Petróleo e desenvolvimento humano sustentável: A saúde no licenciamento de refinarias de petróleo no Brasil
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Petróleo e desenvolvimento humano sustentável - José Marcos da Silva
APRESENTAÇÃO
Neste livro, apresentamos aos interessados o resultado de pesquisas que se alinham aos estudos dos processos de vulneração e as nocividades para a saúde frente aos arranjos produtivos em territórios de vida e de trabalho da população brasileira. Pretende-se que seja um livro crítico às rotineiras análises para fins de licenciamento ambiental, que infelizmente são ainda produtos de processos burocratizados. Pensamos que seja uma ajuda aos tomadores de decisão, técnicos dos setores de saúde e de ambiente, estudantes, pesquisadores e a sociedade interessada em controlar o perigo das plantas industriais, especialmente as petroquímicas, entre elas as refinarias de petróleo.
Também propor uma modelagem integrada inovadora para sistematizar dados que oriente a prática de vigilância em saúde no contexto de implantação de grandes empreendimentos. Ao analisar o tema da saúde nos Estudos de Impactos Ambientais de refinarias nos Biomas Amazônia e Mata Atlântica buscou-se valorizar a importância dos ecossistemas para a saúde.
São apresentadas as evidências da omissão voluntárias nos EIAS sobre impactos negativos na saúde, no ambiente, e no bem-estar social. Também ressaltamos a necessária reparação social e ambiental que deveria estar firmada no licenciamento ambiental.
A matriz de dados operacionaliza a compreensão da determinação socioambiental da saúde e foi inspirada em autores como Jaime Breilh, Juan Samaja e Pedro Luís Castellanos.
O livro está organizado em oito capítulos, divididos em duas partes, que sustentam argumentações dos autores e os resultados de pesquisas.
O capítulo 01 introduz o leitor na problemática da indústria do petróleo e suas implicações com ênfase nos impactos ambientais que afetam ecossistemas, biomas e a saúde humana. No capítulo 02 são realizados apontamentos de Ecologia Política no licenciamento ambiental; o capítulo 03 apresenta uma análise do percurso da construção das políticas que articulam saúde e ambiente. A necessária ampliação de perspetivas de atuação no campo da Saúde Coletiva é tema do capítulo 04. No capítulo 05 a Vigilância em Saúde e a construção de indicadores para aplicação ao processo de licenciamento ambiental é uma necessidade para se superar a ausência do tema saúde nos Estudos de Impactos Ambientais (EIAs). O capítulo 07 apresenta os resultados de pesquisa que analisou como é tratado o tema saúde nos EIAs de refinarias de petróleo no Brasil. Por fim, o capítulo 08 traz uma proposição de uma matriz integrada de dados.
José Marcos da Silva
Lia Giraldo da Silva Augusto
Os Autores
PARTE I – BASES CONCEITUAIS
CAPÍTULO 1
PROBLEMATIZANDO O PETRÓLEO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A SAÚDE E AMBIENTE
O cenário da indústria do petróleo é complexo. Nesse capítulo são apontadas implicações sociais e ambientais, especificamente, da cadeia produtiva das refinarias de petróleo, com a finalidade de apresentar a relevância da vigilância em saúde ambiental em matrizes produtivas e energéticas. Para Bayardino (2004), o século XX foi o século do petróleo. Nele houve um significativo crescimento e diversificação das indústrias químicas de transformação em todo mundo. O petróleo ainda é a principal matriz energética no mundo (Internacional Energy Agency, 2004), embora se busque outras fontes alternativas pelo fato de ser uma fonte de energia não renovável, responsável por grande parte da insustentabilidade socioambiental observada na contemporaneidade. A maior demanda vem do setor de transporte, no Brasil, desde 1971, estima-se em 1.000 milhões de toneladas por ano, com aumentos crescentes; para 2026 prevê-se cerca de 5.000 milhões de toneladas (Agência Nacional do Petróleo, 2009).
É na extração, no transporte, no refino, na transformação e no consumo do petróleo que acontece exposição humana aos derivados que são tóxicos e acidentes ambientais ampliados que provocam enormes danos aos ecossistemas e a saúde. A cadeia produtiva do petróleo é energética intensiva e consome enorme quantidade de água. Produz intensa contaminação dos recursos hídricos e do solo nas regiões onde estão instaladas.
No Brasil, a estrutura de produção de petróleo e gás tem passado por importantes modificações no final do século XX (Bielschowsky et al. 2002). Parte devido à Emenda Constitucional n.º 9 de 1995 que eliminou o monopólio de exploração e produção de petróleo e a Lei 9.478 de 1997 que instituiu a Agência Nacional de Petróleo (ANP), que passaram a regular a prospecção e a lavra das jazidas e de hidrocarbonetos fluidos e gás natural; assim como o refinamento de origem nacional ou estrangeira; a importação e exportação dos produtos e derivados; o transporte marítimo do material bruto de origem brasileira e de derivados básicos produzidos no país, bem como o transporte, por dutos, de óleo bruto, seus derivados e de gás natural.
