O Voo Da Borboleta Azul
De Ômar Souki
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O Voo Da Borboleta Azul - Ômar Souki
O voo da
borboleta azul
Uma vida em transformação
Ômar Souki
O voo da
borboleta azul
Uma vida em transformação
Copyright Ômar Souki
Editoração e capa
Aderivaldo Santos
Revisão
Célia Brant
Fernanda Loureiro
Marina Brant
Revisão geral
Rita Spacki
FICHA CATALOGRÁFICA
O voo da borboleta azul – Uma vida em D486 transformação / Ômar Souki. — Piedade dos Gerais: Gratia Plena, 2014.
328 p.
1.Espiritualidade I.Souki, Ômar.
Rua Sta. Terezinha, 129 – Vale Imaculada Conceição CEP: 35526-000 – Tel (31) 8334 3090
Piedade dos Gerais - MG
Brasil
Ofereço esta obra ao
Divino Espírito Santo,
inspiração da
minha vida.
O voo da borboleta azul
Deixe que a sua vida dance nos limites
do tempo, como a gota de orvalho
na pontinha da folha.
Tagore
6
Ômar Souki
Sumário
1. A borboleta azul ................................................................ 09
2. A volta.................................................................................. 15
3. A retrospectiva ................................................................... 19
4. Quem somos nós? ............................................................. 27
5. O primeiro beijo ................................................................ 39
6. Prefira o caminho estreito ............................................... 51
7. Que tudo seja feito para a Sua maior Glória .............. 59
8. Poemas para rezar ............................................................. 69
9. Uma viagem iluminada .................................................... 73
10. O verdadeiro eu ............................................................... 83
11. O silêncio do coração ..................................................... 91
12. O gozo da paz imperturbável, doce, segura ...........103
13. Seguindo o fluxo da intuição ......................................109
14. O profeta .........................................................................119
15. O flautista........................................................................125
7
O voo da borboleta azul 16. O perdão..........................................................................135
17. Fazer algo com fervor ..................................................149
18. O cérebro ........................................................................155
19. A frustração ....................................................................165
20. Ore ao Pai em segredo .................................................177
21. A Presença do Ser..........................................................187
22. O silêncio da manhã de sábado ..................................199
23. O silêncio da tarde de sábado .....................................207
24. O silêncio da noite de sábado .....................................225
25. O silêncio da manhã de domingo..............................237
26. O demônio ......................................................................253
27. O exorcista ......................................................................263
28. A oração que dá combate ao demônio .....................281
29. O significado de Getsêmani ........................................291
30. A Imaculada Conceição ...............................................297
31. Silêncio, silêncio e silêncio ..........................................309
32. O milagre ........................................................................317
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Ômar Souki
Capítulo 1
A borboleta azul
E stirado sobre a pedra, Otávio sentia os respingos da água no rosto. Escutava o ruído da cachoeira, e, ao ser tomado por uma deliciosa sensação de leveza, entreabriu os olhos. Através da folhagem que se estendia acima dele, viu o céu, as nuvens e uma borboleta azul que dançava no espaço, livre, leve e solta. Naquele momento essa era a própria imagem de seu ser: livre, leve e solto. Sabia que ali estava um corpo, que de certa forma lhe pertencia, mas também sentia algo maior. Era uma luz que dava vida àquele corpo, frescor à água e movimento à borboleta. A percepção do tempo, assim como do espaço, se esvaía entre os dedos de sua mente. A ilusão de individualidade se esfumaçava, enquanto ele se tornava um com o Todo. "Seria aquilo uma sensação passageira?
Um mero devaneio? Uma alucinação?".
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O voo da borboleta azul Assentou-se assustado, esfregou os olhos: tudo havia retornado ao seu lugar. Olhou à sua volta e viu os amigos se banhando e desfrutando daquele dia ensolarado de verão. Ouviu o ruído das águas e a algazarra das crianças. Sentiu na boca um gostinho de paz profunda. Olhou para a margem do rio e percebeu que a borboleta se afastava discretamente. Otávio ainda não sabia que aquela visão era um prenúncio das mudanças que estavam para acontecer em sua vida.
Sutilmente, ali, naquela cachoeira havia ocorrido um tremendo despertar. Ele jamais seria o mesmo. À noite, em casa, antes de dormir, anotou algumas linhas em seu diário:
"Hoje na cachoeira senti uma estranha sensação de leveza. Parecia que meu corpo era apenas uma parte de meu ser. Na verdade eu era tudo: a cachoeira, a luz do sol, o céu, as nuvens e a própria borboleta azul. Foi algo fugaz e, ao mesmo tempo, real. Mais real do que a própria realidade. Não foi um sonho, foi uma experiência. Fiquei com o pressentimento de que minha vida ia tomar outro rumo. Aquilo durou talvez alguns segundos — nem sei, perdi a noção de tempo e espaço —
mas mexeu com a minha cabeça. Estou aqui, eu sei, mas não somente aqui. Percebo que existe em tudo uma dimensão oculta. Meu propósito é encontrá-la".
