Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

A partir de $11.99/mês após o período de teste gratuito. Cancele quando quiser.

Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica: estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisa
Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica: estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisa
Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica: estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisa
E-book493 páginas6 horas

Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica: estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisa

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Nesta obra, são apresentadas discussões filosóficas e práticas a respeito do caráter retórico e argumentativo do direito em temas de abrangência nacional e internacional, com o objetivo de fornecer elementos e leituras fundamentais para a pesquisa jurídica em Teoria e Filosofia do Direito.

Fruto de projetos internacionalmente consolidados, a coletânea articula diferentes pesquisadores e Programas de Pós-graduação no Brasil e na Europa. Sob a coordenação dos Professores João Maurício Adeodato, Luiz Filipe Araújo, Pedro Alves e Pedro Parini, a publicação multilíngue é mais um produto do Grupo de Pesquisa "As retóricas na história das ideias jurídicas no Brasil: originalidade e continuidade como questões de um pensamento periférico", que comemora quatro décadas de existência ininterrupta em 2024 e fortes parcerias internacionais com financiamento público.

Organizados em quinze capítulos, distribuídos em três partes, os estudos seguem estrita aderência temática com as linhas estratégicas adotadas pelos Programas de Pós-Graduação envolvidos no projeto, examinando suas diferentes perspectivas e estabelecendo comparações para o enriquecimento do campo de investigação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de set. de 2024
ISBN9786527031789
Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica: estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisa

Relacionado a Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Avaliações de Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica - Pedro Parini Marques de Lima

    Retórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica : estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisaRetórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica : estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisaRetórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica : estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisaRetórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica : estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisaRetórica, Hermenêutica e Argumentação Jurídica : estudos e resultados de um grupo interinstitucional de pesquisa

    PREFÁCIO

    Unindo Grupos de Pesquisa Consolidados

    1. A proposta do livro

    Esta obra é resultado do financiamento público com bolsa de pós-doutorado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), por meio do Edital PROFIX 15/2022, com o objetivo de articular grupos e redes de pesquisa em filosofia e retórica jurídica. Por meio de chamada pública, foram selecionados trabalhos associados às linhas estratégicas de pesquisa de diferentes Programas de Pós-graduação em Direito ou em Filosofia, tais como os da Universidade Federal de Pernambuco, da Faculdade de Direito de Vitória, da Universidade Federal de Viçosa, da Universidade Nove de Julho e da Universidade Federal da Bahia. Necessário mencionar o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsa de produtividade em pesquisa, da Fundação Alexander von Humboldt e da Deutsche Forschungsgemeinschaft, com os projetos alemães integrados pelo grupo de pesquisa. Também foram convidados pesquisadores estrangeiros com notório reconhecimento (Ino Augsberg da Christian-Albrechts-Universität zu Kiel, Emilio Santoro da Università degli Studi di Firenze e Fabian Steinhauer do Max Planck Institut für Rechtsgeschichte und Rechtstheorie) de Frankfurt.

    Em 2024, comemoram-se quatro décadas da existência ininterrupta do primeiro grupo de pesquisa em filosofia do direito, com liderança de João Maurício Adeodato. Inicialmente instalado na Faculdade de Direito do Recife (UFPE), o grupo passou por diferentes fases e produziu inúmeros frutos desde a criação do primeiro programa de iniciação científica naquele centro de ciências jurídicas¹. Por isso, a presente coletânea multilíngue é uma continuidade desses debates e esforços.

    Nos últimos anos, dentre as diversas atividades acadêmicas, foram supervisionados estágios de pós-doutorado em retórica jurídica na Faculdade de Direito de Vitória (FDV), sendo todos vinculados ao quadragenário grupo de pesquisa "As retóricas na história das ideias jurídicas no Brasil". Participaram do pós-doutorado os seguintes pesquisadores: Pedro Parini, Luiz Filipe Araújo, Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo e Pedro de Oliveira Alves.

    Ao se considerarem as pesquisas aqui apresentadas, a partir dos programas de pós-graduação de origem dos pesquisadores, é possível perceber claramente a conexão e aderência com os temas de pesquisas desenvolvidos coerentemente como resultado de investigação acadêmica lenta e gradual, em conformidade com o perfil estratégico de cada Programa de Pós-graduação. Todos os Programas de Pós-graduação em Direito envolvidos na organização deste livro (FDV, UFPE, Uninove, UFV) possuem projeto, grupo ou linha de pesquisa com foco na retórica e decisão jurídica. Nesse contexto, a realização dessa obra impulsiona novos diálogos interinstitucionais em torno de uma significativa área comum de pesquisa.

    No âmbito do Programa de Pós-doutorado da FDV, um dos objetivos é o fortalecimento dos grupos de pesquisa. Por isso, dentre várias outras atividades, foi gestada a ideia de publicação deste livro como forma de esclarecer e divulgar os estudos desenvolvidos sobre a retórica jurídica no Brasil.

