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Memórias Póstumas de Brás Cubas: The Posthumous Memoirs of Bras Cubas: Edição bilíngue português-inglês
Memórias Póstumas de Brás Cubas: The Posthumous Memoirs of Bras Cubas: Edição bilíngue português-inglês
Memórias Póstumas de Brás Cubas: The Posthumous Memoirs of Bras Cubas: Edição bilíngue português-inglês
E-book665 páginas10 horas

Memórias Póstumas de Brás Cubas: The Posthumous Memoirs of Bras Cubas: Edição bilíngue português-inglês

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Sobre este e-book

Machado de Assis, o grande Bruxo do Cosme Velho, é reconhecido no mundo todo como um dos maiores escritores da língua portuguesa.

A EDITORA LANDMARK lança pela primeira vez em uma exclusiva edição bilíngue português-inglês uma das maiores obras do grande escritor brasileiro Machado de Assis: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: THE POSTHUMOUS MEMOIRS OF BRAS CUBAS.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: THE POSTHUMOUS MEMOIRS OF BRAS CUBAS é uma obra que revolucionou o romance brasileiro, pelo fato de que com esta obra Machado de Assis revolucionou o formato do romance através da subversão de padrões do Romantismo. De cunho realista, mas sem ter as características da crítica agressiva de outros escritores do Realismo, como Eça de Queirós em Portugal, a força da obra está na crítica sutil e na grande inteligência do autor.

Em MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: THE POSTHUMOUS MEMOIRS OF BRAS CUBAS a crítica é feita focando a burguesia por dentro, ou seja, o escritor parte de um ponto de vista psicológico, e com isso, consegue combater Romantismo na sua essência através de personagens verossímeis que cabe ao leitor julgar e colocando-se em reflexão, por exemplo, a questão da ociosidade burguesa.

Publicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância, quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador. A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia.
IdiomaPortuguês
EditoraLandmark
Data de lançamento28 de set. de 2022
ISBN9788580700701
Memórias Póstumas de Brás Cubas: The Posthumous Memoirs of Bras Cubas: Edição bilíngue português-inglês
Autor

Machado De Assis

Joaquim Maria Machado de Assis (1839–1908) is widely considered one of the most innovative Latin American authors and is best known for his two masterpiece novels, Memórias Póstumas de Bras Cubas and Dom Casmurro. He was also the founding president of the Brazilian Academy of Letters (1896), a position he held throughout the rest of his life.

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    Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado De Assis

    Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS

    Joaquim Maria Machado de Assis, highly acclaimed as one of the greatest literary names in Brazil, was born on 21st June, 1839 in the city of Rio de Janeiro. Grandson of freed slaves, he was raised in a poor family and did not have a regular education, however, due to his enormous interest in literature, he became a self-taught man. In 1860 he started to collaborate with the Diário do Rio de Janeiro and that decade marks the outset of almost all his theatrical comedies and Crisálidas, a book of poems.

    In 1869, after wedding Carolina de Novaes, he had access to Portuguese and English literature and, in the following decade, published a series of novels, such as A Mão e a Luva (1874) and Helena (1876), gaining noteworthy recognition from the public and critics. So far, his literary production had markedly been romantic, but in the following decade he underwent a major stylistic and thematic change, starting Realism in Brazil with the publication of The Posthumous Memoirs of Bras Cubas (1881) and the works Quincas Borba (1891) and Dom Casmurro (1899). From then on, irony, pessimism, critical spirit and a deep reflection on Brazilian society would become the main features of his works, which also include poems, short stories, translations and plays.

    At the beginning of the twientieth century, after founding the Brazilian Academy of Letters and the loss of his wife Carolina, he began to seclude himself and his health deteriorated. His last two novels date from that time: Esau and Jacob and Memorial de Aires.

    Machado de Assis died at his home in Rio de Janeiro on 29nd September, 1908 and his burial was followed by a crowd.

    Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS

    Joaquim Maria Machado de Assis, considerado um dos maiores nomes literários do Brasil, nasceu em 21 de junho de 1839 na cidade do Rio de Janeiro. Neto de escravos alforriados, foi criado numa família pobre e não teve uma instrução regular, porém, devido ao seu enorme interesse pela literatura, conseguiu se instruir por conta própria. Em 1860 passou a colaborar para o Diário do Rio de Janeiro e é dessa década que datam quase todas suas comédias teatrais e Crisálidas, um livro de poemas.

    Em 1869, após o seu casamento com Carolina de Novais teve acesso à literatura portuguesa e inglesa e, na década seguinte, publica uma série de romances, tais como A mão e a luva (1874) e Helena (1876), vindo a obter reconhecimento do público e da crítica. Até então a sua produção literária era marcadamente romântica, mas na década seguinte sofre uma grande mudança estilística e temática, iniciando o Realismo no Brasil com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e as obras Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). A partir de então a ironia, o pessimismo, o espírito crítico e uma profunda reflexão sobre a sociedade brasileira tornar-se-ão as principais características das suas obras que também abrange poemas, contos, traduções e peças teatrais.

    No início do século XX, após fundar a Academia Brasileira de Letras e perder a esposa Carolina, passou a isolar-se e a sua saúde deteriorou. Dessa época datam os seus dois últimos romances: Esaú e Jacó e Memorial de Aires.

    Machado de Assis morreu em sua casa no Rio de Janeiro no dia 29 de setembro de 1908 e o seu enterro foi acompanhado por uma multidão.

    MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

    ***

    THE POSTHUMOUS MEMOIRS OF BRAS CUBAS

    To the worm that first gnawed the cold flesh of my corpse I dedicate these Posthumous Memoirs as nostalgic reminiscence.

    Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas.

    Terceira Edição:  PRÓLOGO

    A primeira edição destas Memórias Póstumas de Brás Cubas foi feita aos pedaços na Revista Brasileira[1], pelos anos de 1880. Postas mais tarde em livro, corrigi o texto em vários lugares. Agora que tive de o rever para a terceira edição, emendei ainda alguma coisa e suprimi duas ou três dúzias de linhas. Assim composta, sai novamente à luz esta obra que alguma benevolência parece ter encontrado no público.

    Capistrano de Abreu, noticiando a publicação do livro, perguntava: As Memórias Póstumas de Brás Cubas são um romance? Macedo Soares, em carta que me escreveu por esse tempo, recordava amigamente as Viagens na minha terra[2]. Ao primeiro respondia já o defunto Brás Cubas (como o leitor viu e verá no prólogo dele que vai adiante) que sim e que não, que era romance para uns e não o era para outros. Quanto ao segundo, assim se explicou o finado: Trata-se de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne[3] ou de um Xavier de Maistre[4], não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Toda essa gente viajou: Xavier de Maistre à roda do quarto, Garret na terra dele, Sterne na terra dos outros. De Brás Cubas se pode dizer que viajou à roda da vida.

    O que faz do meu Brás Cubas um autor particular é o que ele chama rabugens de pessimismo. Há na alma deste livro, por mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero, que está longe de vir de seus modelos. É taça que pode ter lavores de igual escola, mas leva outro vinho. Não digo mais para não entrar na crítica de um defunto, que se pintou a si e a outros, conforme lhe pareceu melhor e mais certo.

    Machado de Assis.

    [1]  REVISTA BRASILEIRA é uma revista literária brasileira criada em 14 de julho de 1855 e que atualmente tem funcionado como a revista oficial da Academia Brasileira de Letras; ao longo da sua história, publicou obras de Machado de Assis, Sílvio Romero, Fagundes Varela e vários outros escritores brasileiros.

    [2]  VIAGENS EM MINHA TERRA, romance do autor português João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799/1854), publicado em 1846 e uma das obras clássicas da língua portuguesa.

    [3]  LAURENCE STERNE (1713/1768) foi um romancista irlandês e autor de UMA VIAGEM SENTIMENTAL À FRANÇA E À ITÁLIA (1768).

