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Sujeitos Políticos na Formação Social Brasileira
Sujeitos Políticos na Formação Social Brasileira
Sujeitos Políticos na Formação Social Brasileira
E-book459 páginas6 horas

Sujeitos Políticos na Formação Social Brasileira

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Sobre este e-book

Maria Célia Paoli foi presença e fez parte do fazer-se das Ciências Sociais no Brasil. Sua instigante e preciosa obra, referida a uma tradição de trabalho do pensamento como forma de ação política, foi construída ao longo de sua vida acadêmica e intelectual vinculada à universidade pública, fruto de pesquisas sobre temas e questões candentes e fundantes da formação brasileira e do contexto político em que vivia, ao lado de trabalhos com uma perspectiva de elaboração/aprofundamento de aspectos teórico-metodológicos que apontavam, no seu fazer, a uma renovação das ciências sociais brasileiras.
Os textos aqui republicados foram produzidos ao longo de mais de 30 anos. Neste volume, além de textos da autora estão dois comentários refletindo sobre os temas e questões que estruturam sua obra escritos por José Sérgio Leite Lopes e João Carlos Cândido, além da cronologia de sua produção intelectual e uma pequena biografia acadêmica da autora.
IdiomaPortuguês
EditoraEdUFSCar
Data de lançamento30 de set. de 2024
ISBN9788576005889
Sujeitos Políticos na Formação Social Brasileira
Autor

Maria Célia Paoli

Maria Célia Pinheiro Machado Paoli nasceu na cidade de Curitiba, Paraná, em 1942. Filha mais nova de quatro, sua família tinha forte enraizamento político e intelectual. Seu pai, Brasil Pinheiro Machado, exerceu diferentes cargos políticos no estado do Paraná nas décadas de 1930 e 1940 e foi professor de História na Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná (atual Universidade Federal do Paraná – UFPR), onde chegou a ser vice-reitor e reitor em exercício, no final da década de 1940. Socióloga, graduada na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Paraná (1967), mestre em sociologia pela Universidade de São Paulo (1969-1973); doutora em história social pela Universidade de Londres (1987). Em 1969, com a aposentadoria compulsória dos professores da Cátedra I de Sociologia, torna-se professora da Universidade São Paulo. Foi professora do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP até 2012, quando se aposentou. Foi durante o período de mestrado que Maria Célia conheceu Niuvenius Junqueira Paoli, com quem veio a se casar e com quem teve Mariana Pinheiro Machado Paoli, nascida em 1977. Maria Célia construiu ao longo do tempo um sentido de mundo comum por onde passou, e o fez não só entre os seus pares, mas sempre ampliando os espaços de interlocução à participação de alunos, colegas, coletivos e grupos de ação política. Esta conversa em torno das preocupações partilhadas foi esteio ao seu pensamento, pensamento que era ação política, arma de combate e forma de estar no mundo. Maria Célia Paoli veio a falecer no dia 20 de abril de 2019, deixando, contudo, sua “marca” através de sua inquietação intelectual e contribuições teóricas, na abertura de temas e campos de pesquisa, na geração de pesquisadores e militantes que formou, na ação política, ou seja, em termos arentianos, uma vida ativa que, se não é imortal metafisicamente, é eterna pela marca que deixa no mundo comum que ela se empenhou em compreender e construir.

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    Sujeitos Políticos na Formação Social Brasileira - Maria Célia Paoli

    volume

    Sujeitos políticos na formação social brasileira

    logo_ufscar_colorido

    EdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

    Editora da Universidade Federal de São Carlos

    Via Washington Luís, km 235

    13565-905 - São Carlos, SP, Brasil

    Telefax (16) 3351-8137

    www.edufscar.com.br

    [email protected]

    Twitter: @EdUFSCar

    Facebook: /editora.edufscar

    Instagram: @edufscar

    volume

    Sujeitos políticos na formação social brasileira

    Maria Célia Paoli

    Fábio Sanchez

    Joana Barros

    Diego Azzi

    Guilherme Nafalski

    (organizadores)

    © 2024, Mariana Paoli

    Imagem da capa

    Henrique Parra

    Capa

    Alyson Tonioli Massoli

    Projeto gráfico

    Vítor Massola Gonzales Lopes

    Preparação e revisão de texto

    Marcelo Dias Saes Peres

    Andresa Ferreira

    Isabela Freitas

    Michelle Veloso

    Maria Luiza Ribeiro Buzian

    Editoração eletrônica

    Alyson Tonioli Massoli

    Marcela Rauter de Oliveira

    Vanessa Aparecida de Oliveira

    Editoração eletrônica (eBook)

    Marcela Rauter de Oliveira

    Coordenadoria de administração, finanças e contratos

    Fernanda do Nascimento

    Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

    Paoli, Maria Célia.

