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Teoria dos jogos e conflitos societários: mecanismos justos para a resolução de impasses
Teoria dos jogos e conflitos societários: mecanismos justos para a resolução de impasses
Teoria dos jogos e conflitos societários: mecanismos justos para a resolução de impasses
E-book285 páginas3 horas

Teoria dos jogos e conflitos societários: mecanismos justos para a resolução de impasses

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Sobre este e-book

O livro busca analisar conflitos societários sob a perspectiva da teoria dos jogos. São apresentadas diversas simulações de conflitos, formatos clássicos de jogos e sua pertinência jurídica. Heurísticas comportamentais fazem com que sócios sistematicamente evitem conversas difíceis, iniciando negócios sem a devida reflexão sobre como contornar conflitos. Ao racionalmente dissecar os incentivos de cada agente, a teoria dos jogos ajuda a compreender resultados paradoxais em sua superfície, mas que, de fato, seguem uma lógica perfeita.
Também são analisadas a aplicabilidade, as variações e a eficácia das deadlock provisions em impasses societários, bem como a doutrina e a jurisprudência em diversos países. Além de seu efeito disciplinador, as deadlock provisions são rápidas e tendem a possuir alto degrau de justiça na resolução de impasses, sobretudo em situações propensas a abusos. O princípio econômico fundamental de cake-cutting rule pode ser muito bem aplicado às sociedades em conflito: um sócio determina o valor da empresa, e o outro decide se prefere comprá-la ou vendê-la naquelas condições.
Evidentemente, conflitos nunca são simples de ser resolvidos e, às vezes, assolam permanentemente o bom convívio societário. No entanto, ao expandir a compreensão dos interesses ocultos, permitimo-nos desafiar o status quo e desenvolver alternativas melhores. Afinal, se resolver um impasse já é difícil, que se tenha a certeza: mais difícil será resolvê-lo sem nenhum plano predefinido.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de jul. de 2024
ISBN9786527024484
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    Teoria dos jogos e conflitos societários - Lucas Prediger

    1

    ACORDOS ENTRE SÓCIOS

    O ordenamento jurídico brasileiro oferece diversas configurações empresariais que se adequam de diferentes formas às expectativas e necessidades dos empreendedores. Entre os diversos modelos societários, destacam-se: (i) as sociedades simples e limitadas para negócios de pequeno porte, muitas vezes familiares ou em situações em que o affectio societatis tem um peso relevante; e (ii) as sociedades anônimas, que representam, ao menos no campo teórico, o modelo jurídico mais apropriado para empresas de grande porte⁶. Inclusive, uma estrutura societária que pudesse privilegiar capital com pulverização de sua titularidade foi fundamental para o estabelecimento de grandes empreendimentos⁷.

    Sendo as sociedades entes jurídicos personificados compostos de uma pluralidade de sócios, não é incomum pensar que entraves pequenos, muitas vezes irrelevantes, podem escalar e tomar proporções significativas, impondo riscos à própria continuidade da empresa. Na realidade, há um longo período se fala que conflitos societários representam o calcanhar de Aquiles das sociedades. Eles podem se materializar em diferentes formas, majoritariamente como opressão de majoritários, abuso de minoritários ou então impasses societários (tradução do autor)⁸.

    Evidentemente, acordos entre sócios são instrumentos amplamente recomendáveis para tornar as regras de uma determinada sociedade mais previsíveis, seja em sociedades anônimas (acordos de acionistas) ou em outros tipos societários, como simples e limitadas (acordos de quotistas). Como bem elucidado por Herbert Steinberg, o recomendável é que se faça o acordo de sócios o mais cedo possível, quando há tempo para refletir, trocar questionamentos, realizar avaliações e obter alinhamento das expectativas de cada […] quotista ou acionista⁹.

    Pode-se ver, dessa forma, que os acordos entre sócios funcionam como bastiões do bom convívio societário. Em uma definição mais técnica, Nelson Eizirik ensina que um acordo entre sócios constitui contrato celebrado entre acionistas de determinada companhia visando à composição de seus interesses individuais e ao estabelecimento de normas de atuação na sociedade, harmonizando seus interesses próprios ao interesse social¹⁰.

    Os acordos entre sócios devem ser celebrados sempre levando em consideração sua causa de existir e as características individuais de cada sociedade, pois, inevitavelmente, subsistem como acordos, apesar dos conflitos¹¹. No entanto, se por um lado aparenta ser ponto pacífico que os acordos entre sócios desempenham papel fundamental para extrair o melhor das interações entre seus agentes, por outro, conflitos ainda assim existirão. Podem ser acentuados por diferenças de interpretações nos acordos, omissões e, inclusive, abusos¹².

