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As três vinculações da fundamentação das decisões judiciais no processo civil:  pedidos, provas e precedentes
As três vinculações da fundamentação das decisões judiciais no processo civil:  pedidos, provas e precedentes
As três vinculações da fundamentação das decisões judiciais no processo civil:  pedidos, provas e precedentes
E-book730 páginas10 horas

As três vinculações da fundamentação das decisões judiciais no processo civil: pedidos, provas e precedentes

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Sobre este e-book

Este livro desenvolve uma teoria da fundamentação das decisões judiciais apoiada em uma base normativa, da qual são extraídos três elementos vinculantes que definem, delimitam e limitam os fundamentos dos pronunciamentos judiciais no Brasil, a partir do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015): os pedidos, as provas e os precedentes. A obra investiga os problemas de falta de previsibilidade das decisões judiciais no país e as alterações legislativas realizadas nas últimas décadas que buscaram corrigir as falhas e conferir maior segurança jurídica e isonomia nos julgamentos dos juízes e tribunais, culminando com o CPC/2015.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de ago. de 2022
ISBN9786525252056
As três vinculações da fundamentação das decisões judiciais no processo civil:  pedidos, provas e precedentes

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    As três vinculações da fundamentação das decisões judiciais no processo civil - Oscar Valente Cardoso

    1. PEDIDOS – A CONGRUÊNCIA JUDICIAL AOS PEDIDOS E AOS SEUS FUNDAMENTOS: FUNDAMENTAÇÃO E CONTRADITÓRIO

    A sociedade contemporânea apresenta um número crescente de desafios, riscos, situações inesperadas, especialização de conhecimentos, avanços tecnológicos, internacionalização de relações e de problemas, entre outros eventos que nem sempre são abordados adequadamente ou resolvidos a contento. Independentemente de chamá-la de sociedade de risco, complexa, global (ou outra denominação), o sistema social atual possui diversos subsistemas (Direito, Política, Economia, Cultura, Religião etc.) que se desenvolveram, organizaram-se e especificaram-se de tal forma que passaram a ser autossuficientes e autorreprodutores, tendo cada vez mais uma menor dependência recíproca⁴.

    Esse novo contexto produziu reflexos no Direito, que, além de se tornar extremamente complexo e compartimentalizado, passou a conviver com o surgimento de novos direitos derivados de comunicações entre o Direito e outros subsistemas, tais como o Biodireito, o Direito Digital, o Direito Ambiental, o Direito da Integração etc. Desenvolveram-se, inclusive, subdivisões dentro de ramos jurídicos, como, por exemplo, os Direitos Societários, Falimentar, Creditório e da Propriedade Industrial, integrantes do Direito Empresarial, e até mesmo no Direito Processual Civil, tais como o Direito Probatório, os Sistemas de Valoração de Provas, a Teoria da Decisão Judicial, o Sistema de Precedentes, o Sistema de Julgamento de Casos Repetitivos, entre outros.

    Além disso, a tomada de decisões é inerente a uma sociedade complexa, a fim de reduzir as contingências, e torna-se mais frequente na medida em que cresce a complexidade⁵. Essa complexidade no ambiente exige que os sistemas também se tornem complexos e se especializem, por meio da criação de subsistemas, que por sua vez igualmente evoluem e podem produzir novas especializações e subsistemas.

    A fundamentação das decisões judiciais está inserida nesse contexto e, para ser compreendida em sua integralidade, deve ser estudada a partir dos elementos que a influenciam e a constroem.

    Neste primeiro capítulo serão abordados os reflexos e as vinculações dos pedidos e dos fundamentos dos pedidos formulados pelos sujeitos processuais sobre a fundamentação das decisões judiciais⁶. Além de desenvolver um conceito ampliado de pedido (e de seus emissores), também se realça a importância do contraditório, especialmente a partir do delineamento que lhe é dado pelo CPC/2015 (Lei nº 13.105/2015).

    Apesar deste capítulo não se destinar aos precedentes, parte-se da concepção de que o processo não se limita ao ato de tutelar um direito subjetivo (do autor ou do réu), como normalmente era definido (ao menos até a entrada em vigor do CPC/2015). Por essa razão, a decisão judicial é vinculada pelos pedidos, mas não só por eles. Na fundamentação, o julgador também deve resolver a causa de pedir, ou seja, as questões de fato e de direito do caso, que embasarão a solução deste e de todos os outros casos semelhantes. Em outras palavras, a solução de um caso e o caminho que levou a ela (fundamentação) passam a integrar o ordenamento jurídico e servirão de fundamento para outras decisões judiciais.

    A norma processual, interpretada e aplicada nos pronunciamentos judiciais, tem uma dupla função:

    (a) permitir que o direito material possa ser exercido no próprio processo;

    (b) e definir quais são os limites para esse exercício, no que se assemelha aos limites do direito material⁷.

