Eu sou Ozzy: A autobiografia
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Sobre este e-book
As pessoas me perguntam como eu ainda estou vivo, e eu não sei o que dizer. Quando eu estava crescendo, se você me colocasse contra uma parede com os outros garotos da minha rua e me perguntasse qual de nós chegaria aos sessenta anos, com cinco filhos e quatro netos e casas em Buckinghamshire e Califórnia, eu não teria apostado dinheiro em mim – de jeito nenhum.
Mas aqui estou eu: pronto para contar minha história, com minhas próprias palavras.
Muito disso não vai ser bonito. Eu fiz algumas coisas ruins no meu tempo. Mas eu não sou o diabo. Sou apenas John Osbourne: um garoto da classe trabalhadora de Aston, que largou o emprego na fábrica e foi procurar diversão e criou uma banda chamada Black Sabbath.
Diziam que eu nunca escreveria este livro. Bom, que se fodam — porque aqui está ele.
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Eu sou Ozzy - Ozzy Osbourne
PARTE UM
No começo...
1
John, o Ladrão
Meu pai sempre disse que eu iria fazer algo importante algum dia. Sinto isso, John Osbourne
, ele me dizia, depois de algumas cervejas. Ou você vai fazer algo muito especial ou vai acabar na cadeia.
E ele estava certo, meu velho pai.
Fui parar na cadeia antes de completar dezoito anos.
Roubo — foi por isso que acabei lá. Ou, como estava escrito no documento de acusação: Invasão de domicílio e roubo de bens no valor de £25
. O que equivale a umas trezentas libras nos dias de hoje. Não foi exatamente o Assalto ao Trem Pagador, podemos dizer. Eu era um ladrão ruim pra caralho. Quis fazer o mesmo trabalho
várias vezes. Roubei uma loja de roupas chamada Sarah Clarke’s, na rua atrás da minha casa, em Aston. Na primeira vez, agarrei um monte de roupas penduradas em cabides e pensei: Maravilha, vou poder vender essas coisas no pub. Mas esqueci de levar uma lanterna e as roupas que roubei eram babadores e roupinhas de bebê.
Eu deveria ter tentado vender o cocô junto.
Assim, eu voltei. Dessa vez levei uma televisão de vinte e quatro polegadas. Mas a porra da TV era muito pesada e, quando estava tentando subir na parede de trás, ela caiu sobre meu peito e não consegui me mexer por quase uma hora. Fiquei deitado lá naquele lugar sujo, me sentindo um otário. Era como o Mr. Magoo drogado, isso sim. No final, consegui tirar a TV de cima de mim, mas tive de deixá-la ali.
Na terceira tentativa, consegui roubar umas camisas. Até tive a brilhante ideia de usar um par de luvas, como um verdadeiro profissional. O único problema era que uma das luvas não tinha o dedão, e assim deixei perfeitas impressões digitais por todos os lados. Os policiais vieram até minha casa uns dias depois e encontraram as luvas e minha pilha de mercadorias.Uma luva sem o dedão, hein?
, disse o policial, enquanto me algemava. Você não é exatamente um Einstein, né?
Mais ou menos uma semana depois, me levaram ao tribunal e fui multado em quarenta libras pelo juiz. Era mais do que já tinha ganho em toda a minha vida. Nunca conseguiria pagar, a menos que roubasse um banco... ou que meu pai me emprestasse. Mas o velho não quis me ajudar.
— Ganho um salário honesto — ele falou. — Por que deveria lhe dar esse dinheiro? Você precisa aprender essa lição.
— Mas pai...
— É para seu próprio bem, filho. Fim da conversa.
O juiz me sentenciou a três meses em Winson Green por falta de pagamento da multa
.
Quase caguei nas calças quando me contaram que ia para a prisão, para ser honesto. Winson Green era uma antiga instituição correcional vitoriana, que fora construída em 1849. Os presos eram conhecidos por sua violência. Na verdade, o inspetor-chefe das prisões de todo o país afirmou, mais tarde, que Winson Green era o buraco mais violento, fedido e desregrado que já tinha visto. Eu implorei para meu pai pagar a multa, mas ele continuou dizendo que ficar preso talvez enfiasse um pouco de bom senso em mim.
Como a maioria dos jovens que começam no crime, eu só queria ser aceito por meus amigos. Achei que seria legal me tornar um cara mau, então foi o que tentei ser. Mas logo mudei de ideia quando entrei em Winson Green. Na recepção, meu coração estava batendo tão alto e rápido que achei que ia pular do peito e cair no chão de concreto. Os policiais esvaziaram meus bolsos e colocaram todas as minhas coisas num saco plástico — carteira, chaves, cigarros —, e riram muito do meu cabelo comprido.