    P211s           Sujeitos políticos na formação social brasileira / Maria Célia Paoli; Fábio José Bechara Sanchez (org.) ... [et al.]. -- Documento eletrônico. -- São Carlos: EdUFSCar, 2024.

    ePub: 1,4 MB.

    ISBN: 978-85-7600-588-9

    1. Sociologia política. 2. Sociologia brasileira. 3. Pensamento social brasileiro. 4. Trabalho. 5. Movimentos sociais. I. Título.

    CDD – 306.2 (20a)

    CDU – 301.188.3:32

    Bibliotecário responsável: Ronildo Santos Prado – CRB/8 7325

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral.

    Sumário

    apresentação

    Maria Célia Paoli: presença e o fazer-se de uma reflexão como forma de ação política

    Fábio Sanchez e Joana Barros

    Improvisar um pensamento que dança

    Henrique Parra

    parte i – formação social brasileira e seus sujeitos

    abertura

    Maria Célia: um convite a pensar sem corrimão

    João Carlos Cândido

    Memória, história e cidadania: direito ao passado (1992)

    República: história e historiografia (1990)

    O sentido histórico da noção de cidadania no Brasil: onde ficam os índios? (1983)

    Violência e Espaço Civil (1982)

    Os Amores citadinos e a ordenação no mundo pária: as mulheres, as canções e seus poetas (2004)

    parte ii – trabalhadores, sujeitos de direitos

    abertura

    Maria Célia Paoli, os trabalhadores e a crença nos direitos

    José Sergio Leite Lopes

    Os trabalhadores urbanos na fala dos outros: tempo, espaço e classe na história operária brasileira (1987)

    Trabalhadores e cidadania: experiência do mundo público na história do Brasil moderno (1989)

    A Família operária: notas sobre sua formação histórica no Brasil (1992)

    Os direitos do trabalho e sua justiça: em busca das referências democráticas (1994)

    Nota biográfica

    Cronologia da produção bibliográfica

    Sobre os autores

    apresentação

    Maria Célia paoli: presença e o fazer-se de uma reflexão como ação política

    Fábio Sanchez e Joana Barros

    Durante décadas, Maria Célia Pinheiro Machado Paoli intensamente fez parte do fazer-se das ciências sociais brasileiras. Sua instigante e preciosa obra, referida a uma tradição de trabalho do pensamento como forma de ação política, foi construída ao longo de sua vida acadêmica e intelectual vinculada à universidade pública, fruto de pesquisas, leituras e estudos sobre temas e questões candentes e fundantes da formação brasileira e do contexto político em que vivia, ao lado de trabalhos com uma perspectiva de elaboração/aprofundamento de aspectos teórico-metodológicos que apontavam, no seu fazer, a uma renovação das ciências sociais brasileiras. Sua obra variada tem como traço comum a inquietação com o tempo presente e ser produto de interlocução intelectual com seus pares, seus alunos e com público mais amplo com o qual mantinha contato.

    Em diálogo constante com as questões e perguntas de seu tempo, o trabalho de Maria Célia Paoli oferece pistas importantes que seguem contribuindo para compreensão da formação social brasileira e das questões das ciências humanas. Apesar de densidade acadêmica e presença nas ciências sociais brasileiras nas últimas décadas, Maria Célia Paoli tem sua obra pouco sistematizada e, de certa maneira, dispersa em diferentes espaços de debate acadêmico e intelectual. Com uma produção rica e diversificada, muitos de seus textos e comunicações estão publicados em coletâneas temáticas, anais de congressos e seminários, revistas acadêmicas e livros organizados por colegas e interlocutores com os quais ela trabalhou ao longo de sua vida.

    Em vista disto, achamos oportuno reunir parte desta produção em um conjunto de livros como forma de dar seguimento àquilo que Maria Célia elegeu como um dos centros de sua atuação: a produção intelectual feita em diálogo com os(as) outros(as).

    Assim, passado algum tempo de sua morte, ocorrida em abril de 2019, temos a honra e a alegria de tornar público este conjunto de textos de Maria Célia Paoli, publicados nesta coleção Em busca da política, resultado do trabalho conjunto entre os membros do grupo Embuscados e a EdUFSCar.