    A proposta da obra é, portanto, reunir diferentes investigações sobre a retórica jurídica e sua aplicação no contexto brasileiro. A seleção pública dos capítulos se baseou, principalmente, na adequação temática, coesão com as discussões do grupo de pesquisa e nível de aprofundamento. Todos os capítulos são escritos por pelo menos um pesquisador doutor.

    Após a reunião de todos os capítulos selecionados, os autores tiveram a oportunidade de acessar pasta compartilhada com todos os textos para que, durante um determinado tempo, tivessem a oportunidade de revisar seus escritos e até confrontar os demais capítulos. Tal medida foi adotada para estimular maior diálogo acadêmico, comportamento ainda pouco adotado no país.

    2. Apresentação dos capítulos e da estrutura deste livro

    A obra encontra-se dividida em três partes fundamentais.

    A primeira dedica-se à discussão sobre os pressupostos filosóficos mais gerais da teoria retórica do direito. Essa parte inaugural está composta por seis capítulos, todos esses assinados por pelo menos um doutor em teoria do direito e com formação retórica.

    O primeiro capítulo, escrito por João Maurício Adeodato, reflete sobre as bases da retórica enquanto filosofia e as razões para uma melhor compreensão dos problemas jurídicos a partir dessa retórica realista, considerando a linguagem como constituição do mundo, linguagem que nos afastou da natureza por um véu intransponível de significados.

    Pedro Parini, no desenvolvimento do segundo capítulo, apresenta uma crítica à discussão sobre o conceito de direito a partir da retórica jurídica. Propõe que a teoria do direito deva se preocupar com aquilo que efetivamente ocorre no mundo prático, e que não haveria sentido em especular sobre conceito abstrato e universal.

    Na sequência, Bernardo Montalvão de Azevedo analisa a clássica divisão tripartite da retórica (material, estratégica e analítica) para enfrentar a questão da influência das retóricas dos meios de comunicação na retórica jurídica, defendendo a visão do sistema jurídico como rede.

    No quarto capítulo, Pedro de Oliveira Alves discute, a partir de suas reflexões durante o estágio pós-doutoral vigente, a função desempenhada pela hipocrisia jurídica a partir da teoria retórica. Com base no exame das premissas da Escola de Mainz e da nova Escola do Recife, investiga a hipocrisia enquanto objeto e estratégia dos retóricos, assim como sua função na constituição da análise retórica.

    Posteriormente, José Lourenço Torres Neto desenvolve relevante análise sobre os metaníveis da retórica (dýnamis, technê e epistême) no pensamento de Friedrich Nietzsche. Tal discussão filosófica encontra-se diretamente ligada à compreensão da retórica jurídica em seus moldes atuais.

    Encerrando a primeira seção, Martorelli Dantas e Thainá Dantas propõem um olhar retórico para a necessidade de reconstrução linguística dos fatos no processo judicial. Neste sexto capítulo, são aplicados os pressupostos da teoria retórica de Adeodato para a compreensão do processo penal enquanto sistema retórico de construção de narrativas sobre eventos passados.

    Na segunda parte do livro, novos seis capítulos se dedicam à reflexão sobre a aplicação prática da retórica jurídica na argumentação jurídica real.

    Desse modo, o sétimo capítulo consiste em uma análise, proposta pelos autores Luiz Filipe Araújo e Paulo César Pinto de Oliveira, sobre a aplicação da visão retórica à teoria dos precedentes judiciais. Ao final, refletem sobre a importância da retórica jurídica para a observação e a tomada de decisões.

    No oitavo capítulo, Igor Beltrão Castro de Assis reflete sobre um modelo retórico de investigação jurídica: a retórica da objetividade. Inicialmente proposto por Gustavo Just, o autor investiga sua relação com a análise prática de discurso, oferecendo sua contribuição para a aplicação da análise retórica ao direito.

    Por sua vez, os autores Pedro Alves e Edvaldo Victor Oliveira desenvolvem o nono capítulo, com o objetivo de analisar a aplicação da retórica jurídica na distinção entre texto e norma jurídica. A partir do exame de uma teoria retórica da norma jurídica, o capítulo problematiza os desafios do ativismo judicial a partir desse referencial teórico.

    O décimo capítulo é uma investigação proposta por José Lourenço Torres e Henrique Humberto Teixeira. Neste estudo, os autores refletem sobre a função da metáfora na construção da tolerância na ética jurídica a partir de um olhar retórico.

    Posteriormente, Narbal de Marsillac discute sobre os passos para uma análise retórico-dissociativa e sua aplicação relacionada ao preconceito, ao discurso de ódio e aos direitos humanos.

    Por fim, o último capítulo é a reflexão de Juão Vitor Santos Silva, a partir da teoria de Adeodato, acerca do federalismo brasileiro por meio de uma análise retórica e cética. O autor, ao observar as transformações nas relações de poder desde o período imperial, discute a imposição de uma ideia específica de federalismo no Brasil e sua falta de legitimação.

