanto quanto possível, objetivo;
deixa-se guiar pela realidade do seu objeto, que vai sendo aos

— 509 —
26 PKKGUNTK K KKSl'ONlJEKEMOS 240/197'.)

poucos descoberta. 0 dentista tem que considerar o seu tema


deestudocoma mentedestituídade qualquer tese preconcebida.
Ora nao é o que se dá no caso de M. Clévenot. Este se volta
para o Evangelho e para as Escrituras em geral no intuito de en-
quadrar os escritos sagrados dentro de categorías "pré-fabrica-
das". Com efeito; segundo a escola materialista, toda a historia é
o resultado da luta de classes, movida por fatores económicos,
políticos e ideológicos: "Toda sociedade (ou formacao social) é
um sistema complexo de trocas a tres níveis: económico-políti
co-ideológico" (p. 34).
Ora tais premissas nao sao demonstradas pelo autor (pode-
riam mesmo ser contestadas por outros), mas sao assumidas por
Clévenot de maneira dogmática e rígida para interpretar as Es
crituras.
Urna tendencia hermenéutica bíblica procura, antes do
mais, entender o texto sagrado a partir da mentalidade dos auto
res que o compuseram. Ora os escritores bíblicos tinham nao so-
mente interesses económicos e políticos, mas possuiam também
concepcoes de fé e de religiao muito vivas. Sabe-se que todos os
povos na antigüidade eram dotados de profundo espirito religio
so {embora, por vezes, aberrante ou mal orientado). Especial
mente o povo de Israel, através de todos os tempos, se mostra
como povo religioso. Com efeito; Israel era urna nagao pequeña,
destituida de poderío militar ou científico na era pré-crista; nao
obstante, desempenhou papel importantíssimo na historia ante
rior a Cristo, porque foí o baluarte do monoteísmo em meio a
povos politeístas ou pagaos; o que fez a identidade e a grandeza
de Israel no mundo pagao, foram as suas elevadas concepcoes de
Deus, de Providencia, de salvacao, de historia, etc.1 Foi também
por causa das suas crencas religiosas que Israel cultivou a histo
riografía como nenhum outro povo do Oriente antigo; a histo
riografía de Israel, relativamente concatenada e fiel, exprimía a
consciéncia israelita de que a historia é o cenário de longa inter-
vencao de Deus neste mundo.
Quem nao compreende isto, arrisca-se a passar ao lado dos
escritos sagrados de Israel sem penetrar no seu ámago.

1 Alias, pode-se dizer que até hoje é a religiao que mantém Israel na sua ¡den-
tidade ¡nconfundível; dispersos pelo mundo inteiro. talando a língua do povo com o
qual vivem, os judeus conservam a consciéncia de sua singularidade por causa do pa
trimonio religioso que, explícita ou implícitamente, eles estimam ecultuam.

— 51U —
■ KNFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA^ 27_

2.2. Jesús subversivo

Últimamente muito se tem escrito sobre as atitudes de Je


sús frente as instituicoes de seu tempo: terá sido um revolucio
nario político ou social?

Embora alguns autores afirmem isto, outros, de boa escola,


o negam, apoiados em dados objetivos e sólidos. Assim Osear
Cullmann, Martín Hengel, P. Bígo, P. Grelot, B. Ferrara...

Tenham-se em vista os dizeres de Jesús no sermao da mon-


tanha (Mt 5-7), em que o mestre apregoa nao a violencia, mas o
amor. . . até aos inimigos; Jesús reconhecia a autoridade civil,
mandando pagar a César o que Ihe era devido (cf. Me 12,13-17;
Mt 22, 15-22); Jesús nao pregou a mudanca violenta das estrutu-
ras socíais, económicas e pol íticas do seu tempo. Verdade é que
a doutrina religiosa de Jesús tinha, e tem, conseqüéncias políti
cas, po!s ela incita os cristaos a construir um mundo melhor,
mais justo e mais fraterno. - A propósito citamos, em vista de
ulteriores informacoes, PR 229 1978, pp. 3-17 e a bibliografía
deste artigo.
Dizer, pois, que Jesús se interessava apenas pelas realidades
terrestres (na procura de urna praxis marxista) e que os trapos
teológicos da sua mensagem sao posteriores á sua morte, é o
mesmo que violentar o texto do Evangelho em funcao de pre-
missas dogmáticas materialistas; jamáis poderá ser tido como re
sultado de trabalho serio e científico, como nao é trabalho cien
tífico enquadrar o vocábulo library (biblioteca, em inglés) den
tro das categorías de livraria só pelo fato de que o leitor usa ha-
bitualmente a língua portuguesa.

2.3. Bibliografía

Os dizeres ácima sao corroborados pelo exame da biblio


grafía aduzida pelo autor. Este pretende tornar mais acessível o
pensamento de Fernando Belo, píoneíro dos estudos materialis
tas sobre S. Marcos. Cita, nao raro, Marx e Engels; parece, po-
rém, desconhecer, por completo, os estudiosos que se consagra-
ram na exegese de Marcos, entre os quais sobressai V. Taylor na
obra The Gospel According to St. Mark.. London 1955. Alias,
Clévenot pretende ter descoberto S. Marcos; por ¡sto se desliga
de todos os estudos anteriormente feitos sobre o assunto. Tal

— 511 —
28 l'KKCUNTK K RESPONDEREMOS. 240/197'J

posipao resulta de um "a priori", que, como dito, nao é científi


co.

2.4. Pontos particulares

Convém aínda mencionar a forma como o livro é apresen-


tado em portugués. Dir-se-ia que o tradutor nao conhecia o as-
sunto em pauta, de modo que entregou ao público um livro mal
apresentado. Tenham-se em vista os seguintes tópicos:
P.49: "Criancas de Israel" traduz "enfants d'lsrael" = fi-
Ihos de Israel.
P.98: o corpo de Jesús foi untado, quando, na verdade, se
diría ungido.
P.78: o autor nao traduziu diacres {= diáconos), mas dei-
xou este vocábulo estranho no texto portugués.
P.77: os filipenses (= habitantes de Filipos) sao apresenta-
dos como filipinos (adeptos do rei Filipe).
P.78: lé-se "presbíteros, de onde vema palavra padre". Na
realidade, de presbíteros faz-se a palavra préte francesa, nao
porém, padre. O vocábulo padre vem do latim pater.
P.78: Flavia Domicilia aparece em lugar de ... Domitila.
P.71: lé-se "reino de Ñero" em lugar de "reinado de Ñero",
visto que o francés só tem o vocábulo régnepara significar reino
e reinado.
P.54: Cirus, em lugar de Ciro.
P.67: Títus, em lugar de Tito.

Verdade é que estas minucias nao afetam o conteúdo da


obra, mas sao indicio de que o tradutor e os editores nao se ¡m-
portaram com o caráter científico dessa publicacao; nao tiveram
a preocupacao de tomá-la urna obra de peso, mas a entregaram
ao público como um livro barato de vulgarizacao mal editado.
Um estudioso serio tem o direito de exigir que as obras que pre-
tendam merecer atencao, sejam devidamente apresentadas.

2.5. Visao de fé

Por último, observamos ser inconcebível para um fiel cató


lico urna leitura materialista do Evangelho ou da Biblia. O mate
rialismo nega Deus e os valores da fé, relegando-os á categoría de
mitos e ideología (= explicacoes subjetivas produzidas por popu-
lacoes ignorantes). Ora, para o cristao, a existencia e a revelacao
de Deus sao as primeiras de todas as premissas; por conseguinte,

— 512 —
KNKOQUKS MATEKIAUSTAS DA BIBLIA- 29^

se quiser optar por urna leitura materialista da Biblia, ou deixa-


rá de ser cristao ou nao estará sendo um "leitor materialista".
Mais: para o cristao, a Biblia só tem sentido na medida em
que é a Palavra de Deus, que manifesta aos homens o seu desig
nio de salvacao. 0 cristao que nao se disponha a descobrir isto
na Biblia, nao precisa de ler as Escrituras. Diríamos mesmo:
. . . nao deveria ler as Escrituras, caso tencionasse fazé-las um
manual de praxis marxista.
Esta pode ser arquitetada sobre premissas próprias, de mo
do a nao necessitar do subsidio das Escrituras; estas sao violen
tadas e deterioradas, se o estudioso as analisa em contexto mate
rialista.
Sao estas algumas ponderacoes que nos ocorrem a propósi
to do livro de M. Clévenot, que carece das mínimas condicoes
para poder fazer frente aos grandes comentarios bíblicos até ho-
je publicados.

Bibliografía:

BOFF, Cl., Foi Jesús revolucionario? ¡n REB 31, 1971,


97-118..
CÚLLMANN, O., Jesús e os revolucionarios do seu tempo.
- Ed. Vozes, Petrópolis, 1972.
DE LA CALLE, FR., A Teologia de Marcos. - Ed. Pauli
nas, Sao Paulo 1978.
DE VAUX, R.r Les institutions de l'Ancien Testament, 2
vols. - Ed. du Cerf, Paris 1958.
GONCALVES, O. L., Cristo e a contestacao política. -
Ed. Vozes, Petrópolis 1974.
GRELOT, P., Introducao á Biblia. - Ed. Paulinas, Sao
Paulo 1971.
HENGEL, M., Foi Jesús Revolucionario?- Ed. Vozes, Pe
trópolis 1971.
KIPPER, J.B., Atuacao política e revolucionaria de Jesús?
in Perspectiva Teológica,, ano X, n? 21, maio-agosto 1978, pp.
275-306.
LAPPLE, A., Mensagem bíblica para o nosso tempo. Ed.
Paulistas, Lisboa 1968.
TAYLOR, V., The Gospel According to St. Mark. London
1952.
TROCMÉ, A., Jesús Cristo e a revolucao nao-violenta. -
Ed. Vozes, Petrópolis 1973.

— 513 —
Enfoque novo:

"o evanselho a luz da psicanalise"


por Francoise Dolto

Em símese: O livro em pauta tenciona apresentar episodios dos.