Ali estava um homem de 58 anos à busca do lado oculto da existência. Queria saber, de todo coração, qual seria a direção a tomar. Já havia experimentado três profissões, a de engenheiro, a de professor universitário e a de escritor e conferencista. Também, já tinha passado por três relacionamentos significativos e desfrutava do 10
Ômar Souki
convívio saudável e frequente dos filhos. Mas, depois de três profissões, três relacionamentos e cinco filhos, Otávio ainda não estava satisfeito. Chegou à compreensão de que nada do que buscava fora de si poderia satisfazer à sua busca. O que buscava, de fato, não seria encontrado fora, mas sim dentro dele. No fundo, no fundo, ele estava mesmo era com saudade de Deus. Tinha recebido o chamado para retornar à Casa do Pai. Esse chamado se manifestou através da busca pela dimensão oculta
da vida. Seria capaz de encontrar aquela dimensão da existência que tanto o intrigava?
Sim, encontrou. Em 2008, no mês de julho, a convite do Dr. Lino Soares, cirurgião plástico, ele visitou uma comunidade chamada Vale da Imaculada Conceição.
Nesse lugar, situado em Piedade dos Gerais, Minas Gerais, escutou as mensagens que Nossa Senhora passava para Marilda Santana. As comunicações vindas do Céu mexeram com ele. Sentiu um amor profundo e verdadeiro por Maria, a Mãe de Jesus, e sabia em seu coração que Ela era a mensageira da Verdade.
Mas, antes de chegar a esse ponto, Otávio desejava contar sobre as tormentas que teve de enfrentar durante a travessia do mar da existência. As suas experiências poderiam servir de luz para outros navegantes, que certamente viriam após ele. Talvez os seus próprios filhos pudessem se beneficiar com seus relatos. Quem sabe? Quem poderá saber? O certo é que ele tinha de escrever. Alguém seria beneficiado. O primeiro era ele próprio, que, ao escrever, fazia uma confissão pessoal, buscando o perdão pelas suas culpas. Portanto, a obra 11
O voo da borboleta azul representa o esforço da borboleta para romper o casulo e alçar voo.
Otávio começou a escrever em 2006 e continuou até 2008. A partir daí a obra ficou parada porque ele passou a escrever sobre as mensagens de Nossa Senhora.
Mas, em dezembro de 2013, Otávio decidiu rever os seus escritos e fazer uma releitura de sua trajetória à luz das mensagens de Maria. Afinal, já tinha se assentado na sala de aula daquela magnífica Professora durante 5 anos.
Antes de se encontrar com Ela, tinha vivido com profunda intensidade a experiência das escolas do mundo: primário, ginásio, científico, universidade no Brasil, mestrado, doutorado e pós-doutorado nos Estados Unidos. Mas nada poderia se comparar ao ensinamento de Maria no Vale. Sua vida precisava passar por uma reavaliação. Suas experiências no mundo não seriam anuladas, mas reavaliadas.
Decidiu deixar aquilo que já havia escrito, mesmo antes de se encontrar com a Magnífica Professora, sede da Sabedoria. Chegou até mesmo a ter algumas dúvidas se iria ou não deixar as partes em que colocou trechos mais íntimos de seus diários do tempo de mocidade. Mas optou por manter o que aquele jovem tinha escrito. Um jovem que, como tantos, estava à procura do caminho certo. Mesmo errando, queria mesmo era acertar. Quem sabe, os jovens que lessem o seu relato pudessem aprender com os erros de Otávio, sem terem que vivenciar mais dor do que o necessário? Foi com esse intuito que o Otávio de 65 anos releu, avaliou e ampliou
— sob o Manto Sagrado de Maria — a sua trajetória.
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A percepção do tempo, assim como do espaço, se
esvaía entre os dedos de sua mente. A ilusão de
individualidade se esfumaçava, enquanto
ele se tornava um com o todo.
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O voo da borboleta azul
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Capítulo 2
A volta
C hegou em casa já de noite, acomodou as coisas.
