Reindustrialização: para o desenvolvimento brasileiro
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Sobre este e-book
A obra, organizada em cinco capítulos, é uma coletânea das provocações, diagnósticos e resultados de estudos elaborados pelo Grupo de Pesquisas "Desenvolvimento e Política Econômica" (DEPE), da PUC-SP, e empreende uma ampla discussão a respeito dos limites impostos pela desindustrialização, bem como sobre as possiblidades da reindustrialização brasileira como política de desenvolvimento econômico e social.
Bastante articulado e denso, o livro apresenta tanto reflexões teóricas em torno da temática quanto uma análise aguda do quadro internacional e da posição brasileira nesse cenário.
O movimento de olhar para o passado e para o presente e apontar caminhos futuros fica evidente nas palavras dos próprios coautores, que assim condensam a questão: "a situação da economia brasileira remete a um movimento de retrocesso dos condicionantes elementares do desenvolvimento em nosso país. Na verdade, um retrocesso que coloca hoje o Brasil na posição de candidato à periferia do sistema global, quando expõe sua condição de mero exportador de alimentos e bens primários no mercado mundial e importador de produtos que antes produzíamos ou que poderíamos estar produzindo".
"Por outro lado, tanto a nossa experiência de industrialização no século XX quanto as boas práticas internacionais nos apontam um caminho de saída para o desenvolvimento. A enorme potencialidade do país nos campos energético, agrícola, hídrico e da biodiversidade nos coloca em situação ímpar de reverter a desindustrialização e trilhar o caminho do desenvolvimento sustentável e criador de oportunidades".
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Reindustrialização - Antonio Corrêa de Lacerda
CAPÍTULO I
A REINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
ANTONIO CORRÊA DE LACERDA
A desindustrialização precoce da economia brasileira representa um claro fator limitador do desenvolvimento. Ao contrário de países ricos, o Brasil perde participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB), sem que ela tivesse contribuído para a ampliação da renda per capita do país. Portanto, reindustrializar a economia brasileira se torna imprescindível.
A guerra Rússia-Ucrânia, assim como os impactos da Pandemia de Covid-19 denotam as vulnerabilidades da economia global, especialmente no que se refere às cadeias internacionais de suprimentos (CIS). Há várias frentes de contágio internacional sob o ponto de vista econômico: o financeiro, envolvendo os fluxos de capitais; o cambial, movimento das moedas; o de preços, com o aumento dos preços das commodities: grãos, energia etc. Mas é na esfera da produção que as mudanças em curso chamam mais atenção.
Várias frentes de produção sofreram rompimento de fornecimento, em especial o complexo químico-fármaco, mas também o automotivo e eletroeletrônico, com a carência de microprocessadores e IFAs. A guerra atual aponta para mais um complicador, a segurança de fornecimento.
Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), admitiu, surpresa com os impactos negativos da guerra, especialmente que: Não sabíamos que as cadeias produtivas estavam tão frágeis
. O fato é que, diante da situação de guerra física, tem se acirrado a guerra econômica das sanções impostas à Rússia e a réplica desta, não sem impactos na economia internacional.
Diante do impasse, as economias tendem a se fechar, na velha máxima Farinha pouca, meu pirão primeiro
. Os EUA, que desde o início do Governo Biden havia tomado várias medidas protecionistas, tem intensificado suas ações nesse sentido. A Europa, também, por óbvio tem tomado suas precauções.
A precariedade das CIS revela, especialmente para os países em desenvolvimento, por outro lado a premência da busca da segurança de fornecimento. É a reversão dos pressupostos da globalização fortemente disseminada a partir da década de 1990 do século passado.
A despeito de vantagens competitivas advindas da especialização e do suprimento global de produtos e serviços, o fato é que o fator previsibilidade quanto a fenômenos como catástrofes, pandemias e epidemias, guerras e conflitos étnicos foram claramente subestimados.
Para o Brasil, especialmente nossa vulnerabilidade de fornecimento escancara a necessidade de uma revisão do nosso papel nas CIS. Tornar-se apenas fornecedor de commodities, além dos efeitos deletérios sobre a capacidade de geração de valor, com impactos no emprego e renda, também nos tornou excessivamente dependentes em muitas outras áreas.
É viável reverter a desindustrialização em curso no Brasil e promover uma reindustrialização. No entanto, isso não será fácil, tampouco será algo automático, ou natural. Terá que ser um processo induzido, mediante a criação de um ambiente macroeconômico mais favorável à produção, a adoção de políticas de competitividade (ou seja, políticas industrial, comercial e de inovação), além do fomento à inovação e cultura empresarial (com o intercâmbio universidade-institutos de pesquisa-empresas).