No entanto, o artigo quinto da Lei 9.478 de 1997 abre qualquer uma das atividades previstas, no artigo quarto, para ser executada, mediante concessão, por empresas nacionais e internacionais. A implantação da ANP significou, além de um novo arranjo administrativo, uma mudança de ordem institucional. A sua implantação decorre da alteração dos três pilares básicos da matriz institucional que vigorava até então, tais como: o regime estatal de monopólio de exploração de recursos naturais; a concessão de serviços públicos; e o sistema de organização de indústrias em rede. Essas mudanças implicaram inserção global de exploração de petróleo para o Brasil (Agência Nacional de Petróleo, 2009; Ribeiro, 2011). Com isto a prospecção e exploração se ampliou de modo contínuo, ultrapassando a marca de 639 mil barris/dia. A descoberta do pré-sal e a tecnologia para prospecção marinha em águas profundas criou uma perspectiva de vantagem para o Brasil no cenário internacional (Ribeiro, 2011).
No entanto, uma grande quantidade de novos agentes econômicos nacionais e estrangeiros envolvidos nas atividades de prospeção, produção e transporte criaram dificuldades para o seu controle social (Dieese, 2009). Como por exemplo, no ano de 2019, a fragilização do Plano Nacional de Contingência para prevenção e mitigação de acidentes com petróleo em águas marinhas. A abertura setorial com a participação e novos investimentos da iniciativa privada tem sido observada (Agência Nacional de Petróleo, 2009; Petrobrás, 2003), em obediência a receita neoliberal do consenso de Washington¹. Sob o argumento de que o aumento da produção de petróleo nacional não consegue acompanhar o aumento da demanda por derivados leves
. O comércio internacional tem sido usado para adequar as estruturas de produção e de demanda, exportando óleo cru pesado por um baixo valor, e importando derivados leves
, de maior valor agregado, uma clara desvantagem para o Brasil. Mas foi esse o principal argumento para a instalação de novas unidades de refino voltadas a ampliar a capacidade do país ao patamar de 190 mil barris por dia (Mariano, 2001; Victer, 2003). As refinarias de petróleo de Pernambuco (Refinaria Abreu e Lima) e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), por exemplo, representariam um acréscimo de 350.000 barris diários de petróleo processados (Conselho Federal De Economia, 2006).
Bisset (2009) afirma que entre as décadas de 1950 a 1970 foram desenvolvidas várias técnicas para avaliação de custos e benefícios de projetos, mas que eram inadequadas por não incluir todas as variáveis envolvidas na sua implementação, principalmente aquelas variáveis ligadas à obtenção de matéria-prima, recursos naturais e o impacto social de cada projeto na região de implantação. Nos EUA, a pressão pública na década de 70 obrigou o governo a estabelecer uma política ambiental nacional através da Nepa (National Environment Policy Act), que formulou o método de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) como processo de análise, visando a tomada de decisão (Morris; Therivel, 1995).
No início, a AIA analisava apenas os meios físico e biótico, passando a incluir progressivamente análise de riscos e os aspectos sociais. Em meados dos anos 80 e 90 esta foi atualizada, passando a incluir a análise dos efeitos cumulativos, implementação de uma estrutura de planejamento e de regulamentação visando o estabelecimento de monitoramento, auditoria e de outros procedimentos de regulação (Bhatia; Wernham, 2009; Bisset, 2009; Morris, 1995). Estas mudanças foram motivadas pelo desastre industrial ampliado de Bhopal, em 1984, na Índia, provocado pelo vazamento criminoso de isocianeto de metila da empresa química estadunidense Dow Química, com milhares de mortos e sequelados.
Na década de 1990 houve significante desenvolvimento na metodologia de AIA baseado nos sucessos de sua implantação na Austrália, EUA, Nova Zelândia e Canadá, tendo sido formalmente reconhecido como modelo para outros países, divulgada durante conferência da Eco 92 (Morris; Therivel, 1995). Atualmente este processo está evoluindo para inclusão do conceito de sustentabilidade, mediante o desenvolvimento da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e de novas convenções internacionais, como a da biodiversidade (Bhatia; Wernham, 2009; Bisset, 2000).
Para Bhatia e Wernham (2009) a AIA engloba as atividades necessárias para a viabilização ambiental de um empreendimento de maneira mais adequada, pois apresentam etapas abrangentes como: articulações com uma série de órgãos ambientais, agências reguladoras e demais órgãos envolvidos com o licenciamento ambiental; estudo de localização do empreendimento; elaboração, preparação, envio e acompanhamento da análise de vários documentos necessários para a legalização ambiental do empreendimento, entre eles o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental; participação em audiências públicas ou privadas; obtenção das respectivas licenças ambientais viabilizando o empreendimento ambientalmente e outras atividades. A avaliação de impacto ambiental deve constar do Estudo de Impacto Ambiental, analisando, identificando e quantificando os impactos