Tomou um banho e foi logo para a cama. O cansaço do dia passado na cachoeira fez com que Otávio adormecesse logo. Sonhou com a sua formatura no ginásio (equivalente ao período que vai da 5ª a 8ª série do ensino fundamental). Voltou ao dia 5 de dezembro de 1964, exatamente no momento em que proferia o discurso no salão nobre do Colégio São Geraldo, em Divinópolis, Minas Gerais. Estava com 16 anos e para ser escolhido orador da turma teve que concorrer com mais quatro alunos. Enfrentou o desafio do concurso de oratória — em que os candidatos discursavam para os colegas — e venceu. Uma vitória significativa para aquele jovem, que no primeiro ano tinha sido reprovado.
Depois, mediante foco, dedicação e esforço, conseguiu ser o primeiro da turma. Estava realizando um sonho, pois tinha o desejo ardente de ser o orador naquela noite 15
O voo da borboleta azul encantada. Esse talvez tenha sido o prenúncio de sua carreira de conferencista.
A formatura no ginásio era algo importante na época. Já havia passado pelos quatro anos do primário e agora terminava os quatro anos do ginásio, que para ele foram cinco, devido a uma reprovação. A disciplina na escola de padres era severa e as expectativas, elevadas. A importante solenidade, marcada pelas presenças do bispo diocesano e do prefeito da cidade, foi prestigiada por várias autoridades, inclusive por Ribeiro Pena, presidente de um banco, convidado como paraninfo. Lá também estavam, explodindo de orgulho, Selma e Horácio, os pais de Otávio. O jovem investiu duas semanas pesquisando e estudando para compor aquele que era o segundo discurso de sua vida. O primeiro foi o discurso com o qual venceu o concurso de oratória. Este tinha de ser melhor.
Salientava alguns pontos importantes para a ocasião: a entrada insegura no Colégio São Geraldo e os anos de estudo vencidos com o auxílio de Deus e dos mestres. Era chegada a hora da escolha de um ideal de vida, uma meta que conduzisse às coisas mais sublimes.
Falava da responsabilidade de seguir adiante e de ajudar na construção de um país mais forte. Lembrava aos colegas que a falta de talento não deveria intimidá-los. O
que realmente os levaria à vitória não seriam suas habilidades inatas, mas a perseverança, a tenacidade e a vontade de vencer. Uma vez definido o ideal de vida, deveriam lançar-se como uma águia em busca dos píncaros. Salientava a importância de conceber a vida como uma chama fugaz, da qual o único consolo seria a possibilidade de iluminar os semelhantes. Enfim, 16
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devíamos ser luz para os outros, através do afeto, da solidariedade e do exemplo altruísta. O pronunciamento marcou para sempre sua vida. Nele, Otávio mencionou o fogo sagrado da gratidão. Citou Aristóteles, dizendo que jamais poderíamos ser suficientemente gratos a Deus, aos pais e aos mestres. Gratidão é sinônimo de alma humilde e delicada. Após um sincero elogio ao Monsenhor Heraldo, diretor do ginásio, terminou desejando aos colegas um futuro sorridente. Que as dificuldades jamais fossem motivo de desânimo, mas, sim, estímulo para perseverarem no caminho do dever e da honra. Enfim, a nação, nossa boa mãe, dependia dos braços fortes de seus jovens filhos. Ao levantar-se, no outro dia, Otávio lembrou-se do sonho e fez-se algumas perguntas:
"Será que aquele discurso pronunciado em sua juventude tinha influenciado a sua trajetória? Tinha conseguido manter-se fiel aos propósitos daquela época?
Será que ainda lhe sobrava tempo e energia para transformar-se naquela tocha ardente a iluminar seus irmãos e irmãs?".
Devíamos ser luz para os outros, através do afeto,
da solidariedade e do exemplo altruísta.
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O voo da borboleta azul
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Ômar Souki
Capítulo 3
A retrospectiva
A briu um álbum de fotografias de sua infância e viu o retrato da impermanência. Lá estavam as representações gráficas do que um dia foram os avós, os pais, as irmãs, os tios, os primos e os amigos. Num esforço para tornar permanente o que é fugaz, a tecnologia congela os momentos da vida em papel. Mas, jamais, invenção alguma poderá tornar permanente aquilo que, por natureza, é transitório. Otávio iniciou uma viagem de volta às origens em busca de apoio para as transformações que estavam por vir e que, de certa forma, já haviam sido previstas naquele distante discurso de formatura.
Sentia que o resgate de suas raízes ajudaria a sustentar o voo da borboleta azul.