    Na terceira e última parte da obra, são publicados três capítulos de professores estrangeiros convidados. O critério para o convite se deve ao fato de os três pesquisadores terem vínculos acadêmicos com os organizadores da presente obra na área de retórica jurídica e filosofia do direito.

    No primeiro artigo desta seção, Ino Augsberg, docente da Universidade de Kiel, apresenta um estudo sobre o pensamento retórico do filósofo checo-brasileiro Vilém Flusser, a partir de uma palestra recente no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória, no âmbito do projeto de pesquisa "Rechtsrhetorik als Rechtsphilosophie. Zur praktischen Bedeutung der Erweiterung eines theoretischen Modells" financiado pela Fundação Alexander von Humboldt da Alemanha do qual participam os organizadores deste livro como detalhado abaixo.

    Em seguida, Emilio Santoro, da Universidade de Florença, apresenta uma análise sobre a face oculta do direito. Em seu artigo, Santoro examina a relação do paradigma lógico-positivista com a ideia de clareza do direito e propõe reflexões sobre a face oculta (lato oscuro) do direito. A tradução do texto do italiano para o português foi realizada por Pedro Parini que, junto com o professor Santoro, coordena o Acordo de Cooperação Científica e Cultural internacional entre a Universidade Federal de Pernambuco e a Univerità degli Studi di Firenze desde 2019.

    No encerramento da coletânea, Fabian Steinhauer, do Instituto Max Planck de História e Teoria do Direito de Frankfurt, apresenta parte de sua pesquisa desenvolvida nos últimos anos, relacionando o direito com uma proposta mais ampla de estudo de técnicas culturais e simbólicas. O texto observa o problema da sustentabilidade do direito, concentrando-se nas técnicas que denomina partição, separação, decisão, distinção. A base filosófica é retórica, pois não se baseia em substâncias e predicados, mas em processos técnicos, suas estratégias e eficácia. Steinhauer, junto com os organizadores desta obra, faz parte da equipe internacional de outro projeto internacional de pesquisa intitulado Interseções alemãs na história das ideias jurídicas no Brasil: continuidade e originalidade de sua retórica financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Edital Universal - Chamada CNPq/MCTI Nº 10/2023).

    3. O cuidado com os critérios do Qualis da CAPES

    Há estrita aderência com as linhas de pesquisa estratégicas adotadas pelos Programas de Pós-Graduação envolvidos no projeto, examinando suas diferentes perspectivas e estabelecendo comparações. A editora é nacional, mas o Conselho Editorial é internacional, com a participação dos pesquisadores estrangeiros mencionados, todos pertencentes a redes internacionais e interinstitucionais de pesquisa. Conforme apontado acima, o financiamento da obra é público e sem fins lucrativos. A repercussão internacional, exemplificada por prêmios, indicação por instituições científicas e traduções só poderá ser atestada após algum tempo de publicação, mas iniciativas serão tomadas nesse sentido.

    Como mencionado, este livro também resulta de projetos de pesquisa internacionais consolidados, montados com o objetivo de fortalecer as relações acadêmicas e científicas entre o Brasil, a Alemanha e a Itália na área do direito com ênfase em teoria e filosofia do direito. O plano inicial de parceria inédita atendeu a Edital da Comunidade de Pesquisa Alemã (DFG – Deutsche Forschungsgemeinschaft) e da Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES). Esse plano começou na sede da própria DFG em Bonn, com um Seminário realizado em 12 e 13 de abril de 2018, denominado "DFG-CAPES Collaborative Research Initiative LAW, com a presença de 9 Coordenadores de Grupos de Pesquisa brasileiros, inclusive o nosso, que representou o único Grupo de Pesquisa brasileiro na área de teoria geral do direito. Participam representantes de diversas universidades alemãs, como o Prof. Thomas Vesting, da Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt. Os coorganizadores deste livro hoje também todos participam do projeto, que resultou desse plano foi aprovado pela CAPES e pela DFG e estava programado para se estender de 2019 a 2022. Foi prorrogado até dezembro de 2024, porque a pandemia impediu o cumprimento das etapas iniciais. Tem como título Die Kultur(en) des Rechts: Rechtstheorie nach Luhmann" (As Culturas do Direito: Teoria do Direito após/segundo Luhmann).

    Em uma iniciativa dos Grupos de Pesquisa da Faculdade de Direito de Vitória e da Universidade Christian Albrechts de Kiel, sem qualquer relação com o projeto acima, foi aprovado pela Fundação Alexander von Humboldt, no âmbito do Linkage Programm zur Förderung von Institutspartnerschaften (Programa Linkage de Apoio a Parcerias entre Institutos) um projeto menor e mais específico, reunindo três pesquisadores brasileiros e dois alemães, das Faculdades de Direito de Vitória (FDV), das Universidades Federais de Pernambuco (UFPE) e Viçosa (UFV) e da Christian Albrechts Universität (CAU) zu Kiel, com o título "Rechtsrhetorik als Rechtsphilosophie. Zur praktischen Bedeutung der Erweiterung eines theoretischen Modells" (Retórica Jurídica como Filosofia do Direito. Sobre o Significado Prático da Ampliação de um Modelo Teórico). Esse projeto foi iniciado em 2020 e está programado para ir também até dezembro de 2024.