Evangelhos como símbolos de situacoes psicológicas estudadas á luz da
doutrina de Freud. A autora nao se preocupa com as intencoes dos evange-
Ihistas nem com os interesses dos ¡mediatos leitores dos Evangelhos, mas
incute ao texto sagrado as categorías de pensamento freudianos, especial
mente a do pansexualismo. Ora é evidente que tal obra nao pode ser
considerada como obra de exegese bíblica, pois ela nada tem que ver com
o auténtico conteúdo dos Evangelhos. Francoise Dolto serve-se do texto
bíblico como pretexto para pro por considerapoes psicanalíticas.

Comentario: Últimamente alguns psicanalistas tém procu


rado fazer sua "releitura" do Evangelho.1 Consideram o texto sa
grado á luz das premissas de Freud, descobrindo assim um "sen
tido novo" das páginas bíblicas. Entre as tentativas menciona
das, sobressai a de Francoise Dolto, psicanalista especializada no
tratamento de enancas, membro da Escola Freudiana de Paris, e
também a primeira psicanalista a fazer urna conferencia no salao
de Saint-Louis des Francais em Roma (abordando entao o tema
"Vida espiritual e psicanálise"). O pensamento de Francoise
Dolto exprime-se no livro "O Evangelho á luz da psicanálise"
{tradugao do francés por Isis María Borges Vincent e Anamaria
Skinger. — Imago Editora Ltda., Rio de Janeiro 1979,
140 x 210mm, 159pp.). Esta obra resulta de urna entrevista á
psicanalista dirigida por Gérard Sévérin, também psicanalista e
membro da Escola Freudiana de Paris.

Visto que o livro tem despertado ¡nteresse no Brasil, va


mos, a seguir, propor-lhe breve comentario.

1 Alias, algo de semelhante tem acontecido ñas escolas materialistas e estrutu-


ralistas, como se poderá depreender do artigo de PR sobre "Enfoques materialistas da
Biblia" neste fascículo.

— 514 —
O KVANGKLHO Á LUZ DA PSICANALISK» 31_

1. Ponderapoes gerais

Gérard Séverin apresentou a Franpoise Dolto alguns episo


dios do Evangelho a ser focalizados á luz da psicanálise, a saber:
A Sagrada Familia (Le 1,26-38; Mt 1,18-25), o encontró de Je
sús no Templo aos doze anos {Le 2,42-52), o modelo dos peque-
ninos(Mc 10,14s; Mt 19,4s), as bodas de Cana (Jo 2,1-11),
Jesús pregado á cruz (Jo 19,33-37; Mt 27,45-50), a ressurrei-
cao do filho da viúva de Naím (Le 7,11-16), a ressurreicao da
fiiha de Jairo (Me 5,21-34), a ressurreicao de Lázaro (Jo 11,1-44),
a uncao de Jesús em Betánia (Jo 11,45-53; 12,1-8) eo Bom Sa-
maritano (Le 10,25-37).

Quem lé as explanapoes de Franpoise Dolto, tem a impres-


sao de que o texto do Evangelho se torna, para essa autora,
pretexto..., pretexto para desenvolver consideracoes psicana-
Ifticas. Na verdade, Franpoise Dolto e Gérard Sévérin, em nota
preliminar (p.5), declaram que nao tencionam pronunciar-se
sobre a historicidade das narracoes do Evangelho. Apenas se
interessam pelas cenas do Evangelho na medida em que estas
parecem propor simbólicamente situacoes psicológicas, que
Francoise Dolto enquadra dentro das teses da psicanálise.
A autora nao se preocupa com as ¡ntencoes dos evangelistas,
nem com a problemática dos leitores ¡mediatos ou as
circunstancias de origem dos relatos evangélicos..., elementos
estes indispensáveis para que se possa entender o Evangelho;
a sadia interpretacao de textos ou hermenéutica tem, como
primeira norma, a de se reconstruir o ambiente que deu origem
ao texto em foco. Visto que Franpoise Dolto nao o faz, deve-se
dizer que as suas consideracSes nada tém que ver com o conteú-
do dos Evangelhos. Um estudioso digno deste nome jamáis
dirá que as reflexoes da autora constituem a exegese ou o
comentario do texto sagrado. Tais reflexoes derivam-se de
teses freudianas e tém como base o pansexualismo ou o
pressuposto de que todas as expressSes do ser humano sao
motivadas por impulsos sexuais. Ora esta tese é arbitraria e fal
sa, pois no ser humano há, sem dúvida, tendencias que nao sao
erotizantes ou libidinosas nem mesmo indiretamente (embora
tudo o que a pessoa humana faz, tenha o caráter da respectiva
masculinidade ou feminilidade).

— 515 —
22 -PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

Compreende-se, pois, que o texto do Evangelho, lido a


partir de premissas a ele estranhas venha desfigurado.

Para ilustrar o trabalho de Fr. Dolto, tomamos a liberdade


de lembrar o seguinte:

Sabe-se que muitas pessoas simplonas interpretam deter


minados textos como se tivessem sido redigidos de acordó
com as suas categorías de pensamento pessoais. Assim pro-
cedem, por exemplo,

— aquele que, lendo bois (= bosques) num texto francés,


julgue tratarse de bois em portugués;

— aquele que traduza o vocábulo italiano guardare


(=olhar) por guardar;

— ... ou subiré (=sofrer) por subir,


— ... ousalire (=subír) por sair,
— ... ou apposta (=exatamente) por aposta,
— ... ou fermasi (=parar) por firmar-se,
— ... ou pregare (= rezar) por pregar,
— ... ou pigliare(=tomar) por pilhar,
— ... ou suono (=som) por sonó,
— ... ou rata (=parcela) por rata,
— ... ou o inglés library (=biblioteca) por livraria...

Ora dir-se-ia que algo análogo acontece com Francoise


Dolto quando tenta interpretar o Evangelho. é o que mais
ainda se evidenciará mediante a citacao de alguns exemplos
típicos.

2. Espécimens "exegéticos"

2.1. A ressurreicáo do filho da viíiva de Naím

Este é um dos episodios que mais parecem prestar-se á


hermenéutica de Fr. Dolto.

O filho da viúva de Naím é, para a autora, o símbolo do


fiiho da máe possessiva. A viúva de Naím, tendo perdido o
marido, quería satisfazer a seus desejos medíante o filho que ela
gerara; ela barrava os caminhos do jovem e o impedia de con-

— 516 —
«O EVANGELHO A LUZ DA PSICANALISE* 33

quistar seu destino fecundador. Ora, diz Fr. Dolto, "Jesús reve
la e dá a esse jovem, através de seu apelo imperativo e público,
a estatura de homem livre, estimulando.-o a construir urna nova
vida num sociedade perplexa...

Desperta esse coracao abortado para a sua virilidade cor


poral. Todo jovem tem esse conhecimento, que é o próprio
testemunho de seu sexo, pois o sexo é visível e se ergue na sua
carne. Mas que fazer quando nenhum homem o inicia na lei da
carne?" (p.87).

Se o jovem de Naím fosse sadio, ele devia ter fúgido e


abandonado a mae, em vez de se tornar o seu arrimo ou o bácu
lo da sua velhice (cf. p. 93 e 85).

Nao discutiremos o conteúdo das afirmagoes de Fr. Dolto.


Interessa apenas salientar que a interpretacao da autora está
longe de traduzir o genuino significado do Evangelho, como a
traducao guardar está longe de exprimir o significado do italiano
guardare.

2.2. A ressurreicao da filha de Jairo

Segundo Dolto, Jairo é um pai "possessivo", que prejudica


a saúde psicossomática de sua filha. Ele nao fala da mae da
menina; diz "minha filhinha está ñas últimas", porque ele faz as
vezes da genitora.

"Sozinha e sem ajuda extra-familiar, a filha de Jairo só pode


se desvitalizar. Seu pai a ama com um amor que podemos definir como
incestuoso inconsciente, com um amor de estilo libidinal oral e anal,
que faz déla sua prisioneira em gaiola de o uro" <p. 104).
"Jairo nao pode suportar que sua filha crespa, que ela escape tornán
dose nubil, depois mulher, depois mae" (p. 105).

Ora, segundo Fr. Dolto, Jesús libertou o pai da sua ntitu-


de possessiva e, conseqüentemente, também a menina. E assim
que a autora paraf raseia as palavras de Jesús a Jairo:
"Tem fé em ti, na tua forpa de homem e de esposo, e tua filha
vivera. Ou melhor: se tens fé em tua forca de esposo, poderes dizer a tua
filha: 'Minha filhinha, és feminina, mas nao para miml' E ela poderá viver
para umoutro" (p. 109).

— 517 —
_34 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

Observamos: Fr. Dolto tem o direito de conceber a histo


ria de um pai possessivo em reí apa o á sua filha para tecerconsi-
deracoes psicanalíticas. Mas com que fundamento julga ela que
tal era Jairo? Por que apelar para Jairo e o Evangelho no intuito
de fazer ponderacoes psicanalíticas? Que necessidade há de en
volver artificialmente o texto sagrado nessas elucubracoes?

2.3. A ressurreicao de Lázaro

Segundo Francoise Dolto, os irmaos Lázaro, Marta e Maria


constituiam um trio neurótico (cf. p. 124). Lázaro se apegara
a Jesús com amizade passional narcísica, de modo que, separado
de Jesús como um bebé do seio materno, Lázaro se deixou
morrer (cf. p. 120). Jesús também experimentava algo de
narcísico.

Para ressuscitar Lázaro, Jesús teve que se livrar da sua


própria placenta, foi obrigado a reviver seu desapego de enan
ca arraigada ao útero humano. Ele tremeu e chorou (cf. p. 125).
Ressuscitando Lázaro, Jesús o libertou do apego para com
Jesús e suscitou nele o desejo de se realizar na vida em relacao
com os outros (cf. p. 124).

Nao nos podemos furtar a transcrever mais urna passagem


do livro em pauta, típica da mentalidade e do linguajar da
autora:

"Observe-se que, na ressureicao de Lázaro, Cristo também se castra.


Ele se separa do que resta de carnal no amor que ele nutre por esse ho-
mem, e se separa dessas mulheres que o adoram e cuja casa era para ele
um lar caloroso.

Em outra passagem, nos o vimos castrar o filho da viúva de Nafm


e ele Ihe aplica a castracáo uretro-anal e genital.
Ele impoe o desmente de seu pai á filha de Jairo: é a castracáo
oral. Para a jovem, quando essa ruptura em relacao aos pais é bem feita,
ela ocasiona também a castracáo genital, se o pai for castrado do desejo
que nutre por sua filha.