    Em suma, este capítulo é destinado à análise dos pedidos, a partir da concepção tradicional e do princípio da congruência, com o objetivo de traçar os limites que os pedidos formulados no processo definem o conteúdo da decisão judicial. Entretanto, não se limita a isso e vai além, construindo um significado ampliado que, como se verá, alarga o significado de pedido, o que impõe um maior esforço argumentativo na fundamentação da decisão judicial.

    Pretende-se analisar também as influências da participação dos amici curiae e da realização de audiências públicas na fundamentação da decisão e na dilatação causada pelo contraditório positivado no CPC/2015, que exige não apenas a vinculação aos pedidos, mas também aos fundamentos dos pedidos.

    1.1. OS PEDIDOS COMO MARCOS LIMÍTROFES DAS FRONTEIRAS DA DECISÃO JUDICIAL

    O conceito de pedido no Processo Civil não contém grandes variações ou divergências. Do latim "petitum", o pedido é tradicionalmente conceituado como a pretensão da parte (autora, em regra), a providência que se busca contra a parte contrária para a satisfação do direito material⁸. Decorre da inércia da jurisdição e do princípio dispositivo: sem pedido, em regra, não há tutela jurisdicional. Em síntese, é (...) o efeito jurídico do fato jurídico posto como causa de pedir⁹.

    O pedido está inserido (ao lado da causa de pedir) nos elementos objetivos da ação, que se complementam pelo elemento subjetivo, formado pelas partes e outros sujeitos eventuais. Por essa razão, o pedido também é definido como sendo o objeto da demanda¹⁰.

    Essa concepção está presente no Código de Processo Civil. Inserido entre os elementos da demanda (ao lado das partes e da causa de pedir), como o seu objeto¹¹, além de ser um dos requisitos essenciais da petição inicial (art. 319, IV, do CPC), o pedido consiste na medida ou providência que a parte requer ao Judiciário.

    Sob o aspecto subjetivo, o titular do pedido é tradicionalmente restrito à parte autora. Doutrina e leis processuais usualmente ignoram os demais sujeitos processuais na elaboração da definição do pedido.

    Considerando que a causa de pedir abrange os fatos alegados pelo autor e o correspondente fundamento jurídico (art. 319, III, do CPC), ou seja, a(s) norma(s) incidente(s) sobre a situação fática, o pedido conterá as implicações dessa correlação¹².

    O pedido é denominado de bipartido (ou bifronte), porque se divide, de acordo com as providencias pretendidas nos direitos processual e material, em mediato e imediato (também identificados com o objeto do pedido)¹³, da seguinte forma:

    (a) o pedido imediato se refere à sentença de mérito pretendida, à espécie de tutela buscada¹⁴;

    (b) e o pedido mediato (ou remoto) dirige-se ao bem jurídico pretendido pela parte, que será satisfeito por meio da prestação jurisdicional¹⁵.

    Ambos os pedidos são dirigidos ao Judiciário. Em outras palavras, o pedido é bifronte porque abrange a obtenção do provimento jurisdicional e o bem da vida pleiteado, sendo aquela instrumental a esta: pode ser satisfeita somente a primeira pretensão (na hipótese de improcedência do pedido inicial), ambas (quando o pedido é julgado procedente), ou nenhuma (quando o processo é extinto sem resolução de mérito)¹⁶.

    Assim, a tutela processual pretendida corresponde ao pedido imediato, enquanto o direito material que se pretende ver efetivado pela prestação jurisdicional está contido no pedido mediato. Em suma, em regra, o pedido imediato refere-se ao direito processual e o pedido mediato refere-se ao direito material. Há exceções a essa definição, sendo a ação rescisória a principal delas, porque pode seus pedidos mediato e imediato dizem respeito ao direito processual.

    Por essa razão, a efetivação do direito material é mediata, no sentido de que a sua satisfação (mediata) segue o destino da tutela processual concedida (imediata). Entre o pedido de tutela jurisdicional e o resultado (sentença) não há intermediários. Entre o pedido de efetivação do direito material e o resultado (cumprimento da sentença) há um intermediário, que é a tutela processual¹⁷.

    Por exemplo, se o autor pretende a reparação de danos que lhe foram causados pelo réu, o pedido imediato será a declaração da existência dos danos e da responsabilidade do demandado, além da sua condenação ao pagamento da quantia estipulada para reparar esses danos, enquanto o pedido mediato consistirá no efetivo pagamento.

    Na prática, essa distinção não é realizada de forma clara nas decisões judiciais, especialmente em virtude da distinção entre cognição e execução no processo. Recorda-se que, até a Lei nº 11.232/2005, a execução de títulos executivos judiciais internos se dava em processos autônomos e, mesmo após a reforma e o estabelecimento de um processo sincrético, conhecimento e execução ocorrem em fases distintas, isoladas entre si, com normas próprias e, em regra, sem intersecções (com a exceção principal das tutelas provisórias e dos procedimentos especiais). Consequentemente, normalmente a fase de cognição se destina a dar uma resposta ao pedido imediato, enquanto na fase de execução se dará satisfação ao pedido mediato (o que contém um número cada vez maior de exceções, como ocorre, por exemplo, nas tutelas provisórias da evidência e de urgência antecipada).