    [4]  XAVIER DE MAISTRE (1763/1852) foi um escritor francês e autor de VIAGEM AO REDOR DO MEU QUARTO (1794).

    Third Edition: PROLOGUE

    The first edition of these Posthumous Memoirs of Bras Cubas was weekly published in the Revista Brasileira[1], in the 1880s. Later, turned into a book, I proofread it thoroughly. Now that I had to revise it for the third edition, I still amended something and deleted two or three dozen lines. Once it was done, this writing comes out again, a work that seems to have found some benevolence in the audience.

    Capistrano de Abreu, announcing the publication of the book, asked: Are The Posthumous Memoirs of Bras Cubas a novel? Macedo Soares, in a letter that he wrote to me at that time, amicably recalled Viagens na Minha Terra[2]. To the first, the deceased Bras Cubas provided the answer (as the reader saw and will see in his prologue that follows) that yes and no, that was a novel for some and not for others. As for the second, that is how the deceased explained: This is a diffuse work, in which  I, Bras Cubas, having adopted the free form of a Sterne[3] or a Xavier de Maistre[4], I don’t know if I put in it some pessimistic cantankerousness. All these people travelled: Xavier de Maistre around the room, Garret in his land, Sterne in the land of others. When it comes to Bras Cubas, it can be said that he travelled around his own life.

    What makes my Bras Cubas a particular author is what he calls pessimistic cantankerousness. There is in the soul of this book, as bright as it sounds, a bitter and rough feeling, a far cry from its models. It is a glass that harbours works of equal school, despite taking another wine. I say no more so as not to enter into the critique of a deceased, who painted himself and the others as he thought best and most certain.

    Machado de Assis.

    [1]  REVISTA BRASILEIRA is a Brazilian literary magazine created on 14th July, 1855, which currently has functioned as the official magazine of the Brazilian Academy of Letters, and which throughout its history has published works by Machado de Assis, Silvio Romero, Fagundes Varela and several other Brazilian writers.

    [2]  TRAVELS ON MY LAND, a novel by Portuguese author João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799/1854), published in 1846 and one of the classical works of the Portuguese language.

    [3]  LAURENCE STERNE (1713/1768) was an Irish novelist and author of A SENTIMENTAL JOURNEY TO FRANCE AND ITALY (1768).

    [4]  XAVIER DE MAISTRE (1763/1852) was a French writer and author of VOYAGE AROUND MY ROOM (1794).

    Ao LEITOR

    Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte e, quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.

    Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso e, aliás, desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.

    Brás Cubas

    To the READER

    Once Stendhal had confessed he had written one of his books to a hundred readers, it is a fact that wonders and dismays. What comes as no surprise, and will probably not dismay, is if this other book does not have the Stendhal’s one hundred readers, not fifty, not twenty, ten, give or take. Ten? Perhaps five. It is, actually, a diffuse work, in which I, Bras Cubas, having adopted the free form of a Sterne, or a Xavier de Maistre, I do not know if I put in it some pessimistic cantankerousness. It can be. Work of a deceased one. I wrote it with the quill of jest and the ink of melancholy, and it is not difficult to foresee what might come out of this conundrum. Moreover, serious people will find in the book some appearances of pure romance, whereas frivolous people will not find their usual romance in it; there it is, deprived of the esteem of the serious and the love of the frivolous, who are the two maximum pillars of opinion.

    But I still hope to fall into the arms of opinion, and the first remedy is to escape an explicit and long prologue. The best prologue is the one that contains fewer things, or the one that reads them in an obscure and truncated way. Consequently, I avoid telling you about the extraordinary process I used in the composition of these Memoirs, worked here in the other world. It would be curious, but extremely extensive, and moreover unnecessary to the understanding of the work. The work itself is everything: if it pleases you, fine reader, I myself carried out the task; if it does not please you, I’ll knock you on the head, and goodbye.

    Bras Cubas

    1. Óbito do AUTOR

    Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

    Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi[1]. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos[2] e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova:

    Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.

    Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, a filha – um lírio do vale – e... Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos, não parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.

    Morto! morto! dizia consigo.