A Lázaro ele impoe a castracao fetal, cujo vestigio é o umbigo:


ele é também a prova do luto realizado em relagao com a expulsao com a
expulsao dos involucros amnióticos" (pp. 124s).

— 518 —
-O EVANGELHO A LUZ DA PSICANALISE» 35_

3. Conclusao

Nao há necessidade de comentarios para evidenciar quao


despropositada é tal hermenéutica. A psicanálise lida com sím
bolos. Por isto Francoise Dolto faz do Evangelho um repertorio
de símbolos psicanalíticos... Melhor fora que se servisse de ou-
tro livro para tal fim!

Todos os capi'tulos do livro desenvolvem-se no mesmo es


tilo... Principalmente o cap. 1P, que trata da Sagrada Familia,
se presta a estranhas e obscuras divagacoes da parte da autora.

Em síntese, o livro poderá parecer interessante aos culto


res da psicanálise por causa da criatividade e originalidade
que ele exprime. Objetivamente falando, porém, é obra que,
embora trate dos Evangelhos, nada significa para a compreen-
sao e a exegese do texto sagrado. Achamos, pois, estranhas as
afirmacoes encontradas ñas orelhas da obra em foco:

"Neste livro, Francoise Dolto propóe urna chave para se descobrir


Jesús de um modo diferente... Desde a publicacao deste livro, os fiéis,
padres ou leigos, assim como os descrentes, que se interessam pelo acon
tecí monto cultural em si, nao mais poderao abordar o Evangelho como
se Francoise Dolto nao o tivesse lido".

Observamos: depois que alguém traduz o italiano subiré


ou o francés subir pelo portugués subir, alguma coisa muda
no significado daqueles dois verbos estrangeiros? Sofrer tornar-
se-á subir por causa disso? Na verdade, só posso entender o
que seja subir em francés se interrogo os que conhecem a
língua francesa e um pouco da sua historia. Assim também só
posso entender os Evangelhos se estudo a ambientacao na qual
foram escritos e, conseqüentemente, o método da historia das
formas (Formgeschichtliche Methode) ; um exegeta tem o di-
reito de propor novas interpretacoes do Evangelho desde que
parta de premissas genuinamente exegético-bíblicas, ou seja,
desde que recorra ao instrumental específico dos estudos
bíblicos. Caso isto nao se dé, as suas teorías serao vas, como
va será qualquer tentativa de entender o guardare italiano a
partir do guardar portugués!

— 519 —
Urna reformulacao histórica:

"idade media: o que nao nos ensina■


rain"
por Régine Pernoud

Em síntese: O livro de Régine Pernoud em foco sugere ao leitor


urna revisio do conceito pejorativo de Idade Media que comumente é
propalado. Tal nocáo se deve, em parte, a preconceitos de pensadores
dos séculos XVI e seguintes, os quais, movidos por premissas anticató
licas e anticristas, tinham interesse em denegrir a Idade Media. Esta nao
foi perfeita (pois nada do que é humano é isento de fainas); todavia nao
foi bárbara nem obscurantista, como freqüentemente se diz, mas teve
gestos e valores que suscitariam rubor no homem moderno. Assim, por
exemplo, a escravatura romana extinguiu-se no comeco da Idade Media
para ceder ao regime do servo da gleba (que respeitava os direitos do
pequeño camponés); todavia foi restaurada no século XVI ñas térras da
América, onde vigorou o colonialismo. Régine Pernoud julga que o cultivo
do Direito Romano (que teve inicio no século XI em Bolonha) contribuiu
poderosamente para, aos poucos, desfazer as instituicoes e os costumes da
Idade Media Ascendente; o Direito Romano finalmente fundamentou o
menosprezo da mulher e outros males que tomaram pleno vulto a partir
do século XVI.
O presente artigo tenta reproduzir a tese da autora e ilustra-a me
diante exemplos e dados colhidos no livro em pauta.

Comentario: Régine Pernoud é especialista em estudos me-


dievais. Sua primeira obra, "Lumiéredu Moyen-Age", publicada
em 1945, mereceu-lhe o premio Fémina-Vacaresco de Crítica
e Historia. Em 1978, a autora editou "Pour en finir avec le
Moyen-Age", obra que Ihe valeu o premio Sola-Cabiati da ciade
de París e a consagracao da crítica como sendo urna das mais
notáveis conhecedoras da Idade Media. Tal obra foi traduzida
para o portugués com o título "A Idade Media: o que nao nos
ensinaram". Visto que convida o estudioso a rever as concep-
coes comuns relativas á Idade Media, vamos, a seguir, proporas

— 520 —
IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM» -37

linhas mais características desse estudo, accmpanhadas de con-


clusao final.

1. Idade Media: preconceitos e lendas

A autora, no capítulo I, lembra o conceito que geralmente


se tem até nossos dias com relacao á Idade Media.

Esta equivaleria a mil anos de obscurantismo:... obscuran


tismo intelectual, moral, cultural...

A grande maioria das pessoas que falam sobre a Idade


Media, nunca a estudaram devidamente. Mas apenas a conhe-
cem pov "fama", fama esta que nao corresponde aos resultados
das pesquisas historiográficas dos últimos cento e cinqüenta
anos.

Para ilustrar este fato, a autora cita alguns episodios:


Certa vez Régine Pernoud recebeu telefonema de urna do-
cumentarista da TV, das mais especializadas em programas his
tóricos.

"Parece-me, disse-me ela, que a senhora tem dispositivos. Terá, por


acaso, alguns que representem a Idade Media?
-???
- Sim, que dérrt urna ¡déla da Idade Media em geral: execupoes,
massacres, cenas de violencia, fome, epidemias...
Nao pudedeixar derir" (p. 105s).

Conta ainda R. Pernoud:


"Era encarregada do Museu da Franga nos Arquivos Nacionais, há
pouco tempo, quando chegou uma carta perguntando: 'Poderia informar
me a data do tratado que marca oficialmente o f¡m da Idade Media?
'Havia ainda uma pergunta complementar: 'Em que cidade se reuniramos
diplomatas que prepararam esse tratado?'
...O autor pedia uma resposta rápida, pois, dizia ele, precisaría des
desses dois dados para uma conferencia que pretendía fazer em data muito
próxima" (p. 9).

Em suma, é freqüente ouvirem-se observacoes como


"Nao estamos mais na Idade Media" ou "é um retorno á
Idade Media" ou "é uma mentalidade medieval".

— 521 —
38 I»hlt(;UNTE K RESPONDEREMOS* 240/1979
Alias, a própria designacao "Idade Media" implica um
juízo pejorativo sobre os mil anos em pauta. Significa, sim,
que entre a antigüidade greco-romana e o Renascimento da
mesma no sáculo XVI tenha havido um período neutro, sem
cultura nem valores, mas torpe ou bárbaro. Note-se, alias,
que a divisao da historia em tres grandes períodos (Idade
Antiga, Idade Media e Idade Moderna) foi proposta, pela
primeira vez, pelos humanistas dos séculos XV/XVI; só no
século XVII foi introduzida em livros didáticos de Historia
Universal1. Nao há dúvida, os humanistas renacentistas ten-
cionavam caracterizar a Idade Media como fase de escuridao
e estagnacao cultural.

Em nossos dias, porém, há estudos que dissipam tal ima-


gem da Idade Media. O fato, pois, de continuarem em voga as
concepcoes pejorativas sobre tal período deve-se a certa roti-
na, que nao se justifica. É o que Régine Pernoud observa:

"Há pouco tempo, um programa de televisao apresentava como


histórica a frase famosa: 'Matai-os todos, Deus reconhecerá os seusl'
durante o massacre de Béxiers em 1209. Ora, há mais de cem anos (exata-
mente em 1866), em erudito demonstrou, ácima de qualquer dúvida, que
a frase nao poderia ter sido pronunciada, já que nao a encontramos em
nenhuma das fontes históricas da época, mas apenas no Livro dos Milagres,
D¡alogu$Miraculorum,um, cujo título f a la por si mesmo sobre o que pretende
dizer, composto aproximadamente sessenta anos depois dos fatos pelo
monge alemao Cesário de Heisterbach, autor próvido de imaginacao arden-
te e bastante suspeito quanto á autenticidade histórica. Desde 1866,
nenhum histori.ulot.. Irvou em coma o famoso 'Matai-os todos'; mas os
oscntoii". i.- !•■'.!■>■• i i> uiili/iiram ainda. Isto basta para provar quanto as
descobettas científicas, neste caso, custam a penetrar no dominio públi
co" <p. 16).

Dos subseqüentes capítulos do livro, escolheremos quatro,


em que a autora aborda temas de especial interesse para o leitor.

1Cf. CRISTOPHORUS CELLARIUS, Historias antiquae, mediae, novae


nucleus. Senna 1675/6.

— 522 —
IDADK MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM^ 39

2. A Idade Media e a mulher

Tal tema é considerado no capítulo VI sob o título "A


mulher sem alma".

Régine Pernoud costuma distinguir no período medieval


duas fases divididas entre si pelo ressurgimento do Direito
Romano. Este comecou a ser cultivado em Bolonha, onde o
célebre legista Irinério fundou célebre escola de Direito Ro
mano (1084). A influencia do Direito Romano assim reavivado
só aos poucos se fez sentir sobre a vida medieval. A aplicacao
de seus principios á realidade civil e religiosa dos séculos XII e
XIV modificou um tanto os costumes das épocas anteriores.
Todavía sonriente na segunda metade do século XV o Direito
Romano foi amplamente adotado pelos juristas - o que teve
ulteriores conseqüéncias no modo de pensar e agir da sociedade
em relacao á mulher e a outros valores da sociedade.
"O Direito Romano... foi a grande tentacao do período medieval;
ele foi estudado com entusiasmo nao só pela burguesía das cidades, mas
também por todos os que viam nele um instrumento de centralizacao
e de autoridade. Ele se ressente, com efeito, das suas origens imperialis
tas e - por que nao dizer? - colonialistas. Ele é o Direito, por excelen
cia, dos que querem firmar urna autoridade central estatizada... Em mea
dos do século XII, o Imperador Frederico II, cujas tendencias eram as de
um monarca, fez deste tipo de Direito a leí comum dos países germá
nicos" (p. 79s).