    Pedido e requerimento são atos postulatórios que não se confundem:

    (a) o requerimento é uma providência de natureza exclusivamente processual, além de ter um cunho residual, porque compreende todos os atos postulatórios não inseridos no pedido;

    (b) e o pedido destina-se ao bem da vida e à tutela jurisdicional (provisória ou definitiva) pretendidos, logo, tem natureza processual (imediata) e material (mediata).

    Por exemplo, a expedição de carta precatória, a produção de prova pericial ou a oitiva de testemunhas são pleiteadas por meio de um requerimento, enquanto a obtenção de uma tutela provisória da evidência, a declaração de inexistência de uma dívida e a condenação do réu em obrigação de pagar quantia são solicitadas por meio de um pedido.

    Não há, entretanto, um rigor com essa diferenciação na técnica legislativa brasileira. Assim é que no CPC/73 se encontravam as expressões requerer a tutela jurisdicional (art. 2º)¹⁸ e pedir a juntada de documentos (art. 482, § 2º)¹⁹. O CPC/2015 possui um maior cuidado com o uso do termo apropriado, mas, ainda assim, faz menção equivocada a pedir certidões (art. 189, § 1º)²⁰ e a requerer (...) a consignação na ação de consignação em pagamento (art. 539)²¹.

    A importância fundamental do pedido está na limitação e na delimitação da controvérsia (e, consequentemente, dos pronunciamentos judiciais e de suas fundamentações)²². A delimitação está na definição das fronteiras do processo, enquanto a limitação reside na restrição da prestação jurisdicional. Os pedidos das partes definem as fronteiras do processo e o conteúdo da decisão judicial. A limitação é consequência da delimitação.

    Por exemplo, ao pedir a revisão de um contrato, o autor especifica o contrato e as cláusulas que pretende revisar. Na sua contestação, em regra, o réu deverá defender a validade dessas cláusulas contratuais, não tendo o ônus de se manifestar acerca de outras disposições do contrato ausentes na causa de pedir e no pedido inicial²³. Por sua vez, os juízes que proferirão decisões neste processo, em todas as instâncias, estão limitados a decidir sobre as cláusulas contratuais indicadas na petição inicial e os pedidos formulados pelas partes (e eventuais terceiros e outros sujeitos processuais). Salvo as exceções de questões que podem ser conhecidas de ofício (e levar à extinção do processo sem resolução de mérito ou, no mérito, a decidir em favor do pedido de uma parte ainda que ela não tenha se manifestado sobre o fundamento utilizado pelo julgador), o juiz só pode se movimentar no caminho traçado pelas partes.

    Outra mudança relevante promovida pelo CPC/2015 diz respeito à alteração do pedido (e da causa de pedir). O art. 294 do CPC/73, após ter sua redação modificada pela Lei nº 8.718/93, previa que antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa. Com base nessa norma, permitia-se o aditamento do pedido: (a) até a citação do réu, independentemente do consentimento deste; (b) e após a citação, desde que com a anuência do réu. Em complemento, o art. 321 do CPC/73 impedia a alteração do pedido e da causa de pedir após a citação, mesmo com a revelia do réu. Eventual mudança deveria ser sucedida por nova citação²⁴.

    O art. 329 do CPC em vigor aprimora a redação e deixa claro que a causa de pedir e o pedido (não mais somente o pedido) podem ser alterados e aditados (ou seja, modificados e acrescentados por outros):

    (a) até a citação do réu, independentemente do consentimento deste;

    (b) e após a citação, desde que com a anuência do réu, tendo como marco final o saneamento do processo²⁵. Essas normas também se aplicam à reconvenção (parágrafo único do art. 329 do CPC).

    Consequentemente, observados o contraditório e o consentimento expresso da parte contrária, admite-se a modificação das causas de pedir e dos pedidos por autor e réu, em princípio, até o saneamento do processo. Como se verá adiante, essa estabilização da demanda pode ser quebrada em hipóteses excepcionais (especialmente pelo ingresso de terceiros).

    Diante de seus requisitos (especialmente dos pedidos), não é exagero afirmar que a petição inicial é um projeto da sentença: é aquela que (complementada especialmente pela contestação do réu) define a abrangência desta. Entretanto, a sentença, o julgamento antecipado (parcial ou total) do mérito, o acórdão e outras decisões interlocutórias que resolvem os pedidos não se vinculam apenas à petição inicial²⁶. Os pedidos do réu, de terceiros, do Ministério Público e de outros sujeitos processuais também influenciam e até mesmo vinculam a decisão do órgão julgador.

    Acrescenta-se a esses argumentos o de que também é requisito da petição inicial a juntada dos documentos indispensáveis à propositura da ação, que são aqueles necessários para a análise do mérito (art. 320 do CPC)²⁷. Alguns documentos não são apenas meio de prova, mas constituem o principal fundamento da análise jurídica da demanda e, por si só, podem afastar outros meios de prova (por exemplo, em uma ação de retificação de registro, deve ser apresentado o documento a ser corrigido, que não pode ser suprido por outro meio de prova).

