Mediação de leitura literária e formação de leitores na educação básica: Ensino fundamental II
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Organizado em cinco capítulos muito bem estruturados, o livro traz atividades que propõem sistematizar a prática leitora de alunos do ensino fundamental II, considerando a mediação como um processo determinante para a formação de leitores literários.
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Mediação de leitura literária e formação de leitores na educação básica - Adauto Locatelli Taufer
PREFÁCIO
Depois de Gutemberg, o prefácio exerceu papéis sociais diversos. Antes fora atestado de veracidade e controle dos enunciados. Quando recebi o convite para este, me surpreendi, e tive que me perguntar sobre o meu, neste caso.
O primeiro, como lembrou M. Foucault em O que é um autor?, sendo com frequência assinado por ele mesmo, tratava de defendê-lo de desvios de interpretação ou mal-entendidos ideológicos, passíveis de punição no contexto daqueles tempos e espaços. Não é este o fato, quatro séculos depois, com a cristandade em crise aberta. Depois, passou-se à distinção, ainda polêmica, que a buscava entre o sujeito que escreve, que é anterior e exterior ao texto, e o autor
de pensamentos, metodologia, estilo e escritos com ele associados, coisa aqui inútil; pois, ao contrário, cumpre-se exigência do conselho nacional de pesquisas, que acompanha a identificação dos autores e das produções que assinam. Contudo, passou a ter certa relevância neste tipo de publicação, uma apresentação assinada e feita por pares de um círculo próximo, com destaques para sua leitura. Também não é meu caso, pois não fui professora, nem orientadora de qualquer dos jovens pesquisadores elencados no índice de artigos, nem meus textos sobre o tema abordado são referência na bibliografia de qualquer deles.
Que bom! A liberdade de pensar em alta voz e escrever sobre o que me propõe este título e a coleção em que se insere, em diálogo não apenas com os autores que assinam os capítulos, mas com os pensadores que compõem as referências eleitas, realiza o desejo de uma mesa redonda em que a diversidade de formações e realidades pode convergir para um ponto nodal do trabalho com a educação literária na escola, sobretudo, por seu fundamento: o ato de ler em sua complexidade e integralidade que desborda o texto lido – a mediação.
De fato, em todos os capítulos, um parágrafo ou mais é dedicado à lembrança de que a mediação é condição sine qua non, para as estratégias e considerações que seguem no corpo dos textos. Para tudo, absolutamente tudo, na passagem da vida puramente biológica para a vida social, do controle dos esfíncteres ao domínio das máquinas, a mediação é relevante. Talvez, inclusive, o convívio com o outro seja decisivo para que o imaginário se ponha em marcha e transpareça de forma constituinte em um sujeito, como denuncia a história de Kaspar Hausen, narrada pelo cinema. Ou, como nos sugere Emmanuel Lévinas, sem o outro não é possível dizer eu
.
Mais, muito mais que o confronto com o que tomamos por realidade, é a experiência que nos perpassa, gravada como cicatriz e memória, despercebida às vezes, efeito deste viver entre outros semelhantes e diversos, que avulta e toma corpo na construção identitária de um sujeito em dinâmica permanente. O que nos humaniza, em processo interminável, é a contemplação
no sentido aristotélico, promovendo a inserção interessada do olhar e a interação vivida na alteridade
, que alimenta a vocação da espécie, através de pessoas ou de personagens, coisa, afinal, bastante intercambiável – que o digam os nomes que marcaram a vida de cada um, suas auto (e alter) biografias.
A natureza narrativa da linguagem e do pensamento encontra no diálogo interpessoal e na leitura do literário, o exercício de formação da consciência crítica, porque, em ambos, ocorre uma transformação sentida como acréscimo e inovação na percepção de si e do mundo. No mundo do texto e no texto do mundo, o elemento central é o leitor. Ele acolhe, como seu, o coletivo que partilha e vai singularizando na diversidade do vivido, a própria perspectiva e voz. Na expressão citada de Marta Morais da Costa, estamos sempre significando e sendo significados
. Somos sujeitos na ativa e na passiva. E os círculos da cognição não comportam simples tangentes, mas secantes entre razão e sensibilidade, que conformam um modo de conhecimento complexo, acordado por Nietzsche, na filosofia, pelo resgate do dionisíaco.