    Mais recentemente o Grupo de Pesquisa que organiza este livro foi contemplado no Edital Universal 2023 do CNPq, mostrando sua articulação em redes globais de pesquisa, desta vez reunindo as Universidade Federais de Pernambuco e Viçosa com o Max-Planck-Institut für Rechtsgeschichte und Rechtstheorie em Frankfurt.

    Releve-se a busca constante, da parte do Grupo de Pesquisa que organiza e compõe este livro, por inovação e originalidade, assim como por uma consistência filosófica, teórica e crítica. Compreender melhor o mundo em que vivemos, sobretudo a sociedade e o direito brasileiros, coopera para um impacto social, cultural e científico, além de refletir questões de abrangência nacional e internacional.

    Os Organizadores


    1 A respeito da evolução do grupo de pesquisa em retórica jurídica, cf. prefácio em Adeodato, João Maurício. Continuidade e originalidade no pensamento jurídico brasileiro: análises retóricas. Curitiba: CRV, 2015.

    SUMÁRIO

    PARTE I

    PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DE UMA TEORIA RETÓRICA DO DIREITO

    UMA FILOSOFIA RETÓRICA

    João Maurício Adeodato

    UMA CRÍTICA RETÓRICA À OBSESSÃO DE DEFINIR O CONCEITO DE DIREITO

    Pedro Parini

    DA RETÓRICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO À RETÓRICA JURÍDICA

    Bernardo Montalvão Varjão de Azevêdo

    A HIPOCRISIA NA RETÓRICA JURÍDICA: INCURSÕES FILOSÓFICAS DE UM ESTÁGIO PÓS-DOUTORAL

    Pedro de Oliveira Alves

    NIETZSCHE E OS METANÍVEIS RETÓRICOS DA LINGUAGEM

    José Lourenço Torres Neto

    A NATUREZA RETÓRICA DA REALIDADE NO PROCESSO PENAL A PARTIR DO PENSAMENTO DE JOÃO MAURÍCIO ADEODATO: UMA ILUSÃO CHAMADA DOS FATOS

    Martorelli Dantas da Silva

    Thainá Martorelli Coutinho Dantas

    PARTE II

    APLICAÇÃO DA ANÁLISE RETÓRICA NO DIREITO E NA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO

    A TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL SOB A ÓTICA DA RETÓRICA JURÍDICA: ENTRE RETÓRICA MATERIAL, ESTRATÉGICA E ANALÍTICA

    Luiz Filipe Araújo

    Paulo César Pinto de Oliveira

    RETÓRICA DA OBJETIVIDADE: UM MODELO DE INVESTIGAÇÃO E ANÁLISE DOS DISCURSOS JURÍDICOS

    Igor Beltrão Castro de Assis

    UMA LEITURA SOBRE O ATIVISMO JUDICIAL A PARTIR DA DISTINÇÃO RETÓRICA ENTRE TEXTO NORMATIVO E NORMA JURÍDICA

    Pedro de Oliveira Alves

    Edvaldo Victor Duarte de Oliveira

    UMA ANÁLISE RETÓRICA DA FUNÇÃO DA METÁFORA NA CONSTRUÇÃO DA TOLERÂNCIA NA ÉTICA DO DIREITO

    Henrique Humberto dos Santos Teixeira

    José Lourenço Torres Neto

    A ANÁLISE RETÓRICO-DISSOCIATIVA, SUAS REGRAS E ALGUMAS DE SUAS APLICAÇÕES AO PRECONCEITO, AO DISCURSO DE ÓDIO E AOS DIREITOS HUMANOS78

    Narbal de Marsillac

    RETÓRICA JURÍDICA E FEDERALISMO NO BRASIL: UMA PERSPECTIVA CÉTICA

    Juão Vitor Santos Silva

    João Maurício Adeodato

    PARTE III

    CONTRIBUIÇÕES ESTRANGEIRAS PARA A TEORIA RETÓRICA DO DIREITO

    LANGUAGE, REALITY AND JUSTICE: VILÉM FLUSSER AND THE PROBLEM OF SPRACHGERECHTIGKEIT

    Ino Augsberg

    A FACE OCULTA DO DIREITO IN CONTEXT: O DIREITO EX PARTI POPULI COMO NOVO PARADIGMA

    Emilio Santoro

    ON PARTING

    Fabian Steinhauer

    Parte I

    PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DE UMA TEORIA RETÓRICA DO DIREITO

    UMA FILOSOFIA RETÓRICA²

    João Maurício Adeodato³

    1. Uma retórica realista

    Por falta de um nome melhor, realista. O adjetivo realista implica uma atitude descritiva e uma descrição de dados empíricos, ou seja, dados que podem ser percebidos pelos sentidos, coisas que não estão escondidas (adela).⁴ Portanto, não é usado aqui de acordo com sua raiz etimológica latina coisa (res). Em outras palavras, a atitude realista não é normativa, não pretende sugerir o que o ambiente deveria ser, mas o que realmente parece ser. Mas não como as habituais teorias de correspondência da verdade, que também são chamadas de realistas. Isso se deve à ambiguidade da palavra real na história da filosofia ocidental.