    Ainda assim, há na prática do Judiciário brasileiro o reconhecimento (e o exercício pelos juízes) de uma ampla liberdade dentro desses limites: o juiz é vinculado pelos pedidos, mas não se vincula pelos fundamentos. Contudo, o princípio do contraditório forte ou participativo amplia a vinculação da fundamentação aos fundamentos, ou seja, da fundamentação da decisão judicial aos fundamentos dos pedidos das partes, conforme se verá no ponto 1.3 deste Capítulo.

    Como principal consequência da delimitação, o processo caminha de acordo com os pedidos. Já como reflexo fundamental da limitação da fundamentação pelo pedido, o juiz não pode decidir aquém, além ou fora dos pedidos das partes.

    É por essa razão que, ainda que de modo limitado, o inciso I do art. 269 do CPC/73 previa que o mérito era resolvido quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor. De forma um pouco mais ampla (mas ainda insuficiente), o inciso I do art. 487 do CPC/2015 dispõe que há resolução de mérito quando o julgador acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção. Portanto, ao julgar o mérito o juiz responde aos pedidos do autor e do réu (e de outros sujeitos eventuais do processo), acolhendo-os ou rejeitando-os.

    Levando-se em conta a inércia da jurisdição e o princípio da congruência positivado nos arts. 141 e 492 do CPC (correspondência entre pedido, causa de pedir e sentença)²⁸, o pedido do autor é balizador da sentença judicial e deve ser interpretado de acordo com o conjunto da postulação e em atendimento ao princípio da boa-fé (art. 322 do CPC)²⁹, o que, evidentemente, reflete no conteúdo daquela³⁰. Ao lado dos pedidos do autor, os pedidos do réu (e de eventuais outros sujeitos do processo, como terceiros e Ministério Público) completam a lide, delimitam e limitam a decisão judicial³¹.

    Para a compreensão adequada do tema, faz-se necessária a distinção entre os princípios da congruência, adstrição, asserção e demanda, o que merece um tópico à parte.

    1.1.1. Congruência, Adstrição, Asserção e Demanda: Distinções Necessárias

    A vinculação causada pelos pedidos sobre a fundamentação, delimitando o seu conteúdo e limitando a atividade do julgador, integra o conteúdo de um princípio do processo civil. Entretanto, não há um rigor na definição desse princípio, que recebe várias denominações: congruência, adstrição, asserção e demanda. Pretende-se, neste tópico, definir e distinguir tais conceitos, a fim de prosseguir no exame da vinculação da fundamentação aos pedidos.

    Como ponto de identidade, todos os conceitos dizem respeito ao alcance das decisões judiciais. O dissenso e os equívocos ocorrem no momento de apontar as diferenças entre cada um, o que se fará neste tópico.

    Em primeiro lugar, a congruência é melhor compreendida a partir de seus elementos. Subdivide-se inicialmente em duas perspectivas:

    (a) externa, que diz respeito às vinculações exteriores que limitam a decisão judicial e compreende os aspectos objetivo e subjetivo;

    (b) e interna, consistente na coerência interna da decisão, ou seja, na existência de um nexo interligando todos os seus elementos³².

    A congruência é mais ampla do que a adstrição, porque, além das perspectivas interna e externa, possui outros dois aspectos:

    (a) objetivo, relacionado ao objeto dos pedidos, que delimita a extensão da decisão judicial;

    (b) e subjetivo, relativo aos sujeitos processuais, no sentido de que a decisão deve observar o que foi pedido pelos sujeitos do processo.

    Logo, a congruência compreende a coesão interna da decisão judicial e na sua delimitação pelos sujeitos processuais e seus pedidos. Em consequência, incumbe ao julgador decidir de acordo com os pedidos e sua decisão só pode ser destinada às partes e a outros sujeitos eventuais do processo.

    Sob a perspectiva do julgador, a congruência é o dever de decidir de modo claro e de acordo com os limites traçados pelos sujeitos processuais. Em outras palavras, a congruência vincula o juiz aos pedidos dos sujeitos processuais, como uma espécie de autocontenção³³ e explica o que é e como se concretiza a vinculação do juiz aos pedidos.

    Sob a perspectiva das partes, terceiros e interessados, a congruência é o direito de ter a controvérsia julgada de acordo com os limites subjetivos e objetivos dados pelos sujeitos processuais.

    Em qualquer dos dois pontos de vista, a congruência tem o objetivo de impedir que o Judiciário decida de ofício. É, em outras palavras, consequência direta do princípio da inércia da jurisdição (ou princípio dispositivo)³⁴, previsto no CPC de 1939 (art. 4º, parte final)³⁵ no CPC de 1973 (art. 2º)³⁶ e no CPC/2015 (art. 2º)³⁷. Inércia da jurisdição e vinculação aos pedidos são limites à atuação estatal no litígio: as partes dizem se e de que forma o Judiciário resolverá o conflito. É a vontade das partes que dá início ao processo e define o que será julgado.

