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Direito Privado: concepções jurídicas sobre o particular e o social: Volume 5
Direito Privado: concepções jurídicas sobre o particular e o social: Volume 5
Direito Privado: concepções jurídicas sobre o particular e o social: Volume 5
E-book181 páginas2 horas

Direito Privado: concepções jurídicas sobre o particular e o social: Volume 5

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Sobre este e-book

A Editora Dialética chega ao volume 5 da coletânea de Direito Privado: concepções jurídicas sobre o particular e o social, honrando seu propósito de fornecer aos leitores e estudiosos do Direito conhecimento técnico jurídico acessível e de qualidade.

O presente volume debruça-se sobre o Direito Empresarial, em detida análise sobre os tormentosos aspectos da recuperação judicial em suas mais diversas esferas. Sem, contudo, deixar de tratar do Direito Civil, especialmente do Direito das Famílias e do Direito das Sucessões.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de nov. de 2022
ISBN9786525266978
Direito Privado: concepções jurídicas sobre o particular e o social: Volume 5

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    Direito Privado - Luciana Fernandes Berlini

    A APLICAÇÃO DISCRICIONÁRIA DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

    Carlos Alberto Doering Zamprogna

    Mestre

    http://lattes.cnpq.br/6115256486753289

    [email protected]

    DOI 10.48021/978-65-252-6699-2-C1

    RESUMO: O princípio da preservação da empresa, elencado no artigo 47 da Lei nº 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas), estabelece que a recuperação judicial visa viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores, preservando assim a função social da empresa. No entanto, o referido princípio tem sido interpretado em uma espécie de prevalência aos demais objetivos preconizados no mesmo dispositivo legal, a exemplo dos interesses dos credores. Assim, considerando que a balança de objetivos prevista na lei prevê o equilíbrio entre os diversos interesses existentes no processo, a fim de se estimular a atividade econômica e alcançar efetivamente a recuperação pretendida, esta dissertação se propõe a analisar em que medida as decisões do julgador podem acabar refletindo mais sua opinião pessoal, do que a fiel observância aos ditames legais expressos na norma. Para tanto, a pesquisa se dispõe a explorar fundamentações variadas de decisões judiciais relacionadas ao referido princípio, bem como sua ratio decidendi, especialmente quando fundadas na adoção de princípios e valores abstratos. Além disso, parte do entendimento de que uma análise equilibrada dos objetivos e interesses de empresas em processos de reestruturação deve conjugar todos os interesses envolvidos, de modo a prestigiar o soerguimento de atividades economicamente viáveis e observar a necessária divisão equilibrada de ônus em processos de recuperação judicial.

    Palavras-chave: Preservação da empresa; Abuso de direito; Recuperação judicial; Discricionariedade; Stay period; Cram down.

    INTRODUÇÃO

    O presente estudo nasce da necessária reflexão quanto aos limites e perigos que permeiam a interpretação judicial e seus eventuais excessos, notadamente com relação à aplicação do princípio da preservação da empresa na recuperação judicial, e os riscos e consequências decorrentes do alto grau de discricionariedade na interpretação deste conceito jurídico. Enquanto o diploma legal estabelece que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a situação de superação da crise econômica do devedor, de modo a preservar a sua função social, manter o emprego de seus colaboradores e estimular a atividade econômica, o lógico propósito de recuperação da atividade em dificuldade ganhou o status de princípio, e, em vista desse conceito abstrato, tem sido aplicado em uma espécie de prevalência a demais dispositivos constantes da LRE.

    Além disso, a própria viabilidade de recuperação da atividade deve ser aferida em conjunto com diversos fatores – alguns dos quais previstos na própria LRE – e com a necessária participação dos credores, de acordo com as regras do processo recuperatório. Assim, a utilização isolada de princípios abstratos, quando interpretados de forma discricionária, além de representar um exercício hermenêutico temerário, pode acabar concedendo o benefício da recuperação a empresas cujas atividades já tenham se tornado inviáveis, traduzindo-se em uma verdadeira interferência judicial nas regras do processo de recuperação e no livre funcionamento do mercado.