    Três teses básicas definem a filosofia que chamo de retórica realista. Para nomeá-los, inspirei-me no filósofo helenístico Sextus Empiricus, cujos escritos sempre trazem a palavra contra no título.

    A tese número um pode ser invocada contra os filósofos ontológicos. Esses filósofos têm dois tipos de atitude em relação à retórica. Uma primeira e mais amigável considera a retórica uma estratégia para seduzir uma audiência por meio do embelezamento do discurso, mediante o ornamento, aquilo que é belo e atraente, mas não importa tanto quanto outras formas de abordagem A outra postura ontológica entende a retórica como estratégias antiéticas para enganar os incautos, como maneiras astutas de ludibriar para chegar a propósitos malignos e egoístas.

    Essas funções de seduzir com palavras e de vencer a todo custo certamente são significativas, mas a retórica vai muito além delas, e inclui outros caminhos como a persuasão sincera, a demonstração empírica, a ameaça, a simulação, o blefe e todas as formas da linguagem humana para construir e impor a narrativa dominante. A retórica não se preocupa apenas com a beleza e a sedução das palavras, nem as utiliza apenas como instrumentos de uma ética.

    A segunda tese é nomeada contra os retóricos aristotélicos. O prestígio de Aristóteles nesse campo se tornou tão dominante que sua redução da retórica à persuasão expressa a visão da maioria dos retóricos. A persuasão pode ser o mais sólido entre os meios de discurso, uma divergência resolvida pela persuasão parece ser a mais eficiente das possibilidades, mas seus pré-requisitos – tempo para discutir, disposição para mudar de opinião, relativa homogeneidade cultural e muitos mais – são difíceis de ser observados nos conflitos humanos. Na visão aqui defendida, a persuasão é apenas uma parte da retórica estratégica, e esta é apenas uma parte da retórica como um todo. Esses outros aspectos do discurso, que não visam à persuasão, mas apenas ao sucesso pela imposição de uma versão, são estratégicos, mas não persuasivos: sedução, mentira, bajulação, blefe, simulação e todos os caminhos da erística. Então a erística tinha que estar fora da retórica.

    Assim, os retóricos aristotélicos excluem da retórica toda estratégia que não siga logos, ethos ou pathos. Como eles conhecem as formas erísticas das relações humanas, fica claro seu enfoque idealista, suas concepções prescritivas, normativas, que pretendem aconselhar sobre como construir um mundo melhor. Embora os filósofos do direito escrevam sobre consenso, sinceridade, coerência, verdade, justiça, todo profissional do direito sabe da ambiguidade desses conceitos, que nunca funcionam em questões práticas. O jurista contemporâneo, a começar pelo estudante de direito, precisa retomar a tradição sofística siciliana primitiva e incluir o estudo da erística e suas estratégias discursivas, além do idealismo persuasivo e cientificista.

    A tese número três é arguida contra os filósofos ontológicos e os retóricos aristotélicos. Contradiz os dois lados quando diz: a retórica é um tipo de filosofia, aquela que não acredita na verdade como objetivo da filosofia. Como um amor à sabedoria, a filosofia certamente envolve retórica, mas apenas as filosofias ontológicas veem sua tarefa na busca da verdade. Platão e Aristóteles transformaram o amor à sabedoria no amor à verdade. Portanto, a retórica deveria estar fora da filosofia. Eles tiveram tanto sucesso que até mesmo os retóricos passaram a acreditar que uma filosofia retórica não era possível. Esta terceira tese, esta possibilidade, é o objeto central do presente texto.

    2. Verdade

    De acordo com uma longa tradição na cultura ocidental, a filosofia deve investigar dois campos diferentes, o epistemológico e o ético. Pensando na filosofia do direito, isso significa, primeiro, entender como separar o direito do não-direito e, segundo, como distinguir o bom do mau direito. Ou negar essas distinções.

    Nunca teremos tempo para examinar cada filósofo, então proponho dividi-los em dois grandes grupos: ontológicos e retóricos. Hans Blumenberg prefere a metáfora ricos e pobres.⁶ Os conceitos devem ser entendidos como tipos ideais: eles corresponderão apenas aproximadamente aos dados empíricos, ou seja, aos filósofos reais.

    A linha divisória entre os dois grupos é a ideia de verdade.