    Estes volumes começaram a ser gestados já há alguns anos como um diálogo entre os autointitulados embuscados¹ em torno das questões que animavam e organizavam aquele grupo. Embuscados é uma corruptela de Em busca da Política – nome que Maria Célia mesma deu a este que foi o último grupo de alunos e orientandos na FFLCH-USP. Éramos alunos de mestrado ou doutorado, pesquisadores-professores em formação, que nos reuníamos para discutir os caminhos, formas, momentos pelos quais a política se fazia; através de discussões de textos de autores/as comuns e de nossas pesquisas. Mais precisamente, estávamos interessados nas possibilidades que eram constituídas por sujeitos políticos num contexto de indistinção, ou no mundo do indistinto, como Maria Célia nomeou os tempos que vivíamos/vivemos em seu último texto publicado.²

    Esta coleção é resultado da intenção de dar continuidade a essa maneira de produzir conhecimento e perenizar seu legado no debate público.

    Da produção intelectual de Maria Célia Paoli emerge uma compreensão do país que não se acomoda às grandes teorias ou macroexplicações e debruçando-se sobre a experiência concreta dos sujeitos no tempo, não se encerra na constatação das especificidades da formação brasileira como folclore ou como pitoresco, muito menos como signo da falta ou inadequação da realidade concreta a categorias normativas.

    Os textos aqui republicados foram produzidos ao longo de mais de trinta anos de atividade intelectual, docente e de pesquisa e estão agrupados em quatro grandes temas organizados em dois volumes. O volume Sujeitos políticos na formação social brasileira abarca dois grandes campos de sua produção, que dão título a duas seções internas: Formação social e seus sujeitos e a segunda Trabalhadores, sujeitos de direitos. Já o volume II, reúne textos sobre os campos de debates, que intitulamos Movimentos sociais e direitos de cidadania e Direitos sociais, neoliberalismo e indistinção, sendo este dedicado à produção de seu último período.

    Com essa reunião, buscamos por um lado, recompor a trajetória intelectual desta importante pensadora e, ao mesmo tempo, trazer ao público textos que são referência para o campo de discussão no qual se inserem.

    A Coleção comporta, além de textos selecionados de Maria Célia Paoli, comentários refletindo sobre os temas e questões tratados pela autora em sua trajetória, escritos por amigos e colegas de trabalho; além de uma cronologia de sua produção intelectual e uma nota biográfica.

    * * *

    Na primeira parte deste volume, intitulada Formação social brasileira e seus sujeitos, retomamos textos nos quais a autora busca compreender as experiências diversas e ricas daqueles e daquelas que vivenciam tanto as práticas de espoliação e violência como a luta por constituir um mundo público.

    Maria Célia sempre teve o pensamento social e político brasileiro entre seus horizontes de reflexão e interesse, oferecendo durante alguns anos cursos e disciplinas na Universidade sobre este tema e mantendo diálogo profícuo com os autores do pensamento social brasileiro em seus textos, alguns deles reunidos nesta coletânea.

    Mas seu interesse não estava na condição de pesquisadora do pensamento social brasileiro (não que não o fosse) e sim centrado na tentativa, de um lado, de problematizar como a fala dos outros produzia e era produzida por um apagamento das experiências e, por outro, justamente trazer à luz uma miríade e diversidade de experiências de diferentes sujeitos políticos que se constituem no campo conflitivo nacional. Neste sentido, seu debate sobre a formação social brasileira não é a busca de uma identidade petrificada ou unitária, formação não significa a busca das origens abstratas, as estruturas ou determinações, mas sim, inspirada em E. P. Thompson, o próprio fazer-se diverso dos sujeitos sociais (e políticos).

    A parte referente ao tema sobre a Formação social brasileira e seus sujeitos é introduzida pelo texto de João Carlos Cândido, que foi orientando de Maria Célia Paoli, vindo a defender sua dissertação em 2002 sobre a sociologia paulista nas décadas de 1950 e 1960. Em seu texto de apresentação, intitulado Maria Célia: um convite a ‘pensar sem corrimão’, busca, por um lado, retomar como a discussão de Maria Célia Paoli sobre a formação social brasileira se estrutura em torno da questão da cidadania e, por outro, retomar as questões epistemológicas presentes em seus trabalhos.