    E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante[3] viu desferirem o voo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos – a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão[4] da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma.

    Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia e, todavia, é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.

    [1]  CATUMBI, bairro localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, é um dos seus bairros mais antigos, que possuía imponentes casas de campo, residências e estabelecimentos comerciais da pequena classe média.

    [2]  Antiga moeda do Brasil usada desde os primeiros dias da época colonial e que permaneceu em uso até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro. Um conto de réis era equivalente a um milhão de réis. Na época, um conto correspondia a cerca de 550 dólares, uma quantia significativa à época.

    [3]  O autor se refere a François René Auguste de Chateaubriand (1768/1848) e sua obra VIAGENS PELA GRÉCIA, PALESTINA, EGITO E BARBÁRIA, DURANTE OS ANOS DE 1806 E 1807.

    [4]  Aqui, o autor se refere ao TINHORÃO, uma planta ornamental com grandes folhas mosqueadas de duas ou mais cores.

    1. Author’s DEATH

    For some time I hesitated whether I should open these memoirs at the beginning or at the end, that is, whether I would put my birth or my death first. Assuming vulgar use is to begin at birth, two considerations led me to adopt a different method: the first is that I am not exactly a deceased author, but an author deceased, for whom the grave was another cradle; the second is that a writing like this would be more gallant and newer. Moses, who also told of his death, did not put it in the prelude, but in the conclusion: a radical difference between this book and the Pentateuch.

    That being said, I expired at two o’clock in the afternoon of a Friday of August 1869, in my beautiful farmstead at Catumbi[1]. I was about sixty-four years old, tough and prosperous, single, I had about three hundred contos[2], and I was accompanied to the cemetery by eleven friends. Eleven friends! Truth is there were no letters or announcements. In addition, it was raining – a light, sad and constant rain was falling, so constant and so sad that it led one of those last-minute believers to intersperse this ingenious idea in his eulogy at the edge of my grave:

    You, gentlemen, who have known him... You can say with me that nature seems to be mourning the irreparable loss of one of the most beautiful characters that have honoured mankind. This gloomy air, these drops of the sky, those deeply shaded clouds that cover the blue like a funereal crepe, all this is the raw and evil pain that gnaws at Nature the deepest innards; all this is a sublime praise to our illustrious deceased.

    Good and faithful friend! No, I don’t regret the twenty government bonds I left him. And that was how I came to the end of my days; that was how I headed for Hamlet’s undiscovered country, without the young prince’s anxieties or doubts, but paused and stumbling as someone that leaves the spectacle late. Late and boring. About nine or ten people saw me leave, including three ladies, my sister Sabina, married to Cotrim, her daughter – a lily of the valley – and... Be patient! In a just few moments I will tell you who the third lady was. Be content to know that this anonymous, though she was not my relative, suffered more than the relatives. It is true, she suffered the most. I don’t say that she had mourned, I don’t say she let herself roll on the floor, with convulsions. Not even my death was so highly dramatic... A bachelor who expires at sixty-four, does not seem to bring together all the elements of a tragedy. And if it does, what less suited this anonymous woman was to show it. Standing at the head of the bed, with stupid eyes, open mouth, the sad lady could hardly believe my extinction.

    Dead! dead! she said to herself.

    And her imagination, like the storks that a distinguished traveller[3] saw as they flew from Ilissos to the African banks, despite the ruins and the times – that lady’s imagination also flew over the present wrecks to the banks of a youthful Africa... Let her go; we will go there later; we will go there when I return to my early years. Now I want to die quietly, methodically, listening to the ladies’ sobs, the men’s low speeches, the rain that is drumming on the foliage[4] of the farmstead, and the strident sound of a razor that a sharpener is honing outside, at the door of a saddlery. I swear to you that this death orchestra was far less sad than it might seem. From a certain point, it became delicious. Life was flouncing in my chest, with the rushes of a sea wave, my consciousness was fading away, I was descending into physical and moral stillness, and my body was made into a plant, and stone and mud, and nothing.

