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Estudos práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário
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Estudos práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário
E-book246 páginas2 horas

Estudos práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário

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Sobre este e-book

O Direito do Trabalho e Previdenciário tem enfrentado inúmeros dilemas, sobretudo nos tempos hodiernos. O substrato constitucional, por vezes fragmentado, torna o discurso jurídico ainda mais complexo. A imprescindível reflexão faz-se mister quando se toca no amálgama dos pilares assecuratórios da justiça social, se espraiando pelos ordenamentos jurídicos em comento, nos levando a crer que vale a pena construir uma doutrina crítica permeando os meandros jurídicos vivenciados pelos autores desta obra. Esse é o objetivo do nosso livro, unir mestres e aprendizes numa só atmosfera, despertando nos leitores as inquietações que se ativeram nesta passagem, a partir das provocações aqui lançadas. Perpassando pelos desafios em tempos de pandemia, e os seus reflexos nas relações trabalhistas; até que ponto a proteção de dados da seguridade social foi vilipendiada; análises de natureza internacional, numa perspectiva globalizada; interpretações que convergem todos à busca incessante por garantia de Direitos Fundamentais, na proteção de hipossuficientes nas relações jurídico-trabalhistas e previdenciárias.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de out. de 2022
ISBN9786525249711
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    Estudos práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário - Marília Gabriela de Araújo Melo Pereira de Lira

    A SUPREMACIA DA ECONOMIA SUPERAVITÁRIA E O DESRESPEITO AO LEGADO DO DIREITO SOCIAL DO TRABALHO EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19: UM DILEMA SOCIAL E PARADOXAL

    Jonathan Reginnie de Sena Lima¹

    Diego Nieto de Albuquerque²

    Sumário: 1. Introdução; 2. Trabalho, Direito do Trabalho, e Sobrevivência Material; 2.1. O trabalho enquanto atividade plenamente humana; 2.2. O contrato de trabalho como exercício de vontade e liberdade; 2.3. O trabalho como forma de sustento familiar; 3. A tentativa de implosão do Direito Social do Trabalho e as novas medidas de relativização da proteção ao trabalho a partir do contexto da pandemia; 4. Considerações finais.

    1. INTRODUÇÃO

    O universo do trabalho é, por excelência, caracterizado por uma relação díspar, assimétrica: de um lado o empregador, dono dos meios e modos de produção e, doutro, o empregador, que comercializa sua força de trabalho em virtude de uma contraprestação denominada salário. Nessa dinâmica, compreender as implicações intrínsecas à adoção de tal sistema é, de modo preliminar, empreender um esforço de entender as bases da economia e da historicidade na proteção dos seres humanos, envoltos sob a dinâmica constitucional que se descampa em inúmeras áreas.

    Considerando os últimos anos, em que se fez presente a pandemia causada pela COVID-19, há que se ter em mente uma compreensão bastante própria de que as implicações que estão acontecendo concomitantemente aos casos de infecção e mortes exigem de nós uma outra postura em relação ao valor social do trabalho, à dignidade da pessoa humana e até sobre as medidas de proteção e garantia da saúde coletiva. Em tempos de pandemia, deve ser imperativo execrar essa noção de que as vidas humanas valem menos do que a economia nacional e os lucros exorbitantes de algumas empresas, de modo que a dignidade da pessoa humana seja colocada de fato no corolário, na centralidade do sistema jurídico, sob a ótica do Direito Constitucional e mais especificamente, no Direito do Trabalho.

    2.

    TRABALHO, DIREITO DO TRABALHO, E SOBREVIVÊNCIA MATERIAL

    O trabalho como fenômeno, fato/ato humano, transcende épocas; e está intimamente ligado à própria relação do homem com seu entorno, seu meio vivendi. Como já foi posto noutra oportunidade por um destes autores:

    O trabalho, como atividade humana, é algo absolutamente não histórico, no sentido que sempre existiu labor, atividade e trabalho, desde a mais tenra época do homem na face da terra. Não há como mensurar um momento específico em que surge o trabalho. (ALBUQUERQUE, 2018, p. 23)

    Seguindo um pouco mais, coloca, entretanto, que:

    Diferentemente do trabalho, o Direito do Trabalho, como conjunto científico e um sistema de princípios, regras, institutos, preceitos e articulações próprios, tem e é construído num momento histórico completamente bem definido, qual seja: o momento da modernidade, da revolução industrial, do surgimento do capitalismo (...) (ALBUQUERQUE, 2018, p. 23)

    Assim é que, o universo do trabalho na sociedade moderna/industrial passou a receber uma ênfase bastante particular, especialmente naquele aspecto que se referenda ao direito material e suas inúmeras nuances, por apresentar, decerto, uma alternativa de alento àqueles hipossuficientes que necessitavam vender sua força de trabalho pelo pagamento de um salário; e ainda, viabilizar o projeto perpetrado pela revolução industrial por intermédio da sociedade capitalista.