    Os caldeus e mesopotâmios tornaram-se famosos na Antiguidade por suas descobertas astronômicas, e afirma-se que Tales de Mileto só pôde prever o eclipse de 475 a.C. por causa do conhecimento que adquiriu durante viagem à Ásia Menor. Apesar desses muitos precursores em civilizações anteriores, no entanto, diz-se que a própria matemática, como raciocínio dedutivo, nasceu na Grécia Antiga.

    Esses antigos matemáticos demonstraram que algumas assertivas causam acordos necessários entre humanos, como se X está além de Y e Y está além de Z, então X está além de Z. E as afirmações matemáticas também permitem compreender os processos da natureza e agir sobre eles: a construção de pontes, templos e navios deve seguir cálculos corretos, como se a natureza também entendesse e concordasse com essas regras matemáticas. Se forem incorretos, as construções não se sustentam.

    O conceito de verdade foi restringido, expandido, modificado e os filósofos falam da verdade como consenso, como correspondência a um mundo independente da mente, como afirmações paraconsistentes, como verdades relativas e assim por diante. Mas não são verdades: no sentido original e radical, verdadeira é uma afirmação que não admite contestação. Essa extensão no significado de verdade tem sua função estratégica.

    Os oradores logo perceberam a força da palavra verdade e seus corolários realidade (do latim res, coisa), objetos (o que jaz adiante), fatos, alegações que dispensam justificativas, pois são evidentes. O logos do ser, a ontologia, não precisa de argumentação para ser aceito. A estratégia não se limitou ao conhecimento da natureza e seus corpos celestes, logo foi aplicada à ética. Ao falar da verdade na ética, ou seja, da única resposta correta, o orador atrai para o seu discurso o peso da verdade matemática e física. A estratégia de transferir os constrangimentos de uma verdade absoluta da matemática para outros campos da experiência humana foi muito bem-sucedida para fazer prevalecer certas narrativas.

    Talvez o último representante do pensamento ontológico clássico, Nicolai Hartmann via o ser dividido em ideal e real. O ideal, por sua vez, divide-se em entidades matemáticas, essências fenomenológicas e valores éticos. Como o ser ideal sustenta o ser real por baixo, ele acreditava que as leis matemáticas fundamentam todo o universo. Também os pitagóricos tinham uma compreensão metafísica e até mística dos números, mas entender a matemática como a linguagem de Deus não está muito longe da filosofia da NASA: há 40 anos, as espaçonaves Voyager 1 e Voyager 2 foram lançadas ao espaço com informações sobre a vida humana na terra. Entre outros dados, eles enviaram cálculos matemáticos, na esperança de que, se houver vida inteligente no espaço sideral, eles entendam que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos de um triângulo retângulo. Tal como Nicolai Hartmann.

    A possibilidade ideal de se chegar à verdade, porém, não tem sido unanimidade entre os filósofos. Várias formas de ceticismo estão sempre presentes. Platão e Aristóteles, seguidos pela Igreja Católica, estigmatizaram o ceticismo como moralmente indesejável.⁸ O que é correto é a verdade moral, e a justiça é a verdade moral no direito, a única resposta correta é acessível para os conflitos humanos. Aristóteles tentou uma definição de verdade: dizer do que é que é, e do que não é que não é, é verdadeiro.⁹ Essa definição não é muito satisfatória, mas nota-se a convicção de que o ser existe independentemente do conhecimento, que a ontologia prevalece sobre a epistemologia e que a linguagem deve estar sujeita à natureza, ao mundo como ele é.

    Todos os filósofos ontológicos do direito, em maior ou menor grau, acreditam que existem verdades auto evidentes no conhecimento e/ou na ética, que uma abordagem adequada poderia literalmente desvendar ou descobrir. Adequado ao objeto, à coisa, ao fato, à realidade, ao logos do ontos. Então o conhecimento vai depender do método, da competência na abordagem. Paradoxalmente, a ontologia moderna volta-se para o discurso do método e abandona a coisa em si. Mas o caráter retórico do conhecimento permanece igualmente estranho para ambas as formas de ontologia.

    Informadas pelo humanismo sofístico, pelo historicismo clássico e pelo ceticismo pirrônico, as filosofias retóricas não acreditam nas evidências do mundo e veem a linguagem como o ambiente único do Homo sapiens, cujo desenvolvimento provocou esse distanciamento da natureza pelo inevitável filtro da linguagem. Evidências ou verdades não são acessíveis, são ilusões criadas pelo próprio Homo sapiens para compensar sua falta de instintos, como diz Arnold Gehlen.¹⁰ Não há como abordar qualquer evento fora da linguagem.

