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História, educação e transformação:  tendências e perspectivas para a educação pública no Brasil
História, educação e transformação:  tendências e perspectivas para a educação pública no Brasil
História, educação e transformação:  tendências e perspectivas para a educação pública no Brasil
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História, educação e transformação: tendências e perspectivas para a educação pública no Brasil

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Sobre este e-book

"Neste ano de 2011, o Histedbr completa 25 anos de atividades ininterruptas e 20 anos desde sua institucionalização junto à Faculdade de Educação da Unicamp, em 1991, ano em que teve início a realização do seminário nacional que atingiu, em 2009, sua oitava edição.
De fato, ao ser institucionalizado em 1991, o Grupo adquiriu caráter nacional, pois aglutinou, já nesse ano, 15 Grupos de Pesquisa em 13 estados brasileiros, número que, apesar de algumas oscilações, tendeu a se ampliar, atingindo, atualmente, 35 Grupos de Trabalho em 19 estados, incluído o Distrito Federal.
É exatamente das contribuições apresentadas nas conferências de abertura e de encerramento e nas mesas-redondas do VIII Seminário Nacional do Histedbr que se constitui o presente livro. Esse seminário foi realizado no Centro de Convenções e na Faculdade de Educação da Unicamp, entre os dias 30 de junho e 3 de julho de 2009, tendo como tema central "História, educação e transformação: tendências e perspectivas para a educação pública no Brasil", enunciado que, consequentemente, dá título a esta obra. [...]
Com este livro, lançado pela Editora Autores Associados em parceria com o Histedbr, temos a satisfação de socializar os textos das nove conferências proferidas durante a realização do VIII Seminário Nacional de nosso Grupo de Pesquisa.
Estamos certos de que, como os livros resultantes dos seminários anteriores, também esta obra terá uma boa acolhida pela relevância e atualidade dos temas tratados, o que a converterá num valioso instrumento auxiliar na realização do trabalho docente nas diferentes disciplinas que compõem os currículos dos cursos de pedagogia e licenciatura".
José Claudinei Lombardi
Dermeval Saviani
(excerto da Apresentação)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de ago. de 2022
ISBN9786588717967
História, educação e transformação:  tendências e perspectivas para a educação pública no Brasil

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    História, educação e transformação - José Claudinei Lombardi

    Conferência de abertura

    Capítulo 1

    História, educação e transformação: tendências e perspectivas para a educação pública no Brasil

    *

    Dermeval Saviani**

    Otema central deste VIII Seminário Nacional do H ISTEDBR (Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil) articula três termos: história, educação, transformação.

    À primeira vista, considerando a ordem em que se encontram dispostos, poderíamos considerar que a educação estaria assumindo a posição de mediação entre história e transformação. Ou seja: a educação seria a via para operar transformações no campo da história.

    Não deixa de ser tentadora essa leitura para nós, educadores, pois ela permite destacar a importância da educação nas mudanças históricas.

    No entanto, convém não tirar conclusões precipitadas. É preciso examinar mais detidamente a relação entre esses termos.

    Assim procedendo, vemos que, previamente à relação com a educação, a transformação se manifesta como algo inerente à história. Com efeito, a história não é outra coisa senão as transformações que o homem opera sobre a realidade natural e cultural, ao longo do tempo.

    Portanto, em lugar de considerar os três termos que compõem o enunciado do nosso tema como elementos que se relacionam externamente, cabe considerar que se trata de um movimento único. O que está em causa é o movimento da própria história como totalidade, cujas transformações envolvem a educação e, ao mesmo tempo, a ela recorrem. Dizendo de outra maneira, as transformações históricas determinam a educação e, ao mesmo tempo, são por ela determinadas.

    Identificado o fenômeno em sua manifestação global, empenhemo-nos em compreender seus elementos constitutivos. Para isso, cumpre proceder analiticamente, recorrendo ao processo de abstração que, no dizer de Marx, constitui o bisturi intelectual. Trata-se, assim, de dissecar mentalmente o fenômeno indicado no tema central do seminário. Para tanto, abordaremos a relação intrínseca entre história e transformação que nos conduzirá, num segundo momento, aos modos de produção da existência humana para discutir especificamente a relação entre transformação e educação (terceiro momento), desembocando nas tendências da educação pública no Brasil (quarto momento) para concluir sobre as perspectivas que a ela se abrem.