    Essa ciência, na esteira dessas transformações sociais, nasce como uma alternativa à realidade da época para fazer frente às demandas e desafios não só do capital industrial, como também do modelo de sociabilidade daquele novo tempo. Na linha da teoria clássica, pode-se dizer que o pensamento aqui trazido é similar, no seguinte sentido:

    Como se vê, o Direito do Trabalho surgiu em momento histórico de crise, como resposta política aos problemas sociais acarretados pelos dogmas do capitalismo liberal. Seu marco, no contexto mundial, é o século XIX. A disciplina em estudo surgiu quando se tentou solucionar a crise social posterior à Revolução Industrial. (BARROS, 2017, p. 63)

    Atualmente, o trabalho, apesar de ser atividade comum e natural à espécie humana, é também considerado bem jurídico tutelado pelo Estado, de tal maneira que recebeu – ao menos do ponto de vista formal - uma das formas mais importantes na estrutura brasileira, figurando desde o artigo 1º, inciso IV, da Carta Magna de 1988 (CF/88)³ com o seu valor social, perpassando por outros diversos dispositivos do mesmo texto; e ainda recebendo existência própria de um diploma infraconstitucional, qual seja a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). E o direito do trabalho, como ciência que regula esse objeto, não diferente, se estrutura a partir do diálogo intenso também com a Carta Máxima, mormente por meio do Capítulo dos Direitos Sociais (art. 6 ao 11), e as demais fontes infraconstitucionais, a exemplo do Código Civil, como já posto art. 8, §1º, da CLT.

    De outra maneira, é inegável, portanto, a importância que o trabalho adquire na sociedade capitalista numa perspectiva econômica, embora, muitas vezes a remuneração contraprestada em relação ao trabalho desempenhado, não guarde a devida referência merecida com o realizado no contexto geral da produção e da própria precificação da coisa ou do serviço. Esse descompasso, denominado pelos estudos marxistas de mais-valia, e a alienação do empregado em relação ao processo produtivo, é parte integrante do sistema capitalista e possui relação profunda com inúmeras implicações de precarização na dinâmica do mundo do trabalho.

    Conforme destaca o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, DIEESE⁴, em janeiro de 2022 o salário mínimo em prática no País é de R$1.212,00, ao passo que, para dar conta das funções vitais básicas estabelecidas pela própria Constituição em seu inciso IV do art. 7º⁵ seria necessário que o mesmo correspondesse a R$5.997,14. O dissenso abissal praticado entre o ideal e o real solapam a noção de um desenvolvimento equânime e perpetua relações assimétricas entre empregados e empregadores.

    Esta dinâmica, que ao que parece, busca prioritariamente a majoração dos lucros, encontrada no bojo desse arcabouço, e tende a minimizar ou excluir determinadas garantias ou direitos. Para isso, inúmeros mecanismos são criados, por elementos e dinâmicas situacionais e até com normatizações internas como formas de deduzir (ainda que de modo ilegal) valores do salário dos trabalhadores. Por isso, faz-se, assim, necessário revisitar os conceitos essenciais que marcam o Direito do Trabalho.

    Didaticamente André Luiz Paes de Almeida (2018, pág. 30) conceitua que o Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e regras jurídicas aplicáveis às relações individuais e coletivas de trabalho subordinado, de caráter eminentemente social, destinados à melhoria das condições de emprego. Didaticamente, o Direito do Trabalho é o responsável por buscar mecanismos de proteção contra os excessos praticados contra os trabalhadores, quer na dimensão da redução dos riscos ambientais, quer na organização de sistemas de proteção à integridade física, social e psicológica dos empregados.