De Portugal vieram seus ancestrais paternos e do Líbano, os avôs maternos. Conhecia pouco de suas origens portuguesas. Dos antepassados libaneses, sabia 19
O voo da borboleta azul que tinham vindo de Beirute e que pertenciam à religião drusa. Deles possuía mais memórias gráficas. Os libaneses se estabeleceram na então pequena Divinópolis, no interior de Minas Gerais. Foi aí que seus pais se encontraram e se casaram. Quando Otávio tinha apenas quatro meses, a família mudou-se para a Venezuela, onde o pai montou uma loja de artigos de vestuário. Em Tucupita, às margens do Orenoco, Otávio passou a sua infância até os sete anos, quando a família retornou a Divinópolis.
Da Venezuela, Otávio trouxe o seu conhecimento do idioma espanhol, que, embora limitado, o ajudaria em suas viagens pela América Latina e no convívio com colegas latino-americanos. Durante o resto de sua infância e parte de sua adolescência em Divinópolis, Otávio conviveu com padres seculares brasileiros e freis franciscanos holandeses. Durante a sua juventude, entregou-se por inteiro aos ensinamentos recebidos dos padres no Colégio São Geraldo. Portanto, sua formação religiosa foi basicamente católica, embora tivesse curiosidade sobre o que seria a fé drusa. Somente anos depois, através de livros, viria a ter mais contato com os rudimentos daquela religião, pois sua mãe, ainda jovem, tinha se convertido ao catolicismo. A influência católica ficou estampada em seus primeiros diários. Aos 16 anos, depois de ter ido a um baile de carnaval, na manhã do dia 29 de fevereiro de 1965, confessou:
"Satisfação não vi nenhuma a não ser a de pegar na mão de garotas, que, com o decorrer do tempo, já não apresentava nada de agradável. Se fosse procurar mais algum outro prazer a não ser esse, já ultrapassaria as 20
Ômar Souki
regras da moral implantada por nossa Santa Religião e cometeria pecado. As ocasiões de pecado são muitas, e as tentações são múltiplas. O único prazer que se tem no carnaval advém do sensualismo, o que é pecado. As consequências dele são terríveis, como já sei. O prazer de momentos não compensa as tantas consequências funestas que dele advêm. Por isso, vou evitar o carnaval o mais que puder, para não cair em pecado. Nota: Esse é o meu ponto de vista, mas sei que, também no carnaval, muitos acham satisfações que não são pecaminosas, como: brincadeiras, esquecimento de preocupações, etc.".
Ao ler o diário, quando estava com 58 anos, Otávio ainda não tinha retornado, por inteiro, à fé católica. Por isso, lia com compaixão as ponderações daquele rapaz torturado pelas noções de pecado
implantadas
pela Santa Religião
. Imaginava a contradição existencial daquele jovem coração, espremido entre um vulcão de hormônios e emoções incontroláveis e os ditames da moral religiosa vigente.
Otávio achava que a moral religiosa poderia mudar com o tempo. Mas, depois da transformação, descobriu algo sério demais para ser mudado segundo os caprichos humanos: as leis divinas. Essas leis são imutáveis. Tudo passa, menos a justiça divina. Mas, para que Otávio chegasse a essa conclusão, muita água ainda teria que passar debaixo da ponte de sua vida. Ele teria que experimentar um milagre.
Seguindo a tradição dos jovens de classe média de Divinópolis, Otávio foi estudar no Colégio Santo 21
O voo da borboleta azul Antônio, em Belo Horizonte, dirigido por franciscanos.
Depois de um ano de estudos intensos e disciplina religiosa, apareceu, no corpo de Otávio, o reflexo da contradição. No dia 03 de janeiro de 1966, escreveu:
"Desde há muito tinha uma dor que vinha de tempos em tempos, do lado esquerdo da barriga e que descia até a virilha. Resolvi ir hoje ao Dr. Marsílio Ferrara, pois este disse, da última vez que me consultei, que, para qualquer problema de saúde, podia procurá-lo.
Tinha medo de que fosse hérnia devido à ginástica que praticava com oito quilos em cada mão. Dr. Marsílio disse que a dor pode ter sido provocada pelo esforço excessivo com os halteres. Aconselhou-me a largar o halterofilismo e a praticar um esporte como a natação, o futebol, o basquete, etc. A procurar um esporte para relaxar a mente e o emocional e não para concentrá-los mais ainda, como fazia o halterofilismo. Este também poderia levar-me a uma admiração excessiva de mim mesmo pelo corpo musculoso que passaria a ter. Esses músculos logo acabariam se deixasse de o praticar. A saúde que é necessária será adquirida normalmente com os esportes e os músculos se desenvolverão de maneira gradativa, uma vez que não terei necessidade de músculos tão grandes".