— Os rapazes do Bloco H vão amar — um deles sussurrou para mim. — Divirta-se no chuveiro, docinho.
Não tinha ideia do que ele queria dizer. Mas logo descobri.
A menos que sua ambição seja trabalhar numa fábrica, se matar no turno noturno de uma linha de montagem, não há muito mais para fazer em Aston. Os únicos empregos que existem estão nas fábricas. E as casas não têm banheiro interno, além de estarem caindo aos pedaços. Como muitos tanques, caminhões e aviões foram feitos nas Midlands durante a guerra, Aston foi muito atacada durante a Blitz. Em cada esquina, quando eu era criança, havia lugares bombardeados
— casas que tinham sido destruídas pelos alemães quando estavam tentando acertar a fábrica Castle Bromwich Spitfire. Durante anos, achei que lugares bombardeados
era o nome que se dava aos playgrounds.
Nasci em 1948 e cresci no número 14 de uma fileira de casas geminadas em Lodge Road. Meu pai, John Thomas, era mestre ferramenteiro e trabalhava à noite na GEC, em Witton Lane. Todos o chamavam de Jack, pois, por alguma razão, este era um apelido comum para John, na época. Ele sempre me contava sobre a guerra — como quando estava trabalhando em King’s Stanley, Gloucestershire, no começo dos anos 40. Toda noite, os alemães bombardeavam toda a porra de Coventry, que ficava a uns oitenta quilômetros. Lançavam explosivos e minas com paraquedas, e a luz dos incêndios era tão forte que meu pai conseguia ler o jornal durante o blecaute. Quando eu era criança, nunca entendi realmente como tudo aquilo deve ter sido difícil. Imaginem isso: as pessoas iam dormir à noite sem saber se suas casas estariam de pé na manhã seguinte.
A vida depois da guerra não era muito mais fácil, podem acreditar. Quando meu pai chegava em casa de manhã, após uma noite de trabalho na GEC, minha mãe, Lillian, começava seu turno na fábrica Lucas. Era uma rotina destruidora de merda, todo dia. Mas nunca ouvi nenhum dos dois reclamando.
Minha mãe era católica, mas não muito religiosa. Nenhum Osbourne frequentava a igreja — apesar de eu ter ido durante um tempo à escola dominical da Igreja Anglicana, porque era a única merda que tinha para fazer e eles davam chá e biscoitos de graça. Todas aquelas manhãs lendo as histórias da Bíblia e desenhando o Menino Jesus não me ajudaram em nada. Não acho que o padre sentiria orgulho desse ex-aluno, digamos.
Domingo era o pior dia da semana para mim. Eu era do tipo de garoto que sempre queria se divertir e não havia muito a fazer em Aston. Só o céu cinzento, pubs nas esquinas e pessoas que pareciam doentes de tanto trabalhar como animais na linha de montagem. Havia muito orgulho por ser parte da classe trabalhadora. As pessoas até colocavam aqueles tijolos de pedra falsos na parte de fora das casas, para parecer que estavam vivendo na porra do Castelo de Windsor. Só faltava o fosso e a ponte levadiça. A maioria das casas era geminada, como a nossa, de modo que a fachada de uma terminava onde começava a da outra. Era muito feio.
Eu era o quarto filho e o primeiro homem. Minhas três irmãs mais velhas eram Jean, Iris e Gillian. Não sei quando meus pais encontravam tempo para transar, mas não demorou para eu ter outros dois irmãos mais novos, Paul e Tony. Então, éramos seis na Lodge Road 14. Era um pandemônio. Como disse, não havia banheiro dentro da casa, no começo, só um penico embaixo da cama. Jean, a mais velha, acabou tendo um quarto próprio, num anexo ao fundo. O resto de nós precisava compartilhar, até Jean crescer e se casar, quando o seguinte na linha sucessória ocupou seu lugar.
Eu tentava ficar fora do caminho das minhas irmãs na maior parte do tempo. Elas estavam sempre brigando, como as meninas fazem, e eu não queria ser pego no fogo cruzado. Mas Jean sempre se esforçou por cuidar de mim. Ela funcionava quase que como outra mãe. Até hoje em dia conversamos por telefone todo domingo, não importa onde eu esteja.
Não sei o que teria feito sem Jean, para ser honesto, porque eu era muito nervoso. O medo do desastre iminente sempre dominou minha vida. Eu me convenci de que, se pisasse nas rachaduras que havia na calçada enquanto voltava para casa, minha mãe morreria. E quando meu pai estava dormindo durante o dia, eu começava a achar que ele estava morto e tinha de cutucá-lo para ter certeza de que ainda estava respirando. Ele não gostava nem um pouco disso, posso garantir. Mas todas essas coisas loucas ficavam girando na minha cabeça.