    Neste mesmo diapasão, Diego Nieto de Albuquerque (2018) analisa o sentido para a existência do Direito do Trabalho e nos indica um pensamento bastante refinado:

    Nesse cenário é que reside a razão ontológica da ciência do direito do trabalho como fiel da balança na relação capital versus trabalho, constituindo suas âncoras fundamentais à luz do princípio básico da proteção do trabalhador que necessita vender sua vida ao patrão (parte de seu tempo) em prol da sobrevivência (obtenção de renda) e aquisição dos bens de consumo e vida. Essa equação organizada, ainda, sob o elemento tradicional da subordinação. (ALBUQUERQUE, 2018, p. 28)

    Desta maneira, é deveras importante situarmos alguns pormenores que serão mais bem abordados em seguida: 1. O trabalho enquanto atividade plenamente humana; 2. O trabalho como exercício de vontade e liberdade; e 3. O trabalho como forma de sustento familiar. Eis que passamos a desenvolver de forma resumida os tópicos anteriormente destacados para melhor compreensão destes elementos tão caros para a sociedade.

    2.1. O TRABALHO ENQUANTO ATIVIDADE PLENAMENTE HUMANAE

    Inicialmente, é inegável que a compreensão de trabalho perpassa por toda atividade humana que modifica conscientemente o meio em que se vive para que se possa produzir intervenções, máquinas, equipamentos ou técnicas que influenciem a vida em sociedade. A consciência é o ponto chave do homem, que, nessa dialética, passa a intervir sobre a natureza, transformando-a em bens de valor comerciáveis na sociedade capitalista, e auferindo renda nesse ciclo. Acontece, assim, o uso da racionalidade humana como elemento diferencial desse processo de criação e usufruto do meio ambiente na qual homem está inserido.

    Inclusive, essa perspectiva do uso dos elementos cognitivos, do pensar, é um enorme traço distintivo da nossa espécie em comparação aos demais seres animais (tidos como irracionais). Vê-se a famosa correlação de Marx (1996, p. 298) entre o homem e a abelha (aranha, ou formiga, como queira):

    Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto, idealmente.

    Ocorre que, com a transformação histórica da sociedade feudal para a sociedade moderna-industrial e capitalista, o uso da racionalidade humana passou atuar convergindo para o sistema de produção, que acabou colocando a importância do trabalho em favor de um sistema econômico de maior valoração nesta relação assimétrica, complementar e diametralmente entre patrões versus empregados. Pensemos, então, que, em suas diversas formas de apresentação, o trabalho é uma atividade plenamente humana, porque precede a necessidade do despertar da consciência e da modificação do meio.

    De modo mais intenso, é a modificação, quer por meios técnicos empregados ou através das chamadas atividades intelectuais, que torna o trabalho fonte das mais importantes modificações da sociedade. É através dele que as grandes revoluções aconteceram: desde a revolução agrícola que determinou o fim da pré-história, até as revoluções tecno-científicas, robóticas e bioéticas mais recentes que ainda impactam consideravelmente nossa sociedade.

    Por outro lado, o Direito, enquanto instrumento social, deu ao longo da história humana, valorações diversas ao trabalho para distintos tempos históricos, de tal forma que há uma forte alternância: em alguns momentos existe uma supervalorização dos trabalhos intelectuais, e ora com a supervalorização dos trabalhos técnicos/manuais. Historicamente, a variabilidade das formas de condução e exploração do trabalho também foi bastante diversa ao longo dos anos desde a escravidão, servidão, vassalagem até as relações mais modernas de exploração do trabalho. E de acordo com as necessidades (criadas ou geradas), as sociedades adequavam e adaptavam-se de acordo com o momento e às demandas sociais emergentes daquele contexto.

    Num desses momentos de ascensão de proteção do trabalho, é que se viu surgir a percepção de Constitucionalismo Social como algo da máxima relevância para o equilíbrio de forças, e garantia da igualdade real entre os sujeitos de direito na sociedade capitalista. Como coloca Gabriela Neves Delgado (2017):

    No Estado Social de Direito, o valor preponderante passou a ser o da igualdade, correspondente não apenas à igualdade formal, mas, sobretudo, à igualdade material, ou seja, as leis deveriam reconhecer materialmente as diferenças, propondo alternativas jurídicas em face da diversidade apresentada. [...]