    1. História e transformação

    Em sentido geral, o conceito de transformação coincide com o de movimento. Nesse âmbito, poderíamos dizer que somente o ser de Parmênides excluiria a transformação. Com efeito, para Parmênides as propriedades do ser se enunciam como a unicidade, estabilidade, permanência, imutabilidade, eternidade, imobilidade e esfericidade.

    Uma vez que tudo está em constante movimento, tudo se encontra em permanente transformação. E como o movimento é inerente à história, podemos considerar que tudo tem história ou, para mencionar o título de uma famosa coleção editorial, tudo é história.

    Está aí a razão da denominação história natural que se reporta à evolução, ao desenvolvimento, às transformações da natureza ao longo do tempo.

    No entanto, não podemos esquecer que essa denominação história natural já contém em si a ideia da natureza na sua relação com os homens. Efetivamente, Marx e Engels, numa passagem da Ideologia alemã, depois suprimida, após afirmarem que apenas conhecemos uma ciência, a da história, lembram que a história pode ser vista segundo dois pontos de vista: a história da natureza e a história dos homens. Mas advertem, em seguida, que esses aspectos são inseparáveis: enquanto existirem homens, a sua história e a da natureza condicionar-se-ão reciprocamente (MARX & ENGELS, 1974, p. 676).

    Acresce-se que, conforme o étimo grego, a palavra história (ιστορία) significa estudo acurado de, pesquisa, busca e, daí, conhecimentos, informações obtidas por meio de busca, as quais se convertem em narrativa disposta na ordem cronológica. É nesse sentido que a empregou Aristóteles ao denominar seu estudo dos animais como Περί τά ζωα ιστορία, isto é, história dos animais.

    Vê-se, assim, que, quando falamos em história da natureza, estamos referindo-nos à narração que dispõe, em ordem cronológica, as informações obtidas sobre o desenvolvimento, as transformações ocorridas na natureza ao longo do tempo. Por isso, a frase citada de Marx e Engels foi acompanhada do seguinte esclarecimento: história da natureza, as chamadas ciências naturais.

    Podemos, pois, recuperar aqui a advertência de Lucien Febvre em Combates pela história: a história é a ciência do homem. Não o esqueçamos nunca. Ciência da mudança perpétua das sociedades humanas (FEBVRE, 1970, pp. 55-56). Em resumo, a história é o conjunto das transformações que os homens operam sobre a natureza e sobre a cultura, isto é, sobre suas próprias produções.

    Até aqui, porém, tratamos do conceito de transformação em sentido genérico, atribuindo-lhe grande abrangência. Nesse âmbito, o termo transformação é sinônimo de mudança, modificação, alteração, inovação.

    No entanto, se atentarmos para o significado específico do termo transformação, a partir de sua etimologia, chegaremos ao seu sentido estrito, distinguindo-o dos demais termos com os quais mantém uma relação de sinonímia.

    Transformação é uma palavra composta do prefixo trans seguido da palavra forma e do sufixo ção. Ora, trans, nesse caso, significa mudança; e o sufixo ção indica um ato que se exerce sobre o substantivo que o antecede. Assim, transformação significa o ato de mudar a forma. Cumpre, pois, entender o que é forma para que possamos compreender o sentido próprio de transformação.

    O significado de forma que se fixou nas várias línguas ocidentais remonta ao είδος platônico, constitutivo do mundo das ideias entendidas como a verdadeira realidade. Transposta por Aristóteles ao mundo sensível, a forma (μορφή) passou a ser entendida como a essência necessária ou a substância das coisas, isto é, aquilo que faz que uma coisa seja aquilo que é. Distingue-se da matéria com a qual se compõe para formar tudo o que existe, como se explicita na teoria do hilemorfismo (de ΰλη, matéria + μορφή, forma) derivada de Aristóteles. Esse significado de forma manteve-se na escolástica, sendo retrabalhado no tomismo, e prolongou-se na época moderna. Para Bacon, a forma é o objeto próprio da ciência natural, devendo ser apreendida pela indução experimental.