    As visões ontológicas do conhecimento e da ética veem padrões objetivos, ou seja, evidências colocadas na nossa frente. Essa impressão é tão dominante que provoca o que Friedrich Nietzsche chamou de esquecimento (Vergesslichkeit). Esquecemos que só há linguagem, que não há objetos que resistam à autodeterminação da linguagem, a linguagem é como nosso contrato social:

    [O homem] precisa de um acordo de paz e se esforça para que pelo menos a pior forma de bellum omnium contra omnes desapareça de seu mundo. Mas este acordo de paz traz consigo o que parece ser o primeiro passo para atingir esse enigmático impulso para a verdade. Pois agora está fixado o que doravante será verdade, ou seja, inventou-se uma designação uniformemente válida e obrigatória das coisas e a legislação da linguagem também fornece as primeiras leis da verdade: pois aqui surge pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira: ...¹¹

    Os três caminhos persuasivos aristotélicos, logos, ethos e pathos, precisam ser aceitos pelo emissor e pelo receptor da mensagem. Por isso a persuasão é tão rara. Na grande maioria dos casos, esse acordo não existe e, mesmo assim, uma decisão precisa ser tomada. E esta recebe influência de técnicas ocultas e inconfessáveis, que não podem ser divulgadas, sob pena de total ineficácia. Em termos pragmáticos, devido a essa necessidade de ocultação de tais estratégias, até uma pesquisa retórica realista tem efeitos normativos: ao abordar as estratégias ocultas na lei e na jurisprudência, o estudo da retórica revela o que não pode ser descoberto e assim se enfraquece o uso da erística no direito.

    Observada empiricamente, então, a retórica consiste em persuasão, mas também em erística. E há diferentes formas de definir esses conceitos, que acompanham o conceito de retórica desde a Antiguidade.

    Apenas para dar um exemplo, em certo ponto de seu desenvolvimento na Grécia Antiga, a palavra dialética foi usada como sinônimo de lógica, uma visão que persistiu de certa forma durante a Idade Média até os tempos modernos. Mas filósofos como Kant e Schopenhauer, mais etimologicamente, associaram a dialética à retórica como uma arte da argumentação, enquanto empregavam a palavra lógica para sintetizar as regras a priori do pensamento puro. Esse entendimento parece ter se estabelecido como dominante hoje.

    3. Retórica como filosofia

    Para sustentar as três teses, especialmente a da retórica como filosofia, que é o tema central aqui, vou sugerir três acepções para a palavra retórica. Essa tripartição na retórica dinâmica, técnica e epistêmica tem uma longa tradição e pode ser vista na retórica grega antiga e em Aristóteles, Friedrich Nietzsche e Ottmar Ballweg, que sugere os termos retórica material, prática e analítica.¹²

    A retórica prática, também chamada de estratégica ou técnica, é a que mais se aproxima do que o senso comum entende como retórica. Engloba os epítetos usuais atribuídos à retórica como um todo: a arte da persuasão, as técnicas discursivas de sedução e ornamento, e a arte de enganar. Os discursos estratégicos visam estabelecer a narrativa dominante, são as versões sobre o ambiente que concorrem para serem considerados fatos reais. A retórica estratégica consiste na arte de envolver uma audiência através do discurso. Utiliza as três formas aristotélicas de persuasão sincera, mas também todos os meios erísticos possíveis para fazer prevalecer uma narrativa. É composta por relatos normativos, ou seja, narrativas que buscam dizer não o que o mundo é, mas o que ele deveria ser na opinião do falante. Não é, portanto, analítica, mas feita de convicções que visam orientar as condutas para o futuro.

    Nesse sentido, a retórica estratégica é uma metalinguagem, uma linguagem prescritiva sobre o meio ambiente. As estratégias retóricas são mais ou menos eficientes a depender de diversos fatores, tais como a perspicácia e o discernimento de cada pessoa ou os contextos do momento: são desenvolvidas instintivamente, mas também podem ser cultivadas e ensinadas, daí são chamadas de técnicas.

    A retórica material é esse ambiente no qual a retórica estratégica busca intervir. Consiste nos discursos predominantes em cada situação ou grupo social. Constitui a própria condição antropológica da espécie, cuja percepção do mundo se dá no interior da linguagem. Se compararmos essa compreensão retórica do conhecimento com a Crítica de Kant, a interferência do fator humano é muito mais importante para a retórica. A Ding an sich é apreendida pelas formas puras da sensibilidade, espaço e tempo, que são universais e perenes em todos os humanos. Há uma objetividade na subjetividade – melhor dizer imanência – das formas puras.

    Para a filosofia retórica é irrelevante se existe um fator externo como a coisa em si. Ao invés das formas puras, que são incontornáveis e se impõem à espécie, qualquer indivíduo ou grupo de pessoas cria relatos, formas retóricas e ambientes que podem ser totalmente indiferentes a dados empíricos, demonstrações matemáticas ou quaisquer critérios. O ambiente é literalmente inventado por auto narrativas e narrativas comuns. Isso não implica subjetividade, porém, como veremos adiante.

