Imposto Sobre Grandes Fortunas
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Imposto Sobre Grandes Fortunas - Toni Pinto Oliveira
CAPÍTULO 1
DO IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS
O Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF – no ordenamento jurídico brasileiro, que antes quedava-se olvidado, com projetos de leis engavetados no Congresso Nacional, após o início da pandemia do coronavírus no ano de 2020, o imposto retornou como objeto de debates não somente no cenário brasileiro, mas também em países vizinhos, a exemplo da Argentina como veremos adiante.
No Brasil, apesar da previsão constitucional, o imposto nunca fora regulamentado, e sempre é objeto de intensos debates no que tange ao conceito de grandes fortunas
, base de cálculo e alíquotas.
Assim, com o fito de estruturar melhor, o presente capítulo tem a proposta de apresentar o conceito, as características, o histórico e os princípios constitucionais e tributários que possibilitariam a regulamentação e efetivação do imposto que traz ínsita a ideia de um instrumento a serviço da equidade tributária e da justiça social.
No ponto, faz-se necessário observar as consequências de ordem social, política e econômica que a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas pode gerar no Brasil, sobretudo por se tratar de um país grande em território e população, que ainda se revela com imensas disparidades sociais e econômicas.
Assim, a intenção da presente pesquisa, sob a perspectiva do cenário pós-pandêmico, sem deixar de lado o contexto histórico nacional e internacional de implementação do IGF, é demonstrar a viabilidade de regulamentação do imposto como manifestação da equidade tributária, o que passamos a fazer.
1.1. IGF: Conceitos e características
A Constituição de 1988 traz em seu texto constitucional a base do sistema tributário brasileiro, de modo que, toda e qualquer norma tributária deve sempre, sob pena da mácula da inconstitucionalidade, se ater aos comandos e princípios constitucionais.
Nessa extensão, o Código Tributário Nacional define o conceito de imposto, em seu artigo 16, como tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
Significa dizer, o imposto é espécie de tributo, que pressupõe a ocorrência de um fato gerador alheio a qualquer atividade correspectiva do poder público. Nesse sentido, leciona Hugo Machado de Brito³:
Recorde-se que a obrigação tributária em geral – vale dizer, a obrigação de pagar tributo – tem como fato gerador a situação prevista em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência, isto é, uma situação que basta, e é indispensável, ao nascimento dessa obrigação.
Tratando-se de imposto, a situação prevista em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária não se vincula a qualquer atividade específica do Estado relativa ao contribuinte. Assim, quando o Estado cobra imposto de renda, por exemplo, toma em consideração, exclusivamente, o fato de alguém auferir renda. Não importa que o Estado tenha, ou não, prestado algum serviço, executado alguma obra ou desenvolvido alguma atividade relacionada com aquele de quem vai cobrar o imposto.
Depreende-se, portanto, que o próprio conceito de imposto já preceitua que se trata de espécie tributária não vinculada, calcada na vedação constitucional do artigo 167, cuja redação fora alterada pela EC n. 42/2003:
Art. 167. São vedados:
(...)
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;
Observa-se, pois, que o texto constitucional atual atrelou a regra de não afetação ou não vinculação somente aos impostos, diversamente do que previa a Constituição Federal de 1967 (art. 62, §2º) que determinava a vedação a todos os tributos.⁴
A partir dessas premissas, passamos ao estudo específico do IGF.
No Brasil, o Imposto sobre Grandes Fortunas tem sua gênese na Carta de 1988, precisamente no art. 153, inciso VII, in verbis: "Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar."
Partindo de um contexto macro, o Imposto sobre Grandes Fortunas traz a ideia de um instrumento que, além servir para a finalidade arrecadatória do Estado, seja capaz de promover equidade tributária e colaborar para a efetivação de uma justiça social.
Percebe-se, portanto, que é um imposto carregado de ideologia e finalidade sociológica desde sua criação na Assembleia Nacional Constituinte⁵.