Feita esta observacao, registramos com R. Pernoud o papel


eminente que certas mulheres desempenharam na Idade Media:

2.1. Familias reais

Na fase anterior á do Direito Romano (fase que a autora


chama "temóos feudais") a rainha era coroada, como o rei,
geralmente em Reims, pelas maos do arcebispo de Reims;
atribuia-se á coroacao da rainha tanto valor quanto á do rei
{cf. p. 78).
Á medida que o Direito Romano foi ascendendo, a coroa
cao das rainhas foi sendo considerada menos importante que a

— 523 —
40 PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

dos reis. A última rainha a ser coroada fo¡ Maria de Mediéis na


véspera do assassinato do seu marido Henrique IV. No século
XVII a rainha desaparece literalmente da cena em proveito da
"favorita"!

Em sua época, Eleonora de Aquitánia (t1204) e Branca de


Castela (+ 1252) exerceram autoridade sem contestacao nos ca
sos de ausencia do rei, doente ou morto; tiveram suas chancela-
rias, suas alfándegas e seus setores de atividade pessoal.
A primeira disposicao que afastava a mulher da sucessao
ao trono foi tomada por Filipe IV, o Belo (1285 - 1314), sob
a influencia de juristas romanos. Na verdade, o Direito Romano
nao era favorável á mulher nem á enanca; era um Direito mo
nárquico, que exaltava o paterfamilias, pai, proprietário, chefe
da familia com poderes sagrados, sem limites no tocante aos
filhos (tinha sobre estes direito de vida e de morte) e á esposa.
Note-se aínda a propósito que somente a partir de fins
do século XVII a mulher toma obrigatoriamente o nome do ma
rido.

2.2. A Igreja e a mulher

E habitual dizer se que a Igreja foi misógina ou hostil á


mulher até época recente. A mulher terá sido considerada urna
criatura sem alma! ...

Ora R. Pernoud observa que, entre os mais antigos santos,


se encontram as mártires Inés, Cecilia, Águeda, Luzia, Blan-
dina... Mais: Algumas mulheres (nao necessariamente oriundas
de familias nobres) desempenharam notáveis funcoes na Igreja
medieval. Assim certas abadessas eram senhoras feudais, cujos
poderes eram respeitados como os de outros senhores; usavam
báculo, como os bispos; nao raro, administravam vastos terri
torios com cidades e paróquias. Tenha-se em vista, por exemplo,
a abadessa Heloisa, do Mosteiro do Paráclito, no século XII:
além de exercer ampias funcoes administrativas, conhecia o
grego e o hebraico, que ela ensinava as monjas.

Outro caso merece especial registro: o pregador de peni


tencia Roberto de Arbrissel {+ 1117) conseguiu levar tanta

— 524 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM» Al

gente á conversao que houve por bem fundar a Ordem de


Fontevrault em 1100/1101, com base na Regra de S. Bento.
Esta Ordem d¡st¡ngu¡u-se pela penitencia severa e pelos "mós-
teiros duplos": entre um cenobio de homens e outro de mu-
Iheres achava-se a igreja, único lugar em que monges e monjas
se podiam encontrar. Ora a direcao suprema desses mosteiros
duplos competía, em honra da Santa Mae de Deus, á abadessa
de Fontevrault: esta devia ser viúva, tendo feito a experiencia
do casamento!

Sabe-se também que havia na Idade Media Religiosas


muito instruidas. Assim, por exemplo, a mais conhecida enci
clopedia do século XII é da autoría da abadessa Herrade de
Landsberg; tem por título Hortusdeliciarum (jardim de deli
cias) e nela os eruditos hauriam os ensinamentos mais corretos
sobre o avanco das técnicas em sua época. Poder-se-ia dizer o
mesmo com respeito as obras de Santa Hildegardis de Bingen.
Outra monja, Gertrudes de Helfta, no século XIII, conta-nos
como se' sentiu feliz ao passar do estado de "gramaticísta"
ao de "teóloga"! Pode-se mesmo dizer que entrar para o mostei-
ro era o caminho normal das jovens que desejassem desenvol
ver seus conhecimentos além do nivel comum.
De resto, observe-se que a Idade Media se encerra com a
figura de Joana d'Arc (+ 1431), jovem que, nos sáculos seguín-
tes, jamáis tena conseguido obter a audiencia e suscitar a con-
fianca que Ihe foram outorgadas no século XV.
No fim da Idade Media e depois, os legisladores foram
retirando á mulher tudo o que Ihe conferia alguma autonomía
ou ¡nstrucao. A mulher foí excluida da vida eclesiástica e da vi
da intelectual. O movimento se precipitou quando no comeco
do século XVI foi reconhecído ao rei Francisco I da Franca
(1515 - 1547) o direito de nomear abades e abadessas; inspi
radas por criterios políticos, tais nomeacoes acarretaram a
decadencia de muitas casas religiosas.

2.3. Maes de familia e camponesas

Através do documentário existente (cartularios, estatutos


das cidades, documentos judiciários...), podem-se colher porme-

— 525 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
ñores relativos á vida cotidiana da muiher medieval, é surpreen-
dente o quadro que se delineia a partir da concatenacao desses
dados.
Assim, por exemplo, as muiheres votavam. Por ocasiao
dos Estados Gerais de 1308 as muiheres sao explicitamente cita
das entre as votantes em diversas partes do territorio francés,
sem que isto venha apresentado como uso particular do lugar.
é conhecido o caso de Gaillardine de Fréchou, que, diante de
um arrendamento proposto aos habitantes de Cauterets nos
Pireneus pela abadia de Saint-Savin, foi a única a votar NAO,
quando todo o resto da populacao votou SIM.
Ñas atas de tabeliaes é muito freqüente ver urna muiher
casada agir por si mesma: abre, por exemplo, urna loja ou urna
venda, sem ser obrigada a apresentar autorizacao do marido.
Os registros de impostos, desde que foram conservados (como
em Paris, a partir de fins do sáculo XIII}, mostram multidaode
muiheres a exercer as funcoes de professora, médica, botica
ria, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora,
etc.

Somente no fim do século XVI, por decreto do Parlamento


francés datado de 1593, a muiher foi explicitamente afastada de
toda funcao do Estado. A influencia crescente do Direito Roma
no finalmente confinou a muiher as suas tarefas peculiares de
cuidar da casa e educar os filhos. No século XIX, mediante o
Código de Napoleao, o processo de despojamento da muiher
deu novo passo: deixou de ser reconhecida como senhora dos
seus próprios bens, e, em casa mesmo, passou a exercer papel
subalterno.

A reacao a tal estado de coisas tem ocorrido nos últimos


tempos, ... mas de maneira decepcionante, pois a muiher parece
preocupada exclusivamente na conquista de equipa rapa o ao ho-
mem: quer imitar o homem, exercer as mesmas funcoes que es
te, adotar os hábitos do seu parceiro, sem se questionar a respei-
to do que ela reproduz, ou sem pensar em salvar a sua própria
identidade e originalidade! Ora isto prejudica nao só a muiher,
mas também a própfia sociedade, pois esta precisa de valores
peculiares da muiher e da feminilidade!
Passemos a outro capítulo do livro em foco.

— 526 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM» 43

3. O servo da gleba

Tal tema é abordado no capítulo V, que traz o título


"RáseHomens".
Fala-se da escravidao vigente na Idade Media, sem levar em
conta que a escravidao existente no Imperio Romano foi desa-
parecendo a partir do século IV; cedeu a um regime diverso do
da escravidao antiga. Infelizmente, foi restaurada no século
XVI, ñas colonias da América.
A instituicao medieval do servo da gleba nao pode ser com
parada á escravatura dos tempos romanos e coloniais, pois ela
respeitava o servo (servus)1 como pessoa, reconhecendo-lhe
direitos. A origem de tal regime é a seguinte:
Na época das invasoes bárbaras, muitos pequeños campo-
neses viam-se constantemente ameacados em suas térras. Daí o
contrato que faziam com grandes senhores aptos a defendé-los
mediante tropas e armas. Os camponeses se obrigavam a morar
na propriedade do senhor e a cultivá-la. Era-Ihes proibido deixar
a térra, como também era vetado ao senhor expulsá-los. Assim
os pequeños lavradores usufruiam de certa seguranpa, num pe
ríodo de instabilidade; eram-lhes reconhecidos os direitos de
se casar e fundar familia, de transmitir a térra a seus filhos
depois da morte, assim como os bens que pudessem adquirir...
O senhor feudal tinha conseqüentemente suas obrigacoes para
com o servo; nao era proprietário no sentido do Direito Roma
no, que reconhecia aos senhores o direito de usar e abusar
(ius utendi et abutendi). Donde se vé que o regime medieval
diferia essencialmente da escravatura, que feria a dignidade da
pessoa humana, pois o escravo era tratado como coisa, sujeita
a ser comprada e vendida a criterio do patrao.
O estudo dos cartularios e arquivos medievais empreendido
por Jacques Broussard 2 permitiu reconstruir a historia de al-
guns servos da gleba, entre os quais Constant Le Roux, que
passamosa apresentar:

' Nao poucos historiadores traduzem mivuí por escravo nos textos
do século XII — o que revela e gera grave mal-entendido.