Eu sentia medo a maior parte do tempo.
Até mesmo minha primeira lembrança é de medo. Era 2 de junho de 1953: Dia da Coroação da Rainha Elizabeth. Naquela época, meu pai adorava Al Jolson, a estrela de vaudeville norte-americana. Meu velho cantava as músicas de Jolson pela casa, repetia as piadas dele, até se vestia como ele quando podia.
E Al Jolson era mais famoso por essas apresentações com o rosto pintado de negro — o tipo de coisa politicamente incorreta, como dizem hoje. Então meu pai pediu para minha tia Violet fazer um par de ternos para que eu e ele usássemos durante as comemorações da Coroação. Eram ótimos, esses ternos. A tia Violet até nos conseguiu chapéus e gravatas combinando, além de bengalas vermelhas e brancas. Mas quando meu pai desceu com o rosto pintado de negro, eu fiquei completamente louco. Comecei a gritar e chorar: "O que você fez com ele? Devolva meu pai!". Não parei até alguém explicar que ele só estava usando cera de sapato. Aí tentaram colocar um pouco em mim e eu voltei a ficar doido. Não deixei colocarem nada em mim. Achei que ia ficar grudado para sempre.
— Não! Não! Não! Nãoooooo! — gritava.
— Não seja tão medroso, John — disse meu pai.
— Não! Não! Não! Nãoooooo!
Mais tarde descobri que a loucura é de família. Minha avó por parte de pai tinha transtorno de personalidade limítrofe. Louca de pedra. Ela batia em mim o tempo todo, sem motivo. Tenho essa lembrança de receber seus tapas. E também havia a irmã mais nova da minha mãe, tia Edna, que se suicidou pulando num canal. Ela simplesmente saiu do hospital psiquiátrico um dia e decidiu se jogar num canal. Minha avó por parte de mãe também era um pouco doida. Ela tinha as iniciais de meu avô —A. U., de Arthur Unitt — tatuadas no braço. Penso nela toda vez que vejo uma dessas garotas lindas na TV com tinta por todo o corpo. Parece legal quando você não tem compromissos, mas, pode acreditar, não é nem um pouco divertido quando se é avó e está tentando fazer seu neto dormir com uma adaga e duas cobras no bíceps. Mas ela não se importava nem um pouco. Minha avó chegou até os noventa e nove anos. Quando comecei a beber muito, ela me batia na bunda com um jornal enrolado e dizia: Você está ficando muito gordo! Pare de beber! Você fede como um maldito bêbado!
. Mesmo assim, eu a adorava.
Meus pais eram relativamente normais, em comparação. Meu pai era rígido, mas nunca me bateu ou me deixou trancado no porão, nem nada do estilo. O pior que poderia fazer passar era ganhar um tapa se fizesse algo de errado, como quando tentei acertar o joelho do meu avô com o atiçador quente da lareira enquanto ele dormia. Mas meu pai brigava muito com minha mãe e mais tarde descobri que batia nela. Ela o denunciou, uma vez, aparentemente, mas eu não fiquei sabendo de nada na época. Eu os ouvia gritando, mas nunca soube por que brigavam — dinheiro, acho. Entendam, ninguém que vive no mundo real passa o tempo todo falando: Oh, claro, querida, entendo, vamos conversar sobre nossos‘sentimentos’, la-la-cacete-la-ra
. As pessoas que dizem que nunca brigaram vivem em outra porra de planeta. E casamento era algo diferente naqueles dias. Não posso nem imaginar o que devia ser, trabalhar a noite toda enquanto sua esposa trabalha todo dia e não ter nenhum centavo.
Ele era um cara bom, meu velho: simples, antiquado. Fisicamente, era forte como um peso-pena e usava esses óculos grossos e negros. Costumava me dizer: Você pode não ter uma boa educação, mas boas maneiras não custam nada
. E praticava o que falava: ele sempre dava seu assento para uma mulher no ônibus ou ajudava uma senhora a cruzar a rua.
Um homem bom. Eu realmente tenho saudades dele.
Mas consigo ver agora que era um pouco hipocondríaco. Talvez tenha me passado isso. Sempre tinha algum tipo de problema com a perna. Sempre tinha faixas enroladas em alguma parte do corpo, o tempo todo, mas nunca ia ver um médico. Preferia cair morto a ir ao médico. Tinha pavor deles, como muita gente na mesma idade. E nunca tirava folga do trabalho. Se ficasse em casa por doença, era porque já precisávamos chamar o agente funerário.
