Espinhos De Ibirapiranga
De Ney Alencar
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Espinhos De Ibirapiranga - Ney Alencar
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Espinhos
De
Ibirapiranga
Uma Mitologia do Pau-Brasil
Ney Alencar
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Direitos reservados em língua portuguesa por Ney Rolim de Alencar Filho. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (Eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópias e gravações) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do autor.
Espinhos de Ibirapiranga - Mitologia do Pau-Brasil é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, locais e acontecimentos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com eventos, locais e pessoas vivas ou falecidas é mera coincidência.
Espinhos de Ibirapiranga - Mitologia do Pau-Brasil é uma publicação independente do autor.
4
Índice:
Prefácio
07
Prelúdio: A Mata Fala
11
Noite de Yawara-Abá
13
O Grito do Mapinguari
21
A Caçada do Aguty
40
A Maldição da Mula Sem Cabeça
46
Doura
60
Mata Seca
67
O Retornado
75
Confissão de Fome
79
Os Ovos de Tracajá
84
O Grito do Iabá-Guará
92
AniKuge
101
A Sombra da Lua
108
A Sanha do Jaguaromem
114
Estação da Consumição
121
O Causo do Mbói-tatá
126
O Encourado
134
Um Sussurro na Mata
147
O Chifre da Cabra
158
O Quitutu
169
Tiúátóçuntót
175
O Que Está Dentro da Água
180
Na Curva do Rio
185
O Cachimbo do Saci
194
Olhos de Curupira
206
Curi
216
O Silêncio da Mata
222
5
6
Prefácio
A mitologia e o folclore brasileiros são cheios de duendes da mata, são ricos em histórias fabulosas e maravilhosas e criaturas aterrorizantes!
São tantas histórias do legendário popular e em tão variadas versões em uma diversidade criativa que não é encontrada em outros países!
Desde os primeiros relatos sobre as lendas indígenas principalmente aquelas dos Tupis-Guaranis, contados à boca pequena pelos portugueses que aqui chegaram, sobre o Jurupari, o Curupira, o Anhanga, o Mboitatá, Tupã, Ipupiaras entre outros, que o sobrenatural fez parte de nosso imaginário popular.
Uma constante que se originou do medo indígena pela mata escura e virgem, pelo sumiço inexplicável de alguns, pelos ataques de onças, cobras e outros bichos, sem explicação lógica, e a transformação deste medo, dessas agruras e desfastios, o surgimento dos monstros que começaram a povoar a imaginação dos povos indígenas.
Posteriormente quando houve a colonização se iniciou a miscigenação dos mitos indígenas com os mitos trazidos pelos portugueses e espanhóis de além mar, sobre Lobisomens, Mulas-sem-cabeça e Mães d’Água, entre 7
outros que logo passaram a ter nomes diferentes em diferentes regiões, como o Luisón, na Amazônia, muito semelhante ao afamado Lobisomem, das Minas Gerais ou mesmo de Pernambuco e do Sertão ou mesmo o Arranca-Língua, gorila dos pastos de Goiás e Mato Grosso.
Afinal com o início da escravatura nestas terras saímos a encontrar Sacis Pererês, Quibungos e o Negrinho do Pastoreio, acrescentando nova diversificação à nossa já entesourada mitologia!
Essa diversidade de formas e raças, fascinante, aplicada aos mitos e lendas que permeiam as terras do Brasil é característica unicamente daqui que serve para enriquecer a cultura brasileira criando uma variedade inexistente até mesmo no Velho Mundo!
Tudo que vem parar nestas terras se transforma, se metamorfoseia, vira-vira outra coisa que já não é a mesma!
Cumpre dizer que cada tribo indígena possuiu seus próprios mitos e lendas, seus próprios monstros e heróis, assim identificamos, por exemplo, o Capelobo nos estados do Maranhão, Amazonas e Pará, o Arranca Língua em Goiás e na região do Rio Araguaia e o Mapinguari da região Amazônica!