    I died of pneumonia; but if I tell you that the cause of my death was less pneumonia than a grandiose and useful idea, the cause of my death, the reader may not believe me, and yet it is true. I will briefly expose you the case. Judge it for yourself.

    [1]  CATUMBI, a neighbourhood in downtown Rio de Janeiro, is one of the oldest neighbourhoods in the city, which had stately country houses, residences and commercial establishments of the small middle class.

    [2]  Former currency of Brazil used from the earliest days of the colonial times, and remained in use until 1942, when it was replaced by the cruzeiro. One conto of réis was equivalent to one million réis. At that time one conto corresponded to about 550 dollars, a very significant amount at the time.

    [3]  The author refers to François René Auguste de Chateaubriand (1768/1848), and his work TRAVELS IN GREECE, PALESTINE, EGYPT, AND BARBARY, DURING THE YEARS 1806 AND 1807.

    [4]  Here the author refers to the TINHORÃO, which is an ornamental plant with large mottled leaves of two or more colours.

    2. O EMPLASTO

    Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

    Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplastro anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: EMPLASTO BRÁS CUBAS. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis. Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: amor da glória.

    Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição.

    Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.

    2. The PLASTER

    Indeed, one day in the morning, while I was walking in the farmstead, an idea hung in the trapeze that I had in my brain. Once it hung, it began to brace, to kick, to make the boldest equilibrist somersaults that can be believed. I let it be, I only contemplated the idea. Suddenly, it did jolt, spread its arms and legs, until it took the shape of an X: decipher me or I will devour you.

    This idea was nothing less than the invention of a sublime drug, an anti-hypochondriac plaster designed to alleviate our melancholic humanity. In the petition of privilege I then drafted, I drew the government’s attention to this truly Christian outcome. However, I did not deny my friends the pecuniary advantages that should result from the distribution of a product of such great and deep effects. Now, however, that I am here on the other side of life, I can confess everything: what mainly influenced me was the taste of seeing printed in the newspapers, dials, pamphlets, corners, and finally in the medicine boxes, these three words: PLASTER BRAS CUBAS. Why deny it? I had the passion for the noise, the poster, the rocket of tears. Perhaps the modest might reproach me for this flaw; I trust, however, that this talent, the skilful will recognize me. So my idea had two faces, like the medals, one facing the audience, one facing me. On the one hand, philanthropy and profit; on the other hand, thirst of renown. Let’s say: love of glory.

    An uncle of mine, a canon of entire prebend, used to say that the love of temporal glory was the perdition of souls, who should only covet eternal glory. To that retorted another uncle, an officer of one of the ancient thirds of infantry that the love of glory was the most truly human thing in man, and, consequently, his most genuine feature.

    Decide the reader between the military and the canon; I return to the plaster.

    3. Genealogia

    Mas, já que falei nos meus dois tios, deixem-me fazer aqui um curto esboço genealógico.

    O fundador da minha família foi um certo Damião Cubas, que floresceu na primeira metade do século XVIII. Era tanoeiro de ofício, natural do Rio de Janeiro, onde teria morrido na penúria e na obscuridade, se somente exercesse a tanoaria. Mas não; fez-se lavrador, plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas, até que morreu, deixando grosso cabedal a um filho, licenciado Luís Cubas. Neste rapaz é que verdadeiramente começa a série de meus avós – dos avós que a minha família sempre confessou – porque o Damião Cubas era afinal de contas um tanoeiro, e talvez mau tanoeiro, ao passo que o Luís Cubas estudou em Coimbra, primou no Estado, e foi um dos amigos particulares do vice-rei Conde da Cunha[1].

