Alek Ciaran e os guardiões da escuridão
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Sobre este e-book
Alek era um adolescente comum e sequer sabia da existência de outros mundos além do humano.
Quando essa nova realidade é revelada, o jovem tem que descobrir quem ele realmente é e o que deseja ser. Sem saber em quem confiar, Alek precisará estar pronto para lidar com as consequências de suas escolhas.
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Alek Ciaran e os guardiões da escuridão - Shirley Souza
Sumário
labirinto PARTE I • LABIRINTO
I – Paredes de caixas
II – Realidade chamando...
III – Questão de escolha
IV – E começa o fim de semana
V – Papel e tinta
VI – Domingo de inverno
VII – A semana começa quente...
VIII – Nada mais será como antes
labirinto PARTE II • LUZ E ESCURIDÃO
IX – Uma noite de encontros
X – Um outro universo
XI – Anuar e Ciaran
XII – Um longo caminho
XIII – As Cavernas
XIV – Um jantar conturbado
XV – Essência
XVI – A marca dos Renegados
XVII – Um dia de aprendizado
XVIII – O encontro com a tempestade
labirinto PARTE III • SOMBRIO
XIX – Alekssander Ciaran?
XX – Uma nova ameaça
XXI – O processo de cura
XXII – Conselho Anuar
XXIII – Aprendiz
XXIV – Evolução
XXV – Reencontro
XXVI – Nasce um guerreiro
A autora
Parte1I
Paredes de caixas
Ele corria sem saber para onde. Tudo estava sombrio ao seu redor. Uma fraca luminosidade espalhava-se pelo lugar, estranha, sem brilho. Tomava conta de todo o espaço como se fosse uma névoa. Uma neblina fina, friamente iluminada, esbranquiçada, que não vinha do teto, mas de toda a parte.
Fugia, mas não sabia do quê.
O lugar lembrava um imenso galpão abandonado, com caixas antigas empilhadas, esquecidas ali pelo tempo, formando paredes do que deveria ser um longo e intrincado labirinto.
As paredes de caixas erguiam-se tortuosas, com pelo menos quatro metros de altura, prometendo desmoronar a qualquer instante. Espalhavam-se por todos os lados, construindo caminhos. O teto, lá em cima, não era visível, parecia inalcançável, perdido na escuridão.
Como cheguei aqui? Que lugar é esse? Por que estou correndo tanto?
A única coisa que sabia era que devia continuar fugindo. Não podia ficar ali parado. Preciso escapar! Mas do quê? E para onde?
Ainda correndo, concluiu que a situação era absurda demais. Não havia motivo para aquela correria. Não era uma pessoa dada a exageros. Era racional. E muito ponderado, apesar de só ter quinze anos. A avó sempre dizia que era maduro para a idade. Pareceu estranho lembrar disso naquele momento.
Parou.
Estava ofegante, suado, cansado.
Respirou profundamente e olhou ao redor de si.
"Caixas e mais caixas. Só isso. E o caminho, é claro!
O caminho entre elas.
Parece um labirinto.
Mas por onde entrei?
Por onde vou sair?
O que eu faço?"
Sentou-se no chão para descansar e pensar. Descobrir o que de fato acontecia. Sua cabeça girava com o ritmo acelerado de sua pulsação e de seus pensamentos. Impossível focar.
Respirou mais uma vez, profundamente, buscando se acalmar.
Passou a mão na testa para tirar o suor e uma dor pulsante fez com que a retirasse instantaneamente do rosto. Sua palma estava vermelha e grudenta. Sangue! Somente agora, que havia tocado o ferimento, percebia sua testa latejando, ferida.
Como isso aconteceu? Será que fui sequestrado? Um sequestro-relâmpago? Alguém bateu na minha cabeça e por isso não me lembro de nada? Cheguei aqui desacordado? Por que não senti dor antes?
As perguntas não paravam de bombardear sua mente já abarrotada. Levantou-se de repente e sua visão escureceu. Teve uma vertigem.