    Ademais, a congruência tem não somente um aspecto positivo, de determinar o que o juiz decidirá, mas também um aspecto negativo, de impedir que o magistrado decida o que não foi pedido³⁸.

    Como se verá adiante (no ponto 1.3), o princípio do contraditório no CPC/2015 ampliou a congruência, para abranger partes, causa de pedir, pedido e os demais argumentos relevantes trazidos ao processo pelas partes, em qualquer fase processual até o julgamento, em todas as instâncias.

    A necessidade de congruência entre sentença e o pedido inicial é imposta pelos arts. 128 e 460 do CPC/73³⁹ e pelos arts. 141 e 492 do CPC/2015⁴⁰ (seguindo o previsto na parte inicial do art. 4º do CPC de 1939)⁴¹. As normas, nos dois Códigos, dão um conceito por exclusão, ao construir a definição a partir da proibição, ou seja, do dever do juiz e da sua impossibilidade de decidir de modo diverso do pedido. O art. 492 do CPC/2015 tornou a congruência mais genérica, ao substituir a expressão sentença do art. 460 do CPC/73 por decisão. Outra modificação importante realizada pelo CPC/2015 está na exclusão da referência exclusiva ao autor e ao réu: enquanto o art. 460 do CPC/73, de forma limitada, ligava o pedido ao autor e a condenação ao réu, o art. 492 do CPC/2015 refere-se amplamente ao pedido e à condenação, não os restringindo a uma das partes ou a outros, permitindo a interpretação ampliada de que a decisão judicial é influenciada e construída por todos os sujeitos processuais, e não apenas pelo órgão julgador, singular ou colegiado.

    Por sua vez, a adstrição corresponde à congruência externa objetiva, ou seja, trata-se da vinculação da decisão aos pedidos dos sujeitos processuais. Por isso, é também denominada de princípio da vinculação do juiz ao pedido, ou da adstrição do juiz ao pedido⁴².

    A asserção diz respeito à análise abstrata das condições da ação (expressão não incorporada pelo CPC/2015), de acordo com as alegações constantes da petição inicial, sem sua verificação prática.

    O princípio da demanda, por sua vez, é utilizado como sinônimo do princípio dispositivo ou da inércia da jurisdição⁴³, que, como visto, produz consequências diretas sobre a congruência e suas imposições na decisão judicial. Em outras palavras, faz-se referência ao princípio da demanda quando se afirma que o juiz não pode proferir decisão diversa daquilo que foi demandado pelas partes⁴⁴. Logo, ainda que com outra expressão (menos adequada para explicar seu objeto), deve-se compreender que os pedidos das partes e de outros sujeitos processuais vinculam o julgador, ou seja, os pedidos das partes delimitam a demanda naquilo que elas pretendem por meio do processo.

    1.1.2. Vícios de Congruência na Decisão Judicial

    A partir dessas distinções, chega-se aos vícios da decisão judicial pela inobservância da congruência (como a expressão mais adequada para designar a vinculação externa aos pedidos dos sujeitos processuais). Sob a perspectiva do julgador, ela vincula a decisão internamente, ao impor a coerência, e externamente, ao determinar que todos os pedidos sejam examinados e decididos.

    Conforme ressalta Barbosa Moreira, (...) há o dever, para o juiz, de pronunciar-se sobre todo o pedido; nada além do pedido, mas todo o pedido⁴⁵. Assim, a congruência faz com que o magistrado decida tudo o que foi pedido e apenas o que foi pedido. Compreende a fundamentação e a omissão, por impedi-lo de julgar menos, mais ou fora do que foi pedido, ou seja, a decisão deve conter tudo o que foi pedido pelos sujeitos processuais, mas, ao mesmo tempo, silenciar-se sobre o que não consta dos pedidos⁴⁶.

    Logo, na classificação doutrinária tradicional, é infra (ou citra) petita a decisão que não resolve todo os pedidos, ultra petita a que decidir mais do que foi pedido (além dos pedidos), e extra petita aquela que julgar de forma diferente dos pedidos formulados pelos sujeitos processuais (fora dos pedidos)⁴⁷. A violação à congruência leva à nulidade, total ou parcial, da decisão judicial⁴⁸.

    Em regra, na doutrina não se encontra clareza sobre a que pedido se refere essa classificação: imediato, mediato ou ambos?

    Levando-se em conta que a congruência compreende os pedidos imediatos e mediatos, os vícios da decisão também os abarcam⁴⁹. Assim, por exemplo, uma sentença pode ser extra petita quando conceder uma tutela condenatória a uma parte que pediu uma tutela declaratória (pedido imediato). Também é extra petita a decisão que determine ao réu que pague em dobro o valor cobrado do autor, quando este pediu apenas a declaração de inexigibilidade do débito (pedido mediato).

    Excepcionalmente, o julgador pode conceder um resultado prático equivalente ao adimplemento no cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou seja, providência diversa da pleiteada, prevista no art. 497 do CPC⁵⁰.

