Pescador De Histórias
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Pescador De Histórias - Rogério Corrêa
ROGÉRIO CORRÊA
PESCADOR DE HISTÓRIAS
1ª Edição
Brasília, DF
ICEIB
2019
Símbolo do ICEIBCopyright © 2019 by Rogério da Silveira Corrêa
Instituto Cultural de Escritores do Brasil — Instituto ICEIB.
Contato com o autor: rogerioscorrea@gmail.
Capa: iD Impress
Revisão: Maria DSA - [email protected]
A reprodução parcial ou total desta obra, por qualquer meio, somente será permitida com a autorização por escrito do autor (Lei 9.610, de 19/03/1998).
Catalogação na Fonte: Maria Isabel Schiavon Kinasz (CRB 9/626)
Corrêa, Rogério
C824 Pescador de histórias / [recurso eletrônico] / Rogério Corrêa – 1.ed. / - Brasília, DF: ICEIB, 2019.
1.172 Kb.
ISBN 978-85-67550-33 6
1. Literatura brasileira. 2. Pesca – Brasil. 3. Meio
Ambiente – Proteção. 4. Caça – Brasil. I. Título.
CDD B 869.1 (22.ed)
CDU 860.9(81)-1
Agradecimentos
Agradeço a todos que contribuíram para que esta obra fosse concluída, relatando experiências próprias ou histórias acontecidas com pessoas suas conhecidas.
Rogério Corrêa
Nota do Autor
Quando se fala em pescadores e caçadores muitos pensam que eles incrementam as suas histórias, que são mentirosos ou que inventam certas situações para contar vantagem.
Admito que alguns causos que ouvi são difíceis de acreditar, porém, alguns episódios estranhos já aconteceram comigo, e, se eu os contasse, algumas pessoas poderiam duvidar ou dizer que são histórias de pescador
, o que é uma expressão eufêmica para a palavra mentira.
É notório que quando estamos pescando, em noite escura ou antes do amanhecer, qualquer barulho pode nos assustar. Apesar disso, em alguns casos, nesses horários é que os grandes peixes abocanham as iscas dos anzóis e saem loucos, muitas vezes as linhas não suportam a força do peixe, os anzóis abrem ou até mesmo a vara é arrancada das mãos do pescador.
Acredito que devido a essas experiências, com o passar dos anos, alguns peixes/animais ficam mais ariscos. Nesse sentido, penso que alguns peixes têm a capacidade de assimilar certas situações as quais acabam ajudando a que eles não sejam capturados com tanta facilidade. Existem também alguns indivíduos[1] que são capturados várias vezes. Mesmo tendo sido utilizandos os mesmos princípios, eles não aprenderam a diferenciar os apetrechos/iscas/técnicas utilizadas pelo pescador. Partindo desse princípio, parece válido deduzir que não é o pescador que está mentindo sobre o maior dos peixes ter escapado, mas sim que esse pescador quase pescou um peixe muito esperto
, que o ludibriou ou que o equipamento/apetrechos utilizados não suportaram a força do grandalhão!
Enfim, para fazer este trabalho entrevistei[2] pessoas de vários locais, no intuito de que seus causos inusitados fossem repassados para você e futuras gerações. Neste livro também falarei sobre a importância da preservação do meio ambiente, a pesca e a caça no Brasil.
1º Capítulo
HISTÓRIAS
DE
PESCADORES
Passam as pescarias e permanecem as
lembranças delas, por toda a nossa vida!
Rogério Corrêa
Uma grande sucuri tombou a canoa
Assis narrou que o pai dele, falecido há 30 anos, gostava muito de contar histórias das pescarias e caçadas que fizera. De acorco com Assis, seu pai gostava muito de pescar de canoa com celibrim[3].
Para praticar esse tipo de pescaria noturna usavam-se uma canoa a motor, um celibrim e cabo com fisga na ponta. Essa fisga possuía uma longa corda amarrada nela e em uma boia. Caso o peixe fosse muito grande e eles não conseguissem segurá-lo eles o deixavam ir embora e o encontravam pela boia.
Sempre pescava com seu compadre. O ajustado era que ele ficava na fisga e o compadre no motor. Naquela época havia tanto peixe que eles sempre escolhiam os que fisgavam. Em pouco tempo pegavam a quantidade suficiente e voltavam para casa.