O impacto da linguagem inesperada no texto ficcional como no discurso ordinário deslocado, afeta a subjetividade não apenas de um leitor em formação, mas de todo indivíduo atento às rupturas que a estética pode promover na ética consuetudinária. Portanto, a formação de leitores não é papel exclusivo da escola, mas de todo grupo humano, pois a escrita – decisiva em qualquer suporte e código – assume o papel de entrega aos pósteros do que seus antecessores recolheram, para que vá adiante sem ter que repetir, mas reinterpretar, como propõe Hanna Arendt refletindo sobre educação. Daí a importância de adquirir familiaridade e prazer no gozo da ficção, da literatura dita infantil e juvenil, para que o pensamento se constitua pouco a pouco como seu, ao menos em parte.
Portanto, alcançar esta experiência e partilhar seus achados e perdidos na escola, é de suma generosidade para com aqueles que a vivem de modo apressado e/ou oprimido, tanto pelos currículos formais, como pelo tempo exíguo liberado a uma educação libertadora, para lembrar Paulo Freire. Esta é a oferenda que têm os leitores em suas mãos, como contribuição para animar a descoberta pessoal dos alunos, de suas próprias vivências, sensações e entendimentos que partem das [suas] experiências
, como material significante na construção dos sentidos, no diálogo entre ele e o texto. E logo, entre este texto e outros, entre ele e o mundo. Lobato, em sua ficção para crianças e jovens, ensinou que o monologismo e a rigidez de pensamento não motivam o debate, este que a escola precisa apreender na proposta literária, enquanto exercício de constituição de subjetividades. Basta pensar nos atritos entre o narrador e Emília, seu alter ego desafiante. Quanta lição, sem uma linha de pedagogismo!
Aqui, capítulo a capítulo, assoma esta compreensão quanto ao uso e às práticas que a educação pode empreender para que a alegria e não o fardo seja a motivação para o ato de ler literatura. Apresentam-se estratégias exemplificadas e gêneros narrativos diversos, do clássico ao terror, com habilidade exploratória lúdica para seduzir os alunos ao jogo interpretativo, valendo-se do círculo de leitura compartilhada, (que o Proler em 1992 explicitou como metodologia intensiva, passando do solitário proustiano ao solidário benjaminiano), além da reflexão individual sobre a recepção e interação possíveis. Isto tem dimensões imprevistas, inclusive de avaliação sobre os programas e os planos nacionais de leitura levados adiante por instâncias governamentais e instituições consolidadas, conforme um dos capítulos aborda, tomando o caso de Portugal.
A leitura destas pesquisas concretizadas em projetos de trabalho na escola, além dos aportes que trazem – teóricos, metodológicos, práticos e de avaliação – contribuem para outra questão que precisa ser pontuada com frequência maior entre os pensadores do assunto, com experiência em acompanhar as aplicações desenvolvidas com seus orientandos, a partir da reflexão acadêmica.
O tempo do aluno em sala de aula, as tarefas que pesam sobre o professor, com salários mínimos e diversos níveis do magistério em diferentes unidades escolares; a falta de exemplares de um mesmo título, quando existe uma biblioteca ou sala de leitura instalada; salas sem comodidade mínima e multisseriadas – estas são das condições que precisam ser levadas em conta, quando sabemos que sabemos fazer
a contento um trabalho de qualidade para a educação literária a partir da escola. Mas, podemos? Sim, podemos, porém... como aqui se verá, rigorosamente, houve tempo, preparação, articulação, situação e clima de exceção, coisas, com bastante certeza, inviáveis de se realizarem às expensas de um professor para todas as disciplinas, desgastado pela multiplicidade de tarefas, tendo a proximidade cotidiana com a turma como um desfavor. Algo a considerar de um ponto de vista realista nas atuais condições do sistema educacional brasileiro.
Certamente há saídas que exigiriam mudanças estruturais na relação direta universidade-escola. O trabalho de aplicação destes projetos, de maneira regular e com continuidade compromissada, poderia ser de enorme valia para garantir a qualidade e o gosto que as artes levam à formação dos sujeitos como leitores e eleitores, cuja consciência crítica afete, de fato, a vida social de uma nação. E evidenciaria a presença da universidade extramuros. Não cabe aqui, pela extensão mais política e econômica que pedagógica, enumerar as medidas e possibilidades. Contudo, os