8
O movimento pau-brasil, que teve início em 1924 com a publicação do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, escrito por Oswald de Andrade e com ilustrações de Tarsila do Amaral, valorizou a herança étnica e cultural brasileira e levou à produção de obras brasileiras, e também continha algumas representações de nossos mitos como a maravilhosamente criativa ilustração sobre a Cuca
.
Nosso saudoso Luís da Câmara Cascudo no seu maravilhosamente exemplificado Geografia dos Mitos Brasileiros
, de 1940, partiu os mitos e lendas brasileiros primeiramente em primitivos e gerais
onde se catalogaria o Saci-Pererê, o Jurupari, o Boitatá, o Lobisomem, a Mula-Sem-Cabeça, o Curupira, o Anhangá, Botos e Mães d´Água e depois em secundários e locais
onde ficariam todos os outros.
Apresentou uma segunda divisão em Ciclos sendo que denominou Ciclo da angústia infantil
àquele que incluiu a Cuca, Mão-de-Cabelo, o Papa-figo, o Galafoice, etc. e
Ciclo dos monstros
àquele que incluiu o Capelobo, o Gorjala, o Mapinguari, o Bicho-Homem, Labatut, Pé-de-Garrafa, etc.
Ali está bem identificada a origem dos mitos indígenas e o translado dos mitos adotados, fossem dos portugueses e 9
espanhóis ou dos africanos ou mesmo dos holandeses e de tantas outras nações que aqui vieram parar!
O caldeirão de mitos e lendas brasileiro, em cujo interior se fez por bem ferver a cocção dos medos indígenas com os fadários portugueses, causos espanhóis e cânticos africanos ainda não cozinhou por completo e de sua boca grotesca e sobrenatural ainda brotam, por vezes, recontadas a sua maneira peculiar histórias fantásticas sobre estranhas e monstruosas criaturas de toda ordem e espécie!
Neste compêndio de fadários nos chegam as histórias dos encontros do homem, muitas vezes do caçador inadvertido, com estas criaturas oriundas de nossas matas, de nossos medos e de nossa imaginação!
10
Prelúdio: A Mata Fala
Ah se a mata pudesse falar!
O que será que ela diria? Que causos contaria?
Que belezas terríveis e assustadoras nos mostraria?
Os índios falam pela mata, cantam as histórias maravilhosas e os contos assustadores que ouvem sussurrados entre os troncos naquelas noites sem lua, quando tudo está vivo e as assombrações, as entidades e os bichos perambulam e caçam!
Foi o medo sobrenatural e desconhecido dos índios que invocou as criaturas fantásticas e sobrenaturais que povoaram as matas escuras, os rios profundos e as montanhas compridas, as histórias de nossa mitologia e de nosso folclore!
Foram as várias nações da mata que a povoaram com o Anhangá, o Curupira, o Caapora, o Mboi-Tatá e tantos outros entes sobrenaturais.
Os segredos da alma indígena, suas paixões, seus desejos, seus medos e suas lutas se metamorfosearam no Capiango, no Luisón, no Capelobo e outras tantas maldições!
Foi então que vieram os Portugueses e Espanhóis de além mar e trouxeram outras histórias e outros fados!
11
Povoaram as terras cheias de Pau-brasil com suas Mulas-Sem-Cabeça, seus Lobisomens e seus Corpos-secos!
E afinal vieram os escravos, trazidos sob jugo, sem mansidão, sem misericórdia e fizeram ouvir as histórias do Saci, do Negrinho do Pastoreio, do Quibungo e de tantos outros!
As histórias se moveram no escuro e foram se ligando, foram se transformando, sendo contadas e recontadas de tanta formas diferentes que a própria mata se regozijava com aquela abundancia luxuriosa!
Agora sente-se ai, espere que vou acender meu cachimbo de sabugo de milho e vamos palrear, vou lhe contar os segredos e os mistérios da mata, que só aqueles que já andaram por lá sabem e podem contar!