Uma coisa que não herdei do meu pai foram meus vícios. Meu pai tomava umas cervejas quando saía, mas não bebia em excesso. Costumava gostar da Mackeson Stout, acima das outras. Ia ao clube dos trabalhadores, rir com os amigos da fábrica, e voltava cantando Show Me the Way to Go Home
. E era tudo. Eu nunca o vi caído no chão, mijando nas calças ou vomitando na casa. Ele só ficava alegre. Às vezes, eu ia com ele ao pub nos domingos, ficava brincando na rua e ouvia como cantava. E pensava: Puta merda, aquela limonada que meu pai está bebendo deve ser maravilhosa... Eu tinha uma imaginação incrível. Passei anos me perguntando como deveria ser o gosto da cerveja, até que finalmente bebi um pouco e pensei: Mas que merda é essa? Meu pai nunca beberia isso! Mas logo descobri como ela podia mudar suas sensações e sempre adorei qualquer coisa que pudesse mudar a forma como eu me sentia. Quando fiz dezoito anos, conseguia tomar uma caneca em cinco segundos.
Meu pai não era o único na nossa família que gostava de cantar quando tinha tomado umas cervejas. Minha mãe e minhas irmãs também. Jean vinha para casa com esses discos de Chuck Berry e Elvis Presley, e todos aprendiam as músicas e organizavam esses pequenos shows familiares nos sábados à noite. Minhas irmãs até conseguiam fazer umas harmonias estilo Everly Brothers. A primeira vez que me apresentei foi numas dessas festas dos Osbournes. Cantei Living Doll
, de Cliff Richard, que tinha ouvido no rádio. Nunca, nem em um milhão de anos, pensei que teria uma carreira como cantor. Não imaginei que isso fosse possível. Para mim a única forma de conseguir algum dinheiro era trabalhar numa fábrica, como todo mundo em Aston. Ou roubar a porra de um banco.
E isso não era algo completamente fora de questão.
Ser criminoso aconteceu de forma natural. Eu até tinha um cúmplice — um menino na minha rua chamado Patrick Murphy. Os Murphys e os Osbournes eram amigos, apesar de os filhos deles serem verdadeiros católicos e estudarem em outra escola. Começamos a roubar maçãs, Pat e eu. Não as vendíamos — simplesmente comíamos porque tínhamos fome. De vez em quando, pegávamos alguma podre e cagávamos durante dias. Não muito longe de onde vivíamos, havia um lugar chamado Trinity Road, que dava para uma rua lateral, então era possível se encostar numa parede, transformar sua camisa numa espécie de rede e enchê-la com maçãs das árvores do outro lado. Uma vez, eu estava parado no muro parecendo um ladrão de maçãs grávido e o dono da terra soltou dois pastores alemães em cima de mim. Eles correram e eu caí de cabeça, dentro do pomar. Em segundos, meu olho inchou e ficou parecendo um balão preto. Meu velho ficou louco quando cheguei em casa. Aí fui até o hospital e o médico me deu outra bronca.
Isso não nos impediu de continuar, no entanto.
Depois das maçãs, passamos a roubar os parquímetros. E pequenos roubos em lojas. Meus pais tinham seis filhos e pouco dinheiro, e quando se está nesse tipo de situação desesperada, você faz o que for preciso para conseguir a refeição seguinte. Não tenho orgulho do que fiz, mas não sou um desses caras que dizem: Oh, estou bem agora, tenho muito dinheiro, só quero esquecer meu passado
.
É a base de quem sou.
Outro esquema que montamos foi parar do lado de fora do estádio do Aston Villa em dias de jogos e cobrar meio shilling dos fãs para cuidar
dos carros. Todos deixavam os carros destrancados naquele tempo, assim, durante o jogo entrávamos neles só para zoar.Às vezes, tentávamos ganhar um extra lavando-os. Era um plano brilhante até decidirmos lavar o carro de um pobre fodido com uma esponja de aço. Metade da pintura tinha desaparecido quando terminamos. O cara ficou puto da vida.
Eu não era um cara mau, apesar de querer ser. Só era um garoto tentando ser aceito pelas gangues locais. Costumávamos inventar ótimas brincadeiras, eu me lembro. Uma rua lutava contra a outra, jogando pedras e usando tampas de latas de lixo como escudos, como se fossem gregos contra romanos ou algo do gênero. Foi divertido até que alguém tomou uma pedrada na cara e precisou ir ao hospital com o sangue saindo do olho. Fazíamos jogos de guerra, também, e nossas próprias bombas: eu comprava um penny em bombinhas, tirava a pólvora, amassava um lado de um tubo de cobre, fazia um buraco no meio, enchia de pólvora, dobrava o outro lado, aí tirava o estopim de uma das bombinhas e colocava no buraco. Aí, só precisava acender o estopim e sair da frente, rápido.