    O primeiro trabalho de Maria Célia Paoli selecionado para este volume é o texto Memória, história e cidadania: o direito ao passado escrito e publicado em 1992 quando Maria Célia Paoli ocupava o cargo de Diretora do Patrimônio Histórico na Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina. Ali desenvolve uma concepção de história e memória (e, portanto, também da própria formação social brasileira) como um espaço de sentido múltiplo, onde diferentes versões se contrariam porque saídas de uma cultura plural e conflitante (Paoli, p. 30 desta coletânea). É essa cultura como espaço de conflito, que não apenas guiará este texto, mas sua produção acadêmica sobre o tema de maneira mais geral. Texto curto e que serve nesta coletânea também para estabelecer as premissas político-teóricas de Maria Célia Paoli, articulando também a questão da memória e da cultura com a noção de cidadania (outro tema permanente de seus trabalhos), pois, como afirma, isso aponta claramente para uma sociedade destituída de cidadania, em seu sentido pleno, se por essa palavra entendermos a formação, informação e participação múltiplas na construção da cultura, da política, de um espaço e de um tempo coletivos (Paoli, p. 30 desta coletânea). É a luta contra o apagamento da experiência dos vencidos (no sentido benjaminiano) e, portanto, das possibilidades democráticas contidas na noção de cidadania que os textos de Maria Célia nesta coletânea abordam.

    O segundo capítulo deste volume intitulado República: história e historiografia é um texto inédito, originado da transcrição de aula ministrada por Maria Célia Paoli entre o final dos anos 1980, início dos 1990. Com todas imperfeições de um texto transcrito a partir de uma fala (nunca revisto pela própria autora), este capítulo traz com clareza o empreendimento intelectual e político com o qual Maria Célia Paoli estava envolvida e aponta os diálogos teóricos que vinha travando (não apenas ela, mas as ciências sociais e a historiografia brasileira) naquele período. A primeira parte do texto é toda dedicada ao balanço teórico-metodológico dos novos debates em pauta na historiografia e nas ciências sociais em diferentes contextos (francês, inglês, norte-americano, brasileiro) nas últimas duas décadas e que colocavam em xeque o estruturalismo, as teorias da modernização e qualquer tipo de análise totalizantes. A partir disso, Paoli afirma:

    Sobretudo – e é esta realmente a grande ruptura que ocorreu – emerge com centralidade a noção de ator da história, a noção de sujeitos da história. Não o grande ator, mas a ideia de um ator múltiplo, que vive inclusive temporalidades múltiplas e que age realmente na história, não porque é portador de determinadas estruturas ou de certas determinações; [mas sim] porque tem um universo simbólico e conflitivo a partir do qual ele coletiviza, enfrenta e age (

    Paoli

    , p. 44 desta coletânea).

    A partir disso e pensando o Brasil, Paoli constata que a concepção intelectual que perpassava a historiografia brasileira sobre a República excluía realmente o que vinha a ser a população brasileira desta história que, no máximo, aparecia como figurante (Paoli, p. 45 desta coletânea); consequência disto, aponta-se nesta literatura o país como uma sociedade atrasada, vazia, heterogênea, desde o começo é cheia de corrupção, de irresponsabilidades, o povo é ignorante e o Estado não faz nada (Paoli, p. 48 desta coletânea). Desde a crítica a essa perspectiva, Paoli retoma os trabalhos então recentes (que envolve o dela própria, alguns presentes nesta coletânea) que buscaram mudar esta perspectiva, trazendo este universo simbólico e conflitivo, múltiplo, que constitui a história e a formação social brasileira.

    O texto seguinte, intitulado O sentido histórico da noção de cidadania no Brasil: onde ficam os índios?, escrito em 1982 para uma mesa organizada pela Comissão Pró-Índio, no contexto de um Encontro da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), representa bem a proposta intelectual de Maria Célia. No texto, pensando o caso dos povos indígenas, constrói uma crítica à noção de cidadania no Brasil, que ela chama então de cidadania adequada. A crítica se dirige tanto ao pensamento conservador, que constrói um modelo de vida unitário e homogêneo pela sociedade nacional, mas também a crítica progressista, que, ao criticar a violência e espoliação, acaba também por homogeneizar a condição de dominação, caindo no mesmo apagamento das experiências diversas que uma noção de cidadania libertária conteria. Como contraponto, Maria Célia, captando precocemente o espírito daqueles tempos ao observar e refletir sobre os movimentos sociais e ação coletiva, particularmente dos povos indígenas, retoma uma noção revolucionária e libertária de cidadania como o direito à igualdade de expressão de interesses na esfera pública, como o direto à expressão da identidade, como promessa de representação no poder e, sobretudo, como exclusão do privilégio (Paoli, p. 65 desta coletânea). Nos parece impressionante como já aparece neste texto do início dos anos 1980 temas e campos de pesquisa que caracterizaram a sociologia e as ciências sociais brasileiras no período posterior à sua publicação e até hoje, como o tema da diferença e reflexões sobre a violência.