Vale destacar que as três esferas citadas: macro, meso e micro são complementares e interdependentes entre si. A falsa ideia da compensação
não funciona, até mesmo porque é impossível balancear a competitividade, ainda mais em uma economia global, com base apenas em uma das vertentes.
É importante ainda ressaltar que se reindustrializar não é para quem quer, mas para quem pode. E o Brasil pode! Primeiro, porque detém economias de escala e de escopo. Explique-se que tem um mercado consumidor dos maiores do mundo, o que viabiliza muitas atividades por aqui. Isso é para poucos.
Mas, se nosso país é detentor de tamanha potencialidade, por outro lado há aspectos contrários; a política econômica de cunho liberal; a ausência de um pensamento econômico da produção por parte das entidades representativas da indústria; e o pensamento único
vigente no (falso) debate econômico que chega ao grande público basicamente via os grandes meios de comunicação.
A política econômica em vigor no Brasil, além de limitada, ultrapassada e restrita causa estragos. Um deles, nessa visão simplificadora e sob o argumento da racionalização, foi a junção de vários antigos ministérios em um único, o da Economia. Na verdade, seria muito mais o das Finanças. Os ex-ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e Comércio Exterior, do Emprego e Trabalho (que já havia incorporado o da Previdência) estão agora sob um mesmo chapéu. Mas, muito ao contrário do prometido, a junção tirou da agenda todos os aspectos envolvidos na questão da indústria. Não há interlocutores qualificados e empoderados para dialogar com o setor produtivo. Este, envolvido pelo pensamento dominante, também, com raras exceções, não consegue apresentar e defender uma agenda alternativa. Prevalece o desgastado discurso inócuo das tais reformas
nem sempre explicitadas e a visão equivocada do ajuste fiscal
, do Estado mínimo e outras.
1 O quadro econômico recente
A pandemia de coronavírus (Covid-19), além de imenso flagelo humano e social para o mundo todo, também traz consequências gravíssimas para a economia mundial, provocando uma recessão. O impacto para a atividade econômica no Brasil implicou uma contração superior a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. O desempenho de 2021, embora estatisticamente positiva, representa apenas a retomada do nível de atividades de 2019. O quadro de 2022 depende, além da extensão da pandemia, principalmente da ousadia, agilidade e eficácia na adoção de políticas e medidas de contraponto à crise.
Nesse sentido, alguns aspectos devem ser considerados: o primeiro é que, bem antes da situação recente, a economia brasileira já vinha apresentando um quadro continuado de estagnação. No acumulado 2017-2019, o PIB per capita não cresceu mais do que apenas 0,3% ao ano, depois da queda de 6% acumulada em 2015-2016. Os investimentos, medidos pela formação bruta de capital fixo (FBCF) estavam em 2020 em um nível cerca de 25% inferior a 2014.
O aumento da nossa dependência de produção e exportação de commodities, ou de produtos de baixa complexidade e valor agregado, nos pega em cheio na atual crise. Além disso, também nos tornamos dependentes de partes e componentes produzidos em regiões da China que têm sido fortemente afetadas, prejudicando a produção brasileira.
O aumento da incerteza exacerba a volatilidade dos mercados, com impactos nos juros, câmbio e bolsas. Ao longo de 2020 esses efeitos combinados provocam uma postergação, ou mesmo cancelamento de novos projetos, investimentos e contratações, aprofundando a contração da atividade.
Diante desse quadro, a adoção de um conjunto de políticas e medidas anticíclicas por parte do Estado se mostram imprescindíveis. Para o Brasil, especialmente, dada a nossa extrema desigualdade regional e de renda, além da elevada vulnerabilidade de milhões de cidadãos, essas medidas se tornaram ainda mais cruciais.
• O primeiro aspecto é que foi e é preciso garantir recursos para ampliar capacidade de atendimento da Saúde. O avanço da pandemia nos exige um esforço extraordinário para ampliar a imunização da população via vacinação em massa, buscando reduzir a propagação da doença e a mortalidade;
• Também é fundamental que o programa complementar de renda básica propicie condições mínimas para parcela da nossa população mais exposta, como os em situação de rua, os trabalhadores informais e os desempregados em um sentido amplo;
• Para a retomada, torna-se ainda fundamental ampliar o crédito e financiamento para as empresas e famílias, mas em condições bem mais favoráveis do que se dispõe atualmente.
Todas as políticas e medidas adotadas em contraponto à crise implicam um custo expressivo. É um montante significativo de gastos, mas não fazê-lo significaria um custo econômico e social muito mais elevado, dado o aprofundamento da depressão e de seus efeitos como a quebra de empresas, aumento do desemprego e colapso da renda e também da arrecadação tributária, provocando forte impacto fiscal negativo.