    Das análises etimológicas e semânticas que acabei de sumariar, segue-se que transformação, em sentido próprio, significa o ato de mudar a essência mesma das coisas. Portanto, podemos concluir que, se toda transformação é mudança, nem toda mudança é transformação. Em sentido estrito, só pode ser considerada transformação aquela mudança que incide sobre a própria substância das coisas às quais se refere.

    Entendida a história como um contínuo processo de desenvolvimento da humanidade no tempo ou, conforme a fórmula de Lucien Febvre, como perpétua mudança das sociedades humanas, a transformação histórica, em sentido estrito, acontece quando a mudança incide sobre a própria forma de existência da sociedade.

    Ora, lemos em A ideologia alemã que o primeiro fato histórico é a produção dos meios que permitem satisfazer as necessidades vitais humanas (MARX & ENGELS, 1974, p. 33). O ser dos homens coincide com a forma ou o modo como produzem sua existência. Assim sendo, podemos considerar que a transformação histórica propriamente dita implica a mudança no modo de produção.

    2. Transformação, modos de produção e educação

    Se recuarmos no tempo para tentarmos apreender o momento em que surge o homem, vamos notar que isso ocorre quando determinado ser natural se destaca da natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria vida:

    Podemos distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião ou por qualquer coisa que se queira. Porém, o homem se diferencia propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida, passo este que se encontra condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material [idem, p. 19, grifo no original].

    Assim, diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os homens têm de adaptar a natureza a si. No processo de transformação da natureza o homem entra em contradição com ela necessitando negá-la, enquanto natureza, para afirmar a sua humanidade. É este o acontecimento dialético primordial que distingue os homens dos animais.

    O ato de destacar-se da natureza pode ser interpretado, do ponto de vista antropológico, como o momento em que o hominídeo assume a posição ereta. Apoiando-se sobre os pés, as mãos são liberadas para agir, para manipular a natureza que passa a ser vista como objeto (do latim ob-jectus, lançado diante), como algo disposto diante de si e que pode ser usado como instrumento, como meio para satisfazer suas necessidades.

    Com a liberação das mãos e o ato de manipulação, isto é, o trabalho sobre a natureza, emerge também a consciência, ou seja, a percepção do uso de certos meios para se chegar a determinado resultado. Diante dos objetos (ob-jecti), o homem define-se como projeto (pro-jectus, lançado adiante).

    De fato, como assinalou Marx naquela famosa passagem de O Capital, o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ora, essa antecipação mental configura o projeto. Aliás, o próprio Marx continua afirmando que o trabalhador "não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade" (MARX, O Capital, Livro 1, vol. 1, p. 202, grifo meu).

    Ora, a emergência da consciência traduzida nessa capacidade de projetar põe em evidência a questão da temporalidade que implica a diferença entre o antes e o depois, vale dizer, a relação entre passado, presente e futuro, isto é, a história. Assim, a existência humana, embora originária da natureza, resulta de uma ação que a nega, manifestando-se como projeto dos próprios homens e, enquanto tal, configura-se como um fenômeno cultural que se desenvolve no tempo. Portanto, a existência humana manifesta-se como temporalidade, isto é, como história. Segue-se, pois, que o homem é um ser essencialmente histórico.

    A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico.

    É, portanto, na existência efetiva dos homens, nas contradições de seu movimento real e não numa essência externa a essa existência, que se descobre o que o homem é: "tal e como os indivíduos manifestam sua vida, assim são. O que são coincide, por conseguinte, com sua produção, tanto com o que produzem como com o modo como produzem" (MARX & ENGELS, 1974, p. 19). E a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo.

    Portanto, em sua origem pode-se detectar uma relação de identidade entre o modo como o homem produz sua existência e a educação, o que se expressa na constatação de que, lidando com a natureza, se relacionando uns com os outros, os homens se educavam e educavam as novas gerações.

    A produção da existência implica o desenvolvimento de formas e conteúdos cuja validade é estabelecida pela experiência, o que configura um verdadeiro processo de aprendizagem. Assim, enquanto os elementos não validados pela experiência são afastados, aqueles cuja eficácia a experiência corrobora necessitam ser preservados e transmitidos às novas gerações no interesse da continuidade da espécie.