Bang!
He-he-he.
Nem tudo que fazíamos era louco como essas bombas, mas a maior parte era bastante perigosa.
Pat e eu construímos um refúgio embaixo da terra uma vez, feito de argila da beira do rio. Colocamos uma cama velha ali e pedaços de madeira, também havia um buraco no teto para uma chaminé. Perto dali havia esses tambores de petróleo enferrujados e arrancamos um pedaço de metal ondulado que serviu perfeitamente como trampolim — Boing! — íamos parar no teto do refúgio. Fizemos isso por semanas até que um dia eu caí dentro do buraco da chaminé e quase quebro o pescoço.
Pat achou que eu ia morrer.
Os lugares bombardeados eram os melhores, no entanto. A gente ficava zoando durante horas, construindo coisas com o lixo, destruindo outras, acendendo fogueiras. E estávamos sempre procurando por tesouros... nossa imaginação era doida. Havia também várias casas vitorianas abandonadas para brincar, porque estavam quase reconstruindo Aston na época. Eram casas antigas magníficas — três ou quatro andares — e dava para fazer todo tipo de merda nelas. Comprávamos uns cigarros baratos e íamos a algum quarto da casa bombardeada, para fumar. Woodbine ou Park Drive — eram nossas marcas favoritas. A gente ficava sentado na sujeira e na poeira, fumando um cigarro e respirando aquela fumaça grossa e amarela de Birmingham, ao mesmo tempo.
Ah, que tempo bom.
Eu odiava a escola. Odiava.
Ainda consigo lembrar meu primeiro dia no Prince Albert Juniors em Aston: tiveram de me arrastar até lá pelo colarinho, porque eu chutava e chorava muito.
A única coisa que queria da escola era que o sinal tocasse às quatro da tarde. Eu não conseguia ler direito, por isso não tinha boas notas. Nada entrava na minha cabeça e não conseguia entender por que meu cérebro era um pedaço inútil de geleia. Eu olhava para a página de um livro e era como se tudo estivesse escrito em chinês. Sentia que não era bom em nada, como se fosse um desastre. Só com trinta anos descobri que tinha dislexia, além de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Ninguém sabia dessas coisas na época. Estava numa classe com quarenta crianças e, se não entendesse, os professores não tentavam ajudar — eles o deixavam de lado. Foi o que aconteceu comigo. E quando eu precisava fazer alguma merda — como quando tinha de ler em voz alta — eu tentava divertir a classe. Pensava em todos os tipos de coisas doidas para fazer os outros rirem.
A única coisa boa da dislexia é que os disléxicos são normalmente pessoas muito criativas, ou foi o que me disseram. Pensamos de forma pouco convencional. Mas é um péssimo estigma para se carregar, não ser capaz de ler como as pessoas normais. Até hoje eu sinto falta de uma educação correta. Adoro livros, realmente. Ser capaz de se perder num livro é algo fenomenal. Todo mundo deveria ser capaz de fazer isso. Mas eu só consegui terminar poucos livros na vida. Muito raramente essa coisa na minha cabeça começa a funcionar e eu tento ler o máximo de livros que posso, porque ela para e volta a ser o que era, e eu termino sentado ali, olhando para o alfabeto chinês.
Desde que me lembro, as pessoas me chamavam de Ozzy
na escola. Não tenho ideia de quem inventou isso ou quando ou por quê. Acho que era só um apelido para Osbourne, imagino, mas combinava com minha personalidade de palhaço. Assim que o apelido pegou, só minha família mais próxima continuou me chamando de John. Nem eu reconheço meu nome, agora. Se alguém disser: Ei, John! Venha aqui!
, eu não olho.
Depois do Prince Albert Juniors, fui para Birchfield Road Secondary Modern, em Perry Barr. Eles tinham uniforme. Não era obrigatório, mas a maioria dos garotos usava, incluindo Paul, meu irmão mais novo, que se achava muito bom. Ele ia todo dia com o blazer, as calças de flanela cinza, a gravata e a camisa. Eu andava com minhas botas, jeans e um suéter fedido. O diretor, Sr. Oldham, me dava uma bronca sempre que me encontrava. John Osbourne, arrume-se, você é um desastre!
, gritava no corredor. Por que não pode ser mais parecido com seu irmão?
A única vez que o Sr. Oldham falou algo bom sobre mim foi quando contei que um dos meninos mais velhos tinha tentado matar o peixe da escola colocando Fairy Liquid no aquário. Ele até me elogiou em público. Por causa de John Osbourne
, ele disse, fomos capazes de deter o vilão responsável por esse ato cruel.