    Como este apelido de Cubas lhe cheirasse excessivamente a tanoaria, alegava meu pai, bisneto de Damião, que o dito apelido fora dado a um cavaleiro, herói nas jornadas da África, em prêmio da façanha que praticou, arrebatando trezentas cubas[2] aos mouros. Meu pai era homem de imaginação; escapou à tanoaria nas asas de um  calembour[3]. Era um bom caráter, meu pai, varão digno e leal como poucos. Tinha, é verdade, uns fumos de pacholice; mas quem não é um pouco pachola nesse mundo? Releva notar que ele não recorreu à inventiva senão depois de experimentar a falsificação; primeiramente, entroncou-se na família daquele meu famoso homônimo, o capitão-mor, Brás Cubas, que fundou a vila de São Vicente, onde morreu em 1592, e por esse motivo é que me deu o nome de Brás[4]. Opôs-se-lhe, porém, a família do capitão-mor, e foi então que ele imaginou as trezentas cubas mouriscas.

    Vivem ainda alguns membros de minha família, minha sobrinha Venância, por exemplo, o lírio do vale, que é a flor das damas do seu tempo; vive o pai, o Cotrim, um sujeito que... Mas não antecipemos os sucessos; acabemos de uma vez com o nosso emplasto.

    [1]  António Álvares da Cunha, Conde da Cunha, (1700 /  1791), fidalgo e administrador colonial português, durante o reinado D. José I, rei de Portugal, foi vice-rei do Brasil entre 1763 e 1767, responsável por inúmeras obras de melhorias para a infraestrutura urbana e para a defesa do Rio de Janeiro; conta-se que ao concluir o seu governo, estava falido, pobre e com inúmeras dívidas, e que teve que ter pedido dinheiro emprestado para regressar a Portugal.

    [2]  CUBAS, um grande recipiente de madeira para armazenar vinho, vinagre e outros líquidos, em português, significa o nome de família da personagem principal deste livro.

    [3]  CALEMBOUR, em francês originalmente, significa trocadilho.

    [4]  Brás Cubas é o nome de um colonizador português, fundador da vila de Santos, por volta de 1543, localizada no litoral sul de São Paulo. O autor equivoca-se em atribuir a ele a fundação da vila de São Vicente, em 1530 e localizada na mesma região, mas fundada pelo navegador português Martim Afonso de Sousa.

    3. Genealogy

    But since I spoke of my two uncles, let me make a brief genealogical sketch here.

    The founder of my family was a certain Damião Cubas, who flourished in the first half of the eighteenth century. He was a cooper, born in Rio de Janeiro, where he would have died in penury and obscurity if he had only worked as a cooper. But not; he became a farmer, planted, harvested, exchanged his product for good and honourable money, until he died, leaving great patrimony to a son, the licensed Luis Cubas. In this boy really begins the series of my grandparents – the grandparents that my family has always confessed – because Damião Cubas was after all a cooper, and perhaps a bad cooper, whereas Luis Cubas studied in Coimbra, excelled at the State, and was one of the private friends of Viceroy Conde da Cunha[1].

    Since this name of Cubas smelled too much cooperage, my father, great-grandson of Damião, claimed that this name had been given to a knight, hero on the African journeys, in honour of his achievement, snatching three hundred vats[2] to the Moors. My father was a man of imagination; escaped the cooperage on the wings of a calembour[3].  He was a good character, my father, a decent and loyal man like few. He was, it is true, a little pretentious; but who is not a little pretentious in this world? It is important to note that he only appeal to inventiveness after experimenting forgery; first, he claimed to be a relative of my famous namesake, Captain-major Bras Cubas, who founded the village of São Vicente, where he died in 1592, and for this reason he named me Bras[4]. But the Captain-major’s family opposed him, and it was then that he imagined the three hundred Moorish vats.

    Some members of my family still live, my niece Venância, for instance, the lily of the valley, which is the flower of the ladies of her time; lives her father, Cotrim, a fellow who... But let’s not anticipate the events; let’s get rid of our plaster at once.

    [1]  António Álvares da Cunha, Conde da Cunha, (1700/1791), nobleman and Portuguese colonial administrator, during the reign of D. José I, king of Portugal, was viceroy of Brazil between 1763 and 1767, responsible for numerous improvement works for urban infrastructure and for the defense of Rio de Janeiro; it is said that at the end of his government, he was bankrupt, poor and in numerous debts, and that he had to borrow money to return to Portugal.