Era normam se depararem de vez em quando com jacarés e sucuris, pois existiam muitos animais e peixes naquela época. Seu compadre tinha recebido um pedido de capturar uma sucuri para fazer remédio caseiro.
Seguiram para o rio que era fundo e com muitas corvarias na beira e no fundo d’água. A pescaria estava boa e já tinham pegado muitos peixes, mas nenhuma sucuri apareceu. Ao chegarem perto de uma grande corvaria seu pai avistou o rabo de uma debaixo da corvaria, e o compadre já foi falando.
— Pega ela, pega ela!
─ Compadre, é melhor não, pois pela grossura do rabo, ela parece ser imensa. A gente não tá vendo o restante dela.
─ E daí se ela realmente for muito grande? A gente pega assim mesmo!
— Mas compadre, a gente não tá vendo o resto do bicho, e pegar isso pelo rabo não vai dar certo.
— Pega ela logo!
O pai dele lançou a fisga na enorme cobra, acertando-a, e a bicha ficou doida e começou a fazer um estardalhaço. Não demorou muito e a fisga saiu do cabo. O que eles não contavam é que a boia e a corda se enroscasse no banco da canoa. Quando isso aconteceu, com poucos puxões a sucuri conseguiu virar a embarcação. Ao perceberam que a canoa ia virar, eles pularam no rio rapidamente e saíram nadando do outro lado. Foi aquele sufoco, pois ficaram sem os peixes, bateria e lanternas, além de terem que caminhar por muito tempo na beira do rio, em noite sem lua, até chegarem ao carro, além de terem passado um grande susto.
No outro dia chamaram alguns amigos e foram ao local para retirar a canoa. A água estava limpa e isso facilitou a quel eles encontrassem todo material. A sucuri conseguira escapar e nunca mais a viram. Ficaram somente com o prejuízo de ter que refazer o motor da canoa e comprar uma nova bateria. Igualmente, a experiência de nunca mais fisgar uma sucuri pelo rabo antes de saber o tamanho. De fato, reza o bom senso, que capturar cobras é má ideia.
Pescaria de traíras no rio Carinhanha
Um pescador conhecia uma fazenda no rio Carinhanha que fica na divisa de Minas Gerais com a Bahia e possui quase 6 mil alqueires de terras arenosas, quase toda improdutiva. O proprietário era um homem que morava sul e passava anos sem ir à localidade, pois tinha somente uma sede simples e algumas criações que o caseiro tomava conta.
Esse pescador insistiu com cinco amigos dele, dizendo que naquele rio tinha muitos peixes e que não precisavam levar a canoa, pois ela estava guardada lá. Esses amigos moram em Brasília e resolveram fazer a tal pescaria.
Em uma quinta-feira santa, por volta das 7 horas da noite, saíram de viagem em dois carros, e um deles era um veículo Pampa, que levava o motor, algumas caixas com bastante gelo, muitas caixas de cerveja, e as outras coisas foram em um carro de passeio
Essa fazenda não é muito longe do Distrito Federal, porém, o problema era o difícil acesso. Ao chegar em Minas Gerais não andaram muito e iniciaram o trajeto por estrada de chão. Andaram uns 80 quilômetros em uma região em que a vegetação foi mudando pouco a pouco, por ser bem árida e arenosa. Entraram em uma estrada secundária e seguiram viagem. Algum tempo depois, quem conhecia o lugar, afirmou que estava perto.
O problema começou logo após ele falar aquilo! Realmente estava perto, porém, por ter muita areia e os carros estarem muito pesados eles não conseguiam andar sozinhos, atolavam com frequência. Foi aí que eles começaram a penar, porque uns tinham de sair dos carros para empurrar, enquanto outros dirigiam, e isso foi assim por uns quinhentos metros com cada carro, ou seja, empurravam um, depois voltavam pra empurrar o outro.
O episódio se deu em vários trechos e, para percorrerem poucos quilômetros, gastaram várias horas. Quando o dia estava amanhecendo, chegaram na tal fazenda.
O caseiro estava tirando leite para fazer um pequeno queijo, e o restante do leite era para subsistência e tratar dos cachorros. Era uma casa simples e sem energia elétrica; utilizavam lamparina para iluminar a casa. Aquele senhor e sua esposa eram sorridentes, alegres e muito prestativos, fato que os marcou.