Apoiou-se em uma das paredes de caixas e surpreendeu-se ao ver que ela era mais sólida do que parecia. Nada desmoronou ou sequer oscilou.
Esperou alguns instantes, de olhos fechados, para que o equilíbrio fosse recuperado e pudesse seguir andando devagar, um passo de cada vez, ainda sem saber para onde.
Caminhou até perder a noção de por quanto tempo estava nesse movimento e de qual direção viera. Apenas seguiu em frente e, quando não foi possível, optou pela esquerda ou pela direita, aleatoriamente.
Cada vez mais se convencia de que o lugar era composto apenas por corredores e paredes feitas de caixas empilhadas. Não havia janelas. Pelo menos não via nenhuma. Mas também não via paredes... Quer dizer, não paredes de verdade, apenas aquelas de caixas.
Considerava estranho não ouvir som algum naquele lugar. Apenas o ruído de sua respiração ofegante e de seus passos ressoavam de forma seca. Tudo estava muito silencioso.
Um forte cheiro de mofo preenchia todos os caminhos, unindo-se com perfeição àquela neblina luminosa. Não era possível dizer se o odor vinha da névoa ou das caixas.
O que está guardado nessas caixas? E se eu abrir uma delas? Posso encontrar algo útil...
Não conseguia achar uma explicação lógica, apenas seguia o instinto que lhe dizia que o melhor era andar, andar, andar sem parar. Arrumar um jeito de sair logo dali e não perder tempo tentando abrir alguma caixa e correr o risco de fazer uma daquelas estranhas paredes desmoronar, chamando atenção para sua presença.
Mas será que alguém sabe que estou aqui?
Mais uma vez, tentou se concentrar e pensar em uma estratégia prática que o ajudasse a descobrir a saída do labirinto.
Lamentou o fato de não gostar de videogame. Nessa hora, talvez fosse útil ter jogado com Lucas, seu melhor amigo, aqueles muitos games de RPG, com labirintos intrincados. Lucas era viciado em computador e nesses jogos, mas ele não suportava game nenhum, tudo lhe parecia bobagem.
Por que raios fui lembrar disso agora?
Continuou caminhando, prestando atenção nas decisões que tomava, não queria ficar andando em círculos, passando infinitas vezes pelo mesmo corredor. Se tivesse um pedaço de papel, poderia tentar desenhar o caminho que seguia ou, pelo menos, se conseguisse algo com que marcar aquelas caixas, saberia se já havia passado em algum daqueles corredores.
Depois de bastante tempo, assumiu que estava exausto, sem forças ou ânimo para prosseguir. Aceitou que seria impossível descobrir a saída sem, antes, saber qual era sua posição no tal labirinto... "Se é que é mesmo um labirinto... E como vou saber se é ou não, e pra que lado devo ir?"
Olhou para as paredes de caixas e concluiu que o único jeito seria escalar uma delas e analisar a cena lá do alto.
Mas será que aguentarão a escalada? Ou irão desabar sobre mim?
Nunca foi do tipo corajoso, muito menos atlético. Mas não via outra solução.
As caixas pareciam mal empilhadas umas sobre as outras, sem qualquer ordem ou forma de classificação, como: menores sobre as maiores ou materiais mais resistentes sob os materiais mais frágeis. Nem sequer existiam prateleiras entre elas. Eram caixas sobre caixas e mais caixas. Um cenário insólito!
Analisou as paredes ao seu redor. Algumas caixas eram de metal. Outras, talvez, de papelão, mas a maioria parecia ser de madeira. Madeira antiga, escurecida pelo tempo e, provavelmente, apodrecida por ele também.
Têm tudo para desabar. Não dá para me arriscar a subir nelas.
Talvez o melhor fosse desistir, não continuar andando... Apenas ficar parado e esperar algo acontecer.
"Esperar o quê?
Se eu continuar caminhando, uma hora tenho de achar a saída. Não?"