    Em outras palavras, a decisão que se omite acerca de um ou mais pedidos é infra petita. Caso aprecie os pedidos, mas resolva (deferindo ou não) a mais, a decisão será ultra petita. Por fim, se não examinar os pedidos e resolver questões estranhas a ele, a decisão é extra petita.

    Esses vícios podem ser parciais ou totais, ou seja, referir-se à parte ou à integralidade dos pedidos formulados no processo. Nesses casos, a decisão é sanável de ofício ou por meio de recurso (embargos de declaração, em princípio, além do recurso cabível para a instância superior). Entretanto, a decisão infra petita tem uma peculiaridade em relação às demais: quando for total, importará na ausência de prestação jurisdicional.

    1.1.3. Incongruências: Exceções à Congruência

    A distinção tradicional vista no tópico anterior é amplamente aplicada a todo o processo cível no Brasil, não é integralmente utilizada na prática, especialmente em determinadas matérias.

    Não se tratam, necessariamente, de incongruências, mas sim de exceções ao princípio da congruência, com duas naturezas distintas:

    (a) as exceções legais, ou seja, as situações que possuem fundamento expresso em lei;

    (b) e as exceções práticas, surgidas nas decisões judiciais a partir de peculiaridades impostas pelo direito material.

    As exceções legais consistem mais propriamente em mitigações à congruência.

    No CPC de 1973 existiam situações em que se presumia a existência de um pedido acessório ao principal, ainda que não formulado expressamente pela parte (o que foi mantido no CPC/2015).

    Nesse sentido, o art. 293 do CPC/73⁵¹ inseria os juros legais como compreendidos no pedido, ainda que não inseridos de forma expressa. O CPC/2015 amplia nessa categoria de pedidos acessórios a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios (art. 322, § 1º)⁵².

    Ainda, o art. 290 do CPC/73⁵³ e o art. 323 do CPC/2015⁵⁴ incluem no pedido, independentemente de requerimento expresso, as parcelas vincendas no curso do processo, quando a obrigação controvertida tiver prestações sucessivas.

    No processo do trabalho se utiliza a teoria da ultrapetição, segundo a qual o juiz pode decidir de acordo com pedidos implícitos e correlatos, desde que observe a causa de pedir⁵⁵.

    O processo previdenciário também admite uma exceção relevante, na fungibilidade existente entre os benefícios por incapacidade. Por exemplo, se o segurado pede judicialmente a concessão de auxílio por incapacidade temporária, mas se, ao fim da instrução processual (e com a produção de prova pericial), verifica-se que tem direito a auxílio-acidente ou a aposentadoria por incapacidade permanente (em virtude das doenças incapacitantes contidas na causa de pedir), defere-se o benefício previdenciário devido, independentemente do pedido expresso.

    Assim, consistem em exceções parciais à congruência externa objetiva, admitindo-se como válida nos processos trabalhistas e previdenciários a decisão judicial parcialmente desvinculada dos pedidos (mas não da causa de pedir), diante de peculiaridades do direito material e, especialmente, da presunção de hipossuficiência de uma das partes (trabalhador e segurado, respectivamente).

    1.2. QUEM PEDE: PARTES E PARTICIPANTES

    Na perspectiva tradicional, o pedido do autor traça os limites da decisão judicial.

    Entretanto, não é somente o autor quem formula os pedidos. Os sujeitos parciais do processo, especialmente autor e réu, podem apresentar os pedidos, e outros sujeitos processuais (participantes) também contribuem para a ampliação objetiva da congruência, o que será abordado neste subcapítulo.

    De acordo com a definição de pedido vista no tópico anterior, compreende as consequências dos fatos descritos na causa de pedir, com a providência pretendida para a satisfação do direito material.

    Logo, não se pode afirmar que é apenas o autor quem pede uma prestação jurisdicional relacionada ao direito material. O réu também formula pedido, ainda quando pretende somente a permanência na titularidade do objeto litigioso. E não há pedido do réu apenas na reconvenção, mas também na contestação. Enquanto a reconvenção traz os fatos de forma diversa, a contestação não é apenas um espelho da petição inicial, mas vai além e não se limita a ela, tendo em vista que o réu expõe seus argumentos e fundamentos, que devem ser levados em consideração pelo juiz na sentença. Por essa razão, afirma-se que o autor pede e o réu impede. O pleito de improcedência, por exemplo, é um pedido da contestação, que decorre de uma causa de pedir própria, diferente daquela apresentada na petição inicial. Contudo, também é insuficiente asseverar que autor e réu pedem a tutela do Estado-Juiz. Outros sujeitos processuais igualmente apresentam pedidos referentes à satisfação do direito material, mesmo que não sejam titulares do direito material ou não pretendam ser. Esses sujeitos participam do processo, seja por imposição legal (como o Ministério Público e alguns terceiros), seja por disposição contratual (tais como determinados terceiros), seja por vontade própria para auxiliar o juízo a decidir de forma adequada (como o amicus curiae, enquadrado um terceiro pelo CPC/2015).

    Consequentemente, as partes e os participantes do processo apresentam pedidos que vinculam a fundamentação da decisão judicial, o que será abordado na sequência.

