Avaliação da qualidade de projetos de edificações
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Sobre este e-book
Uma experiência de três décadas, que lhe permitiu aprender e, posteriormente, ensinar os passos a serem trilhados por um caminho importante para a busca da qualidade dos ambientes onde são realizados serviços de saúde.
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Avaliação da qualidade de projetos de edificações - Marcia Castilho Correia
QUALIDADE, SUSTENTABILIDADE, RISCOS E PROCESSOS
... Dá conta da tua administração...
Lucas – 16:2
Este capítulo apresenta uma discussão sobre a qualidade, eficiência energética e sustentabilidade de projetos para edificação e os processos e riscos que envolvem o desenvolvimento de projetos. Também objetiva oferecer um panorama do processo que leva ao cenário da baixa qualidade e baixa produtividade em obras de edificações, públicas e privadas, e assim possibilitar um entendimento das relações. Desse modo, através de ferramentas de busca de causa raiz, analisaremos possíveis alternativas, além de apresentar as bases do método de avaliação de projetos.
2.1 CENÁRIO DO MERCADO AECO
Atualmente, com a crescente complexidade dos projetos em arquitetura e engenharia, não temos mais profissionais como Leonardo da Vinci, que se destacou profissionalmente em várias áreas, como arquiteto, engenheiro, cientista, matemático, inventor, anatomista, pintor, escultor, botânico etc. Os projetos são desenvolvidos por equipes multiprofissionais, complementares, que precisam trabalhar em conjunto para a obtenção de bons resultados. Internacionalmente, o setor apresenta muitos erros, omissões e ineficiências, que causam muitos problemas, atrasos, atritos e, inclusive, judicialização. Portanto, existe bastante espaço para melhoria de desempenho do setor em todo o ciclo de vida das edificações e, nesse sentido, este livro guia o caminho a seguir para a obtenção de projetos e obras com menos falhas e desperdícios, resultando em edificações com melhor qualidade, de forma mais rápido, com menos riscos e a um custo menor, principalmente a longo prazo.
Apesar da relevância do setor da construção civil no crescimento da economia no Brasil, nos últimos vinte anos a produtividade brasileira tem declinado, como demonstrado na figura 1. Adicionalmente, a remuneração do setor da construção é 20% menor que a média geral. Em 2011, a produtividade atingiu a marca de -1,21, com tendência a continuar caindo, em oposição à curva de crescimento anual total.
Mesmo durante o período de grande expansão do setor, ocorrida nos anos 1970 e, posteriormente, durante a retomada nos anos 2000, especificamente motivada por projetos da área de óleo e gás, por conta da abundante força de trabalho, ante a escassez de capital, os equipamentos eram frequentemente alugados e a mão de obra, contratada somente quando necessário. Diante dessa contínua volatilidade do mercado brasileiro e das características da mão de obra local (abundância e baixo custo), as empresas não têm investido em capacitação, nem em tecnologia.
Outro aspecto do mercado brasileiro é que as empresas não investem em redução de custo, redução de tempo nos projetos, nem em obras. Como forma de gestão do fluxo de caixa, as empresas optam por ajustar o ritmo dos trabalhos, de maneira que coincidam com os pagamentos das parcelas mensais. Como são frequentes os atrasos de pagamentos, é alto o risco de insolvência das empresas (MCKINSEY, 2017, p. 58).
A economia brasileira encolheu 3,9% em 2020 devido à pandemia da Covid-19, apesar de que desde o 3º trimestre de 2020 o setor vem apresentando números positivos, possivelmente indicando que, mesmo diante do aumento excessivo no custo dos seus insumos, conseguiu avançar e demonstrar força na geração de emprego e renda. Aproximando um pouco mais o olhar para o mercado de construção civil, que costumava representar aproximadamente 30% do total da indústria brasileira e era responsável por 6,2% do PIB produto interno bruto (PIB) total do país, verifica-se que, mesmo demonstrando um início de recuperação do setor em relação a 2020, a participação da construção civil caiu para 2,6% em 2021.