Sentiu um peso apertar seu peito. Vontade de gritar, de chorar, de pedir ajuda...
E se ninguém fizer ideia de que eu estou aqui, perdido?
Parecia mesmo que o mais provável era que ninguém soubesse de seu paradeiro.
Foi então que ouviu...
O silêncio reinante ao redor acabara de ser rompido, como que respondendo às suas dúvidas: alguém ou alguma coisa parecia saber de sua presença.
De início, não foi possível definir o que ouvia. Era algo estranho.
Ainda assim, aquele som era o suficiente para qualquer um achar que o melhor seria que nada nem ninguém soubesse que ele estava ali. Aquele alerta em sua consciência, aquela estranha intuição que o fizera correr sem destino, gritava que esse desejo não seria realizado. Era tarde para querer voltar ao silêncio e à ilusão de estar só.
Seu corpo retesou-se, absolutamente imóvel. Parou até de respirar para não fazer qualquer ruído. Queria escutar de novo o barulho e definir o que poderia ser. Instantes depois, ouviu mais uma vez.
Era um tipo de respiração. Forte. Ruidosa.
Pela potência do som, só poderia ser a respiração de alguma coisa muito grande. De algum animal, talvez.
Não dava para saber de onde vinha aquele ruído horrendo: ele emanava de todas as direções, como se fosse a respiração daquele labirinto maldito!
"Absurdo! Não faz sentido algum.
DROGA! Pra que lado devo ir?"
Outro som estranho cortou seus pensamentos. Diferente do primeiro. Algo se arrastava em um corredor próximo ao seu. Isso dava para definir: algo se arrastava. Quão próximo estava, ele não sabia dizer. Também era grande, muito grande: pelo barulho que fazia, era maior que qualquer animal de que se lembrava.
O som da respiração parou. Será que esse negócio que se arrasta não é o mesmo que ouvi respirando? E se o que eu ouvi não foi uma respiração? E se foi essa coisa rastejante farejando o ar, sentindo onde está sua presa?
No caso, ele.
Começou a correr, reunindo toda a força que ainda tinha.
E sua mente teimava em não se aquietar.
Nunca gostei de histórias de terror, de perseguições, de improváveis seres gigantescos e cruéis devorando humanos. Por que agora tudo isso fica pipocando na minha cabeça?
Estava difícil engolir a pouca saliva que ainda produzia. O peito garantia que iria explodir a qualquer instante. O medo revelou-se monstruoso, sem foco, absoluto.
Parou de novo, a poucos metros de mais uma encruzilhada do labirinto.
Tremia. Suava. A vista estava enevoada pelo mal-estar e pelo sangue misturado ao suor que escorria sobre seus olhos. Não conseguia apenas virar para a esquerda ou para a direita.
O barulho da coisa rastejando e farejando estava mais próximo, próximo demais.
A escolha pela direção errada poderia ser fatal.
Sentiu um arrepio profundo e doloroso, algo terrível aproximava-se e ele ali, imóvel, sem conseguir decidir para onde fugir.
Ouviu o barulho atrás de si. Virou-se e viu, no fim distante do corredor, a cabeça do que parecia ser uma serpente gigantesca. Ela vinha em sua direção, sem pressa, mas com determinação.
Ele permaneceu imobilizado por frações de segundo, encarando-a. Foi o tempo suficiente para ver que a cabeça da serpente era branca e lisa. Nesse breve instante, teve a sensação de que toda a luz do galpão emanava dela, de seu corpo albino. Era como se a névoa fracamente iluminada fosse apenas sua respiração, uma extensão dessa serpente gigantesca, algo que se desprendia dela e dominava o espaço sem esforço. Seus olhos brilhavam num tom de verde, frio, como se estivessem acesos, e ela era tão grossa quanto o tronco de uma árvore antiga.
Não esperou para ver o seu comprimento.
Saiu em uma correria desesperada para o lado esquerdo do labirinto.
Correu cerca de duzentos metros e percebeu que era um caminho sem saída.