2 La vis en Anjou du IXe au Xllle siécle, em Le Moyen age, t. LVI, 1950, pp. 29-68.

— 527 —
44 -PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979

Constant era servo do sennor de Chantoceaux (Anjou)


nos últimos anos do sáculo XI. Trabalhava com afinco. As Reli
giosas do mosteiro de Ronceray Ihe confiaram a guarda de um
celeiro perto da igreja de Saint-Evroult e de vinhedos no lugar
chamado Doutre. Depois a condessa de Anjou o presenteou
com outro celeiro, perto das muralhas de Angers. As monjas de
Rocenray, tendo recebido como legado urna casa, forno e
vinhedos situados perto do celeiro de Constant, reso Ivera m en-
carregá-lo do conjunto, a título de renda vitalicia; pouco depois,
aumentaram-lhe o lote, juntando-lhe as térras do Espan.
— Constant casou-se; cansado de ser trabalhador meeiro, acabou
por fazer um acordó com as Religiosas, segundo o qual as térras
Ihe seriam arrendadas. Aumentou ainda seu campo de trabalho,
estendendo-o a um vinhedo em Beaumont e duas jeiras de prado
na Roche-de-Chanzé. Mais tarde, nao tendo filhos, conseguiu
das monjas que suas térras fossem herdadas por seu sobrinho
Gauthier, ao passo que sua sobrinha Isolda se casaría com o
guardador do celeiro da Abadía, Rohot. Por fim, como aconte
cía nao raro na época, Constant se fez monge na Abadía de
Saint-Aubin e sua mulher entrou como religiosa na de
Roncerav.
A pesquisa dos cartularios revela que o caso de Constant
nao foi ¡solado nem singular. Existe, por exemplo, urna certidao
do fim do século XI (1089 - 1095) que refere como dois servos,
chamados Auberede e Romelde, compraram sua liberdade em
troca de urna casa que possuiam em Beauvrais, no lugar do mer
cado. Este fato dá a ver que os servos tinham a possibílidade de
possuir bens próprios.
Compreende-se, porém, que a condicao de servo da gleba,
vantajosa na época de sua origem, se tenha defasado com o
decorrer dos séculos. O camponés podía considerar válido o fato
de viver em propriedade da qual nao o poderiam expulsar; mas,
desde que encontrasse meios de garantir sua própria subsistencia
com autonomía, preteriría a plena liberdade; esta Ihe permitiría
percorrer estradas e fazer comercio. Foi o que aconteceu princi
palmente na época da expansao urbana (século XI). Os cartu
larios apresentam numerosas certidoes de libertacao, que chega-
vam a beneficiar centenas de servos de urna só vez.
A propósito observa K. Pernoud:

— 528 —
E MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM? 45
"Tive ocasiao de recolher as confidcencias de um velho operario
agrícola a quem a idade nao permitía mais trabalhar e que ia acabar seus
dias num asilo: Trabalhei esta térra toda a minha vida sem ter um metro
quadrado de meu'. Comparando-o ao servo medieval, sua sorte parecería
infinitamente pior. Servo do senhor, em urna propriedade ele teria assegu-
rado o direito de ai' terminar a sua vida; nada Ihe pertencia propiamente,
mas o usufruto nao Ihe podia ser retirado... Ele tinha com a térra a mesma
relacao que o próprio senhor: este nunca possuia a propriedade plena,
como nos a entendemos atualmente,... ; ele nao pode vender ou alienar
se na o os bens secundarios que recebeu por heranga pessoal, mas sobre o
bem de raíz só tem usufruto" (p. 71?).

Fo¡ no século XVI que infelizmente se restaurou o regime


da escravatura romana, que a Idade Media nao conheceu, e que
persistiu até o século passado apesar dos protestos de frades do
minicanos como Bartolomeu de Las Casas e Vitoria...
Vé-se, pois, que, sob o aspecto focalizado, a Idade Media
está longe de ter sido obscurantista...
Vem agora a questao de

4. Heresias e Inquisipao Medieval


("O índex Acusador", c. Vil)

O tribunal da Inquisipao vem a ser outro motivo de acusa-


pao aos medievais.
Régine Pernoud, sem deixar de reconhecer fraquezas hu
manas entao verificadas, póe em foco alguns pontos importantes
para se avaliar o fato da Inquisipao.
Os medievais estimavam ácima de tuda (ao menos em teo
ría) os valores da fé, colocando-os mesmo ácima dos valores fí
sicos. Além disto, conjugavam entre si os valores profanos e os
sagrados, de tal modo que os desvíos doutrinários ganhavam
extrema importancia mesmo no andamento da vida civil.
Por conseguinte, as heresias, na Idade Media, eram considera
das como ofensas nao só á reta fé, mas também aos ¡nteresses
da sociedade em geral.
Ora no século XI comepou a aparecer no sul da Franpa e
no norte da Italia urna heresia dita dos cataros (= puros), que
professava o dualismo: o universo material seria obra de um
Deus mau; somente os espfritos teriam sido criados per um

— 529 —
46 PERPUNTE E RESPONDEREMOS* 240/1979

Deus bom. Em conseqüéncia, condenavam tudo que se relaciona


com a procriacao, a comecar pela casamento; os mais auténticos
dos cataros viam no suicidio a perfeicao suprema.

Os primeiros a combater a heresia catara foram os prín


cipes, os nobres e o próprio povo fiel. Assim em 1022 o Rei
Roberto, o Piedoso, mandou queimar em Orléans hereges.
Em 1077 um herege professou seus erros diante do bispo de
Cambraia; a multidao de populares entao lancou-se sobre ele,
sem esperar o julgamento; encerraram-no numa cabana, á qual
atearam fogo! Em 1144 na cidade de Liao o povo quis punir
violentamente um grupo de ¡novadores que ai se reunirá; o cle
ro, porém, os salvou, desejando a sua conversao, e nao a sua
morte. Entrementes as autoridades eclesiásticas limitavam-se a
impor penas espirituais (excomunhao, interdito...) aos cataros,
pois até entao nenhuma das muitas heresias conhecidas havia
sido combatida por violencia física. S. Bernardo (+ 1153) dizia:
"Sejam os hereges conquistados nao pelas armas, mas pelos
argumentos" (In Cant. serm. 64).

Era, porém, inevitável que os bispos tomassem parte na


represalia aos cataros. Por ¡sto em 1184 o Papa Lucio III, em
Verona, instituiu a Inquisicao episcopal, que atribuía aos bispos
a faculdade de inquirir os hereges ñas paróquias suspeitas;
ajuda-los-iam nessa tarefa os condes, baroes e as demais autori
dades civis. Em 1231 tal instituicao se tornou mais ampia,
pois o Papa Gregorio IX confiou aos frades dominicanos a mis-
sao de Inquisidores; haveria doravante, para cada nacao ou
distrito inquisitorial, um Inquisidor-mor, que trabalharia com a
assistencia de numerosos oficiáis subalternos, em geral indepen-
dentemente do bispo em cuja diocese estivesse instalado.

Os efeitos da Inquisicao tém sido descritos em termos


imaginativos e exagerados... Na verdade, as penas aplicadas
eram a de prisao ou, com mais freqüéncia ainda, a condenacao
a peregrinacoes ou ao uso de urna cruz de fazenda pregada á
roupa. Nos lugares onde se encontraram registros da Inquisicao,
verificou-se que nao foram tao numerosas as execucoes capitais
como se poderia crer. Em Tolosa, por exemplo, de 1308 a 1323
o Inquisidor Bernardo de Gui proferiu 930 sentencas, das quais

__ 530 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM» 47
42 eram capitais — o que equivale á proporcao de 1/22.
Régine Pernoud observa muito sabiamente que a Inquisi
cao foi alimentada pela ingerencia do poder civil em questoes
religiosas. Sem querer desculpar os clérigos que se hajam exce
dido na repressao da heresia, deve-se registrar a forte influencia
do poder regio na conduta severa dos tribunais da Inquisicao.
"Era, talvez, inevitável que em qualquer momento fossem insti
tuidos tribunais regulares, mas esses tribunais foram marcados por urna
dureza particular, em razao do renascimento do Oireito Romano: as
constituicoes de Justiniano, realmente, mandavam condenar os hereges
á morte. E é para fazé-lo reviver que Frederico II, tornado imperador da
Alemanha, promulga, em 1224, novas constituipoes imperiais, que, pela
primeira vez, estipulam, expressamente, a pena da fogueira contra hereges
empedernidos. Assim se vé que a Inquisicao, no que ela tem de mais
é fruto de disposicoes tomadas, de inicio, por um imperador em quemse
pode encontrar o prototipo do "monarca esclarecido", apesar de ter sido,
ele próprio, um cético e logo excomungado.
Resta notar que, adotando a pena de fogo e instituindo como pro-
cedimento legal o recurso ao "braco secular" para os relapsos, o Papa
acentuava ainda o efeito da legislacao imperial e reconhecia, oficialmente,
os direitos do poder temporal na perseguicao as heresias. Sempre sob a
influencia da Legislacao imperial, a tortura seria autorizada, oficialmente,
no comeco do século XIII — desde que houvesse o aparecimento de
pravas" (p. 102).

Ora as concessoes feitas pelos Papas aos reis voltaram-se


contra a própria Igreja. Com efeito, nota R. Pernoud:
"Ora, todo este aparelhamento de legislacao contra a heresia nao
demoraría em ser dirigido pelo próprio poder temporal contra o poder
espiritual do Papa. Sob Filipe, o Belo, as acusagoes contra Bonifacio
VIII, contra Bernard Saisset, contra os Templarios, contra Guichard
de Tro yes apoaim-se neste poder reconhecido no rei para perseguir os
hereges. Mais do que nunca, a confusSo entre espiritual e temporal joga
a favor deste último. Só precisamos recordar aqui as conseqüéncias mais
graves: a Inquisicao do século XVI, a partir deste momento só ñas maos
dos reis e imperadores, iria fazer um número de vítimas sem comparacao
com as do século XIII. Na Espanha, chegar-se-á á utilizacáo da Inquisicáo
contra os judeus ou mouros, o que equivalía a deturpar por completo
seus objetivos" (p. 102).

Régine Pernoud tem razao ao mostrar que a Inquisicáo nao

— 531 —
48 -PERPUNTE K RESPONDEREMOS» 240/1979

fo¡ um tribunal meramente eclesiástico. Na verdade, ela teve


origem por convergencia do poder eclesiástico com o poder
civil na représalo das heresias; mas nesta alianpa o poder regio
foi, aos poucos, sobrepujando o eclesiástico, cnegando a mani
pular a Inquisicao para atingir objetivos políticos.
A autora encerra o capítulo lembrando um fato de sua
experiencia:
"Em 1970, urna transmissao de televisao foi consagrada á Cruz
Vermelha Internacional e a suas comissoes de investigado nos campos de
concentracib. Seu representante foi interrogado por diversos interlocuto
res, entre eles um jornalista, que Ihe propós a scguinte pergunta: 'Nao po
demos obrigar os países a aceitarem a comissao de investigacao da Cruz
Vermelha?'

