Paralisia: Livro Ii
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Paralisia - Luiz G. Teixeira
CAPÍTULO 1: DOWNTOWN
O ALARME COMEÇA A TOCAR PONTUALMENTE ÀS SEIS HORAS DA MANHÃ, enquanto o garoto se envolve entre os cobertores de microfibra, totalmente desacostumado a vida escolar. Richard apertou um dos botões do aparelho na mesa de cabeceira ao lado da cama, fazendo aquele ruído ser finalizado rapidamente, enquanto busca um dos chinelos no pavimento. Ele levantou-se, a caminho do banheiro, tomando um banho gelado, que durou pouco mais de cinco minutos, tempo o suficiente para sair do estado de letargia. Ele secou-se na toalha de algodão, acabando por escovar os dentes, regressando aos aposentos, onde tirou do cabideiro próximo a porta o seu uniforme.
Richard contemplou o seu reflexo no espelho enquanto tentava esquecer aquelas últimas semanas da sua cabeça. A cidade de Santiago era como um pesadelo que deve ser deixada totalmente no passado. Naquele segundo notou todas as suas semelhanças com a matriarca: ambos aprenderam a deixar a dor para trás. Ele seguiu em direção as escadarias, prosseguindo até a cozinha, preparou um leite com açúcar e comeu um pedaço de bolo de chocolate amargo.
As coisas haviam mudado de maneira bruscas e todos os horizontes permanecem como uma repleta nevoa diante da sua mente.
O ônibus estava demorando mais que o habitual naquela manhã de segunda-feira, não pode se dar ao luxo de chegar atrasado logo no primeiro dia de aula. Richard colocou toda as suas forças naquela caminhada de pouco mais de quinze minutos, chegando ao José Vieira de Moraes.
Todos os anos parecem que são iguais: as mesmas pessoas, os mesmos alunos, exceto pelos novatos da oitava série, os recém-chegados do ensino fundamental. Ele se aproximou abruptamente dos dois amigos, escutando um zunido irritante ecoando pelos seus tímpanos, fazendo-o esboçar uma pequena careta, rodeado de uma leve sensação de pânico.
— O que está acontecendo, Rick? – Perguntou Daniel.
— Nada, estou meio zonzo, acho que comi alguma coisa que me pegou mal.
Ele sentiu um pequeno cheiro de esterco, acompanhado por um frio na espinha e uma dor que fez o seu estômago a fervilhar. Aquele misto de sentimentos, haviam sumidos da sua psiquê e, por um segundo, imaginou que o seu pior tormento estava prestes a retornar, como num simples estalar de dedos. O sinal do começo da aula começou a tanger e todos os segundos rompidos, surgiram para o antigo ponto.
A primeira aula era de português. Richard, Daniel e Lucas, acomodaram-se nas três primeiras fileiras, próxima a janela.
— Quem é aquela garota? – Richard perguntou próximo ao ouvido de Lucas, enquanto observava a nova aluna, entrando pela porta. Os seus belos cabelos encaracolados o deixaram completamente encantado, certamente ela percebeu ao se acomodar na cadeira, pois esboçou um pequeno sorriso estampado na face. – Você sabe alguma coisa a respeito dela?
— Sim, o nome dela é Yasmin, não lembra? Estudamos juntos na primeira série, inclusive vocês dois sempre andavam grudados, para cima e para baixo, mas ela mudou de colégio, teve que passar um tempo em outro estado e agora retornou. Mas está completamente diferente do que era antes.
Richard mordeu a ponta dos lábios, deixando escapar um pequeno suspiro, sendo observado por Lucas, que retornou à sua posição inicial, prestando atenção nas apresentações dos alunos.
As aulas passaram repentinamente: português, matemática, física, química, sociologia e biologia. Ao final daquele dia, Richard ainda permanecia com o nome de Yasmin, como um letreiro brilhante dentro do seu peito, arrebatando toda atenção de uma avenida.
Ele não tinha costume de tomar atitude e certamente, ela ao menos deveria se lembrar de qualquer período da primeira série. Colocou os fones no ouvido, enquanto entrava no ônibus, escutando Downtown do Jake Bugg, quando despertou do pequeno estado de transe, observou a garota dona de madeixas cacheadas, acomodada ao seu lado.