    No mercado brasileiro, o regramento societário e a própria previsibilidade dos mecanismos nas hipóteses de conflito são elementos essenciais, na medida em que as operações societárias envolvendo empresas, fundos de private equity, venture capital e tantos outros agentes consolidadores vêm se tornando mais frequentes.

    Apenas em 2022 e 2023, em média, foram anunciadas 2.292 transações no Brasil, apesar dos desafios geopolíticos globais causados pela guerra na Ucrânia, disrupção da cadeia de suprimentos e cenário hiperinflacionário em diversos continentes. Mesmo que o montante seja inferior ao do ano de 2021, é 33% superior à média de 2019 e 2020, anos que, apesar dos impactos da covid-19, apresentaram crescimento no volume de transações¹³. Para se ter uma ideia da atual importância da atividade de M&A no Brasil, entre 2017 e 2018, anos notadamente pré-pandêmicos, a média mensal de transações de M&A foi de 105, ao passo que os níveis de 2022 e 2023 apontam para a média mensal de 191 transações, ou seja, um acréscimo de 82,7%. O volume de transações anunciadas em 2023, que evidentemente não engloba montantes expressivos de transações com valores não divulgados (42%), chegou a R$ 215,7 bilhões.

    Acordos entre sócios conferem não apenas agilidade na tomada de decisões societárias, ao exemplo de se seguir com uma transação de M&A, como também são fundamentais para contornar impasses societários. Inclusive, esse cenário foi bem definido por Marcel Bragança Retto, ao mostrar que acordos entre sócios ocupam papel central na atual estruturação dos diversos interesses dos acionistas nas companhias brasileiras¹⁴.

    Portanto, a criação de mecanismos claros nos acordos entre sócios não fortalece apenas os aspectos jurídicos da sociedade. Confere, também, musculatura e flexibilidade para que as empresas tomem decisões de negócio rapidamente. Configuram-se como um pilar fundamental para a governança corporativa e a agilidade operacional, com impactos significativos em aspectos práticos do dia a dia empresarial.

    Tais impactos ocupam papel central em relação aos chamados assuntos típicos dos acordos entre sócios, que envolvem direitos de negociação das ações, de preferência, de votos e de controle. No entanto, podem ser estendidos de forma atípica para várias outras situações, de acordo com a conveniência e relevância para a sociedade em questão.

    Acordos entre sócios são contratos avençados à ilharga da sociedade¹⁵, ou, em outras palavras, que existem paralelamente ao contrato social. Coexistem de forma autônoma e, apesar de muitas vezes serem preliminares ao próprio contrato social, produzem efeitos no seio da sociedade e adentram o campo privado do direito dos sócios enquanto sócios.

    O objetivo deste capítulo é esboçar um breve panorama da natureza e das modalidades dos acordos entre sócios. Será também realizada uma breve análise da legalidade e aplicabilidade dos acordos de quotistas, sempre com o objetivo de estender este estudo ao maior universo de sociedades possível. O correto entendimento da função e da utilidade dos acordos entre sócios precede a aplicação razoável da teoria dos jogos aos mecanismos para a resolução de impasses societários, tema que será abordado na sequência.

    1.1. Acordos de acionistas

    Enquanto os acordos de quotistas não têm uma previsão expressa no Código Civil brasileiro, os acordos de acionistas passaram pela primeira vez a ser previstos pela legislação brasileira no artigo 118¹⁶ da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ou, então, a Lei das S.A.

    Não se tem como objetivo neste trabalho uma análise minuciosa do impacto de cada cláusula do artigo 118 da Lei das S.A., e sim demonstrar que, com a sua promulgação e as subsequentes alterações, a segurança jurídica relacionada ao instrumento passou a ser cada vez maior.

    O sistema jurídico brasileiro não reconhecia a existência dos referidos acordos, no entanto, também não os proibindo, deu ensejo a que frutificassem¹⁷. Foi exatamente nesse contexto que o legislador pôs fim a qualquer controvérsia sobre a admissibilidade dos acordos de acionistas¹⁸. Não obstante, é claro que prever todas as matérias possíveis de sua disciplina legal seria inócuo e improdutivo. Exatamente por esse fato, os acordos de acionistas devem ser aplicados dentro do princípio de direito privado, segundo o qual é permitido tudo aquilo que a lei não proíbe¹⁹.