    Não se pretende realizar a revisão bibliográfica sobre as partes e os demais participantes no processo, mas se busca, nos tópicos seguintes, examinar de que forma e em que extensão os pedidos de partes e participantes vinculam a fundamentação da decisão judicial.

    1.2.1. Partes

    Como visto, usualmente se faz menção apenas ao pedido inicial, da parte autora, como vinculante para a decisão judicial.

    Os pedidos têm relação com as provas e os precedentes:

    (a) na causa de pedir, a descrição deve conter a demonstração de como a parte pretende comprovar no processo que os fatos efetivamente ocorreram conforme as suas alegações;

    (b) e também deve fazer referência aos precedentes eventualmente existentes sobre a questão de direito controversa e, em caso positivo, argumentar acerca de sua aplicação ou distinção ao caso (ou, ainda, pedir a sua superação).

    A petição inicial no CPC/2015 se tornou, ao mesmo tempo, mais complexa (por abranger uma argumentação ampliada) e mais simplificada (por se tornar mais previsível e se limitar, em regra, a discorrer sobre a aplicação ou a distinção do precedente ao caso).

    Tradicionalmente, afirma-se que o réu só formula pedido na reconvenção, ou seja, quando também demanda contra o autor no processo.

    Contudo, e o CPC deixa claro, o réu formula pedido em sua defesa, independentemente de apresentar contestação (que passou a ser o nome da peça de defesa, nos termos do art. 335 do CPC/2015), reconvenção⁵⁶, impugnação ao valor da causa, impugnação à justiça gratuita, alegação de incompetência, de impedimento ou de suspeição (que eram apresentadas de forma autônoma no CPC/73 e foram incorporadas à contestação no CPC/2015).

    Ainda que se limite a alegar a falta de provas para a demonstração dos fatos constitutivos narrados pelo autor e postular o julgamento de improcedência do pedido inicial, o réu apresenta (implícita ou expressamente) um pedido de declaração judicial de sua titularidade do direito material controvertido.

    Ressalta-se que, evidentemente, o julgamento de improcedência do pedido inicial não depende de pedido expresso do réu, porque pode ser proferido inclusive na hipótese de revelia. Isso, porém, não afasta a afirmação de que o réu também formula pedido (e não apenas requerimentos), tampouco significa que o juiz está proibido de negar o pedido do autor quando o réu não apresenta resistência expressa a ele. O juiz deve apreciar os pedidos e a causa de pedir apresentados das partes, de acordo com o art. 489, § 1º, IV, do CPC.

    Assim, quando se trata da vinculação da fundamentação pelos pedidos das partes, deve-se levar em consideração que autor e réu formulam pedidos.

    1.2.2. Participantes: Terceiros

    Os terceiros são, em contraposição às partes, aqueles que não participam (em princípio) da relação jurídica processual⁵⁷, quem não pede e contra quem não se pede⁵⁸.

    O conceito tradicional de terceiro no Direito Processual é baseado na exclusão, visto que é definido como alguém que não deveria participar do processo, mas que, por conveniência legal (ou contratual ou, ainda, institucional) passa a integrá-lo, ampliando de forma subjetiva e objetiva a relação jurídica e, por consequência, tornando-a mais complexa.

    O principal obstáculo na delimitação de assistência, litisconsórcio e intervenção de terceiros deriva da dificuldade na conceituação de parte⁵⁹. Athos Gusmão Carneiro, após realçar que a noção civilista de parte foi ultrapassada pela concepção publicista (de autonomia da relação processual), afirma que o conceito de parte deve ser buscado somente no processo, e não na relação de direito material⁶⁰. Nesse sentido, "autor é aquele que deduz em juízo uma pretensão (qui res in iudicium deducit); e réu, aquele em face de quem aquela pretensão é deduzida (is contra quem res in iudicium deducitur)"⁶¹. Ovídio Baptista salienta que as partes são, literalmente, porções do litígio, frações que formam a lide, quem pede e contra quem é formulado o pedido⁶². Assim, o fato de ser parte não necessariamente importa na titularidade do direito controverso, pois a procedência do pedido não retira a legitimidade do réu, tampouco a improcedência exclui o autor do polo ativo.

    Por outro lado, a intervenção de terceiros é definida como a entrada de terceiro em um processo já em andamento⁶³, com interesse na resolução do litígio, mas sem assumir a posição de parte (para a concepção tradicional)⁶⁴. Em outras palavras, "diz-se que há intervenção de terceiros no processo quando alguém dele participa sem ser parte na causa, com o fim de auxiliar ou excluir os litigantes, para defender algum direito ou interesse próprio que possa ser prejudicado pela sentença"⁶⁵.

    A despeito desse entendimento, é adequado designar uma pessoa como terceiro antes de seu ingresso no processo. A partir de sua entrada, a pessoa natural ou jurídica deixa de ser terceiro e se torna um sujeito processual, com um nome específico, variável de acordo com a modalidade de intervenção (por exemplo, o assistente, o denunciado à lide e o amicus curiae)⁶⁶.

