Nelson Cavaquinho

Tome um homem seu violo, cante ele pelas ruas como um antigo trovador da Idade Mdia a beleza das
flores, a efemeridade da vida e a angstia metafsica da morte, e esse ser o retrato de Nlson Cavaquinho. Com sua cabeleira branca, seu permanente ar de dignidade e a sua voz enrouquecida por muitos anos de cervejas geladas, o que Nlson Cavaquinho canta (fazendo percurtir, mais que desdilhando, as cordas de seu violo) a saga de um homem que vive em estado de poesia. E cuja obra, por isso mesmo, no morrer. J.R.Tinhoro Ningum toca como ele. Ele tira um som do violo que impressionou at Tubio Santos. As introdues de Nlson, ningum faz como ele. Qualquer outro sambista d uma introduo convencional: a terceira do tom, a segunda, a primeira. Nlson pe uma diminuta, faz uma seqncia, uns acordes, d uma volta e cai no tom que quer. S ai ele comea a cantar. Nlson no entende nada de msica, mas sua carga de vivncia somada ao seu talento justificam suas belssimas composies. Os sambas dele tm algo em comum: sempre acabam na segunda do tom, sempre na dominante. O samba, em geral, termina na primeira parte, mas Nlson fecha na segunda. uma marca do samba dele. H excees, mas a maioria fica sempre na segunda e se completa com acordes grandes. Paulinho da Viola Filho de Brs Antnio da Silva e Maria Paula da Silva, Nlson Antnio da Silva nasceu no Rio de Janeiro em 29 de outubro de 1911. Pobre o menino Nlson saiu da escola no terceiro ano primrio para ir trabalhar. Sua formao musical iniciou com seu pai, que era tocador de tuba da Polcia Militar e de seu tio, que nas reunies dominicais da famlia tocava violino acompanhado da cantoria de seus parentes e Nlson, criana, tentava acompanhar com seu instrumento de brincadeira: fios de arame esticados sob uma caixa de charutos. Nlson comeava a ser do Cavaquinho quando, aos 21 anos teve seu primeiro casamento. Como Nlson passava a maior parte do tempo sumido de casa enfiado em rodas de samba. Sempre voltava para casa acompanhado de seu cavaquinho, de uma galinha e liso, para o terror de sua esposa Alice que o enxotava novamente. Na dcada de 1950, as msicas da dupla Guilherme de Brito Bolhorst e Nlson do Cavaquinho comearam a ser gravadas com mais freqncia. Mais ainda no era o sucesso: nomes de compositores continuavam a constar ao lado dos de Nlson e Guilherme. E no adiantava muito este pressionar o companheiro contra tais parcerias, pois se ele no divulgava as composies, Nlson muito menos. Ele estava inteiramente voltado para a sua arte e para a bomia. No via por que no ceder co-autoria a um novo amigo de balco ou a algum que fizesse a composio render algum dinheiro para novas farras.
Por outro lado, entre Guilherme e Nlson existe um pacto de s fazerem msica junto e sempre a dois mesmo Eu no me sentiria bem se meu nome entrasse sem eu ter feito nada garante Guilherme e concorda Nlson, emborcando um clice de conhaque. Por isso, mesmo que d pra mim terminar a msica sozinho, ele sempre deixa um pedao pra outro fazer. A partir de 1961, Nlson comeou a freqentar regularmente a casa de Cartola e Dona Zica. Estimulados por cervejas e saborosos petiscos, passavam as madrugadas em memorveis rodas de samba compositores de real valor, como Z Keti, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Anescar Bigode, lton Medeiros e muitos outros. A casa da Rua dos Andradas foi ficando famosa e pequena. Ento surgiu a idia de se abrir um restaurante: Zica entrava com a comida e Cartola com o violo. Logo o Zicartola tornou-se o reduto de toda a boa msica popular, independentemente de linhas ou temticas. E, com a revalorizao das razes musicais, provocada pelo Centro Popular de Cultura da Unio Nacional dos Estudantes e assimilada pela bossa nova, velhos sambistas foram descobertos ou redescobertos. Nlson foi um deles. Em 1965, Nara Leo gravou com algum sucesso Pranto de poeta; os convites para que ele tocasse em shows se multiplicaram e sua fama ultrapassou as fronteiras da bomia carioca. Agora o desligamento de Nlson ganhava notoriedade, tornava-se folclrico. Conta-se que certa noite ele tocou com Jobim at amanhecer, chegando a combinar um show conjunto. O produtor Jorge Coutinho, ao saber da histria, correu procura de Nlson para acertar os detalhes do tal espetculo. AO que Nlson reagiu dizendo Tom?! Que tom?! D maior?! Noutra ocasio, Paulinho da Viola organizou um show que teria, entre os artistas, Nlson Cavaquinho. Paulinho lembrou-o vrias vezes do compromisso, mas no dia Nlson simplesmente desapareceu. Paulinho quase no recebeu, por quebra de contrato. Depois ao encontrar o velho bomio, tomou flego para a maior esculhambao, mas Nlson o interrompeu na primeira frase Voc no avisa nada e ainda vem dando bronca no Nlson! Assim no possvel!

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