Não pode ser... E agora? Será que dá tempo de voltar?
Se antes ele se considerava desesperado, descobriu que ainda era capaz de desesperar-se mais, que havia fronteiras desconhecidas de seu desespero.
Encostou-se na parede de caixas e fechou os olhos. Seu corpo tremia sem controle. Sentiu um choro inevitável sufocá-lo.
Concentrou-se para manter os olhos fechados, não suportaria ver tudo o que iria acontecer.
Tão perdido estava em seu universo de pavor que demorou para compreender o que ouvia:
– Ei! Aqui em cima! Ô, idiota! Abra os olhos antes que morra, imbecil!
Ele abriu os olhos, embaçados pelas lágrimas, pelo sangue, pelo suor, e voltou a cabeça para o alto.
Ficou chocado ao ver uma garota, mais ou menos da sua idade, sobre uma das paredes de caixas que encerrava o corredor. Parecia estar a uns quatro metros de altura e seu corpo fundia-se à escuridão.
Não era possível vê-la com nitidez, mas percebia que estava agachada, tinha os cabelos encaracolados presos em um rabo de cavalo, olhava para ele com olhos arregalados. No meio daquele turbilhão e do ambiente pouco iluminado, não viu a cor de seus olhos, mas notou uma pinta que ela trazia sob o olho esquerdo, bem no canto interno, como uma lágrima escura. Seus gestos revelavam que ela estava nervosa, mas sua voz não demonstrava isso. Transparecia apenas segurança e um autoritarismo exagerado:
– Isso! Muito bem... Agora, mantenha esses olhos abertos, menino, e suba aqui de uma vez. Vamos, rápido!
– O quê? Subir? Essas caixas vão desmoronar!
– Pode ser, mas essa é a única chance que você tem de sair daqui. E é melhor subir rápido – finalizou, apontando para a serpente que aparecia no corredor.
Ele reconheceu que essa era a única opção. Então, respirou fundo e passou a escalar a parede. Os dois primeiros metros estavam firmes e nem oscilaram com seu peso. Mas, como havia previsto, assim que atingiu uns três metros de altura, tudo começou a tremer. Ele continuou subindo, o mais determinado e firme que pôde, e, quando estava a menos de meio metro do topo da parede, sentiu tudo se desestruturar. As caixas balançaram. Seu pé esquerdo perdeu o apoio, ele escorregou e segurou em alguma coisa. Podia sentir a respiração da serpente muito próxima. Não tinha coragem de olhar para baixo, mas sabia que ela estava ali, pacientemente o esperando cair.
II
Realidade chamando...
Acordou se debatendo, sufocando um grito em meio a uma terrível sensação de queda. O pijama grudado no corpo ensopado de suor.
Sonho mais esquisito esse! Nunca tive um pesadelo assim, tão absurdo, tão... tão... real.
Levantou com a impressão de que estivera assistindo a um filme. Ou melhor, estivera dentro de um filme.
O corpo doía, cansado.
O pior era acordar desse jeito e ter pela frente uma sexta-feira que começava com uma prova de matemática.
Ninguém merece uma coisa dessas! Vai ver esse foi o motivo do meu pesadelo. A serpente devia ser o Aurélio ou era a minha prova de matemática querendo me devorar. Só pode!
O problema era que não dava para escapar da realidade... Não havia nenhuma parede de caixas para escalar e fugir. Então, o melhor era enfrentar o dia.
Depois de se arrumar, arrastou-se para a cozinha e encontrou seu café da manhã pronto, com o costumeiro bilhete da avó:
"Come tudo, Alek! Nos vemos no jantar. Boa prova!
Beijo, Leila."
Ele sorriu. Ela nunca assinava vó ou vovó. Leila era vaidosa demais para assumir que já tinha um neto de quinze anos. Ainda assim, cercava-o de cuidados, mimos e carinho, como uma típica avó. Sempre que Alek pensava nas pessoas de sua vida, concluía que Leila era a mais importante.