    Nas comunidades primitivas, os homens apropriavam-se coletivamente dos meios de produção da existência e nesse processo se educavam e educavam as novas gerações. Prevalecia, aí, o modo de produção comunal, também chamado de comunismo primitivo. Não havia a divisão em classes. Tudo era feito em comum. Na unidade aglutinadora da tribo, dava-se a apropriação coletiva da terra, constituindo a propriedade tribal na qual os homens produziam sua existência em comum e se educavam nesse mesmo processo. Nessas condições, a educação identificava-se com a vida. A expressão educação é vida e não preparação para a vida, reivindicada muitos séculos mais tarde, já na nossa época pelo Movimento da Escola Nova, era, nessas origens remotas, verdade prática.

    O desenvolvimento da produção conduziu à divisão do trabalho e, daí, à apropriação privada da terra, provocando a ruptura da unidade vigente nas comunidades primitivas. A apropriação privada da terra, então o principal meio de produção, gerou a divisão dos homens em classes. Configuraram-se, em consequência, duas classes sociais fundamentais: a classe dos proprietários e a dos não proprietários.

    Essa foi a primeira grande transformação histórica: a mudança da forma da existência humana que passou do modo coletivo, comum, para o modo privado, dividido, de produção do ser humano. Configurou-se, portanto, um modo de produção baseado na apropriação privada dos meios de existência.

    Na Antiguidade, tanto grega como romana, ocorreu esse fenômeno que contrapõe, de um lado, uma aristocracia que detém a propriedade privada da terra, e, de outro lado, os escravos. Daí a caracterização do modo de produção antigo como modo de produção escravista. O trabalho era realizado dominantemente pelos escravos.

    Essa transformação histórica do modo de produção significou igualmente uma transformação na educação. Ou seja, a divisão dos homens em classes provocou uma divisão também na educação. Introduziu-se, assim, uma cisão na unidade da educação antes identificada plenamente com o próprio processo de trabalho. A partir do escravismo antigo, passamos a ter duas modalidades distintas e separadas de educação: uma para a classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres, e outra para a classe não proprietária, identificada como a educação dos escravos e serviçais. A primeira, centrada nas atividades intelectuais, na arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico ou militar. E a segunda, assimilada ao próprio processo de trabalho.

    A primeira modalidade de educação deu origem à escola. A palavra escola deriva do grego σχολή e significa, etimologicamente, o lugar do ócio. Era, pois, o lugar para onde iam os que dispunham de tempo livre. Desenvolveu-se, a partir daí, uma forma específica de educação, em contraposição àquela inerente ao processo produtivo. Pela sua especificidade, essa nova forma de educação passou a ser identificada com a educação propriamente dita, perpetrando-se a separação entre educação e trabalho. Ocorreu, então, simultaneamente à transformação histórica do modo de produção, a transformação histórica da educação: a forma da educação modificou-se substancialmente.

    Estamos, a partir desse momento, diante do processo de institucionalização da educação, correlato do processo de surgimento da sociedade de classes que, por sua vez, tem a ver com o processo de aprofundamento da divisão do trabalho. Assim, se nas sociedades primitivas, caracterizadas pelo modo coletivo de produção da existência humana, a educação consistia numa ação espontânea, não diferenciada das outras formas de ação desenvolvidas pelo homem, coincidindo inteiramente com o processo de trabalho que era comum a todos os membros da comunidade, com a divisão dos homens em classes, a educação também resulta dividida; diferencia-se, em consequência, a educação destinada à classe dominante daquela a que tem acesso a classe dominada. A educação dos membros da classe que dispõe de ócio, de lazer, de tempo livre passa a organizar-se na forma escolar, contrapondo-se à educação da maioria que continua a coincidir com o processo de trabalho.

    Desde a Antiguidade a escola foi depurando-se, complexificando-se, alargando-se até atingir, na contemporaneidade, a condição de forma principal e dominante de educação, convertendo-se em parâmetro e referência para aferir todas as demais formas de educação. Mas essa constatação não implica, simplesmente, um desenvolvimento por continuidade em que a escola teria permanecido idêntica a si mesma, conservando a mesma qualidade e se desenvolvendo tão somente no aspecto quantitativo. As continuidades podem ser observadas, é claro, sem prejuízo, porém, de um desenvolvimento por rupturas mais ou menos profundas.