Conversaram com ele um pouquinho e seguiram para o ponto onde a canoa estava. Ao chegarem ao local, enquanto três deles desciam tudo dos carros, os outros dois foram buscar a canoa e colocar o motor nela. Mesmo sabendo que o dia desfavorece a pescaria, os peixes com fisga acabaram levando, pois, uma pessoa precavida vale por duas. Colocaram a canoa na água, instalaram o motor e seguiram navegando em uma vereda por uns 80 metros até chegar ao rio.
O rio Carinhanha, naquele ponto, não é grande, porém tinha a água tão límpida que dava para ver o fundo de cascalho e de areia fina. Viam muitas piabas, timburés e piaus em abundância, nadando por todos lados. De início eles estavam apenas testando o motor, porém por sorte avistaram um trairão encostado perto de um tronco de árvore e eles o capturaram.
Ao chegarem com aquela traíra de uns 5 quilos, todos ficaram animados, por saberem que, se durante o dia conseguiram pescar um peixe daqueles, quanto mais a noite. Era uma traíra amarelada, diferente das que eles conheciam. Devido ao rio ter muita areia e cascalho, elas desenvolveram uma coloração mais clara. Preparam a traíra e fizeram ela toda ao molho para o café da manhã. Antes mesmo de terminarem o molho, alguns começaram a beber cerveja.
Enquanto eles limpavam o peixe, avistaram na vereda, naquela água límpida, muitas piabas e piaus. Os dois amigos resolveram pescar de anzol, só que não tinham levado iscas. Pretendiam arrancar minhocas no barranco do rio próximo à vereda. Visando uma pescaria rápida, resolveram picar um pedaço de carne de vaca em pedacinhos bem pequenos e tentar a sorte.
Cada vez que jogavam a isca dentro da água, pegavam um peixe. Fisgaram muitas piabas do rabo vermelho e alguns piaus. Resolveram mudar de lugar. Ao chegarem a um poço maior, viram que tinha muitos piau-três-pintas de tamanhos variados. Novamente jogaram o anzol na água e começaram a fisgar piaus com mais de um palmo de tamanho, um após o outro. Em menos de três horas conseguiram pegar um balde de 20 litros quase cheio, e pararam.
Mais tarde, limparam e prepararam todos aqueles peixes, temperaram alguns e fizeram aquela fritada.
Lembre-se de que era sexta-feira da paixão, naquela região estava muito quente, e eles transpiravam muito. No entanto, aquele calor todo não os incomodava, porque estavam adorando a pescaria à beira do rio e na vereda. Já tinham esquecido o quanto penaram, empurrando os carros na chegada até ali, e nem pensavam no retorno.
Após anoitecer, três dos amigos foram pescar de cilibrim e fisga. No início, eles pegaram algumas bicudas (curimatãs), depois resolveram deixar de pegá-las por estarem encontrando muitas traíras, enquanto subiam o rio. Os outros dois amigos ficaram se esbaldando no acampamento de tanto comerem peixes fritos e de tomar cervejas.
Lá pelas três e meia da madrugada, os amigos que estavam pescando retornaram para o acampamento e acordaram os outros pra ajudar a limpar os peixes e colocá-los no gelo. Ao verem a quantidade de traíras que tinham sido pescadas, um deles perguntou:
— Só tem traíra nesse rio?
— Claro que não, porém, por ser um peixe muito saboroso e a maioria delas terem de dois a cinco quilos, resolvemos pegá-las, em vez de bicudas ou piaus. Chegaram a pegar dois pacus e poucas bicudas, mas a maioria foram traíras grandes que deram para encher uma caixa de 170 litros de isopor.
Ainda bem que pegaram aquele tanto de peixes na primeira noite, porque nos outros dias começou a chover durante a tarde e a noite e não tiveram mais como pescar de fisga.
Pela manhã, os que gostavam de pescar de anzol continuaram pegando piabas e piaus na vereda e no rio. Também beberam bastante cerveja para alegrar a estadia naquele paraíso que parecia ter sido extraído do livro Grande sertão: veredas
, de João Guimarães Rosa. Uma paisagem linda, e ao mesmo