E, como o representante da instituicao destacasse que as comis


soes de investigacao nao dispunham de nenhum meio para que suas obser-
vacoes fossem registradas, observadas ou sancionadas, que antes essas
próprias comissoes nao dispunham de nenhum direito de visita formalmen
te admitido ou reconhecido por todos, a mesma jornalista replicou: 'Nao
se poderiam banir das nacoes civilizadas as que recusam as comissoes de
investigacao?'
Escutando este diálogo, com referencia á Historia, poder-se-ia
dizer que, em sua indignacáo, por certo compreensível, esta jornalista
acabava de inventar sucessivamente a Inquisicao, a excomunhao e a in-
terdicao — porque ela as aplicava no dominio em que a concordancia se
faz unánime, o da protecao aos prisioneiros e internados políticos"
(p. 107s).

Acrescenta, porém, R. Pernoud que nao é necessário pro


curar comparácoes de tal tipo. Em nossos dias, observa a autora,
aplica-se a Inquisicao nao aos delitos contra a fé, mas as dissi
déncias em relacao á opiniao política predominante. "Todas as
interdicoes, todos os castigos, todas as hecatombes parecem jus
tificadas em nossos tempos para punir ou prevenir os desvíos
e erros quanto á linha política adotada pelos poderes em
exercício. E, na maior parte dos casos, nao basta banir quem
sucumbe á heresia política; importa convencer. Por isto ocorrem
as lavagens cerebrais e os internamentos intermináveis que esgo-
tam, no homem, a capacidade de resistencia interior" (p. 108).
E concluí a autora:
"Quando se pensa no desperdicio insensato de vidas humanas...

— 532 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM» 49

pelo qual se consolidaran! as revolucoes sucessivas e o castigo dos deli


tos de opiniSo em nosso século XX, pode-se perguntar se... a nocao de
progresso nao se encontra posta em xeque. Para o historiador do ano
3.000, onde estará o fanatismo? Onde a opressio do homem pelo homem?
No século XIII ou no século XX?" (p. 108).

As ponderacoes de R. Pernoud merecem atencao... Se


os medievais exorbitaram ñas expressoes do seu amor as verda
des da fé, os contemporáneos que os criticam, nao tém menos
motivos para se horrorizar do que em nossos días vem sendo
cometido em nome dos interesses políticos.

5. A arte medieval
(c. II:"Deformados e Desajustados")

0 termo "Renascimento" (Rinascita, em italiano) foi uti


lizado, pela primeira vez, por Vasari em meados do século
XVI. Significava que "as artes e as letras, que pareciam haver
morrido no mesmo naufragio que a sociedade romana, pareciam
ireflorescer e, depois de dez séculos de trevas, brilharcom novo
fulgor" (Dictionnaire general des lettres, por Bachelet e Dezo-
bry. París 1872).

Assim se manifestava um conceito pejorativo referente as


artes e letras medievais. Estas nada mais teriam sido do que
"deformacoes" e "falta de jeito".

Ora tal juízo nao leva em conta objetiva a realidade dos


fatos. Com efeito,

— "o simples bom senso basta para fazer compreender


que o Renascimento nao teria sido possível se os textos antigos
nao houvessem sido conservados em manuscritos recopiados
durante os séculos medievais" (p. 19) ... "Para citar um exem-
plo, a biblioteca do Monte Saint-Michel, no século XII, continha
textos de Catao, o Timeu de Plata o (em traducao latina), diver
sas obras de Aristóteles, de Cicero, trechos de Virgilio e de
Horacio" (ib).
— As artes renascentistas reproduziam e imitavam os mo
delos antigos numa atitude muito pouco criativa. Os antigos
pareciam ter realizado obras perfeitas, atingindo a Beleza
integral.

— 533 —
50 ^PKRGUNTE K KESPONUKUEMOS* 240/1979

— Eis, porém, que no setor da arte a admiracao nunca de-


ve levar a repetir formalmente o que se admira; a imitacao nun
ca pode ser transformada em lei.
"A visao clássica que se ¡mpós ao Ocidente, ... nSo admitía outro
esquema, outro criterio que nao fosse a antigüidade clássica. Mais urna
vez, presumir-se-ia que a Beleza perfeita tinha sido atingida durante o sécu-
lo de Péricles e que, por isso, quanto mais nos aproximássemos das obras
daquela época, melhor atingiríamos a Perfeicao" (p. 22).
Em contra-posicao, observe-se que "o nome do poeta nos
tempos feudais era trovador, o que encontra, encontrador, ou
seja, inventor. 0 termo inventar adquire aqui sentido forte, ...
Inventar é por em jogo, ao mesmo tempo, a imaginacao e a bus
ca, é o inicio de toda criacao artística ou poética. Para asgera-
coes de hoje, isto parece evidente. Resta saber que, durante qua-
tro séculos, o postulado oposto é que se impunha com evidencia
semelhante" (p. 26).
A arte medieval, de modo geral, foi criativa. Basta lembrar
as magníficas catedrais románicas e góticas que a caracteriza-
vam... Mas é suficiente também apontar os manuscritos medie-
vais: um simples mapa da época revela a capacidade de criacao
do artista (perfeicao da escrita, distribuicao de página, selo
de autenticacao...). Urna letra ornamentada (iluminura) mani-
festa outrossim a criatividade do desenhista...
5. Conclusao
O livro de Régine Pernoud, embora tenha antecessores,
vem em hora oportuna provocar urna revisao do conceito co-
mumente propagado de Idade Media.

Esta é mal entendida, em parte porque a historiografía é


o setor do estudo em que mais dificilmente os pesquisadores
mantém neutralidade científica. A partir do século XVI certas
correntes de pensamento anticatólicas e anticristas tiveram in-
teresse em denegrir a Idade Media. Esta difamacao nem sempre
foi objetiva (embora nao fosse de todo injustificada, pois tudo
o que é humano, é faino), mas baseou-se freqüentemente em
preconceitos. Seria para desejar que os estudiosos contempo
ráneos se livrassem destes e procurassem apontar outrossim tu
do que de grande, belo e nubre caracteriza a Idade Media.
Estévao Bettencourt O. S. B.

— 534 —
ÍNDICE 1979

ERGUNTE

Responderemos

CONFRONTO
ÍNDICE 1979

(Os números á direita indicam respectivamente fascículo,


ano de edicáo e página)

ALMA HUMANA: espiritual 232/1979, p. 147;


231/1979, p. 91.
AMOR E SEXO 229/1979, p. 23;
230/1979, p. 71;
232/1979, p. 168.
ANIMÁIS FALAM? 232/1979, p. 135.
ANO INTERNACIONAL DA CRIANCA: direitos
da cnanga 237/1979, p. 355;
230/1979, p. 82;
2000 237/1979, p. 379.
ANTICONCEPCIONAIS E RELACOES PRÉ-
-MATRIMONIAIS 230/1979, p. 135.
APARICOES DA SSMA. VIRGEM E PROFECÍAS 237/1979, p. 3SG.
APOCALIPSE: que é? 239/1979, p. 4(35.
ARTE MEDIEVAL 210/1979, p. 533.

BANTOS E RELIGIÓES AFRO-BRASILEIRAS 230/1979, p. 59.


BÉNCÁO PARA UNIOES ILEGÍTIMAS 232/1979, p. 168.
BILLINGS, MÉTODO 235/1979, p. 295.

«CÁLICE» — cancáo de,Chico Buarque 233/1979, p. 217.


CASAMENTO E RELACOES PRÉ-MATRIMO-
NIAIS 230/1979, p. 71.
CATOLICIDADE DA IGREJA: como entendé-la? 231/1979, p. 128.
CATÓLICOS CASADOS APENAS NO FORO
CIVIL 236/1979, p. 325.
CEU: que é? 239/1979, p. 461.
CIENCIA, dom do Espirito Santo 237/1979, p. 309.
CIRURGIA PLÁSTICA E TRANSEXUALISMO 232/1979, p. 155.
CLÉVENOT, M.: «ENFOQUES MATERIALIS
TAS DA BIBLIA» 240/1979, p. 502.
«COISAS DA VIDA. O NOVO TESTAMENTO
VIVO EM LINGUAGEM ATUALIZADA» .. 235/1979, p. 256.

— 536 —
ÍNDICE DE 1979 53

CONSELHO, dom do Espirito Santo 237/1979, p. 373.


CONVENTOS E PERSONALIDADE 238/1979, p. 420.
CONVERSAO NA TEOLOGÍA DA LIBERTACAO 229/1979, p. 13.
CORRENTES DE ORACOES 239/1979, p. 476.
CREDO ISLÁMICO 233/1979, p. 184.
«CRIACAO E MITO», livro de Oswald Loretz .. 238/1979, p. 405.
CRIANCA: ANO INTERNACIONAL DA 237/1979, p. 355;
DIREITOS DA 237/1979, p. 355.
CRISE IRANIANA 233/1979, p. 189.
CULTOS AFRO-BRASILEIROS 230/1979, p. 58.

DECLARAQAO DOS BISPOS CHILENOS SOBRE


O SACRAMENTO DO MATRIMONIO 232/1979, p. 169.
DESQUITE E FILHOS 230/1979, p. 82.
DIALOGO ENTRE A IGREJA CATÓLICA E AS
COMUNIDADES ECLESIAIS NAO CATÓ
LICAS 231/1979, p. 125.
DIREITOS DA CRIANCA: quais sao? 237/1979, p. 355.
DISCOS VOADORES: existem? 229/1979, p. 32.
DIVORCIADOS QUE CONTRAEM NOVAS
NUPCIAS 236/1979, p. 321.
DOCUMENTO DE PUEBLA: contoúdo 232/1979, p. 232.
DOLTO, FR.: «O EVANGELHO A LUZ DA
PSICANALISE> 240/1979, p. 514.
DONS DO ESPIRITO SANTO: que sao? 237/1979, p. 3Ü5.
PRETERNATURÁIS: que sao? 238/1979, p. 414.
DULLES, A: «A IGREJA E SEUS MODELOS» 240/1979, p. 487.

ECUMENISMO HOJE: a quantas anda? 231/1979, p. 117.