No conjunto, em 2021, nos quatro trimestres, o PIB brasileiro3 registrou um crescimento acumulado total de 4,7%, tendo alcançado a soma de R$ 8,7 trilhões.
A construção civil brasileira ainda é uma indústria predominantemente considerada manufatureira, pois seus índices de industrialização ainda são pequenos, a qualidade é baixa, e os custos e prazos de produção são altos, se comparados com o padrão dos países mais desenvolvidos. Mas a tendência é que esse cenário se modifique conforme o mercado evolua, o que vai ser a chave para melhorar o produto edificação.
Um caminho para essa evolução é a melhoria dos projetos e a evolução tecnológica no setor como o uso de drones, softwares de gerenciamento, realidade virtual, Building Information Modeling (BIM), a adoção de construção modular e o uso de materiais pré-fabricados (concreto ou metálicos), o que em si traz novos desafios tanto na execução da obra quanto na elaboração dos projetos. Esses desafios podem se transformar em barreiras e, por isso, mesmo nos Estados Unidos, a construção modular só alcança 30% do total das construções (AIA, 2019, p. 19). É importante observar que, neste livro, BIM é uma atividade humana, que, assim como a atividade de projetar, demanda trabalho de equipe.
Globalmente, o investimento no setor imobiliário (edificações residenciais, comerciais e infraestrutura social, como escolas e hospitais) e no de infraestrutura (transportes, água, telecomunicações) tem sido um poderoso catalisador para o progresso comercial e social. O setor cresce de 5% a 10% ao ano na China, na Índia e no Oriente Médio, enquanto na América do Norte cresce entre 2% e 5%. Na América Latina, o crescimento tem a mesma faixa percentual, entre 2% e 5%, mas a fatia é menor, representando apenas 0,3% do PIB (MCKINSEY, 2017).
No exterior, a indústria da construção é um setor dinâmico e em crescimento, que investe em edifícios, infraestrutura e instalações industriais, que complementam a economia global. Entretanto, globalmente, essa indústria, há décadas, se ressente da baixa produtividade da mão de obra. Conforme o mais atual estudo internacional sobre a produtividade e o crescimento do setor da construção, realizado em 2017, em países nas Américas, na Europa, no Oriente Médio e na Ásia, nos últimos vinte anos a construção tem tido média de crescimento de produtividade em torno de 1%, enquanto os valores mundiais gerais de crescimento, para o mesmo período, são de 2,8%. Mundialmente, a produtividade nos setores da construção não é uniforme: as diferenças regionais são grandes e existem bolsões de excelência, o que indica a possibilidade de melhoria. Para aumentar a produtividade são necessários investimentos em inovação e em melhorias no gerenciamento e nos processos de projeto, no gerenciamento das obras e em treinamento de pessoal (MCKINSEY, 2017, p. 15).
A melhoria da qualidade integral dos projetos tende a propiciar uma melhoria nos processos construtivos e esse conjunto projeto/obra pode influir positivamente nesta recuperação do setor, além poder aumentar o lucro das construtoras ao reduzir as perdas e retrabalhos. Adicionalmente, ao tornar mais positiva a experiência do consumidor final, tanto de obras novas.
2.1.1 QUEM PROJETA, QUEM CONSTRÓI, PARA QUEM
Engenheiros e arquitetos elaboram os projetos, ainda em sua maioria separadamente, de forma fragmentada, mesmo quando a contratação é integrada, em um único contrato. É uma questão cultural, uma barreira a ser vencida. O trabalho em equipe demanda confiança entre os profissionais e trabalho prévio de definições de método de trabalho, linguagens, escolha de softwares. A transparência e o respeito entre as equipes são importantes, até para gerar confiança. Nada se constrói baseado em desconfiança.
A troca de informações precisa ser eficiente e ter a precisão adequada ao empreendimento. Projeto é informação registrada, a ser comunicada entre projetistas, fornecedores, construtores, proprietários e gestores de facilities. No caso de problemas, é importante o rastreamento das causas, para que a situação não se repita. Aqui a confiança, a ética e a transparência também são necessárias, assim como o respeito ao cliente, ao proprietário. A identificação e a correção precoces trazem menos danos, menos custos. Quanto mais pessoas envolvidas, maior cuidado é necessário com a gestão de mudanças e gestão da comunicação.