    Superar a arraigada cultura jurídica de utilização de conceitos abstratos nesse sentido foi justamente uma das intenções da reforma havida na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (LINDB), quando estipula, em seu artigo 20¹, que as decisões não poderão ser tomadas com base em conceitos jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Em nosso estudo, buscamos demonstrar como decisões tomadas supostamente em nome da preservação da empresa permitem ao juiz julgar de acordo com a sua consciência, não se importando com as consequências práticas de sua decisão e ignorando o texto legal.

    Afinal, ao afastar ou flexibilizar as regras expressamente previstas na Lei, o julgador estará realmente se importando com todos os objetivos previstos no artigo 47 da LRE, ou privilegiará apenas a sobrevivência da empresa em detrimento dos demais objetivos dispostos igualmente no mesmo dispositivo legal?

    Dessa feita, ainda que a jurisprudência pátria tenha consolidado seu entendimento em favor da adoção indiscriminada do princípio da preservação da empresa, nos parece ser necessário investigar as razões de tais decisões e o contexto em que são aplicadas. Por isso, considera-se necessária a análise da justificação e adequação da aplicação do objetivo/princípio de preservação da empresa, e da ponderação e análise que devem ocorrer em cada caso, visto não existir no ordenamento jurídico brasileiro a garantia fundamental à preservação da empresa.

    Pretende-se demonstrar, ainda, que, sob o fundamento – ou subterfúgio – de preservar uma empresa, referido propósito pode estar sendo aplicado de maneira abstrata e indiscriminada, podendo, não raras vezes, causar o efeito contrário ao desejado. Ou seja: a aplicação desmedida do princípio da preservação da empresa pode estar salvando empresas a qualquer custo, sem considerar externalidades que nem sempre serão positivas.

    Assim, propomo-nos a refletir sobre como o julgador chega às conclusões sobre a necessidade de se adotar medidas excepcionais em nome da preservação da empresa, ou se sua análise se restringe à aplicação genérica do princípio, como reforço argumentativo para tomada de decisões em favor da empresa em recuperação. Os resultados desta pesquisa nos inclinam ao fato de que, no Brasil, é possível o afastamento de requisitos legais em nome do soerguimento da atividade empresarial. Por outro lado, como nos processos de insolvência cabe ao Judiciário realizar apenas o controle de legalidade, não sendo possível adentrar nas condições negociadas entre as partes, parece inexistir, na legislação brasileira, algum critério objetivo para aferir os limites econômico-financeiros de um Plano de Recuperação Judicial ou os limites da atuação do Judiciário nestes casos.

    1. DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL: UM NECESSÁRIO GIRO HERMENÊUTICO

    Em nosso sistema legal, é comum nos depararmos com decisões amparadas em conceitos abstratos como moralidade, interesse público, dignidade da pessoa humana, preservação da empresa, dentre outros. Sem descuidar da importância de tais conceitos, balizadores de diversos conteúdos normativos, buscamos entender melhor porque muitas vezes são utilizados como fundamentos únicos na tomada de decisões, sem a devida correspondência em dados ou situações concretas demonstradas no processo.

    Decisões abstratas são tomadas com base em regras de experiência e opiniões próprias do julgador, que muitas vezes não passam de um juízo presuntivo sobre como as coisas acontecem ou deveriam acontecer. E, frequentemente, tais decisões visam atribuir concretude a conceitos principiológicos discricionariamente escolhidos pelo julgador, conforme seus próprios critérios e conveniência.

    No Brasil, é recorrente que julgadores utilizem conceitos abstratos para buscar justificar suas decisões, sem que haja, contudo, uma verdadeira relação com o que está sendo decidido no caso concreto (RODRIGUEZ, 2013). Nessas situações, alegações das partes são interpretadas como fatos provados, por meio de uma conveniência judicial de ocasião, utilizada apenas para atingir os fins judicialmente pretendidos (MORGAN, 1931).

    Tais decisões, normalmente, são justificadas, em nosso ordenamento jurídico, pelo livre convencimento do juiz, conceito surgido dos sistemas de valoração de prova, que se espraiaram por toda a concepção de jurisdição, dos poderes e deveres do juiz no processo (STRECK, 2016).