    [2]  VATS, a large wooden container to store wine, vinegar and other liquids, in Portuguese, means cubas, the family name of the main character of this book.

    [3]  CALEMBOUR, in French originally, means pun.

    [4]  Bras Cubas is the name of a Portuguese colonizer, founder of the village of Santos, around 1543, located on the South coast of São Paulo. The author is mistaken in attributing to him the foundation of the village of São Vicente, in 1530, located in the same region, but founded by the Portuguese navigator Martim Afonso de Sousa.

    4. A Ideia FIXA

    A minha ideia, depois de tantas cabriolas, constituíra-se ideia fixa. Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho. Vê o Cavour; foi a ideia fixa da unidade italiana que o matou. Verdade é que Bismarck não morreu; mas cumpre advertir que a natureza é uma grande caprichosa e a história uma eterna loureira. Por exemplo, Suetônio deu-nos um Cláudio, que era um simplório – ou uma abóbora como lhe chamou Sêneca, e um Tito, que mereceu ser as delícias de Roma. Veio modernamente um professor e achou meio de demonstrar que dos dois césares, o delicioso, o verdadeiro delicioso, foi o abóbora de Sêneca. E tu, madama Lucrécia, flor dos Bórgias, se um poeta te pintou como a Messalina católica, apareceu um Gregorovius[1] incrédulo que te apagou muito essa qualidade, e, se não vieste a lírio, também não ficaste pântano. Eu deixo-me estar entre o poeta e o sábio.

    Viva pois a história, a volúvel história que dá para tudo; e, tornando à ideia fixa, direi que é ela a que faz os varões fortes e os doidos; a ideia móbil, vaga ou furta-cor é a que faz os Cláudios – fórmula Suetônio.

    Era fixa a minha ideia, fixa como... Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo: talvez a lua, talvez as pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica[2]. Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regala, e é, todavia, mais do que passatempo e menos do que apostolado.

    Vamos lá; retifique o seu nariz, e tornemos ao emplasto. Deixemos a história com os seus caprichos de dama elegante. Nenhum de nós pelejou a batalha de Salamina[3], nenhum escreveu a confissão de Augsburgo[4]; pela minha parte, se alguma vez me lembro de Cromwell, é só pela ideia de que Sua Alteza, com a mesma mão que trancara o parlamento, teria imposto aos ingleses o emplasto Brás Cubas. Não se riam dessa vitória comum da farmácia e do puritanismo. Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra do castelo feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e castelã... Não, a comparação não presta.

    [1]  FERDINAND GREGOROVIUS (1821/1891) foi um historiador alemão especializado na história medieval de Roma, autor de LUCRETIA BORGIA UND IHRE ZEIT (Lucrezia Borgia: um capítulo da moral do Renascimento Italiano, 1874), onde reabilita a histórica personagem.

    [2]  A única instituição central da Confederação Alemã de 1815 a 1848 e de 1850 a 1866.

    [3]  Batalha naval onde a frota grega derrotou as forças persas comandadas por Xerxes I da Pérsia.

    [4]  A CONFISSÃO DE AUGSBURGO, em latim Confessio Augustana, é um documento central na reforma protestante realizada por Martinho Lutero.

    4. The Fixed IDEA

    My idea, after so many somersaults, had become a fixed idea. God forbid, reader, you have a fixed idea; rather a mote, rather a grain of dust in the eye. Look at Cavour; it was the fixed idea of the Italian unit that killed him. Truth is, Bismarck didn’t die; but it must be warned that nature is a great whim and history an eternal seductress. For example, Suetonius gave us a Claudius, who was a simpleton – or a pumpkin, as Seneca called him – and a Titus, who deserved to be the delights of Rome. Modernly, a teacher came and found a way to demonstrate that of the two Caesars, the delicious, the true delicious, was the pumpkin of Seneca. And you, madam Lucretia, flower of the Borgias, if a poet painted you as the Catholic Messalina, an incredulous Gregorovius[1] erased very much in you this quality, and if you did not come to be a lily, you did not become a swamp either. I stay between the poet and the wise.