    A propriedade passou a estar condicionada à função social, sendo considerada um dos fatores condicionantes da ruptura do tradicional esquema do Estado burguês, no qual as Constituições asseguravam restritivamente direitos civis e políticos. (2017, p. 27)

    Sobre este assunto, Diego Nieto de Albuquerque (2018), assim nos indica:

    Essa tecnologia jurídica, destarte, produto típico do projeto de modernidade e do capitalismo industrial, se vale então da lógica protetiva da mão da obra para garantir minimamente a estabilidade dessa confusa e latente relação de patrão e empregado (a famosa luta de classes), como maneira de viabilizar a sustentação do capitalismo no planeta, sob pena do seu não desenvolvimento, do aparecimento de novos conflitos, instabilidade social e por conseguinte, não perpetração dos lucros. (ALBUQUERQUE, 2018, p. 27)

    Entretanto, ao longo do século atual, especialmente nesses últimos anos, parece que o sistema jurídico tem sofrido consideráveis transformações, no sentido que as relações de trabalho ficaram bastante focadas numa tentativa de flexibilização das instituições garantidoras do Direito aos trabalhadores: sindicatos, corpo técnico/administrativo de órgãos representativos e alterações em legislação temática especial. Inúmeras foram as investidas, quer judiciais, quer legislativas, que incidiram (e ainda incidem) fortemente contra o Direito do Trabalho.

    2.2.

    O CONTRATO DE TRABALHO COMO EXERCÍCIO DE VONTADE E LIBERDADEE

    O trabalho, como dito anteriormente, é uma atividade humana de modificação que predispõe a consciência. Neste sentido, é o exercício também de uma vontade, uma disposição para exercer uma atividade ou função, comumente através do pagamento de um salário ou remuneração. É, também, a vontade de pactuar contrato, quer de prestação de serviço (por tempo determinado ou indeterminado) ou produção de bens, com aquele que detém os meios/modos de produção, e que exprime a necessidade, ou vontade de realização de determinado serviço ou da obtenção de determinado bem.

    Depreende-se, assim, que a vontade - embora se possa percorrer o debate se existente por completo do ponto de vista filosófico -, comporta determinados espaços de deliberação e, neste sentido, abre escopo para que alguns pontos possam ser pactuados, por mais que boa parte das cláusulas do contrato sejam pré-estabelecidas.

    Existe a liberdade se, através de um liame denominado contrato (lato sensu) há, de um lado alguém que possui meios/modos/necessidade/vontade, de pactuar (contratante, tomador de serviço) com aquele que se ache capacitado para executar a tarefa, quer seja um serviço ou a produção de um bem (doravante denominado de trabalhador, empregado ou prestador), mediante pagamento, doutra banda, de uma remuneração satisfatória. Por essa lógica, há, por sua história garantista, uma tradição de atribuir a hipossuficiência jurídica aos trabalhadores em contrapartida à condição comumente assimétrica de superioridade econômica do contratante.

    Acontece que, paralelamente, há na lógica neoliberal de estruturação dos fatores econômicos, a importância do contrato a partir do momento que a relação jurídica se estabelece e através de uma condição de exploração e subordinação. O Estado brasileiro tem como corolário a proteção do trabalhador porque este é, de fato, a parte mais frágil da relação, a mais exposta às intempéries e acidentes; e a hipossuficiência repousa (ou ao menos, deveria repousar), na prática, sobre aquele a quem as condições de vida costumam estar em um nível consideravelmente inferior àquele que contrata. E esse é um ponto da máxima relevância de quem se propõe observar às relações sociais e produtivas no atual momento.

    Em verdade, o que se quer dizer é que nada obstante os avanços socio-constitucionais do século XX, o sistema jurídico contemporâneo acerca do trabalho, sob a bandeira da vontade e liberdade, passa apresentar uma nova dinâmica de funcionamento em sua órbita a partir da reformulação do próprio paradigma do capitalismo desse tempo. Dessa maneira, detalhando sobre essa nova realidade que se apresenta, Jorge Pinheiro Castelo (2017, p. 51), pela inspiração da clássica expressão de Zygmunt Bauman, aponta: A flexibilidade e a volatilidade são os slogans da pós-modernidade líquida, do capitalismo líquido e do direito do trabalho líquido.

    2.3.

    O TRABALHO COMO FORMA DE SUSTENTO FAMILIARE

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