À época, houve os que defendiam a instituição do referido imposto como instrumento de política econômica que seria capaz de diminuir a desigualdade social no país, ao tributar a parcela da população que era titular de grandes fortunas. Doutra margem, houve os que salientaram que a criação de um novo imposto elevaria ainda mais a alta carga tributária do país e oneraria ainda mais as classes média e pobre do país, considerando que, no final, isto seria, infelizmente, repassado de forma indireta nos preços para os mais pobres.
Veja, pois, que os mesmos argumentos são debatidos até hoje quando a pauta é a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas.
Em que pese sua previsão constitucional desde a promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, o IGF é o único imposto que ainda não fora implementado no país.
A partir da leitura do art. 153, VII da Carta Política, é possível extrair três principais características ou requisitos exigidos pelo constituinte originário para regulamentação do IGF.
O primeiro diz respeito à competência para a instituição do imposto, que está expressamente definida como competência da União.
O segundo requisito refere-se à necessidade de edição de lei complementar para implementação do imposto.
Por último, o requisito que é o cerne de todos os debates acerca da regulamentação do IGF, é a definição do que pode ser considerado grandes fortunas
. Observa-se que, apesar da previsão constitucional para a instituição do imposto, o constituinte originário não trouxe a definição de grandes fortunas, nem tampouco os parâmetros a serem utilizados pelo legislador infraconstitucional para fazê-lo.
Não obstante os entraves de ordem conceitual e técnica, a não instituição do imposto encontra óbice também de ordem política, conforme ressalta Hugo de Brito Machado⁶:
A Constituição Federal de 1988 atribui à União competência para instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar (art. 153, VII). Não obstante, até agora esse imposto não foi instituído, nem editada lei complementar para definir o que se deve entender como grande fortuna
. É caso raro de competência tributária não exercitada, e a razão para essa inércia do legislador é exclusivamente política.
(...)
O verdadeiro motivo da não instituição do imposto sobre grandes fortunas é de ordem política. Os titulares de grandes fortunas, se não estão investidos de poder, possuem inegável influência sobre os que o exercem.
Em suma, tem-se que o conceito e as características do Imposto sobre Grandes Fortunas estabelecidos na Carta de 1988 são genéricos e apenas dão ao ente político – União – o poder para exercer sua competência tributária.
Noutras palavras, a implementação do IGF exigiria, além do exercício do poder outorgado pela Constituição à União no que tange à competência tributária, a definição de grandes fortunas
a partir de uma ótica econômica, financeira e social.
Em tempo, conforme será demonstrado no item 1.4 do presente trabalho, o Direito Comparado pode servir de instrumento tanto na análise do impacto econômico, como social, após a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas nos países europeus e latino-americanos que o implementaram.
1.1.2 O alto grau de subjetividade da expressão grandes fortunas
A definição de grandes fortunas
gera intensos debates, principalmente, sobre dois grandes aspectos: qual o montante do patrimônio líquido que pode ser considerado uma grande fortuna, e quais os bens integram o patrimônio cujo imposto incidirá: somente patrimônio líquido ou também sobre os bens móveis e imóveis.
A dissensão acerca da definição do conceito de grandes fortunas decorre do alto grau de subjetividade da expressão, questionamento que fora colocado em pauta desde a criação do imposto no âmbito de discussão da Assembleia Nacional Constituinte, em abril de 1987⁷, cujo trecho, à título de curiosidade histórica, colacionamos a seguir:
[Constituinte Antônio Mariz sugerindo a criação do IGF]
A emenda aditiva que venho aqui defender dirige-se ao art. 175, como foi enunciado pelo Sr. Presidente desta Comissão. Pretendo acrescentar ao final do dispositivo, após o inciso VI, um novo inciso, com a seguinte redação: grandes fortunas, nos termos deferidos em lei complementar.