— Palavras de Caxiúna
12
Noite de Yawara-Abá
"É o sétimo filho do fado,
Da encruzilhada da vida e morte,
É o cão atroz, que devora
a carne dos mortos e a alma dos vivos!"
— Canção do Luisón
1750. Matas do norte.
A mata virgem estava toda silenciosa, não se ouvia nem um pio de sanhaço, nem de araruna, juritis e socós estavam calados e nem mesmo a falante graúna emitiu um som sequer!
Takûara percebeu que tinha alguma coisa estranha ali!
As sombras dos angelins, das andirobas e das pupunhas estavam todas quietas, um grande tucumã próximo rangeu em um tom soturno e mais adiante uma seringueira estalou bem alto.
Muito adiante na mata caiu um galho com estardalhaço.
Um uiraçu gritou lá no alto do céu cheio de nuvens cinzentas, mas o grito não chegou por ali, como se o vento o carregasse para outro lugar.
A tarde já estava caindo e a noite não tinha chegado pra estar um silêncio daqueles.
13
Lembrou-se das palavras do velho pajé Aracangüira quando este lhe falara antes de sair da aldeia com Caburé!
Ficou amedrontado com aquilo.
Queriam brincar na mata e o velho ralhou com eles, dizendo para que não fossem naquele dia, era dia ruim, ele dizia balançando a cabeça branca e fazendo um bico com os lábios grandes.
Mas não explicava porque até que Caburé disse que iriam assim mesmo.
Então o velho piscou os olhos e contou numa voz mansa:
— Naquele tempo não havia nada, mas já existiam as pessoas! — começou o velho pajé passando a língua nos lábios finos e encarquilhados — Kerana, era a bela filha de Marangatu, sua pele era dourada como o mel silvestre e seus cabelos continham a escuridão mais negra da noite, seus olhos eram luzidios e todos a amavam, mas Tau, o malvado, apaixonou-se por ela e a raptou, ele a obrigou a ter seus filhos, que foram sete. Todos eles foram amaldiçoados pela grande deusa Arasy, e nasceram como monstros horríveis que até hoje palmilham as matas em busca de gente. Um desses foi o Yawara-Abá que gosta de perambular pelas matas toda noite de lua cheia, caçando todos que entram no mato nesses dias! Ele é o senhor da noite e da morte!
14
— Ah, mas isso é história pra curumim! — riu Caburé com estardalhaço.
Não deram ouvidos às palavras do velho pajé e correram para a mata.
Atravessaram um grande pedaço de arvoredo e foram nadar no rio, as águas estavam frescas e Takûara e Caburé se divertiram muito, depois se deitaram na margem e deixaram passar o tempo comendo pupunhas maduras e olhando as nuvens passarem preguiçosas.
As sombras já estavam altas quando resolveram voltar.
Iam atravessar o arvoredo quando ouviram um miado grosso que vinha daquelas bandas, o som rouco subiu no vento e morreu em um miado esgoelado.
Era onça com certeza!
Caburé ficou com medo e não quis voltar por aquele caminho, senão podiam cair nas garras da bicha.
Takûara sabia de outro, nunca fora por ele, mas ouvira os caçadores comentando.
Este outro caminho seguia por uma parte quase virgem de mata fechada e iam demorar bastante para chegar na aldeia, sem falar que era um lugar tabu, onde nem os caçadores mais valentes não iam.
Diziam que tinha assombração por lá.
Caburé riu amarelo da observação do amigo.
15
O miado soou mais perto.
Sem alternativa os dois curumins correram para dentro do mato alto e sumiram pelo meio das árvores, justamente para aquela parte da mata que era mais estranha.
Não tinha trilha para seguirem então só se embrenharam mais na mata fechada.
A noite caiu enquanto estavam fugindo da onça.
Takûara puxou o braço de Caburé e pararam, ouvindo os barulhos da noite.
Um