O que o Sr. Oldham não sabia era que tinha sido eu que havia tentado matar o peixe colocando Fairy Liquid no aquário — mas desisti no meio do caminho. Sabia que todos iam me culpar pelas bolhas no tanque, porque me culpavam por tudo, por isso pensei que, se acusasse outro primeiro, poderia me livrar. E funcionou.
Havia um professor de quem eu gostava: o Sr. Cherrington. Era fanático pela história local e uma vez nos levou a esse lugar chamado Pimple Hill, onde havia um velho castelo em Birmingham. Foi legal pra cacete. Ele falava de fortes, cemitérios e aparelhos de tortura medieval. Foi a melhor aula que já tive, mas não conseguia boas notas porque não conseguia anotar nada disso. O mais engraçado foi que a única matéria em que consegui boas notas em Birchfield Road foi trabalho com metal
. Acho que isso aconteceu porque meu pai era mestre ferramenteiro e era algo natural para mim. Eu até ganhei um primeiro prêmio numa competição com um fecho de metal para janelas. Isso não me impedia de continuar fazendo doideiras, no entanto. O professor, Sr. Lane, acabava me batendo na bunda com um pedaço de madeira gigante. Ele me batia tão forte que eu achava que minha bunda ia cair. O Sr. Lane era um cara legal, na verdade. Um terrível racista, no entanto. Puta merda, as coisas que ele dizia... iria para a cadeia se fosse agora.
Minha brincadeira favorita com o metal era pegar uma moeda e passar três ou quatro minutos esquentando-a com um maçarico, depois deixá-la em cima da mesa do Sr. Lane, para que ele visse e a pegasse, curioso.
Primeiro ouvia: Aiiiiiiiii!
. Depois: Osbourne, seu maldito!
. He-he-he.
O velho truque da moeda quente. Não tem preço, cara.
Fui perseguido por um tempo quando era mais jovem. Alguns meninos mais velhos costumavam esperar por mim a caminho de casa e puxar minhas calças, ficar zoando comigo. Eu devia ter uns onze ou doze anos. Era algo feio. Eles não queriam me foder ou mexer no meu pênis, nada disso — eram só garotos zoando com garotos —, mas eu ficava com vergonha e isso me deixava louco, porque não podia contar para meus pais. Havia muita provocação na minha família — o que é normal quando há seis crianças em uma pequena casa geminada —, mas isso significava que não havia ninguém a quem pedir ajuda. Parecia que tudo era culpa minha.
Pelo menos, isso me fez decidir que, quando crescesse e tivesse meus próprios filhos, eu diria a eles: Não tenham medo de contar seus problemas para mamãe e papai. Vocês sabem o que é certo e sabem o que é errado e se alguém mexer com partes do seu corpo, fizer coisas que vocês não gostarem, contem para a gente
. E acreditem, se eu descobrisse que algo estranho estava acontecendo com alguém da família, haveria muito sangue.
No final, acabei descobrindo um jeito de evitar esses valentões. Encontrei o cara mais forte da escola e comecei a fazer palhaçadas até ele rir. Ao fazer isso, o cara virou meu amigo. Era forte como um touro. Se alguém mexesse com ele, tomaria seu jantar de canudinho por um mês e meio. Mas, no fundo, era um gigante gentil. Os valentões me deixaram em paz depois que nos tornamos amigos, o que foi um alívio porque eu era tão ruim brigando quanto lendo.
Um cara na escola que nunca me bateu era Tony Iommi. Estava um ano na minha frente e todos o conheciam porque ele tocava guitarra. Ele nunca me bateu, mas mesmo assim eu me sentia intimidado: era um cara grande e bonitão, todas as garotas gostavam dele. E ninguém vencia Tony Iommi numa briga. Ninguém conseguia derrubá-lo. Como era mais velho do que eu, ele pode ter me dado umas porradas de vez em quando, mas nada mais do que isso. O que eu me lembro bem nos tempos da escola foi o dia em que pudemos levar nossos presentes de Natal para a escola. Tony mostrou sua nova guitarra vermelha. Eu me lembro de ter pensado que era a coisa mais legal que já tinha visto na vida. Sempre quis tocar algum instrumento, mas meus pais não tinham dinheiro para comprar e eu não tinha paciência para aprender. Meu nível de atenção era de apenas uns cinco segundos. Mas Tony tocava bem. Era incrível, um cara naturalmente talentoso: era só dar umas flautas da Mongólia e ele aprendia a tocar blues com elas em pouco tempo. Na escola, eu sempre ficava pensando no que seria da vida de Tony Iommi.
Mas demoraria alguns anos até nossos caminhos se cruzarem de novo.