Ao ler essa parte do antigo diário, Otávio, uma vez mais se comoveu com a situação daquele jovem entre a cruz e a espada, ou melhor, entre a cruz e os desejos carnais. O voo da borboleta azul teria que, inexoravelmente, passar pela libertação dessa contradição
implantada
em sua juventude. Lembrou-se que, recentemente, ao relatar para alguém essa ambivalência 22
Ômar Souki
com relação aos seus relacionamentos amorosos, a pessoa lhe disse que sua iluminação
seria através da energia criativa, que, normalmente, é considerada apenas em seu aspecto sexual, no que se refere à busca de prazeres sensuais.
Algumas pessoas, ainda em sua juventude, através da espiritualidade, conseguem se libertar do apego às coisas da Terra. Lendo a vida de Francisco de Assis, Otávio se deparou com um exemplo do moço que viveu as contradições do mundo em sua própria pele, buscou nos prazeres a sua realização. Almejava até mesmo tornar-se herói em campo de batalha. Mas, aos 24 anos, antes de partir para a guerra, teve um sonho. No sonho alguém lhe mostrou um magnífico palácio. Nas paredes estavam pendurados escudos brilhantes e diversos tipos de armas. Francisco ficou encantado com tanta riqueza e perguntou de quem era aquele palácio. Para quem eram aquelas ricas armas? Uma Voz se manifestou no sonho e lhe explicou que tudo aquilo era dele e de seus soldados.
Naquele dia, levantou-se com uma alegria diferente no coração. Dizia a todos: Ainda hei de ser um grande príncipe
. Partiu com ânimo redobrado para a luta.
Mas, antes mesmo de chegar a Apúlia, onde enfrentaria o inimigo, caiu doente. Foi derrubado por intensa febre e medonho desânimo. À noite, a Voz retornou e lhe perguntou a quem desejava servir: ao senhor ou ao servo. Disse a Francisco que ele estava prestes a deixar o rei para servir ao escravo. Ele então perguntou à Voz o que deveria fazer e foi aconselhado a voltar para Assis. A Voz lhe disse que deveria desistir daquela batalha e ele, humildemente, obedeceu. No 23
O voo da borboleta azul outro dia, ao despertar, voltou para Assis. Seus colegas se espantaram com a incrível mudança, mas ele seguiu o seu coração. De volta a Assis, buscou novamente saciar nos prazeres da carne sua infinita fome por alguma coisa que não sabia exatamente o que era. Mas, no gozo da carne, em vez de prazer, sentiu amargor, enquanto que, ao pensar na Voz, sentia doçura na alma.
Certa madrugada, enquanto andava com os colegas à busca de novos prazeres, parou extasiado no meio da rua. Estava diante de uma profunda experiência espiritual. Os colegas o sacudiram e perguntaram o que se passava, pois ele não saía do lugar. Parecia que estava pregado ao chão. Ignorava tudo o que se passava ao seu redor. Os amigos de farra sacudiram o jovem Francisco, mas um deles disse: Deixem Francisco em paz, ele deve estar sonhando com a noiva com quem irá se casar
.
Nesse momento, ele saiu do transe e respondeu: Você acertou. Sonho, de fato, em receber uma esposa. É de tal beleza a minha noiva que não pode haver nenhuma mais nobre, nem mais rica, nem mais bela
.
Nem mesmo Francisco sabia ainda quem seria ela.
Depois disso, em vez de se engajar nos folguedos dos jovens ricos de Assis, preferia retirar-se a uma gruta no campo. Aí se recolhia em profunda meditação. Até que, um dia, a Voz lhe revelou quem seria a sua doce esposa.
A noiva que o Céu iria lhe entregar se chamava Pobreza.
Sem questionar o que a Voz lhe dizia, optou por desposar a Pobreza. Nela encontrou a doçura que tanto procurava nas coisas do mundo. Depois disso, a vida de Francisco passou a ser exemplo de humildade e entrega a 24
Ômar Souki
Deus. Foi assim que ele encontrou, em Deus, o prazer que procurava nas coisas do mundo.
Mesmo sendo educado por franciscanos e conhecendo a vida de Francisco, Otávio teimou em procurar mais. Ao contrário de Francisco, ele insistiu em buscar no mundo a resposta para a sua existência. Isso o levou a uma caminhada mais longa do que a daquele Santo, mas, no final, encontrou a Voz. Para Otávio, a Voz veio através de Maria, a Mãe de Jesus.
Sentia que o resgate de suas raízes ajudaria
a sustentar o voo da borboleta azul.
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Ômar Souki
Capítulo 4
Quem somos