    O tema da violência é inclusive o centro do texto que vem a seguir nesta publicação, intitulado justamente de Violência e espaço civil. O texto foi originalmente apresentado na Sessão Especial sobre a Violência no Brasil Contemporâneo, no V Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), em outubro de 1981, organizada por Renato Raul Boschi e coordenado por Fábio Wanderley Reis, na qual participaram, além da Maria Célia Paoli, Roberto Da Matta e Paulo Sérgio Pinheiro. O texto de Maria Célia é o encontro de pesquisas empíricas que vinha realizando desde a primeira metade dos anos 1970 sobre violência e criminalidade com o debate sobre cidadania que representa este período do seu trabalho. Logo de cara, Maria Célia, como sempre foi de seu feitio, contesta as explicações fáceis e que impedem a reflexão. A violência não é resultado direto de uma estrutura histórica desigual, mas se relaciona com a experiência de sujeitos que vivem uma vida privatizada.

    Por fim, fechando esta primeira parte sobre a formação social brasileira e seus sujeitos, temos o texto Amores citadinos e a ordenação no mundo pária: as mulheres, as canções e seus poetas. Escrito a partir de uma provocação realizada por pesquisadores e estudantes da UFMG e publicado em 2004, o texto busca discutir a figuração das mulheres, como párias à ordem da cidade, nas letras da canção popular brasileira (Paoli, p. 79 desta coletânea). De maneira sensível, Maria Célia Paoli reconstrói a partir do samba e da canção popular vários fios que perpassam seus temas de preocupação política e teórica; o processo de urbanização segregadora, o apagamento da mulher e os bloqueios à sua liberdade, a relação entre público e privado, a pluralidade das formas de existência e experiência, entre outros temas. Os sambas publicizam e tornam públicas estas questões e o avanço de suas manifestações, fazem emergir uma fala que escapa ao controle das elites.

    * * *

    A segunda parte deste volume, intitulada Trabalhadores, sujeitos de direitos, retoma outro (ou será o mesmo?) fio constitutivo dos campos de reflexão e ação de Maria Célia Paoli: a temática do trabalho, dos trabalhadores e trabalhadoras, sua relação com o Estado (totalitário) e a própria configuração de um mundo público do trabalho no Brasil.

    Na verdade, este foi seu tema inicial de formação e esteve direta ou indiretamente presente em toda a sua trajetória, seja nos textos e obras escritas nas décadas de 1970 e 1980 de maneira mais direta, seja na orientação de inúmeras dissertações e teses sobre o tema do início ao fim de sua trajetória docente.

    Seu mestrado, defendido em 1972, inserido nos debates sobre desenvolvimento e marginalidade, buscou, a partir de pesquisa empírica com trabalhadores de um bairro popular recém-constituído na Baixada Santista, trazer a dimensão simbólica e da cultura de trabalhadores incluídos no que então se chamava mão de obra marginal. Na ocasião já tematiza a heterogeneidade da classe trabalhadora brasileira e suas diferentes formas de elaborar suas experiências de exploração e espoliação.

    Seus estudos sobre trabalho continuam em seu doutorado, iniciado em 1979 e defendido em 1987, e que teve como orientador o historiador Eric Hobsbawm. Intitulado Labour, law and the state in Brazil: 1930-1950, Maria Célia Paoli busca reconstruir a luta dos direitos do trabalho no Brasil, mostrando que, diferente das interpretações correntes como concessão do Estado Novo, foram na verdade uma resposta à luta dos próprios trabalhadores e à consciência de seus direitos.

    Nesta coletânea, trazemos alguns trabalhos representativos desta temática e deste campo de debates no qual Maria Célia Paoli teve um papel significativo na renovação dos estudos sobre o trabalho e sobre a história do trabalho no Brasil.

    Apresentando o bloco Trabalhadores, sujeitos de direito, temos um ensaio escrito por José Sergio Leite Lopes. Professor titular do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, José Sergio foi interlocutor e amigo de Maria Célia Paoli. Como ele descreve em seu texto, ambos vinham encontrando em suas pesquisas, realizadas mais ou menos no mesmo período, questões e temas convergentes. Apesar de distintos, seus achados apontavam justamente para novas formas de interpretar a história do trabalho no país, trazendo a dimensão da cultura (em acepção thompsoniana) como elemento fundamental para a compreensão de como se configura o mundo do trabalho no Brasil. No texto desta coletânea, José Sergio Leite Lopes, de maneira cuidadosa e rigorosa, reconstrói o percurso de Maria Célia, contextualiza seus temas e contribuições para a temática, apresenta os textos presentes nesta coletânea e os coloca tanto para dialogarem entre si como com o contexto mais geral, destacando as inovações que Maria Célia Paoli (e sua geração de pesquisadores e pesquisadoras do trabalho) vinham empreendendo.