Quando fiquei mais velho, comecei a passar menos tempo na aula e mais no banheiro, fumando. Eu fumava tanto que sempre chegava tarde na entrada da manhã. Era o professor de rugby, Sr. Jones, que fazia a conferência. Ele me odiava. Estava sempre me deixando de castigo e me zoando na frente dos outros. A coisa que ele mais gostava era de me bater com um sapato. Ele me mandava ir ao armário de tênis que ficava no fundo da sala, pegar o maior que havia e levar para ele. Aí inspecionava o armário e, se encontrasse um tênis maior, me dava o dobro de golpes na bunda. Era o pior bully de todo o lugar.
Outra coisa que o Sr. Jones fazia era colocar todos os meninos em fila toda manhã na sala de aula. Aí ficava andando de um lado para o outro, olhando nossos pescoços para ter certeza de que tínhamos nos lavado. Se achasse um pescoço sujo, esfregava uma toalha branca — e, se ela ficasse suja, arrastava o menino pelo colarinho até a pia no canto e o lavava como um animal.
Esse Sr. Jones era o pior bully de toda a escola.
Não demorou muito para perceber que meus pais tinham menos dinheiro que a maioria das outras famílias. Com certeza não íamos de férias para Maiorca todo verão — não com seis pequenos Osbournes para vestir e alimentar. Eu nunca nem vi o mar antes dos catorze anos. E isso aconteceu graças à minha tia Ada, que vivia em Sunderland. E não vi o oceano — com o tipo de água que não tem cocô flutuando e não dá hipotermia em três segundos — até os vinte e tantos anos.
Há outras formas de contar como éramos pobres. Como os quadrados de jornal que tínhamos em vez de rolos de papel higiênico. E as botas que precisava usar no verão porque não tinha sapatos. E o fato de que minha mãe nunca me comprou roupa de baixo. Havia também esse velho que vinha sempre em nossa casa, pedindo dinheiro. Nós o chamávamos de toc-toc
. Era um vendedor de porta em porta, basicamente, e vendia essas coisas para minha mãe, depois voltava toda semana para receber. Mas minha mãe nunca tinha dinheiro, então ela me mandava atender e dizer que não estava. Eu me enchia disso, de vez em quando. A mamãe mandou dizer que não está
, falava.
Anos depois, eu me vinguei abrindo a porta para o cara e pagando toda a dívida dela. Aí falei para ele se foder e nunca mais voltar. Mas não ajudou. Duas semanas depois, cheguei em casa e vi minha mãe recebendo um sofá novinho. Não foi preciso muita imaginação para descobrir de quem ela tinha comprado.
O dinheiro era tão curto quando eu era criança que um dos piores dias de toda a minha infância foi quando minha mãe me deu dez shillings de aniversário para comprar uma lanterna — era do tipo que iluminava em várias cores diferentes — e, no caminho de casa, eu perdi o troco. Devo ter passado pelo menos quatro ou cinco horas procurando em toda valeta e buraco em Aston por aquelas moedas. O mais engraçado é que não consigo me lembrar o que minha mãe falou quando cheguei em casa. Só me lembro de ter ficado com muito medo.
Não que a vida em Lodge Road 14 fosse ruim. Mas tampouco era a porra da felicidade doméstica.
Minha mãe não era nenhuma Delia Smith², para começar.
Todo domingo, ela ficava suando na cozinha, preparando o almoço, e todos tinham medo do resultado. Mas ninguém reclamava. Uma vez, estava comendo um repolho e parecia sabão. Jean viu minha cara, deu um soco na minha barriga e disse: Não diga uma palavra
. Mas estava passando mal e não queria morrer envenenado por uma merda de repolho ruim. Estava a ponto de dizer algo quando meu pai voltou do pub, pendurou seu casaco e sentou-se para comer seu jantar. Pegou seu garfo, espetou no repolho e, quando levantou para levar à boca, havia um monte de fios emaranhados na ponta! Deus abençoe minha velha mãe, ela tinha fervido uma esponja de lavar pratos!
Todos corremos para o banheiro, para vomitar.
De outra vez minha mãe fez um sanduíche de ovos cozidos para eu levar de almoço. Abri o pão e havia cinzas de cigarro e pedaços da casca do ovo.
Saúde, mãe.
Tudo que posso dizer é: o jantar na escola salvava minha vida. Era uma pequena parte da merda da minha educação de que gostava. Eram mágicos, esses jantares. Você recebia um prato principal e um pudim. Era incrível. Hoje em dia, você pega alguma coisa e automaticamente diz: Oh, isso tem duzentas calorias
, ou Oh, isso tem oito gramas de gordura saturada
. Mas não existia merda nenhuma de caloria naquela época. Só havia comida no seu prato. E nunca havia suficiente, na minha opinião.