Ela era mãe de seu pai, Guilherme, que falecera em um acidente quando a mãe de Alek, Gálata, ainda estava grávida. A avó contava que nunca aceitara a relação do filho com Gálata. Ela a chamava de cigana, mas Alek nunca soube se era um apelido ou se a mãe realmente era uma cigana.
Leila dizia que, quando ele completou seis meses, Gálata apareceu em sua porta falando que não poderia mais cuidar da criança. Foi assim que ele passou a viver com a avó. Às vezes, tinha vontade de procurar a mãe, mas nunca a vontade foi tão forte a ponto de fazê-lo buscar por Gálata. No fundo, não conseguia entender como uma mãe podia abandonar o filho e nunca mais fazer contato com ele, ligar em um aniversário ou em um Natal qualquer.
Afinal, todas as suas memórias eram da vida com a avó, naquela casa que o fazia se sentir confortável e seguro, aninhado como um filhote de passarinho. Passava horas no pequeno jardim todo bagunçado, que ficava na parte da frente, entre a casa e o muro baixo, lendo ou viajando em pensamentos, refugiado em seu canto preferido. Era um jardim que se autocuidava, como dizia a avó. As flores que volta e meia eram plantadas por Leila misturavam-se às plantas semeadas pelos passarinhos. Tudo crescia junto ali, em uma harmonia caótica.
Dentro de casa, todos os móveis tinham a marca dos dois. A cozinha antiga parecia ter sido decorada há muitos e muitos anos. Era pouco iluminada, mas muito aconchegante. A sala tinha sofás vermelhos que traziam a forma certinha de onde Alek encaixava o corpo. A única coisa moderna ali era a tevê, que ele perturbara a avó para conseguir.
O escritório era todo de madeira escura, estantes que iam até o teto, abarrotadas de livros, uma escrivaninha com papel e caneta-tinteiro. Parecia uma viagem ao passado. As cortinas pesadas quase nunca eram abertas para deixar a luz do dia iluminar o ambiente. A avó dizia que o sol poderia estragar seus preciosos livros.
O quarto de Leila também era antiquado, mas muito bem arejado. Já o de Alek nem parecia encaixar-se naquela casa. Todo moderno, com os móveis que ele escolhera, o computador, as persianas que abriam com um toquezinho e a janela enorme que dava para o quintal dos fundos, também adorado por Alek. Chegava-se a ele por uma porta da cozinha, que levava a uma varanda espaçosa – ou pulando a janela de seu quarto, seu caminho predileto. O quintal não era grande, mas tinha muitas árvores que formavam sua floresta particular, como ele gostava de dizer aos colegas.
Alek estava confortável ali, em sua casa simples mas deliciosa, e não valeria a pena deixá-la para sair em busca de uma mãe desconhecida que o abandonara há tanto tempo.
No entanto, não era nada disso que ocupava a mente de Alek naquela manhã de inverno. Toda a sua atenção estava voltada para o estranho sonho que dominara a sua noite agitada e, agora, começava também a dominar seu dia.
O garoto tomou o suco, comeu o lanche de pão com queijo e colocou a banana de volta na fruteira. Abriu o armário, pegou uma barra de cereais e saiu, mastigando-a.
Fez tudo maquinalmente, sem pensar, sem prestar atenção em nada, sem saborear o que comia.
De sua casa até a escola, levava uns vinte minutos caminhando. Seguiu no seu andar de sempre, vagaroso, mas sem observar o que acontecia ao redor, tampouco preocupado com a prova de matemática que enfrentaria logo mais. Continuava preso ao sonho. Ainda agora, de olhos abertos, indo para a escola, ele parecia tão real, tão intenso, tão mais verdadeiro do que aquela manhã, do que tudo que vivera até ali...