    A linguagem fornece o terreno comum para constituir um ambiente dos relatos mais aceitos. A separação da linguagem de uma realidade que existiria por trás dela, ainda que apoiada pelo senso comum, é outra teoria bem sucedida que não faz sentido. A retórica material é autorreferente: não há instância externa e objetiva para controlar a linguagem. Se a maioria dos participantes for o que hoje chamaríamos de ignorante ou psicopata, eles verão sua percepção do ambiente como normal e depois correta. Como diz o autor de um estudo sobre o cérebro humano e a realidade: Uma loucura que a maioria das pessoas tem da mesma maneira não pode ser vista como loucura.¹³

    As decisões da lei são muito importantes na determinação desse discurso vitorioso que constitui a retórica material porque induzem as pessoas a se comportarem de determinada maneira e as ameaçam com consequências nefastas caso persistam em afirmar relatos contrários a essas decisões, embora a possibilidade esteja sempre presente.

    Para fortalecer o pressuposto de que retórica também é filosofia, note-se que, justamente na passagem do mito para a filosofia, por meio da qual surge a nova pretensão de racionalidade, em assuntos tradicionalmente tratados pela fé, se dá a diferença filosófica entre retórica e ontologia. As religiões tradicionais, especialmente os grandes monoteísmos e suas cosmologias exclusivas, certamente apoiaram o partido ontológico. Mas surpreendentemente, ao criticar as filosofias ontológicas e expulsar o conceito de verdade da esfera do conhecimento, a retórica abre espaço para a fé e assim sustenta a religião.¹⁴

    4. Os fatos jurídicos

    Um fato jurídico é, portanto, um discurso que busca expressar certa percepção de um determinado contexto eventual. A moderna legitimação pelo procedimento (Luhmann), por exemplo, em tese um fato social, nada mais é do que séries de relatos encadeados, narrativas sobre narrativas. O caráter coercitivo do direito, contudo, torna a versão do sistema jurídico poderosa na luta pela construção da realidade vitoriosa, como dissemos.

    Podemos pensar em um exemplo prático trivial, com procedimentos dogmáticos modernos em mente, como alguém sendo atropelado por um carro. Como todos os eventos, este é único. Queremos conhecer este caso individual. O que aconteceu? Como os acontecimentos não carregam um significado próprio, correto, seu conhecimento precisa da linguagem, das narrativas da linguagem. Dificultando ainda mais o processo, a linguagem tampouco consegue portar um significado próprio, correto. Primeiro aparecem os relatos testemunhais, o que as eventuais testemunhas perceberam. Suas narrativas serão diferentes umas das outras, mas o policial tem que construir sua própria narrativa a partir delas, o boletim de ocorrência. Isso será entregue à Delegacia de Polícia, que deverá produzir seu próprio texto, a investigação criminal. Depois de pouco mais de um ano, ela pode achar necessário ouvir novamente alguma daquelas testemunhas, que trará uma história diferente do depoimento inicial. A Delegacia pode ter agora dados que não estavam presentes antes, como testes de álcool no sangue ou DNA. A narrativa da investigação criminal vai agora para o Ministério Público, uma vez que as conclusões da polícia apontam para algum tipo de crime. O Ministério Público apresentará uma nova narrativa e dirigirá o processo ao juiz, que deverá produzir uma nova narrativa. Se houver um tribunal de júri, mais imprecisões. Sobre o que realmente aconteceu nada se pode dizer, a própria pergunta não faz sentido.

    Porém o chamado preconceito do dado, essa certeza na própria percepção que caracteriza o senso comum das pessoas, é muito dominante na espécie humana.

    O pragmatismo clássico da virada do século, representado por Charles Sanders Peirce, William James e John Dewey, dentre outros, acusa as teorias da correspondência da verdade de serem inverificáveis, pois pretendem descobrir uma relação entre um enunciado qualquer e o que realmente existe. Uma filosofia retórica deve endossar o ceticismo em relação à verdade e, como o pragmatismo ou o relativismo, rejeitar qualquer tipo de representacionalismo. A investigação filosófica busca somente alguma forma de consenso ou solidariedade, nas palavras de Richard Rorty. A verdade é relativa ao que o público acredita, ao que chamamos de narrativa vitoriosa, a verdade é reduzida à justificação, ao que quer que atenda aos padrões contextuais de aceitabilidade.¹⁵

    Mostrando essas semelhanças, a crítica que Bertrand Russell faz a James Dewey e ao pragmatismo em geral rejeita exatamente o cerne daquilo que defende uma filosofia retórica:

    Se acho muito desagradável a crença de que César atravessou o Rubicão, não preciso me abandonar a um desespero entorpecido; posso, se tiver habilidade e poder suficientes, arranjar um ambiente social no qual o enunciado de que ele não atravessou o Rubicão tenha assertividade garantida.¹⁶

    O que as pessoas chamam de realidade são acordos linguísticos temporários, as narrativas momentâneas vencedoras ou, como dizemos com Ballweg, a retórica material. Este é apenas um paralelo, pois ambos os conceitos não devem ser vistos como sinônimos. Para a visão ontológica, a realidade é uma sucessão de fatos, bem estabelecidos por percepções corretas, objetivas, ou seja, independentes do sujeito. O sujeito cognoscente deve desvelar coisas que

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1