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Formação e Cultura: Dilemas e práticas de formação de formadores
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Formação e Cultura: Dilemas e práticas de formação de formadores
E-book157 páginas5 horas

Formação e Cultura: Dilemas e práticas de formação de formadores

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Sobre este e-book

"Um dos obstáculos à mudança nas escolas continua sendo o predomínio de uma cultura pessoal e profissional dos professores, que os convida à acomodação. Essa cultura é reforçada pela formação que se vai fazendo. O modo como os professores aprendem é o mesmo com que ensinam, pelo que a formação de que falo neste livrinho é isomórfica. Recentemente, mais uma "moda pedagógica" surgiu como mais um paliativo de um velho de obsoleto sistema de ensino: a aula de desenvolvimento socioemocional dos alunos – como se numa aula semanal se pudesse cuidar do socioemocional dos alunos! Mas, ninguém fala de cuidar do socioemocional dos professores" (José Pacheco). Neste livro, o autor apresenta o processo formativo do professor, caraterizado pelo isomorfismo, acontece a reelaboração da cultura pessoal e profissional.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de set. de 2024
ISBN9786553873346
Formação e Cultura: Dilemas e práticas de formação de formadores
Autor

José Pacheco

Fundador da Escola da Ponte, Portugal. Fundador do Projeto Âncora. Promotor de Novas Construções Sociais de Aprendizagem: aprender em rede. Mestre em Ciências da Educação, Portugal.

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    Formação e Cultura - José Pacheco

    REELABORAÇÃO DA CULTURA PESSOAL E PROFISSIONAL

    Que me seja perdoado o caráter bilíngue da minha redação. Ela reflete a mistura de mais de trinta anos do exercício da profissão de professor em terras do Norte e de mais de vinte de voluntário exílio em terras do Brasil. Essa miscinegação linguística poderá criar algumas dificuldades de interpretação. Mas os assuntos aqui tratados são comuns a toda a gente e a todo mundo. Comecemos por assunto bem sensível: a cultura.

    Foi Agostinho da Silva quem disse que a escola dos anos vinte deste século era um lugar para onde menino era levado e onde o entregavam a um especializado em dar aula, que não sabia fazer mais nada. Nesse tempo, quem sabia fazer uma nova educação fazia-a. Quem não sabia fazer, ensinava. E quem não sabia ensinar, fazia formação de professores.

    Ressalvadas as raras exceções, a formação inicial dos professores acontecia em cursos de pedagogia bolorenta. A formação continuada era assegurada por escolas (ditas) de "aperfeiçoamento dos profissionais da educação. Na universidade como nos centros de formação", o curso era modalidade hegemônica. Por vezes, tomavam a designação de círculos de estudo, oficina, ou outra qualquer modalidade, mas continuavam sendo cursos, exercícios de instrucionismo fóssil.

    Os cursos eram ministrados por deformadores encartados, que reproduziam o modelo educacional do século XIX, acrescentando-lhe ensinos híbridos e outros paliativos. Até que, há uns vinte anos, alguns formadores tomaram consciência da situação e assumiram um compromisso ético com a formação. Isomorficamente, o formando deixou de ser considerado objeto de capacitação, para ser sujeito de aprendizagem, em autoformação.

    A teoria já não antecedia a prática. Era a dificuldade de ensinagem que impelia o educador para a pesquisa, para a busca da teoria que, juntando à sua competência prática (a de dar aula, para acabar com a sala de aula), produzia práxis inovadoras. Quando me perguntam como poderão criar círculos de aprendizagem, respondo: Dando aula. Quando me perguntam como poderão aprender a desenvolver currículo de tripla dimensão, respondo: Dando aula. Se, por via de uma deformação da formação inicial, os professores só sabem dar aula", valorizemos essa competência!

    Um dos obstáculos à mudança nas escolas continua sendo o predomínio de uma cultura pessoal e profissional dos professores, que os convida à acomodação. Essa cultura é reforçada pela formação que se vai fazendo. O modo como os professores aprendem é o mesmo com que ensinam, pelo que a formação de que falo neste livrinho é isomórfica.