    Manacorda (1989, p. 14) assinala essa questão quando aproxima os ensinamentos de Ptahhotep no antigo Egito, que datam de 2450 a.C., de Quintiliano, que viveu na antiga Roma entre os anos 30 e 100 de nossa era. Constatando que o falar bem é o conteúdo e o objetivo do ensinamento de Ptahhotep, observa que não se trata, porém, do falar bem em sentido estético-literário, mas da oratória como arte política do comando, ou seja, nos termos de Quintiliano, "uma verdadeira institutio oratória, educação do orador ou do homem político".

    Há, pois, aí uma continuidade que se estende pelos mais de 2.500 anos que separam Ptahhotep de Quintiliano, mantendo-se, ainda, pela maior parte do tempo dos quase 2.000 anos que nos distanciam de Quintiliano.

    Mas Manacorda também esclarece que, entre a sociedade egípcia do tempo de Ptahhotep e a sociedade romana da época de Quintiliano, a continuidade e a afinidade não vão além deste objetivo proclamado, a saber, a formação do orador ou político, e que a inspiração e os conteúdos, a técnica e a situação serão profundamente diferentes de uma sociedade para outra (idem, ibidem).

    Logo, se é possível detectar certa continuidade, mesmo no longuíssimo tempo, na história das instituições educativas, isso não deve afastar nosso olhar das rupturas que, compreensivelmente, se manifestam mais nitidamente, ao menos em suas formas mais profundas, com a mudança dos modos de produção da existência humana.

    Assim, após a radical ruptura do modo de produção comunal, nós vamos ter o surgimento da escola, que na Grécia se desenvolverá como paideia, enquanto educação dos homens livres, em oposição à duleia, que implicava a educação dos escravos, fora da escola, no próprio processo de trabalho (Aqui estou fazendo um jogo com as duas palavras gregas παιδεία e δουλεία. Παιδεία significa educação enquanto inserção da criança na cultura; e δουλεία significa escravidão, o que remete à educação enquanto conformação do escravo à sua condição).

    A segunda grande transformação histórica ocorreu com a mudança da forma de produção escravista para a feudal. Com a queda do Império Romano, ocorreu a dispersão dos homens pelos campos. Assim, se na Antiguidade os homens viviam na cidade, mas do campo, na Idade Média os homens passaram a viver no campo e do campo. Ou seja: no modo de produção escravista, a classe dominante era composta por aristocratas, proprietários de terra e de escravos. Possuindo as terras que circundavam a cidade e que eram cultivadas por seus escravos, eles podiam viver na cidade e cuidar da política, ou seja, dos meios de administração da pólis.

    Diferentemente, na Idade Média, a classe dominante passou a ser constituída pelos donos de grandes extensões de terra que eram distribuídas a vassalos para o cultivo. Tais vassalos deviam fidelidade ao suserano, isto é, ao dono da terra, cabendo-lhes transferir a ele parte do que produziam. As grandes extensões de terra eram chamadas feudos e, por isso, seus donos eram chamados de senhores feudais. Além dos vassalos havia os servos, que eram ligados à terra e, nessa condição, deviam obediência e obrigações ao senhor feudal. Diversamente dos escravos, que eram propriedade do senhor, os servos da gleba não eram propriedade do senhor feudal. Seu vínculo era com a terra, tendo o direito de nela viver. Mas, porque não detinham a propriedade da terra, dependiam do dono da terra na qual viviam e a ele deviam servir; daí o nome de servos.

    Com a ruptura do modo de produção antigo (escravista), a ordem feudal gerou um tipo de escola que, embora dando continuidade à formação dos dirigentes centrada na arte da palavra, isto é, na oratória, é bem distinta da paideia grega. Diferentemente da educação ateniense e espartana, assim como da romana, em que o Estado desempenhava papel importante, na Idade Média as escolas traziam fortemente a marca da Igreja católica.

    Conclui-se, portanto, que o desenvolvimento da sociedade de classes, especificamente nas suas formas escravista e feudal, consumou a separação entre educação e modo de produção. No entanto, não se pode perder de vista que isso só foi possível a partir da própria determinação do modo de produção. Com efeito,

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