EMPIRISMO E ESSENCIALISMO no tocante
á fala dos animáis 232/1979, p. 149.
«ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA*
— livro de Michel Clévenot 240/1979, p. 502.
ENTENDIMENTO OU INTELIGENCIA, dom do
Espirito Santo 237/1979, p. 370.
ESCATOLOGIA: declaragáo de Roma 238/1979, p. 399;
239/1979, p. 456.
ESCOLAS DE SEXO e espionagem russa • 235/1979, p. 284.
ESOTÉRICO E EXOTÉRICO: diíerenca 235/1979, p. 302.
ESPIONAGEM RUSSA 230/1979, p. 47;
235/1979, p. 279.
ESPIRITO SANTO: DONS DO .. 237/1979, p. 365.
ESPIRITUALIDADE DA LIBERTACAO 229/1979, p.' 7.
ESTADO ISLÁMICO NO IRA 233/1979, p. 179.
ORIGINAL: que é? 238/1979, p. 413.

— 537 —
54 ÍNDICE DE 1979

ÉTICA: distintivo do homem 231/1979, p. 95.


«EVANGELHO (O) A LUZ DA PSICANALISE»
— livro de Francoise Dolto 240/1979, p. 514.
EVANGELHO SEGUNDO MARCOS EM INTER-
PRETACAO MATERIALISTA 240/1979, p. 505.
EVANGELIZAR NO DOCUMENTO DE PUEBLA 234/1979, p. 236.

FABRICA DE SAO PEDRO 233/1979, p. 201


FALA DOS ANIMÁIS 232/1979 p. 135
FANATISMO KL'LlülOSO NA GUIANA 231/1979 p. 10Ü
FEMININO E MARIOLOGIA 236/1979, p. 311.
FILHOS E SEPARACAO CONSENSUAL 230/1979, p. 82.
FIM DO MUNDO E MENINOS DE DEUS 229/1979, p. 21;
E PROFECÍAS 237/1979, p. 390.
FINANCAS DO VATICANO: exposicao 233/1979, p. 194.
FORTALEZA, dom do Espirito Santo 237/1979, p. 376.
FUNDO «ECCLESIAE SANCTAE» 233/1979, p. 204.

GOVERNATORATO (Prefeitura) DO ESTADO


DA CIDADE DO VATICANO 233/1979, p. 200
GRACA SANTIFICANTE NO ESTADO ORI
GINAL 238/1979, p. 413.
GUIANA E SUICIDIO COLETIVO 231/1979, p. 100.

HABITANTES DE OUTROS PLANETAS 229/1979, p. 43.


HERESIAS E INQUISICAO MEDIEVAL 240/1979, p. 529.
HIPNOSE E PSICOTERAPIA 232/1979, p. 151.
HOMEM: puro macaco? 231/1979, p. 91.
HOMOSSEXUALISMO: discussáo 236/1979, p. 332.

IDADE MEDIA E MULHER 240/1979, p 523


«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINA-
RAM» — livro de Régine Pernoud 240/1979 p 520
IGREJA COMO INSTITUICAO 240/1979, p. 489:

— 538 —
ÍNDICE DE 1979 55

ARAUTO 240/1979, p. 493;


COMUNHAO MÍSTICA 240/1979, p. 491;
SACRAMENTO 240/1979, p. 492;
SERVA 240/1979, p. 495;
VERDADEIRA 240/1979, p. 499;
(A) E SEUS MODELOS — livro de
Avery Dulles 240/1979, p. 487;
E A MULHER 240/1979, p. 524;
E ECUMENISMO 231/1979, p. 117;
NA AMÉRICA LATINA 234/1979, p. 232.
IMORTALIDADE E JUSTICA ORIGINAL 238/1979, p. 415.
IMPASSIBILIDADE E CIENCIA NO ESTADO
ORIGINAL 238/1979, p. 418.
INDISSOLUBIDADE E UNIDADE DO MATRI
MONIO: justificativa 232/1979, p. 170.
INDIVIDUALISMO E USO DO SEXO 230/1Ü79, p. 79.
INFERNO: que é? 239/1979, p. 461.
INQUISICAO MEDIEVAL: avaliacao 240/1979, p. 529.
INSTITUTO PARA AS OBRAS DE RELIGIAO
(IOR) 233/1979, p. 202.
INTEGRIDADE (imunidade de concupiscencia)
NO ESTADO ORIGINAL 238/1979, p. 417.
IRA: movimento político-religioso 233/1979, p. 189.
ISLAMISMO 233/1979, p. 180.

JESÚS CRISTO E A POLÍTICA 229/1979, p. 15;


«REVOLUTION» 229/1979, p. 19;
SUBVERSIVO? 240/1979, p. 511
JIM JONES E SUICIDIO COLETIVO 231/1975, p. 100.
JOAO XXIII E PROFECÍAS (livro) 235/1979, p. 301.
JUSTICA ORIGINAL: que era? 238/1979, p. 410.
JUVENTUDE E RELIGIAO (MENINOS DE
DEUS) 229/1979, p. 31.

KGB (KOMITET GOSUDARDSTVEMOY BEZO-


PASNOTI) 235/1979, p. 283.

LAVAGEM DE CRANIO 230/1979 p. 51


LEIGOS NA AMÉRICA LATINA 234/1979 p. 251
LIBERDADE E HOMOSSEXUALISMO 236/1979, p. 340.

_ 539 —
56 fNDICE DE 1979

UBERTACAO, TEOLOGÍA DA 229/1979, p. 3.


UNGUAGEM DOS ANIMÁIS 232/1979, p. 135.
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO: conci-
Üam-se? 239/1979, p. 443.

MACACO E HOMEM: DIFERENCAS 231/1979, p. 91.


«MANICOMIOS, PRISÓES E CONVENTOS» — li-
vro de Erving Gofíman 238/1979, p. 420.
MAOMÉ E SUA OBRA 233/1979, p. 180.
MARÍA E APARICOES 237/1979, p. 386.
MARÍA E O EVANGELHO DA INFANCIA .... 236/1979, p. 314;
MARIOLOGIA, segundo Leonardo Boíí 236/1979, p. 311.
MARXISMO E LUTA DE CLASSES 239/1979, p. 445.
MATERNIDADE VIRGINAL DE MARÍA 236/1979, p. 314.
MATRIMONIO SEM FORMA CANÓNICA? .... 232/1979, p. 172.
MENINOS DE DEUS: quem sño? 229/1979, p. 18.
MÉTODO BILLINGS 235/1979, p. 295.
«MILAGRE {O) DA FÉ» — filme 238/1979, p. 434.
MISSOES E FINANCAS DO VATICANO 233/1979, p. 204.
MODELOS DA IGREJA 240/1979, p. 488.
MORAL MAOMETANA 233/1979, p. 185.
MORTE E IMEDIATA RESSURREICAO 239/1979, p. 456.
MOSTEIROS E PERSONALIDADE 238/1979, p. 420.
MULHER NA IDADE MEDIA 240/1979, p. 523.

NOVO TESTAMENTO VIVO: «COISAS DA


VIDA» 235/1979, p. 267.

OBULO DE SAO PEDRO 233/1979, p. 203.


ORACAO E PENITENCIA: mensagem de todas
as aparees 237/1979, p. 386.
ORACOES «TODO-PODEROSAS» 239/1979, p. 478.
OVNI — OBJETO VOADOR NAO IDENTIFI
CADO 229/1979, p. 33.

PASTORAL DOS DIVORCIADOS 236/1979, p. 320;


DOS FILHOS DOS DIVORCIADOS 236/1979, p. 327;
VOCACIONAL 234/1979, p. 251.

— 540 —
ÍNDICE DE 1979 57

PERNOUD, R.: «IDADE MEDIA: O QUE NAO


NOS ENSINARAM» 240/1979, p. 520.
PERSONALISMO: que é? 230/1979, p. 79.
PIEDADE, dom do Espirito Santo 237/1979, p. 375.
PLÁSTICA CIRURGIA E TRANSEXUALISMO 232/197S, p. 155.
POUTICA ECONÓMICA DA SANTA SÉ 233/1979, p. 206.
POSTUMA. VIDA 239/1979, p. 457.
PRAGAS E GUERRAS NO FIM DO MUNDO .. 237/1979, p. 382.
PRAXIS E TEOLOGÍA DA LIBERTACAO 229/1979, p. 12.
PROFECÍAS DO FIM DO MUNDO 237/1979, p. 378.
(AS) DO PAPA JOAO XXIII — li-
vro de Pier Carpi 235/1979, p. 301.
PSICOPOL1TICA: que 6? 230/1979, p. 47.
PSICOTERAPIA E TRANSEXUAUSMO 232/1979, p. 151.
PUEBLA, DOCUMENTO DE 234/1979, p. 232.
PURGATORIO: que é? 239/1979, p. 462.

«QUESTAO (A) HOMOSSEXUAL» — Hvro de


Marc Oraison 236/1979, p. 333.

REENCARNACAO E CULTOS AFRO-BRASI-


LEIROS 230/1979, f.. 66.
RELACOES SEXUAIS PRÉ-MATRIMONIAIS:
debato 230/1979, p. 71.
RELIGIAO: fenómeno típicamente humano 231/1979, p. 91.
RENOVACAO DA PASTORAL MATRIMONIAL 236/1979, p. 328.
RESSURREICAO DO FILHO DA VIÜVA DE
NAIM 240/1979, p. 516;
DA FILHA DE JAIRO 240/1979, p. 517;
DE LÁZARO 240/1979, p. 518;
DOS MORTOS — documento
de Roma 238/1979, p. 399;
E CONSUMAgAO UNIVER
SAL 239/1979, p. 459;
LOGO A POS A MORTE? ... 239/1979, p. 456.
REVELACOES PARTICULARES: Sim ou nao? 237/1979, p. 387.
ROSA-CRUZ: que é? 235/1979, p. 307.
«ROSTO (O) MATERNO DE DEUS» — livro de
Leonardo Boíf 236/1979, p. 311.
RÚSSIA E ESPIONAGEM 230/1979, p. 47;
235/1979, p. 279.

SABEDORIA, dom do Espirito Santo 237/1979, p. 372.


SACRAMENTOS DA RECONCILIACAO E DA
EUCARISTÍA E OS DIVORCIADOS QUE
SE CASAM NOVAMENTE 236/1979, p. 322.

— 541 —
58 ÍNDICE DE 1979

SANTA SÉ ENTRE ARGENTINA E CHILE ... 234/1979, p. 223.