A contratação integrada de projeto e obra tende a ser um processo mais rápido, até por ter apenas uma seleção, por concorrência (contratação privada) ou licitação (contratação pública). Mas, por outro lado, aumenta o risco de inconsistências somente detectadas no momento de execução, pois os projetistas podem não incluir todos os detalhes necessários, até em função de pressão da equipe da obra. Em qualquer caso, a opção por escolher o vencedor por menor preço tende a ser uma grande fonte de problemas, aditivos e judicializações, o que pode levar a custos significativos, ao longo de todo o ciclo de vida da edificação. Incertezas, omissões, incurácia, inconsistência, descontrole, quando ocorrem na fase de projeto, levam a problemas semelhantes na fase de construção, soluções improvisadas na obra, muitas vezes sequer registradas, e levam a problemas semelhantes na fase de comissionamento (teste) e de uso da edificação, que é a fase mais longa do ciclo. A falta de projetos de as built ou as builts incorretos propaga o problema no tempo, indefinidamente. Mais uma vez, expõe todos ao risco da judicialização, aos vícios redibitórios ou ocultos, a longos processos e custos imprevisíveis.
O proprietário que é empresário tem um comportamento frente ao seu investimento que difere do que só vai construir uma casa na vida. Mas, em ambos os casos, o proprietário que acompanha tanto o projeto quanto a construção e adicionalmente tem interesse direto na fase de uso, pode interferir em todo o processo, com grandes vantagens em relação ao empresário que projeta e constrói para venda imediata. A este interessa o retorno mais rápido do investimento (ROI). Essas diferenças explicam o cenário descrito no item 2.1.
2.2 PROJETOS PÚBLICOS
Historicamente, a Administração Pública federal, cumprindo as determinações contidas na Constituição Federal 1988 e com a atuação do Poder Legislativo, e ainda com auxílio dos órgãos de controle externo, tem demonstrado preocupação em obter eficiência na atividade pública. Um ponto positivo é que o governo brasileiro, através do portal de compras do governo federal4 e outros sítios oficiais, disponibiliza cartilhas, guias e manuais, com o objetivo de proporcionar informações e suporte aos interessados a respeito das boas práticas referentes à Administração Pública, aos projetos e obras públicas e licitações federais, incluindo autárquicas e fundacionais.
Nessa linha, a Administração Pública, assim como parte da iniciativa privada, tem recorrido aos princípios da qualidade total, na busca de reduzir os riscos e erros de projeto, aumentar a satisfação dos clientes, a retenção de mão de obra especializada e melhorar a produtividade do setor.
A Instrução Normativa nº 5/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MPDG (BRASIL, 2017) veio ao encontro dessa busca pela eficiência e qualidade, ao reforçar as orientações dos manuais dos órgãos de controle, e passar a exigir dos órgãos federais a apresentação do planejamento prévio da contratação, dos estudos preliminares e das análises de risco. Nesse diapasão, o método proposto incorpora a avaliação desses requisitos, que são examinados mais adiante, no item 2.4 (processo de avaliação da viabilidade).
Outra iniciativa governamental positiva é a adoção do BIM, ao se considerar a eficiência potencial dessa tecnologia na melhoria da qualidade dos projetos e seu efeito nas obras e na vida útil das edificações, a exemplo de outros países, como no Reino Unido, onde a adoção do BIM é obrigatória nos projetos públicos desde 2016, e no Chile, a partir de 2020. O Brasil tem encetado esforços para a sua utilização através da Estratégia BIM BR.5 A proposição brasileira é a implantação do BIM a partir de um escalonamento em quatro etapas, com datas-limite até 2028 (BRASIL, 2018, 2019), da seguinte forma:
a. Em 2018 – Instituição da Estratégia BIM BR, pelo Decreto Federal nº 9.377/2018, substituído pelo Decreto Federal nº 9.983/2019, de 23 de agosto de 2019.
b. Janeiro 2021 – O BIM passou a ser utilizado no planejamento e nos projetos de obras escolhidas como prioritárias nos órgãos e entidades públicas.
c. Até janeiro 2014 – O BIM deve ser utilizado na execução destas obras prioritárias.
d. Até janeiro 2028 – O BIM deve ser utilizado no gerenciamento e manutenção destas obras prioritárias.