    O primeiro texto de Maria Célia Paoli nesta seção, intitulado "Os trabalhadores urbanos na fala dos outros: tempo, espaço e classe na história operária", foi publicado em 1987 – não por acaso o mesmo ano da defesa de seu doutorado e que tem com este grande relação – em uma coletânea organizada pelo próprio José Sergio Leite Lopes, intitulada Cultura e identidade operária. Contudo, Leite Lopes destaca na apresentação desta coletânea que a temática do artigo já vinha sendo apresentada por Maria Célia Paoli desde 1982 em encontros da ANPOCS.

    Em Os trabalhadores urbanos na fala dos outros, além de Paoli reafirmar a heterogeneidade destes trabalhadores, busca em suas experiências a sua própria constituição como sujeitos coletivos. Sua tese central: os trabalhadores, longe de serem uma massa amorfa, possuem consciência jurídica dos direitos e se constituíam como classe a partir de seus próprios critérios no campo de conflitos estabelecido no período.

    Este artigo se articula com outros escritos pela autora durante a década de 1980, particularmente dois deles, frutos tanto de seu doutorado como de uma pesquisa coletiva que realizava com Eder Sader e Vera Telles. Desta pesquisa foram gerados os artigos Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico, escrito em conjunto com Eder Sader e Vera Telles e o capítulo intitulado Sobre classes populares no pensamento sociológico brasileiro: notas de leitura sobre acontecimentos recentes, redigido junto com Eder Sader e publicado em livro organizado por Ruth Cardoso.

    Na sequência deste volume, Trabalhadores e cidadania: experiência do mundo público na história do Brasil moderno, publicado em 1989, na Revista do Instituto de Estudos Avançados da USP, compõe um dossiê sobre o centenário da República. Mas o contexto do texto e com o que ele dialoga vai além da data comemorativa: Maria Célia está escrevendo, pensando e refletindo sobre o que significaram aqueles anos 1980 para a República. No ano anterior, havia sido promulgada a Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã – ela mesma consequência de uma década que parecia de ruptura com a história autoritária de nossa República, o que alguns chamaram da década das invenções democráticas. Paoli inicia o texto justamente apontando esta dimensão de ruptura.

    É sobre a construção desta experiência de trabalhadores e trabalhadoras e das classes populares, sob a luz da construção democrática, que Maria Célia Paoli vai novamente se debruçar. Se por um lado estas classes populares vivem, interpretam, elaboram e buscam publicizar os conflitos em que estão envolvidas, por outro, o Estado autoritário que constitui nossa República reprivatiza estes conflitos, não permitindo que se tornem objeto da política e não reconhecendo estes trabalhadores como sujeitos de direitos. Ainda que o Estado transforme os direitos em ação administrativa e despolitizada, Maria Célia Paoli mostra que as classes populares não são apenas objeto desta dominação, mas permanentemente se reinventaram (e se reinventam) nas brechas, questionando o poder instituído.

    O texto Família operária: notas sobre sua formação histórica no Brasil é também fruto de uma comunicação, na década de 1980, e publicado dez anos depois na forma de artigo na revista Tempo Social. Nele, Maria Célia Paoli novamente trabalha com o tema da privatização, do silenciamento e apagamento de sujeitos; desta vez, está em tela o silenciamento e privatização da experiência da vida de mulheres e crianças que compunham a família operária. Apagamento operado pelo empresariado, mas também pelo próprio movimento operário e pela historiografia (mesmo de extração crítica) sobre o tema. Contrapondo-se a este silenciamento, Maria Célia traz à luz o conhecimento das formas de organização familiar proletárias [que] indica uma ruptura da interpretação com o campo de problemas referido quase exclusivamente à ordem social institucional, e uma tentativa de apreender as práticas instituintes dos trabalhadores em distintos momentos de sua história (Paoli, p. 203 desta coletânea); demonstrando que não apenas o trabalho reprodutivo das mulheres, mas também a forma de configuração do capitalismo no Brasil, no qual a fábrica assalariava famílias, e não indivíduos, silenciasse o lugar das mulheres e das crianças na produção e na remuneração da família. Mais que isso, a família assume um papel fundamental tanto na forma de acumulação de capital num país como o Brasil, sendo elemento de controle e dominação e, também, de solidariedade. A família proletária, como espaço fundamental da experiência de trabalhadores e trabalhadoras, é este coletivo genético, cultural e social que viabiliza a formação de uma classe social (Paoli, p. 214 desta coletânea).