    Pretendemos, assim, analisar os aspectos relativos à aplicação de conceitos abstratos em decisões, especialmente àquelas relacionadas ao princípio da preservação da empresa, bem como as consequências relacionadas a tais interpretações, sem que estejam acompanhadas das justificações devidas ou da análise das consequências de sua aplicação.

    O advento da Lei n. 13.655/18, que reformou o Decreto Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ou LINDB), e do Decreto n. 9.830/19 inauguraram uma nova fase na interpretação judicial, de prestígio ao pragmatismo e consequencialismo, que juntamente com a análise econômica do direito, vem sendo progressivamente legitimada pelos tribunais superiores, especialmente o STJ e o STF (GABRIEL, 2022).

    Para Posner (2004), o cerne do pragmatismo jurídico é uma elevada consciência judicial em torno das consequências, preferindo uma atenção mais voltada aos fatos e consequências do que a conceitualismos e generalidades. Tais consequências, na nossa visão, envolvem não apenas aspectos sociais (relacionadas aos princípios e aos objetivos da norma, por exemplo), mas também efeitos econômicos ou consequências práticas das decisões, que muitas vezes são distintas das pretensões sociais idealizadas pelo legislador ou almejadas pelo próprio tomador da decisão.

    Nesse contexto, exsurge a importância das recentes alterações promovidas na LINDB, promovidas pela Lei 13.655/18, que expressamente consagram o pragmatismo, como pode se depreender dos seus artigos 5º² e 20³, ambos com a função de balizar a aplicação das leis, e, portanto, da interpretação judicial, em um sentido mais pragmático e consequencialista. Uma nova leitura da LINDB e das normas de interpretação do direito brasileiro busca privilegiar decisões mais qualificadas e garantir maior segurança jurídica, haja vista que o uso retórico de princípios muito vagos vem sendo um elemento facilitador e legitimador da superficialidade e do voluntarismo (SUNDFELD, 2014, p. 225).

    No mesmo sentido, o artigo 21⁴ da LINDB também enaltece o viés consequencialista ao exigir a antecipação das prováveis consequências como requisito decisório da fundamentação da decisão tomada na esfera administrativa, controladora ou judicial. Na visão de Posner (2010), contudo, devem ser ponderadas não só as consequências específicas de cada decisão, mas também as consequências sistêmicas, a exemplo da segurança jurídica, da formação de precedentes etc.

    Já os princípios, na cultura jurídica brasileira, são tidos como mandamentos nucleares ou disposições fundamentais de um sistema (MELLO, 2021, p. 408), enquanto as regras costumam ser definidas como as normas que simbolizam a concretização desses princípios, e, por isso, teriam caráter mais instrumental e menos fundamental. Sendo assim, as regras, ao contrário dos princípios, expressam deveres e direitos definitivos, ou seja, se uma regra é válida, então deve se realizar exatamente aquilo que ela prescreve, nem mais, nem menos (ALEXY, 1986, p. 75).

    Humberto Ávila (1999, p. 167) sustenta que a diferença entre regras e princípios é uma mera diferença no grau de abstração, sendo os princípios mais abstratos do que as regras. Marmor (2005, p. 95) entende que a interpretação é exigida apenas quando a formulação da regra deixa dúvidas sobre sua aplicação a um dado conjunto de circunstâncias. Para o autor, o modo normal de comunicação e entendimento da linguagem no direito envolve simplesmente seguir regras, aplicá-las e não as interpretar, de modo que o direito nem sempre requer interpretação, que apenas aconteceria para resolver uma situação subdeterminada convencionalmente, em que a regra não fosse clara e o direito por si só não determinasse explicitamente a conduta a ser observada.

    No Brasil, é notório que os princípios ganharam elevada importância no ordenamento jurídico, mas igualmente acabam sendo frequentemente utilizados como reforço argumentativo na tomada de decisões, mesmo que os valores cultuados pelos princípios não guardem estrita correlação com os casos submetidos à apreciação e decisão do julgador, situação que acaba abrindo margem para a discricionariedade na interpretação do direito.

    Na linha da doutrina de Alexy e Avila, vemos os princípios como normas jurídicas que constituem deveres de otimização, que serão pautados e aplicados em vários graus, de acordo

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