    Recentemente, mais uma moda pedagógica surgiu como mais um velho e obsoleto sistema de ensino: a aula de desenvolvimento socioemocional dos alunos – como se numa aula semanal se pudesse cuidar do socioemocional dos alunos! Mas ninguém fala de cuidar do socioemocional dos professores.

    No processo formativo, que neste livrinho vos apresento, caraterizado pelo isomorfismo, acontece a reelaboração da cultura pessoal e profissional. Partindo daquilo que os professores são, deles cuidamos.

    TRANS-FORMAÇÕES

    Há uma dúzia de anos, um jornal português de grande tiragem, aproveitou uma das minhas passagens pelo meu país de origem para me entrevistar. À guisa de introdução ao assunto que aqui vos trago, transcrevo partes dessa entrevista. O eventual leitor irá compreender por que o faço.

    "Em primeiro lugar, e por uma questão de enquadrar o trabalho, gostaríamos de perceber em que contexto surge o seu regresso ao país, o que anda a fazer em várias cidades.

    A que se deve esta visita? Quando volta ao Brasil e o que vai fazer em Portugal durante esta estadia?

    Tem mais de cem projetos educativos no Brasil, penso que se chama Projeto Âncora. Poderia, resumidamente, falar do que anda a fazer no Brasil e por que razão decidiu partir, deixar o nosso país?

    Só mais uns dados para confirmar, era eletricista, estudou engenharia eletromecânica, mudou de curso para o ensino, e foi professor primário e de outros níveis de ensino, correto? Em miúdo, vivia num meio pobre e era excluído, por isso é que diz que foi para o ensino por vingança e não por amor?"

    Estas interrogações não eram de bom augúrio, na condução da entrevista, mas me dispus a responder.

    "Regresso ao meu país porque muitos (e bons) educadores não desistem de fazer com que os jovens sejam pessoas mais sábias e seres mais felizes.

    Durante o mês de março, passei por quinze cidades, trabalhando com professores, no chão das escolas e das universidades. Também reuni com governantes e responsáveis pela formação dos professores. Ainda sobrou tempo para ir até estúdios de televisão e para fazer algumas palestras.

    No dia 26, partirei para o Chile, onde irei fazer formação, a convite de universidades. Voltarei ao Brasil em meados de abril, para retomar a orientação de projetos lançados pelo governo brasileiro.

    Vivo no Brasil há cerca de uma dúzia de anos, acompanhando projetos que agitam as águas paradas da educação do Sul. O Projeto Âncora é o mais conhecido. Ganhou fama internacional, após as visitas de muitos pesquisadores estrangeiros, que puderam testemunhar, na prática, a sua excelência acadêmica e inclusão social.

    Este périplo pelo meu país resulta de inúmeros pedidos de colaboração, que recebi ao longo dos últimos meses. E, também, da vontade de me encontrar com amigos e família, de mitigar a saudade que sinto de filhos e netos.

    Os dados estão corretos. Fui eletricista, estudei engenharia e mudei-me para o ensino. Fui professor primário e universitário. Em miúdo, vivia num meio pobre, era (e continuo) estrábico e, por isso, sofria bullying e era excluído. Fui para o ensino por vingança e fiquei na educação por amor."

    Seguiram-se as perguntas, que a jornalista considerava oportuno fazer.

    Em 1976, no rescaldo da liberdade, criou com duas colegas o projeto pioneiro Fazer a Ponte na Escola da Ponte. Sem turmas, sem testes, sem ciclos, sem campainhas. Chamaram-lhe louco quando dizia que era possível derrubar paredes e juntar alunos?

    Confesso que, nos idos de 1976, eu estava quase a desistir de ser professor. Sentia que, dando aula, eu estava a excluir gente. Percebi que não deveria continuar dando aula, mas eu não sabia fazer mais nada! Só sabia dar aula. Eu não era um professor, eu era um dador de aula".