Toda manhã eu tentava pensar numa desculpa para não ir à escola. Portanto, ninguém acreditava em mim quando minhas desculpas eram verdadeiras.
Como quando ouvi um fantasma.
Estava na cozinha, prestes a sair de casa. Era inverno e fazia muito frio. Não tínhamos água quente na pia, então estava fervendo água na chaleira para poder lavar os pratos. Aí ouvi uma voz dizendo:"Osbourne, Osbourne, Osbourne".
Como meu pai trabalhava à noite naquele tempo, ele nos preparava para a escola quando chegava do trabalho de manhã, para depois dormir. Assim, virei para meu velho e disse:
— Pai! Pai! Estou ouvindo alguém gritar nosso nome! Acho que é um fantasma! Acho que nossa casa está mal-assombrada!
Ele levantou os olhos do jornal.
— Bela tentativa, filho — disse. — Você vai pra escola, com ou sem fantasma. Anda logo com esses pratos.
Mas a voz continuou.
— Osbourne, Osbourne, Osbourne.
— Mas, pai! — gritei. — Tem uma voz! Tem, tem sim. Ouça! Finalmente, meu pai ouviu também.
— Osbourne, Osbourne, Osbourne.
Parecia vir do jardim. Por isso, saímos os dois — eu descalço —, mas o jardim estava vazio. Aí ouvimos a voz mais uma vez, mais alto. "Osbourne, Osbourne, Osbourne." Vinha do outro lado da cerca. Olhamos no jardim da casa ao lado e lá estava nossa vizinha, uma senhora de idade que vivia sozinha, caída no chão, numa poça de gelo. Ela deve ter escorregado e caído, não conseguia se levantar. Se não fosse por nós, ela teria congelado. Meu pai e eu pulamos a cerca e a levamos até a sua sala, onde nunca tínhamos entrado antes, apesar de sermos vizinhos há muitos anos. Sua história era muito triste. A senhora fora casada e tinha filhos, mas durante a guerra seu marido tinha sido mandado para a França e morto pelos nazistas. Para piorar, seus filhos tinham morrido num abrigo antibombas. Mas ela vivia como se todos estivessem ali na casa. Havia fotografias por todos os lados, roupas espalhadas, brinquedos e tudo o mais. Toda a casa estava congelada no tempo. Era a coisa mais triste que já tinha visto. Lembro da minha mãe enxugando os olhos depois que voltou da casa da vizinha naquele dia.
Incrível, não? É possível viver a poucos centímetros do seu vizinho e não saber nada sobre ele.
Aquele dia, cheguei atrasado na escola, mas o Sr. Jones não perguntou por quê, já que eu sempre chegava atrasado. Era só outra desculpa para tornar minha vida um inferno. Uma manhã — pode ter sido no dia em que encontramos a senhora caída no gelo, mas não tenho certeza —, cheguei tão atrasado para a entrada que todos já estavam na classe.
Era um dia especial para mim, porque meu pai tinha me dado um monte de varetas de metal da GEC, assim eu poderia fazer algumas chaves de fenda na aula do Sr. Lane. As varetas estavam na minha mochila e não via a hora de mostrá-las para meus amigos.
Mas o dia foi arruinado antes de começar. Lembro de estar parado ali, na frente da mesa do Sr. Jones, e ele estava louco comigo enquanto os alunos da outra sala se sentavam. Eu estava muito embaraçado, queria cavar um buraco e nunca mais sair.
— OSBOURNE! — ele gritava. — VOCÊ É UMAVERGONHA PARA SI MESMO E PARA ESTA ESCOLA. TRAGA-ME UM SAPATO.
A sala ficou tão silenciosa que dava para ouvir um rato peidar.
— Mas, senhor!
— TRAGA-ME UM SAPATO, OSBOURNE. E QUE SEJA O MAIOR OU VOU BATER TÃO FORTE NO SEU TRASEIRO QUE VOCÊ NÃO PODERÁ SE SENTAR POR UM MÊS.
Olhei ao redor e só via rostos estranhos olhando para mim. Queria morrer, cara. Os alunos eram de um ano superior ao meu e só ficavam olhando como se eu fosse um louco de merda. Abaixei a cabeça e fiz o caminho da vergonha até o fundo da sala. Alguém tentou me fazer tropeçar. Aí outro menino empurrou sua mochila na minha frente para que eu tivesse de pular. Todo o meu corpo estava tremendo e entorpecido, a bosta da minha cara estava pegando fogo. Não queria chorar na frente de todos esses meninos mais velhos, mas já podia sentir que estava começando. Fui até o armário e encontrei