A emenda cria um novo imposto sobre grandes fortunas, nos termos deferidos em lei complementar
. À primeira vista, poderia parecer que esta matéria fosse vencida em virtude da emenda anterior aqui defendida pelo Constituinte Plínio Arruda Sampaio. Na verdade, há uma diferença substancial entre a proposta que se votou ontem e esta. É que a anterior se referia a patrimônio líquido, Imposto sobre Patrimônio Líquido, mas sem estabelecer um teto para esse patrimônio líquido sobre o qual incidiria o imposto, o tributo ou o piso inferior abaixo do qual estivesse isento esse patrimônio.
Aqui, ao definirmos o imposto sobre grandes fortunas, estabelecemos instantaneamente um patamar conceitual que distingue perfeitamente os grandes patrimônios líquidos dos pequenos patrimônios líquidos. Essa diferença me parece essencial, exatamente porque evita, de antemão, que esse imposto incida sobre a classe média ou sobre os trabalhadores, para que não se verificasse uma distorção semelhante à que ocorreu com o Imposto de Renda, por exemplo, que hoje constitui mais de 50%, para ser exato, 56% das receitas públicas neste País, das receitas públicas federais. No entanto, estudos recentes, estatísticos e econômicos revelam que deste montante do Imposto de Renda, a maior parte é originária dos assalariados e dos trabalhadores autônomos pelas isenções abusivas que se concedem aos ganhos de capital. Ao definirmos, portanto, esse imposto como sobre as grandes fortunas, estamos criando um instrumento de política econômica de que se ressente o sistema tributário brasileiro.
[Constituinte João Menezes sobre a criação do IGF]
Vemos agora esta emenda do meu eminente colega Constituinte Antônio Mariz, em que S. Ex.ª quer acrescentar mais um imposto sobre grandes fortunas.
Primeiro, como é que vamos definir esse assunto de grande fortuna? Segundo, nós precisamos é ter mais dinheiro, precisamos dar condições para termos dinheiro para empregar e tirar este País da dificuldade e da miséria em que se encontra.
Veja, pois, que o imbróglio acerca da definição da expressão grandes fortunas
remanesce desde a criação da Carta Constitucional de 1988.
Infere-se, ainda, a partir do texto constitucional final, que o constituinte originário não se preocupou com a definição de grandes fortunas, nem tampouco deu ao legislador infraconstitucional instruções ou mecanismos para que pudesse regulamentar o imposto de modo efetivo para se alcançar o objetivo para o qual inicialmente fora criado – instrumento de promoção da equidade tributária e justiça social.
Decorre dessa ausência de definições e parâmetros, a existência de diversos projetos de lei complementar que tramitam na Câmara dos Deputados e Senado Federal hodiernamente acerca da regulamentação do IGF, onde se observam as inúmeras e divergentes proposições no que tange ao patamar a partir do qual um patrimônio será considerado grandes fortunas
e às alíquotas incidentes sobre o base de cálculo, dentre os quais citamos alguns a título exemplificativo:
– PLP 277/2008⁸ – em trâmite na Câmara dos Deputados – propõe a instituição do IGF sobre o patrimônio acima de R$ 2 milhões, com alíquotas progressivas que variam de 1% a 5%. O projeto considera fortuna a soma dos bens imóveis, direitos, e bens adquiridos do contribuinte.
– PLP 215/2020⁹ – em trâmite na Câmara dos Deputados – propõe a instituição do IGF com alíquota de 2,5% sobre o valor dos bens de pessoas físicas e jurídica que tinham patrimônio líquido superior a R$ 50 milhões. O novo imposto se aplicaria a imóveis para uso pessoal como residência ou lazer com valor acima de R$ 5 milhões; veículos que custem mais de R$ 500 mil; embarcações com valor superior a R$ 1 milhão e aeronaves com valor maior que R$ 5 milhões.
– PLP 101/2021¹⁰ – em trâmite no Senado Federal – propõe a criação do IGF com alíquotas que variam entre 0,5% e 5% sobre os patrimônios acima de R$ 4,67 milhões, com o objetivo de arrecadar recursos para o combate à pandemia de Covid-19.
Conclui-se, portanto, que o alto grau de subjetividade da expressão