    Por fim, fechando este volume temos o texto Os direitos do trabalho e sua justiça: em busca das referências democráticas. Publicado em 1994, também na Revista do Instituto de Estudos Avançados da USP, agora em Dossiê sobre o Judiciário organizado por Sérgio Adorno, o texto dialoga diretamente com os anteriores, mas agora focando justamente como a justiça proferida pela lei foi construída no Brasil. Com isto, ao invés de publicizar os conflitos e construir critérios do justo tendo por base referências democráticas, a justiça – e a justiça do trabalho no Brasil, que é seu foco – se constitui negando a existência de sujeitos políticos e colocando no Estado forte o papel de moldar e unificar uma sociedade conforme sua representação de moderna. Contudo, como mostra Maria Célia Paoli na parte final do artigo, a sociedade que se formou sob sua referência enuncia seu desejo de autonomia e de redefinir a sua relação com as normas e regras estatais (Paoli, p. 229 desta coletânea). Com um olho nas redefinições do mundo do trabalho que já se vislumbrava na época, com a reestruturação produtiva e a flexibilização das relações de trabalho, e com outro na capacidade criativa e inventiva da classe trabalhadora, Maria Célia Paoli aponta potencialidades de mediações dos conflitos do mundo do trabalho tendo por base referenciais democráticos. Aqui, mais uma vez, vemos duas de suas características intelectuais: a capacidade de captar o espírito dos tempos de maneira crítica e a coragem de ver e ter esperança na constituição de sujeitos coletivos.

    * * *

    A foto de capa deste livro, de autoria de Henrique Zoqui Martins Parra, não é ocasional ou puramente estética. Foi por nós escolhida para este primeiro volume da coleção Em busca da política por representar o que nos parece que foi a vida e obra de Maria Célia Paoli.

    A foto, tirada por Henrique, ele mesmo, um orientando de Maria Célia, é de julho de 2000, na recém-redescoberta Vila Barrageira Salto de Santiago, que estava coberta pela mata na área de reserva ambiental do assentamento do MST Ireno Alves dos Santos, no município de Rio Bonito do Iguaçu, no oeste paranaense. Na foto, Maria Célia dança com um assentado, durante uma noite de confraternização no seminário Construindo a Primeira Cidade da Reforma Agrária, organizado pela assessoria técnica USINA e pelo CeNedic, com o MST.³

    As imagens estão em movimento, assim como Maria Célia. Movimento do mundo, que tanto a interessou; movimento também do pensar, tão caro a ela. Fotografia que, ao mesmo tempo, fixa e deixa escapar.

    Para contar a história da foto, nada melhor que seu autor, a quem convidamos para resenhar a capa desta edição.

    Improvisar um pensamento que dança

    Henrique Parra

    Partimos da cidade de São Paulo numa pequena van em direção a um assentamento do MST no extremo oeste do Paraná. Era junho de 2000. Lotamos o carro com um grupo de pesquisadores-ativistas envolvidos em organizações que atuavam no campo da assessoria técnica para projetos de habitação popular e no cooperativismo autogestionário, além das nossas professoras Maria Célia Paoli e Cibele Saliba Rizek. Foi uma viagem noturna de cerca de 18 horas. Lembro que fazia frio.

    Chegamos numa nuvem, estava tudo coberto por uma névoa. Na minha memória, o local era como um segredo, desses que a gente vai descobrindo aos poucos. Uma ocupação de sem-terras num grande latifúndio, que tinha uma enorme área com pequenas infraestruturas urbanas, ruínas do que havia sido uma vila barrageira, com ruas, pequenas edificações, galpões, quase tudo já coberto pela vegetação. Aos poucos, numa arqueologia de retomada, limpando o terreno, descobria-se uma rua asfaltada, uma antiga escola, um pequeno cinema… e logo a neblina voltava, cobria tudo e já não víamos nada.

    Boa parte das atividades que realizamos nessa curta imersão estavam relacionadas a um complexo e interessante problema. Os sem-terra que estavam organizando o assentamento que iria ali se estabelecer pretendiam aproveitar a infraestrutura de uma antiga cidade, a Vila Barrageirra de Salto de Santiago, para construir sua própria cidade, a primeira cidade da reforma agrária. Eles pretendiam desenvolver suas atividades econômicas de forma solidária, autogerida e cooperativa. Também queriam que as relações entre as pessoas e famílias do assentamento pudessem fortalecer a organização coletiva experimentada durante o processo de ocupação, ao invés de fragmentar e individualizar as famílias.