    Elaborava os meus planos de aula, meticulosamente. Reunia bons materiais de apoio. Cuidava da motivação, escrevendo os planos na noite anterior a cada aula. Porém, quando ia dar aula, sentia que não era eu quem estava ali. Era um clown, um ator, representando um papel, um guião, que eu havia escrito, horas atrás. Eu não estava ali, não existia autenticidade na relação com os meus alunos, não havia comunicação.

    Instalou-se uma profunda crise moral. Eu ensinava do modo como tinha sido ensinado. E muitos alunos reprovavam. Fui para professor ‘por vingançae não conseguia 'vingar-me', não conseguia garantir a todos o direito à Educação. A Ponte surgiu, talvez não por acaso, para me dar uma última oportunidade. Era uma escola como qualquer outra, escola pública degradada, que albergava as chamadas ‘turmas do lixo, maioritariamente constituídas por jovens de 14, 15 anos, que não sabiam ler nem escrever, e que batiam nos professores.

    Ali, encontrei duas pessoas, que faziam as mesmas perguntas que eu fazia: Por que dou aula tão bem dada e há alunos que não aprendem?

    Aconteceu algo inusitado. Como quaisquer outros professores, éramos profissionais competentes. Porém, deparávamos com a falta de um compromisso ético com a profissão.

    Se o modo com a escola funcionava negava a muitos seres humanos o direito à educação, a escola não poderia continuar a ser gerida desse modo. Se o modo como nós trabalhávamos não lograva assegurar a aprendizagem a todos os alunos, nós não poderíamos insistir nesse modo de ensinar.

    Quando modificamos o modo, asseguramos a todos o direito de serem sábios e felizes. Começamos a receber alunos expulsos de outras escolas, alunos chamados ‘deficientes, acolhíamos jovens evadidos de outras escolas, enfim! Todos se transformavam e aprendiam…

    Chamaram-nos loucos, lunáticos e outros epítetos que, por pudor, aqui não irei reproduzir. Quando fiz as primeiras intervenções públicas, mais do que dizerem que o projeto era um arroubo de jovem professor, diziam-me que, quando eu fosse mais velho, iria ganhar juízo. E os detratores agiram de forma violenta explícita…

    Um dia, talvez, eu conte a história da Escola da Ponte. Ela foi feita de sofrimento e resiliência. No decurso de mais de quatro décadas, foram muitas as ações da maldade humana dirigidas contra a Ponte. Da destruição da nossa horta à destruição do hospital de animais, que as crianças cuidavam com tanto desvelo, ações levadas a cabo por criminosos a soldo de políticos locais, que pintaram com o sangue das vítimas na parede da escola: "Morte ao professor". Do lançamento de panfletos, na calada da noite, contendo acusações falsas, até à publicação de boatos em jornais. Do terrorismo verbal, via telefone, até à agressão física.

    O sofrimento maior foi termos descoberto que muitos desses ataques eram provenientes de professores (se forem dignos desse nome) de escolas próximas. Apercebemo-nos de que o maior aliado de um professor era o outro professor, mas, também, de que o maior inimigo de um professor, que ousasse fazer diferente para melhor, era o professor da escola do lado."

    Quando chegou à Escola da Ponte, ficou com a «turma do lixo», jovens de 14 e 15 anos que não sabiam ler nem escrever, que batiam nos professores. Foi aí que percebeu que estava tudo errado?

    "Insisto em que reflitamos sobre aquilo que nos diz a Constituição da República. Ela consagra o direito à Educação, diz-nos que é dever do Estado garantir a Educação a todos os portugueses. Se, do modo como trabalham, as escolas portuguesas não asseguram a todos esses direitos, as escolas terão o direito a continuar a trabalhar desse modo?

    Na Escola da Ponte, a decisão de mudar foi de origem ética. Encontrei jovens analfabetos, que tinham sido ensinados do modo que eu antes

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