SAÚDE MENTAL 230/1979, p. 52.
SEGREDO DE FATIMA 237/1979, p. 383.
SENHORA DE TODOS OS POVOS, MENSA-
GEM DA 237/1979, p. 385.
SEPARACAO CONSENSUAL E FILHOS 230/1979, p. 82.
SERVO DA GLEBA '. 240/1979, p. 527.
SEXO ANTES DO MATRIMONIO 230/1979, p. 71.
/ESPIONA GEM — livro de David Lewis 235/1979, p. 279.
SUDANESES E RELIGIOES AFRO-BRASI-
LEIRAS 230/1979, p. 59.
SUFRAGIO PELOS MORTOS: significado 239/1979, p. 463.
SUICIDIO COLETIVO NA GUIANA 231/1979, p. 100.
SUPERSTICÁO E CORRENTES DE ORACOES 239/1979, p. 480.

TEMOR DE DEUS, dom do Espirito Santo 237/1979, p. 376.


TEOLOGÍA DA LIBERTAQAO 229/1979, p. 3;
LATINO-AMERICANA 229/1979, p. 13.
TRANSEXUALISMO: experiencia de cura 232/1979, p. 151.
TREVAS, TROVOADAS E LUZ NO FIM DO
MUNDO 237/1979, p. 380.

UFOLOGIA: debate 229/1979, p. 33.


UMBANDA: origem e ritos 230/1979, p. 61.
UNIDADE E INDISSOLUBILIDADE DO MA
TRIMONIO 232/1979, p. 170.
UNIOES ILEGITIMAS E BÉNCAO 232/1979, p. 108.
«UNIVERSO EM DESENCANTO; — livro de
Manoel Jacintho Coelho 230/1979, p. 345.

VATICANO, FINANCAS DO 233/1979, p. 194.


VERDADE SOBRE JESÚS CRISTO 234/1979, p. 237;
O HOMEM 234/1979, p. 240;
A IGREJA 234/1979, p. 238.
«VIDA APÓS A VIDA» 237/1979, p. 392;
CONSAGRADA 234/1979, p. 250;
DA IGREJA 236/1979, p. 322;
RELIGIOSA 238/1979, p. 425.
VIRGINDADE DE MARÍA: declaracáo dos bis-
pos espanhois 231/1979, p. 113.

— 542 —
ÍNDICE DE 1979 59

EDITORIAIS

A IGREJA E O MOMENTO NACIONAL 238/1979, p. 397.


AS PREVISOES PARA A DÉCADA DE 80 .... 236/1979, p. 309.
«COMO NAO NOS TERÁ DADO TUDO COM
ELE?» : 240/1979, p. 485.
«CREIO NA RESSURREICÁO DOS MORTOS» 237/1979, p. 353.
«DEUS EM ASCENSAO» 234/1979, p. 221.
FELICIDADE, ONDE ¿MORAS? 230/1979, p. 45.
FINALMENTE, PUEBLA! 231/1979, p. 89.
«MINHA SENHORA DONA...» 229/1979, p. 1.
OLHAR PARA O HOMEM COM O OLHAR
DE CRISTO 233/1979, p. 177.
UM DISCURSO A TODOS OS POVOS 239/1079, p. 441.
UM LÍDER, UMA ESPERANgA 235/1979, p. 265.
VIDA E MORTE EM DUELO 232/1979, p. 133.

LIVROS APRECIADOS

ARCHANJO, José Luís — Teilhard de Chardin:


Mundo, Homem c Deus 232/1979, 31 capa.
BATTISTINI, Fr. — Como falar com Deus 232/1979, 3' capa.
A Igreja do Deus Vivo.
Curso bíblico popular sobre
a verdadelra Igreja 229/1979, 4' capa.
BOFF. L. c outros — Puebla: Anúllse, Perspec-
ncutivas, IntfrrogacOes 238/1979, 3' capa.
BOROS Ladislaus — O Deus próximo 236/1979,3* capa.
O ser do cristáo 236/1979, 4' capa.
CALLE, Francisco de la — A Teología de Marcos 229/1979, 41 capa.
A Teología do quarto
Iivangelho 229/1979, V capa.
CNBB — Puebla. A evangelizacáo no presente
e no futuro da América Latina 237/1979, p. 396.
DALLEGRAVE, Geraldo E. — Reencarnacio .. 232/1979, p. 176.
DATTLER, Frederico — Redencao. Biblia e Teo
logía da Ubertacüo 230/1979, p. 88.
DODD C II — A meiisagem de Sao Paulo
pira o homem de lioje 230/1979, 41 capa.
DULLES, Avery — A Igreja e seus modelos.
AnreciaeSo critica da Igreja sob todos os
seus aspectos 236/1979, p. 352.
HAERING, Bernhard — Livres e fiéis em Cristo.
Teologia moral para sacerdotes e leigos —
Vol. I VT 238/1979, p. 439.
LANCELLOTTI, A, e BOCCALI, G. — Comen
tario ao Evangelho de Lucas 238/1979, p. 438.
LEPARGNEUR, Hubert. — O descompasso da
teoría com a pratlca: Urna, indagacüo ñas
raízes da moral 237/1979, p. 394.
LOHFINK, Norbert — Profetas ontem q hoje 237/1979, p. 395.

— 543 —
60 ÍNDICE DE 1979

LORETZ, Oswald — Criacao e mito. JIomcm e


mundo segundo os capítulos iniciáis do
Génesis 235/1979, 4* capa.
MARINS, José e equipe — De Medellin a Pue
bla. A praxis dos padres da América Latina 234/1979, 3' capa.
íMEGALE, Joáo Batista — Conversas com o
meu Senhor 231/1979, 3* capa.
O profeta que veio
do deserto 231/1979, 3' capa.
A experiencia de
Deus 231/1979, 3' capa.
MIRANDA, Mario de Franga — Sacramento da
penitencia. O pcrdáo de Deus na
ooiminidadc cclesial 233/1979, p. 220;
236/1979, p. 353.
MONDIN, Battista — As teologías do nosso
tempo 231/1979, p. 132.
PDXAZA Javier — A Teología de Mateus 229/1979, 4* capa.
A Teología de Lucas 229/1979, 4* capa.
RAMOS, Lincoln — A palavra do Senlior. Novo
Testamento. TraducSo bascada no original
grego 238/1979, p. 438.
SCHELKLE, Karl H. — Teología do Novo Tes
tamento. Vol IV: Ethos — Comportamento
do Honiem 233/1979, 3' capa.
SCHMAUS, Michacl — A tí- du Igroja. Vol. IV:
A Igreja, um misterio da fe 231/1979, p. 131»
SCHUBERT, Guüherme — Arte para a fé. Igre-
jas c cápelas dcpoLs do Concilio Vaticano II 235/1979, 4' capa.
SEGUNDO, Juan L. — Liberlacfio «la Teología 231/1979, p. 87.
Silva, Jorge Medeiros — Tóxicos. O que os pais
devem saber 234/1979, 4* capa.
SPEIDEL, Kurt A. — O Julgamento de Pilatos.
Para vocé entender a Paixao de Jesús 232/1979, p. 176.
TÉRRA, Joáo E. M. — Direitos de Deus e Di-
reitos Humanos 234/1979, 3' capa.
Escatologia e Ressur-
reicáo 237/1979, 3" capa.
e outros. — Jesús polí
tico e Libertacüo Esca-
tológica 231/1979, p. 131.
VIDAL, Marciano — Moral «le Atitudes. Vol. I:
Moral Fundamental 238/1979, p. 440.
WOLFF, H. W. — Biblia. Antlgo Testamento.
Introducto aos escritos e aos métodos de
estudo 230/1979, 3* capa.
W00DROW, Alain — As novas seitas 237/1979, p. 395.

— 544 —
AOS NOSSOS LEITORES E ÁSSINÁNTES
CARO(A) AMIGO(A),

VOCÉ SABE QUE O CUSTO DE VIDA TEM SUBIDO


ALÉM DE TODAS AS PREVISÓES, ACARRETANDO SERIOS
PROBLEMAS PARA MUITOS EMPREENDIMENTOS DESTITUI
DOS DE FINS LUCRATIVOS, COMO A NOSSA REVISTA PR.

ALÉM DISTO, REGISTRAMOS O FATO DE QUE NUME


ROSOS ASSINANTES, EMBORA QUEIRAM CONTINUAR A
RECEBER PR, NAO RENOVAM A ASSINATURA NO MOMENTO
OPORTUNO.

ESTA SITUACÁO TEM CAUSADO SERIOS EMBARAQOS


A NOSSA ADMINÍSTRACÁO. DESEJAMOS CONTINUAR A
PRESTAR OS SERVIQOS QUE PR TEM OFERECIDO AO
PÚBLICO. MAS ISTO SÓ SERÁ POSSIVEL SE TODOS OS
INTERESSADOS SE DISPUSEREM A COLABORAR GENERO
SAMENTE. EIS POR QUE LHE PEDIMOS ATENQÁO PARA
QUANTO SEGUÉ :

1) TENDO CALCULADO TODAS AS DESPESAS E


RENUNCIANDO A QUALQUER ESPECIE DE LUCRO MATE
RIAL A ADMINISTRAQÁO COMUNICA QUE A ASSINATURA
ANUAL DE PR EM 1980 FICARÁ POR CRS 320,00

2) ESPECIALMENTE GRATOS FICAREMOS AOS NOS-


SOS AMIGOS SE PAGAREM ESSA QUANTIA ATÉ 31 DE
DEZEMBRO DE 1979.

3) A QUEM ESTEJA EM DÉBITO PARA COM PR,


PEDIMOS PRONTO PAGAMENTO.

4) SOLICITAMOS A TODOS QUEIRAM OBTER NOVOS


ASSINANTES PARA PR. A REVISTA, NAO TRAZENDO ANUN
CIOS COMERCIÁIS, VIVE EXCLUSIVAMENTE DAS SUAS
VENDAS.

5) A QUEM CONSEGUIR CINCO NOVAS ASSINATU-


RAS DE PR, SERÁ OFERTADA GRATUITAMENTE UMA ASSI
NATURA DA REVISTA.

CERTOS DA COMPREENSÁO DO(A) AMIGO(A), CON


TAMOS COM A SUA PRECIOSA COOPERAQÁO, PELA QUAL
DE ANTEMÁO LHE SOMOS GRATOS.

A DIRECÁO DE PR

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