    Diante das ruínas de uma cidade cuja partilha do espaço fora organizada por uma empresa capitalista, eles se perguntavam e investigavam na prática em que medida eles poderiam construir uma outra cidade em cima daquela? Em suma, como habitar e transformar aquele espaço e suas infraestruturas a favor do mundo que eles desejavam construir? De alguma forma essa questão era feita de muitos fios que nos implicavam e que desenhavam uma trama entre nossas investigações, amizades, políticas e modos de conhecer.

    Maria Célia convidava-nos a cultivar uma atenção, uma capacidade de escuta e observação para as coisas que estão ali, mas que podem ser diferentes do que são. Seu interesse pela memória e pela história, num movimento que encontrava outros caminhos de construção do presente, combinava-se a uma sensibilidade para o virtual, o instituinte, o acontecimento. Tudo que transborda e escapa às análises do mundo constituído. Onde está a política? Onde está o dissenso, a criação?

    Com essa forma de investigar ela provocava deslocamentos em nossos trabalhos com perguntas que às vezes demoravam pra ser entendidas. Por isso, as reuniões de pesquisa exigiam um outro tempo. Um tempo que às vezes era difícil de criar e sustentar diante de um ritmo acelerado que gradualmente foi colonizando todos os espaços da universidade. De fato, acho que as reuniões de pesquisa só aconteciam quando conseguíamos instalar uma situação na qual o encontro era possível. Num encontro de verdade nada está programado de antemão. A conversa tem que ser tecida, o pensamento hesita e se dobra, a linguagem inventa e caça palavras, o corpo tem que dançar com o outro.

    Nessa foto no barracão, onde antes funcionara uma escola para os filhos de trabalhadores da Vila Barragueira, Maria Célia bailava com um camponês sem-terra. O meio do salão ainda estava vazio. No canto, algumas jovens do assentamento cantavam ao som do violão. Havia pouca luz. Minha câmera analógica com um filme P&B/ASA400 registrava a cena de uma maneira muito diferente da que fazemos hoje em dia com nossas câmeras digitais ou celulares. Eram outras maneiras de se contar histórias.

    Maria Célia dançava o vanerão – dança típica da região – nos lembrando que tinha nascido no Paraná. Ela dançava e improvisava, assim como ela fazia pesquisa e nos ensinava. Quem improvisa está aberto à possibilidade do encontro, é capaz de criar uma variação inesperada na qual só haveria repetição. Ao mesmo tempo, o improviso precisa se fazer comum entre os movimentos singulares, do contrário, não há dança.

    Da mesma forma, no trabalho com a Maria Célia a pesquisa ia bem se a gente também se arriscava a improvisar. Nesses encontros, a gente experimentava a criação de pensamento como parte de um mesmo movimento de criação política, fruto de um desejo compartilhado de fazer mundos.

    * * *

    Longe de esgotar a obra de Maria Célia Paoli, esses volumes buscam trazer ao debate contemporâneo elementos para aquilo que a instigou à pesquisa e à reflexão, sobretudo as inquietações pelas quais se faz a política e a construção de um mundo comum.

    Esperamos que os leitores e as leitoras tenham a experiência de, com Maria Célia, entrar em contato com aquilo que caracteriza a sua obra: uma reflexão e uma problematização de seu tempo que se configura como forma de ação política e de conexão com o mundo comum.

    Como a própria obra e vida intelectual de Maria Célia, este livro de obras reunidas que agora os leitores podem folhear, é fruto de um trabalho coletivo e se insere no conjunto de ações para tratamento de seu arquivo, hoje sob a guarda do Centro de Memória Urbana (CMUrb) da Unifesp, em parceria com o Observatório das Desigualdades, Conflitos e Democracia da UFSCar. Esta publicação, ou mesmo o tratamento e a publicização da obra seminal de Paoli, não teria sido possível sem a generosidade de Mariana Paoli, única filha de Maria Célia, bem como de toda a sua família na figura da irmã Suzana Pinheiro Machado, que não hesitaram em nos franquear acesso ao material deixado por ela. Agradecemos a este gesto de confiança e toda a gentileza com que trataram este projeto de memória e de edição de sua obra.


    1 O grupo Embuscados era formado por Maria Célia e seus/suas orientandos/as do período final de sua atuação como docente da Faculdade

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