A Administração Pública não objetiva o lucro, mas, como explicado na introdução, está obrigada a ser eficiente na gestão dos recursos públicos.
Com base em relatórios das auditorias e publicações dos órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU)6 e a Controladoria-Geral da União (CGU),7 são relatados problemas recorrentes, tais como: demoras nos processos por questionamentos, recursos judiciais e até cancelamentos de certames e contratos, de projetos e de obras, devido a falhas diversas nos editais, interrupções nas obras, má qualidade de projetos e de obras (BRASIL, 2010, 2012, 2014). Constatam-se falhas que evidenciam ser decorrentes da fragilidade do planejamento da contratação, deficiência de treinamento e capacitação. Com isso, aumenta a possibilidade de ocorrência de prejuízo ao Erário ao longo do ciclo de vida de uma edificação pública, pois problemas de projeto impactam nas obras e no seu uso, como mostra a figura 02.
Para a construção da edificação na esfera pública faz-se necessária elaborar um projeto e cumprir os processos de avaliação da viabilidade prévia, de desenvolvimento do projeto e da comprovação da sua qualidade. Na Administração Pública, é frequente a prática de contratar o desenvolvimento dos projetos das edificações, necessariamente por meio de licitação, o que demanda outros processos específicos. A etapa seguinte é a obra e, depois de sua conclusão, haverá o uso do imóvel.
Quanto maior a instituição ou o escritório de projeto, maior a quantidade de registros e documentação dos processos de gestão da qualidade (NELSON, 2017, p. 164-165).
O conjunto dos processos para o desenvolvimento de projetos de edificações constitui-se num macroprocesso, exemplificado pela figura 03. Há, neste macroprocesso, dois pontos de inflexão, cruciais para tomada de decisão, entre seguir ou não com a proposta.
Para projetos desenvolvidos por equipe interna, sem contratação, são necessárias a fase prévia de verificação de viabilidade (indicada em tracejado amarelo) e a de desenvolvimento do projeto (indicada em tracejado vermelho). Para projetos desenvolvidos por equipe externa, por contratação, todas as quatro fases indicadas são necessárias. Pereira Junior (2011, p. 21) e Brasil (2014, p. 132-133) citam adequadamente a importância das fases de viabilidade prévia e planejamento para as contratações públicas. O escopo da pesquisa que originou este livro abrange todas as fases indicadas na figura 3, exceto as de licitação e de planejamento.
A não observância desse macroprocesso tem levado a diversos problemas para a Administração Pública – entre eles, dispêndio de tempo e pessoal qualificado para exame dos processos nos diversos órgãos, inclusive com possibilidade de ocorrência de prejuízo ao Erário, evidenciando ser decorrentes da fragilidade do planejamento da contratação e de deficiências de treinamento e capacitação.
Ainda que seja reconhecido que muitas demandas públicas são imprevisíveis, em todas as áreas essas demandas dependem das necessidades do público-alvo e de determinações da alta direção, que nem por isso são dispensadas de ter seus objetos bem-planejados e executados. Com efeito, as principais falhas nas contratações decorrem da falta de planejamento, culminando com dispensas em razão de valor fracionado, contratações emergenciais por desídia, alterações contratuais desnecessárias, entre outros problemas que podem ensejar a responsabilização pessoal do gestor e de todos os agentes públicos envolvidos no processo como coautores ou partícipes.8 O caminho para atingir os objetivos com bons resultados passa pela elaboração de um edital bem-planejado (BRASIL, 2014, 2016, p. 21) e de um adequado mapa de riscos, mas isso não basta. É preciso haver uma fiscalização eficiente e eficaz ao longo da contratação.
2.3 AVALIAÇÃO DA QUALIDADE
Para avaliar a qualidade é necessário ter clareza do que será avaliado, assim como