— Richard, não é mesmo?
— Sim.
— Não se lembra de mim, da primeira série?
— É claro, inclusive comentei com o Lucas a respeito.
— E porque não foi conversar comigo?
— Achava que você não se lembraria de mim.
— Como esquecer do meu primeiro melhor amigo?
Ela se levantou da poltrona, despedindo-se com um beijo no rosto de Richard, pressionando o botão de parada do ônibus, saltando no ponto seguinte. O garoto permaneceu observando-a pela janela, enquanto os seus belos cabelos cacheados colidiam contra o vento.
Richard desceu do veículo no ponto seguinte, caminhando alguns metros até chegar em sua morada. Os seus olhos marejaram quando divisou o patriarca adentrando na casa, segurando uma maleta das papeladas da farmácia, sua vida havia retornado ao normal, assim como era noutro tempo, sem aquela repleta desordem.
— O que você tem, filho? — Interpelou Márcio.
— Só estava com muitas saudades de você, pai. Por um instante, eu pensei que o senhor iria embora para sempre, me senti a pior pessoa do universo. Mas graças a Deus, tudo é exatamente como era antes. O único detalhe diferente é o meu irmãozinho, não vejo a hora dele nascer, para trazer uma luz para nossa casa. Eu te amo muito, pai. Não consigo imaginar, viver sem a sua presença, sem os seus conselhos e muito menos, sem os seus abraços.
Observe a caligem nas suas sombras, pequeno Rick. Eu disse que se você quisesse tudo de volta, o valor seria integralmente alto. Você quis se voltar contra o próprio sangue, quis se voltar contra seu pai de verdade! Acha mesmo que está seria a consequência da sua escolha? Você nunca gostou de um mundo de faz de conta, agora está vivendo uma distopia da própria realidade, cercado dessas pessoas de plástico. Nenhuma delas existem de fato. Quer abrir os olhos e encarar o mundo de verdade? Ou continuar vagando neste universo perfeito, sem ao menos saber o que é viver? Posso te entregar seu destino novamente, meu filho, basta você aceitar o que foi traçado. Abra os olhos e encare a sua vida. Enfrente o seu próprio demônio!
CAPÍTULO 2: REVÉS
O GAROTO ABRIU OS OLHOS PAUSADAMENTE, avistando primeiro a luz de led no teto branco, que causou uma pequena irritação através da sua íris. Posteriormente, observou o ambiente ao redor, escutando o barulho do monitor de batimentos cardíacos. A matriarca estava cochilando na poltrona, segurando um livro de David Baldacci em suas mãos. Os últimos dias começaram a surgir no campo visual de Richard. Aqueles momentos alegres com os amigos e a família, não passavam de uma mera ilusão.
— Mãe!
Um sorriso brotou no rosto de Yeda ao escutar aquele chamado. Tinha uma semana que ela sonhava com o timbre de voz do filho, que havia desmaiado subitamente em Santiago. Os médicos desde então não conseguiam identificar a complicação do garoto. Yeda o encaminhou para um dos melhores hospitais da América Latina, localizado no centro da grande São Paulo.
— Está tudo bem, querido? – Yeda perguntou.
Richard permaneceu calado, sentindo um sabor metálico nos lábios devido aos medicamentos que estava tomando naquele período. Yeda pegou um copo de água natural na jarra de vidro e entregou ao filho, que sentiu uma pequena pontada no estômago ao ingerir o liquido transparente.
— Eu estava sonhando mãe! A nossa vida havia voltado ao normal, do ponto que nunca existiu a cidade de Santiago no nosso caminho, sem aquela montanha desgovernada de revés. O papai estava super alegre, tinha acabado de chegar da farmácia para almoçar, estava segurando aquela maleta cheia de papeladas quando o encontrei. Mas quando finalmente tive coragem de dizer as palavras que ele sempre devia escutar por toda a vida, por todos os dias... – Richard segurou as lágrimas naquele segundo, não contendo a dor do pranto. – A voz do Samael surgiu em meio ao meu pesadelo, mãe. É tudo a minha culpa? O que eu devo fazer