O direito de punir na obra de Dante Alighieri: lições sobre a punição e a regra do contrapasso na Divina Comédia
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O direito de punir na obra de Dante Alighieri - Ana Flávia Gonzalez Ferreira
1. A PERMISSÃO PARA PUNIR NA BAIXA IDADE MÉDIA – PREMISSAS PARA A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA DIVINA COMÉDIA
Na introdução foi mencionada a importância de a literatura ser contextualizada em seu espaço e tempo. E essa importância, como vimos, se estende ao direito. Assim, uma obra que quer analisar aspectos jurídicos em uma obra literária precisaria do dobro de atenção com as questões concernentes à contextualização do espaço/tempo. Daí se tem o objetivo desse primeiro capítulo.
Dessa forma, pode-se dizer que o presente capítulo pretende contextualizar o direito de punir na Baixa Idade Média e apontar a presença de algumas de suas características no texto da Comédia. Pretende-se, assim, analisar a relação com o campo semântico que faz com que essa obra seja considerada a arte de punir
.
De início já se faz um alerta: trata-se da permissão para a punição na Baixa Idade Média e não de um Direito Penal como entendemos hoje. Isto porque, de acordo com Ney Bello e Alexandre Satyro, "a história do Direito Penal não é a história da punição. Para punir somente era necessário possuir a força, enquanto que a construção do direito penal se dá impregnada na ideia de controlar o exercício dessa força. A contrario sensu, a história do direito penal é a história do monopólio da punição pelo Estado-Juiz"¹²¹³. Dessa forma, destacamos que nesse capítulo estamos tratando da história da punição – no período de Dante – que não deve ser confundida com o direito penal moderno (ou seja, um direito frente ao Estado-juiz). Para isso, é importante destacar a seguinte passagem:
Sabe-se que até o medievo, o ilícito penal possuía uma dimensão fundamentalmente teológico e privada. O crime era antes de tudo um pecado, o que revela o cariz eminentemente ético do delito. A justiça penal, por sua vez, também fortemente influenciada pela confusão entre o poder político e o religioso, não encontrava limites, e o poder do Soberano, descia inapelavelmente sobre o cidadão como a própria mão da justiça divina. O resultado era uma conjuntura marcada pelo mais completo abuso e pela mais violenta opressão. Na descrição de Foucault, o Direito Penal antes da influência clássica, era ‘revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o excesso, a sede de vingança e o cruel prazer de punir. Vergonhoso, considerada na perspectiva da vítima, reduzida ao desespero e da qual ainda se espera que bendiga o céu e seus juízes por quem parece abandonada’ (JUNQUEIRA & VANZOLINI, 2017, p. 149)
Uma informação importante extraída desse excerto é que crime e pecado eram considerados sinônimos. Isso por conta da confusão que havia entre Estado e Igreja – confusão essa que só deixará de existir com o processo de secularização, que será posterior a Dante. Essa informação é importante e merece ser destacada, pois, como veremos, as almas punidas na Comédia são almas pecadoras. Isso quer dizer que a punição não se limita a quem comete crimes (como acontece após o processo de secularização), ela também é a aplicada a quem comete pecados, ou seja, está na esfera da moral e não apenas do jurídico.
Dito isso, podemos afirmar que para alcançar os objetivos pretendidos nesse trabalho, ou seja, a relação entre justiça, contrapasso, direito de punir, meios processuais penais, justificativa para a punição, faz-se necessário sintetizar a priori dois conceitos: o que é direito, o que é punição e qual é a relação deles com a justiça¹⁴. Somente com esses conceitos bem definidos podemos discutir mais profundamente a contextualização da finalidade da pena, ou em outras palavras, o porquê se pune
na Idade Média, e também o como se pune
. Feito isso, poderemos analisar de que maneira essas questões aparecem na obra de Dante Alighieri.
A justificativa para essa primeira tarefa se dá pelo fato de observarmos que na Comédia, sujeitos, ou melhor dizendo, almas são punidas no Inferno e expiam no Purgatório. E o que se procura investigar é o porquê dessa opção do autor em castigar corporalmente esses espíritos e por que Dante privilegia um sistema hierárquico de punição, isso é, para crimes mais leves, castigos mais leves e para crimes mais pesados, penas mais duras. O que eles fizeram de tão impróprio que merecem punição? E por que, como veremos, os castigos são, em sua maioria, físicos/corporais¹⁵?
Podemos adiantar algumas dessas respostas trazendo certos comentários de Jacques Le Goff (2017, pp. 15 e ss.). O historiador em seu livro O Nascimento do Purgatório, está exatamente tentando discorrer a respeito de quando surge essa via intermediária, admitindo que pecadores subam aos céus, ou seja, ele quer investigar as origens do Purgatório.
Como se verifica, quem passa pelo Purgatório é o sujeito que praticou o pecado, mas tal pecado, naquela situação é passível de perdão se purificado adequadamente. Como ressalta Le Goff, caso não existisse essa via intermediária – da purgação – ou todos nós precisaríamos sermos santos e nunca pecar para alcançar o Paraíso, ou então, todos nós estaríamos condenados ao Inferno¹⁶. Assim, pode-se dizer que o Purgatório nasce como a oportunidade de redenção da alma pecadora. Além disso, Le Goff afirma que:
A ideia por tanto tempo vaga de pecados leves
, cotidianos
, habituais
, bem percebida por Agostinho e depois por Gregório o Grande, só com o passar do tempo resultará na categoria de pecado venial
– isto é, perdoável -, pouco tempo anterior ao crescimento do purgatório e que foi uma das condições de seu nascimento [...] o purgatório nasceu como lugar de purgação de pecados veniais. Crer no inferno – lugar de castigos – supõe esclarecidas as relações entre alma e corpo. De fato, desde bem cedo a doutrina da Igreja foi que, no momento da morte, a alma imortal deixava o corpo e só se reencontrariam no fim dos tempos, durante a ressurreição dos corpos. Mas a questão da corporeidade ou da incorporeidade da alma não me parece ter representado um problema em relação ao purgatório, ou aos seus inícios. As almas separadas foram dotadas de uma materialidade sui generis e as penas do purgatório puderam assim atormentá-las como que corporalmente (LE GOFF, 2017, pp. 16 e 17).
Isso quer dizer, que antes da invenção do Purgatório, apenas dois caminhos eram possíveis: o Céu ou o Inferno. E para se alcançar o Céu não se poderia ter cometido qualquer pecado em vida – o que era praticamente impossível, visto que apenas os santos não cometiam pecados. Assim, o caminho de qualquer pecador era o Inferno, independentemente da quantidade e qualidade do pecado¹⁷. Não havia possibilidade de redenção. Dessa forma, pode-se dizer que o Purgatório nasce como essa oportunidade de oferecer àqueles que pecam uma possibilidade de salvação para os pecados veniais – ou seja, pecados