    Em relação à legitimidade dos acordos de acionistas, Fábio Konder Comparato demonstra os efeitos benéficos da promulgação da Lei das S.A:

    Entre nós, a Lei 6.404, de 1976, dissipando antigas e infundadas dúvidas, legitimou expressamente os acordos de acionistas como pactos parassociais, assinando-lhes dois objetos: a regulação do exercício do voto e a compra e venda de ações, ou preferência para adquiri-las. Daí não se deve inferir, porém, que se tenha doravante por proibida a celebração de acordos acionários com outros objetos. Na verdade, o princípio da licitude desses pactos parassociais existia desde antes do advento daquele diploma legal […] A validade de tais negócios era, então, como ainda é hoje, submetida às normas comuns do direito privado, a par das regras gerais do direito societário.

    Uma vez que os acordos de acionistas até então não eram regulados, havia determinada preocupação prática com sua análise pelos tribunais brasileiros. Por exemplo, até 1976, não havia nenhuma menção no direito positivo sobre as convenções de voto, gerando controvérsias na doutrina e na jurisprudência. Desse modo, o acordo de acionistas seria, a princípio, um negócio lícito, no entanto, dependendo da forma como o exercício dos direitos fosse pactuado, poderia acarretar invalidade.

    Por outro lado, a Lei das S.A., desde sua instituição, passou por diversas modificações²⁰, com as quais o legislador buscou maior clareza em determinados aspectos práticos da lei. O próspero mercado de capitais brasileiro, o volume crescente de operações de fusões e aquisições e o boom de privatizações experimentadas na década de 1990 estimularam modificações que esclareceram diversas mecânicas para o mercado. Como um todo, os acordos de acionistas tiveram seu leque ampliado, e a inserção de alguns parágrafos na lei amoldaram, de forma mais clara, alguns efeitos práticos do acordo²¹.

    1.1.1. Análise doutrinária

    Antes de passar à interpretação dos acordos, vale traçar um breve panorama de sua definição pela doutrina.

    Para Nelson Eizirik, o acordo de acionistas é um contrato submetido às normas comuns de validade dos negócios jurídicos. É um instrumento assinado entre acionistas de uma determinada companhia com o objetivo de compor interesses individuais e estabelecer normas na atuação da sociedade, harmonizando os interesses próprios e o interesse social²².

    José Borba explica que os acordos de acionistas têm como função o regramento dos contratantes em relação à sociedade e funcionam como instrumento de composição de grupos. O autor ainda menciona que os acordos que disciplinam o direito de voto são os mais relevantes, devido à influência causada sobre o poder de controle²³.

    Para Modesto Carvalhosa, o acordo de acionistas é definido como um contrato submetido às normas comuns de validade dos negócios jurídicos privados, assinado entre acionistas de uma mesma companhia, e tem como objeto a regulação do exercício dos direitos referentes às ações, regrando tanto sua negociabilidade como seu poder de voto²⁴.

    Outra vertente da doutrina prefere uma definição mais ampla para o acordo de acionistas. É o caso de Celso Barbi Filho, que o conceitua como um contrato entre acionistas de uma mesma companhia, distinto de seus atos constitutivos, e que tem como objeto o exercício dos direitos decorrentes da titularidade de ações²⁵. Ademais, o autor anota que existem diferenças importantes na concepção dos acordos de acionistas no Brasil e em outros países. Exatamente por isso, os profissionais de direito devem ter cuidado ao tropicalizar as cláusulas de shareholders’ agreement para o direito pátrio, ainda que elas forneçam amplos subsídios jurídicos para a construção da doutrina e da jurisprudência no Brasil.

    Eduardo Abraão ressalta que os acordos de acionistas têm natureza essencialmente contratual e privada e que, sob a perspectiva técnico-jurídica, visam à harmonização de seus interesses enquanto acionistas da companhia²⁶. Com um olhar mais técnico, Rubens Requião anota que os pactos entre acionistas constituem sindicato a fim de alinhar interesses nas deliberações assembleares²⁷.

    Também relacionando interesses, Egberto Lacerdo Teixeira e José Alexandre Guerreiro indicam que acordos de acionistas são ajustes parassociais, celebrados paralelamente ao estatuto e sem a interferência da companhia em questão, conferindo liberdade aos seus signatários para compor seus interesses individuais²⁸.