Enfrentar a crise exige romper paradigmas, o que, juntamente com uma boa gestão, se faz determinante para amenizar os seus efeitos. A oportunidade que se apresenta é aproveitar a desvalorização do real para criar programas de estímulo à reindustrialização/reconversão produtiva para suprir nossas necessidades e também criar novas oportunidades de emprego e renda.
O desempenho pífio da economia nos últimos anos tem impactado diretamente o mercado de trabalho. A taxa de desocupação é de 14,1%, em relação à População Economicamente Ativa (PEA), no trimestre de setembro a novembro de 2020. Com esse resultado, o IBGE estima que existiam 14 milhões de pessoas desocupadas no Brasil. Mais grave ainda é o resultado da taxa de subutilização da força de trabalho (pessoas desocupadas e subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas), que reflete uma visão mais ampla e realista da situação do mercado de trabalho. Essa taxa total atinge 29%, equivalente a 32,2 milhões de pessoas.
Como cada desempregado a mais é um consumidor a menos, a retração do consumo dos que se encontram sem ocupação é o maior receio dos que permanecem empregados, o que faz com que a demanda desabe. Além disso, o crédito continua muito caro, a despeito do fato de que a taxa de juros básica (Selic) ter sido reduzida em 2020 para patamar historicamente baixo para padrões brasileiros. Com a elevação em 2021, o quadro ficou ainda mais complexo.
Também chama a atenção a ausência de políticas e medidas que impulsionem a produção, os investimentos e o consumo. O governo federal e a sua equipe econômica têm enfatizado seu discurso no papel das reformas como fator de confiança, reversão das expectativas e retomada das atividades. Trata-se, no entanto, de superestimar o seu efeito sobre as expectativas, assim como na ação do mercado para isso.
É preciso ir muito além do que medidas paliativas e pontuais como a liberação ocorrida de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ou a antecipação do pagamento do 13º salário a aposentados. Embora possa ter algum efeito positivo sobre a demanda, as medidas citadas representam um impacto limitado e localizado, sem poder para representar uma reversão do quadro de apatia vigente.
Para se criar um ambiente mais favorável ao crescimento, a equipe econômica precisa diversificar suas estratégias e medidas, uma vez que muitas delas têm um tempo de maturação considerável.
Mas, para além disso, o Governo carece de melhorar a articulação, tanto internamente, quanto na sua relação com os demais poderes e os agentes econômicos. Da mesma forma, precisa ir além do samba de uma nota só
do discurso da necessidade das reformas e seu papel na chamada confiança
. É preciso elaborar, apresentar e implementar um conjunto mais abrangente de medidas para acelerar a recuperação da economia.
A questão fiscal é relevante, mas é preciso lembrar que, sem crescimento econômico, qualquer tentativa de ajuste esbarra no impacto restrito da arrecadação em função da fraca atividade econômica. Portanto, fomentar a atividade econômica, dado o seu efeito multiplicador, produz impactos positivos sobre a arrecadação tributária e, consequentemente, sobre o quadro fiscal.
Na contramão, insistir no discurso autofágico dos cortes de gastos, inclusive investimentos públicos, que já se encontram no menor nível histórico, não contribui para reverter o quadro adverso que persiste há anos.
No âmbito da macroeconomia, especialmente os aspectos fiscal, monetário e cambial, são elementos cruciais para o crescimento em bases sustentadas. Tendo em vista as circunstâncias do cenário internacional e doméstico, como, por exemplo, o impacto da queda da arrecadação devido à crise, as vinculações orçamentárias e outros, as questões mencionadas definirão o rumo dos próximos anos.
Na questão fiscal, além da menor arrecadação decorrente da crise e do baixo crescimento econômico, destaca-se a restrição imposta pela Emenda Constitucional (EC) 95, que limita a expansão dos gastos públicos, e tende a cada vez mais reduzir o investimento público, como de fato já vem ocorrendo.
A aposta em que a prometida austeridade
levaria ao resgate da confiança que pudesse estimular a realização de investimentos e produção não tem dado resultado. Os investimentos, medidos pela formação bruta de capital fixo, embora ora apresentem leves sinais de reação, ainda se encontram em um nível médio cerca de 25% inferior ao observado em 2014, antes do início da crise. É inegável que a confiança seja importante. No entanto, ela, por si só, não garante um ambiente promissor para estimular a produção, o consumo e os investimentos.
2 A crise na indústria e seus impactos
A crise no setor industrial brasileiro é estrutural e persiste há anos. Vários fatores estruturais têm impactado negativamente a indústria brasileira, que vive os efeitos da