O medo que sentira não se comparava a nada que já havia experimentado. O mais perturbador era que, em todos os seus quinze anos de vida, não conseguia destacar uma única experiência que se aproximasse da intensidade daquele sonho. Nada parecia real se comparado a ele. A sensação era horrível. Não sabia como conseguiria se desvencilhar do pesadelo, não fazia ideia de como se ancorar no mundo que o rodeava, um vazio crescia em seu peito.
E foi desse jeito, perdido em sentimentos intensos, que chegou à escola, encontrou os amigos e caminhou em meio à agitação costumeira para a sala de aula. Todos falavam animados, ele respondia, mas como se estivesse no automático, sem ouvir de fato o que lhe perguntavam. Minutos depois, nem sabia dizer como, estava na entrada de sua classe.
Voltei menos vivo do sonho. É isso!
A ideia o aterrorizou e ele mesmo rebateu: Estou impressionado, só pode ser. Daqui a pouco passa!
.
Na porta da sala, estacou.
Sentada na segunda carteira da fileira do canto oposto à entrada, bem abaixo da janela, estava a menina de seu sonho – aquela que o chamara do alto da parede de caixas. Não vira a garota por muito tempo, mas tinha certeza de que era ela. Os cabelos encaracolados eram loiros, e o rabo de cavalo era tão igual!
Os amigos pararam atrás dele, empurrando uns aos outros para entrar e se divertindo com a situação:
– O que aconteceu? Viu fantasma, Alek?
– Que nada! Viu a aluna nova, isso sim!
– Já se apaixonou?
Ele ia reagir, dizer algo, mandar calarem a boca, mas aí ela se virou para a porta e ele viu a pinta-lágrima, escura, sob o olho esquerdo.
É ela! Mas como isso é possível? Será que ainda estou sonhando? Não acordei?
A menina o fitou e fez um gesto com a cabeça, como que o cumprimentando. Seus olhos eram azuis. Absurdamente azuis.
Os amigos faziam a maior algazarra ao redor, mas tudo foi interrompido com a chegada de Aurélio, o professor de matemática, dando bom-dia, pedindo que se sentassem e fizessem silêncio.
– Bom dia, pessoal! Todo mundo pronto para a prova?
A pergunta era retórica e ele nem deu atenção aos muitos nãos
que se fizeram ouvir pela sala. Alek sentou-se em seu lugar no fundão e não descolou o olhar da nuca da aluna nova.
– A coordenadora me avisou que temos uma nova colega: Abhaya, é você? – falou Aurélio.
– Sim, senhor.
– Abhaya, bem-vinda! Infelizmente, você chegou no dia da prova bimestral. Como já veio com as notas fechadas do outro colégio, não precisa fazer o exame. Se preferir, pode sair da sala enquanto seus colegas realizam a prova.
– Posso ficar, professor?
– Claro, desde que em silêncio. E, se quiser se divertir um pouquinho, posso dar uma cópia da prova pra você resolver.
– Prefiro ficar desenhando, pode ser?
– Pode.
Abhaya? Que espécie de nome é esse?
Aurélio começou a andar entre as fileiras, entregando a prova na mão de cada aluno, como gostava de fazer, e desejando um bom desempenho
.
Alek só saiu do transe quando viu o professor na sua frente, estendendo a prova e falando com ele.
Foi como um estalo. De repente, estava ali de volta, na sala de aula, com a prova de matemática nas mãos. Um choque!
Respirou fundo, encarou os exercícios e, quando percebeu, o sinal tocava indicando o fim da aula. Entregou a prova apenas meio satisfeito, como sempre. Fizera o que sabia e esperava que fosse o suficiente. Não tinha muita dificuldade em matemática, mas também não se dedicava aos estudos de nenhuma matéria a ponto de ser um ótimo aluno. Era razoável. Razoável em tudo. Razoável o suficiente para passar neutro por todos os professores, não ficar de exame nem atrair a atenção dos colegas.
Aurélio recolheu as provas e saiu da sala, dando lugar à professora de espanhol, que chegou sorridente, trocou algumas palavras com o professor e entrou se dirigindo a todos.
– Queridos, bom dia! O professor Aurélio me