    Já Luciano Benetti Timm e Rodrigo Tellechea Silva afirmam que os acordos de acionistas são ferramentas adequadas para a regulação dos direitos e das obrigações dos sócios, conferindo força vinculativa aos interesses dos acionistas, independentemente de terem participação majoritária ou minoritária na empresa²⁹.

    A partir de uma breve análise doutrinária, fica claro que o acordo de acionistas é negócio jurídico privado e que a sua existência está atrelada à necessidade de uma força vinculativa que componha corretamente os interesses dos sócios não apenas entre si, mas também de forma harmônica ao próprio interesse social. Conforme será abordado a seguir, essa relação é relevante para que a aplicabilidade de cláusulas de resolução de impasses societários seja devidamente fundamentada.

    1.1.2. Manifestação de vontades e execução específica

    Para que acordos entre sócios sejam devidamente interpretados, invoca-se o princípio fundamental do direito obrigacional relacionado à (i) autonomia de vontade e à (ii) obrigatoriedade da convenção. Não por acaso, Nelson Eizirik ensina que a autonomia de vontade se apresenta sob duplo aspecto: a liberdade de contratar, que constitui a faculdade de concluir ou não determinado contrato; e a liberdade contratual, que é a possibilidade de as partes estabelecerem o conteúdo do contrato³⁰. Sobre o segundo aspecto, a obrigatoriedade à convenção, depreende-se que os signatários devem cumprir os acordos pactuados fielmente. Logo, livres são os acionistas para pactuarem o acordo.

    O cumprimento tempestivo e fiel das obrigações dos acordos de acionistas está intimamente conectado ao § 3º do art. 118 da Lei das S.A., que possibilita a execução específica na hipótese de descumprimento. A execução específica, em outras palavras, constitui garantia de que tais obrigações serão observadas pelas partes na medida em que a inexecução de uma delas outorga às demais o direito de executar a obrigação em seu lugar³¹.

    Disso decorre a noção de cumprimento obrigacional compulsório, permitindo à parte prejudicada o resultado equivalente ao do cumprimento. Tal obrigatoriedade está tutelada pelo artigo 497 do Código de Processo Civil, garantindo o resultado prático equivalente ao do adimplemento³². A implicação da execução específica é a de que os acordos de acionistas tenham mais eficácia e, na hipótese de seu descumprimento, não se resultará apenas na obrigação de indenizar.

    Muitas vezes, não se pode mensurar o prejuízo de oportunidade perdida ou de inação perante determinadas obrigações. Essencialmente, é esse o ponto de sustentação da execução específica, que permite à parte prejudicada o direito de executar a obrigação no lugar da parte que deixou de cumpri-la.

    Por outro lado, uma análise minuciosa da doutrina indica que existe certa imprecisão na terminologia da palavra execução. Na visão de Modesto Carvalhosa, o § 3º do art. 118 empregou mal a expressão execução específica quando afirmou que podem os acionistas promovê-la para fazer cumprir as obrigações assumidas no acordo de acionistas³³. A execução específica permite à parte prejudicada executar a obrigação em lugar da parte inadimplente, enquanto o termo execução, no direito processual, serve para os atos que obrigam alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

    De todo modo, a execução específica constitui um direito eficaz ao acionista prejudicado, conferindo a este a tutela imediata do seu direito, independentemente de qualquer ato ou condição³⁴. Tal princípio está relacionado à noção de obrigatoriedade dos contratos, ou pacta sunt servanda. O contrato impõe determinadas regras a partir de duas ou mais manifestações de vontades unilaterais dos sócios. O contrato obriga e escraviza, porque a lei assim o dispõe, e as obrigações assumidas devem ser cumpridas³⁵.

    A recomposição patrimonial por perdas e danos muitas vezes não é suficiente para restaurar o dano experimentado. E é exatamente por isso que a execução específica pode ser bastante eficaz, na medida em que, por meio dela, ocorre a tutela antecipada da disposição, ou seja, o cumprimento liminar do que estiver especificado no acordo, por ordem judicial ou arbitral, conforme o referido artigo 461 do Código de Processo Civil³⁶.

    É sob essa perspectiva que Eduardo Abraão leciona:

    Vê-se, assim, que a execução específica não corresponde a uma sentença condenatória, mas constitutiva de direito, com eficácia própria, apta a conferir ao acionista lesado a tutela imediata do seu direito, independentemente de qualquer ato ou condição. […] A execução específica compreende, pois, tutela jurisdicional substitutiva e reparadora da vontade do acionista votante em desconformidade com o acordo de acionistas, de modo a produzir todos os efeitos que deveriam decorrer do voto do acionista

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