    Long live the history, the fickle history that admits everything; and, turning to the fixed idea, I will say that it’s this idea which makes strong and mad men; the mobile, vague or iridescent idea is what makes the Claudius – according Suetonius.

    It was fixed my idea, fixed as... Nothing occurs to me that is quite fixed in this world: perhaps the moon, perhaps the pyramids of Egypt, perhaps the deceased German Confederation Diet[2]. Choose the comparison that best fits you, reader, choose it, and do not wrinkle your nose to me, just because we have not reached the narrative part of these memoirs yet. We will go there. I think you prefer anecdote to reflection, like the other readers, your confreres, and I think you do it very well. For there we will go. However, it is important to say that this book is written with slowness, with the slowness of a man already confronted with the brevity of the century, a highly philosophical work, of an unequal philosophy, now austere, then playful, something that neither builds nor destroys, neither ignites nor pleasures, and yet is more than a hobby and less than an apostolate.

    Come on; rectify your nose, and let’s go back to the plaster. Let us leave history with its whims of elegant lady. None of us fought the battle of Salamis[3], none wrote the Augsburg Confession[4]; for my part, if I ever remember Cromwell, it’s just for the idea that His Highness, with the same hand that locked parliament, would have imposed the English the plaster Bras Cubas. Do not laugh at this common victory of pharmacy and puritanism. Who does not know that at the foot of every large, public, ostentatious flag there are often several other modestly private flags that hoist and float in the shadow of the other, and often survive it? Barely compared, it is like the rabble, which sheltered in the shadow of the feudal castle; the castle fell and the rabble stayed. Truth is, it became big and castellan... No, the comparison is no good.

    [1]  FERDINAND GREGOROVIUS (1821/1891) was a German historian who specialized in the medieval history of Rome, author of LUCRETIA BORGIA UND IHRE ZEIT (Lucrezia Borgia: a chapter from the morals of the Italian Renaissance, 1874) where he rehabilitates the historical character.

    [2]  The only central institution of the German Confederation from 1815 until 1848, and from 1850 until 1866.

    [3]  Naval battle where the Greek fleet defeated the Persian forces commanded by Xerxes I of Persia.

    [4]  THE AUGSBURG CONFESSION, in Latin Confessio Augustana, is a central document in the Protestant reform undertaken by Martin Luther.

    5. Em que Aparece a ORELHA DE UMA SENHORA

    Senão quando, estando eu ocupado em preparar e apurar a minha invenção, recebi em cheio um golpe de ar; adoeci logo, e não me tratei. Tinha o emplasto no cérebro; trazia comigo a ideia fixa dos doidos e dos fortes. Via-me, ao longe, ascender do chão das turbas, e remontar ao Céu, como uma águia imortal, e não é diante de tão excelso espetáculo que um homem pode sentir a dor que o punge. No outro dia estava pior; tratei-me enfim, mas incompletamente, sem método, nem cuidado, nem persistência; tal foi a origem do mal que me trouxe à eternidade. Sabem já que morri numa sexta-feira, dia aziago, e creio haver provado que foi a minha invenção que me matou. Há demonstrações menos lúcidas e não menos triunfantes.

    Não era impossível, entretanto, que eu chegasse a galgar o cimo de um século, e a figurar nas folhas públicas, entre macróbios. Tinha saúde e robustez. Suponha-se que, em vez de estar lançando os alicerces de uma invenção farmacêutica, tratava de coligir os elementos de uma instituição política, ou de uma reforma religiosa. Vinha a corrente de ar, que vence em eficácia o cálculo humano, e lá se ia tudo. Assim corre a sorte dos homens.

    Com esta reflexão me despedi eu da mulher, não direi mais discreta, mas com certeza mais formosa entre as contemporâneas suas, a anônima do primeiro capítulo, a tal, cuja imaginação à semelhança das cegonhas do Ilisso... Tinha então 54 anos, era uma ruína, uma imponente ruína. Imagine o leitor que nos amamos, ela

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