    A perspectiva tradicional não será utilizada neste livro, que, ao inverso, enxerga o terceiro a partir de sua entrada no processo, como um participante que deveria integrar desde o início a relação jurídica processual e foi indevidamente excluído. Assim, a providência de inclusão do terceiro no processo é um ato de saneamento e organização do processo, que amplia o contraditório e permite a adequada resolução subjetiva e objetiva da controvérsia (e, eventualmente, da questão de direito material ou processual para a formação de um precedente e a posterior aplicação a todos os casos similares).

    A intervenção de terceiro pode ser voluntária ou provocada, respectivamente, quando o terceiro ingressa por iniciativa própria ou quando entra no processo contra a sua vontade. O CPC/2015 possui uma nova forma, mista, que é o amicus curiae, que pode integrar o processo de modo voluntário ou provocado.

    Ainda, os terceiros quebram a estabilização da demanda, ao apresentar pedidos, causa de pedir e provas que serão apreciados, valorados e utilizados na fundamentação da decisão judicial. E, como se verá, isso pode ocorrer inclusive em grau recursal (especialmente com o ingresso dos amici curiae). O controle dessa ruptura e a proteção dos direitos (materiais e processuais) das partes são feitos, principalmente, pelo contraditório e pela ampla defesa⁶⁷.

    Quanto aos pedidos, os terceiros dividem-se entre aqueles que apresentam pedidos vinculantes para o juiz e os que formulam pedidos não vinculantes.

    A intervenção de terceiros pode ser motivada pelo interesse destes contra uma das partes (ad adiuvandum) ou contra ambas (ad excludendum)⁶⁸. Dividia-se no CPC de 1973 em oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo (arts. 56/80)⁶⁹. O CPC/2015 modificou substancialmente essa classificação, para listar cinco espécies de intervenção de terceiros: assistência, denunciação da lide, chamamento ao processo, incidente de desconsideração da personalidade jurídica e amicus curiae (arts. 119/138). A oposição passa a ser um procedimento especial (arts. 682/686) e a nomeação à autoria é substituída pelo incidente de substituição do réu, que pode ocorrer por meio da mera alegação de ilegitimidade passiva na contestação (art. 338)⁷⁰ e, ainda, com a expressa indicação pelo réu de quem é o legitimado (art. 339)⁷¹.

    1.2.3. Participantes: Amicus Curiae

    O amicus curiae (amici curiae, no plural), ou amigo da Corte, tem origens distintas no Direito Romano e no Direito Inglês, e foi desenvolvido principalmente nos Estados Unidos, sendo lá denominado de friend of the Court⁷². Tem origem controversa, pois para alguns doutrinadores deriva do consilliarius do Direito Romano, e para outros provém do Direito Penal britânico⁷³.

    Trata-se de pessoa, em regra, sem relação ou interesse próprio no processo, com a atribuição de opinar ou prestar informações sobre a matéria controvertida, podendo o órgão julgador conferir à sua manifestação o valor que entender adequado. Não se trata de testemunha ou perito, não é remunerada, não exerce a função de fiscal da lei destinada ao Ministério Público, tampouco está sujeita à exceção de suspeição.

    A natureza jurídica e processual do amigo da Corte é controvertida: é tratado como sendo um terceiro, assistente, terceiro ou assistente atípicos (qualificados por um requisito de admissibilidade), auxiliar da Justiça, colaborador informal, forma especial de intervenção, ou uma espécie de participação da sociedade (por meio de uma entidade representativa) em determinados processos judiciais (no controle abstrato de constitucionalidade, em especial)⁷⁴. Afirma-se ainda que possui um interesse institucional nos processos em que se manifesta, por não ser o titular do direito em discussão, tampouco suportar os efeitos da decisão⁷⁵.

    Sua manifestação pode se referir a questões de direito, de fato, ou a interpretar a norma em discussão⁷⁶. Não se confunde com o perito judicial, pois sua atribuição não é a de comprovar ou atestar fatos, mas de opinar sobre eles⁷⁷.

    As divergências teóricas e práticas sobre a natureza jurídica e a delimitação da atuação processual do amicus curiae são um reflexo de sua regulação legal no país, que não o trata de maneira uniforme. O primeiro dispositivo legal a prever o amicus curiae no Brasil foi o art. 31 da Lei nº 6.385/76, seguido pelo art. 89 da Lei nº 8.884/94 (reproduzido no art. 118 da Lei nº 12.529/2011), o art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 9.469/97, o art. 31 da Lei nº 9.784/99 e o § 2º do art. 3º da Lei nº 11.417/2006 (na edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante), entre outras regras.

    A regulação do amicus curiae no CPC/2015 se restringe ao art. 138, que corresponde ao Capítulo V do Título III do Livro III (Dos Sujeitos do Processo) da Parte Geral, destinado a tratar da intervenção de terceiros⁷⁸.

    O primeiro aspecto importante que se extrai da norma é a possibilidade de participação dos amigos da Corte em qualquer processo e em qualquer grau de jurisdição. Ao dispor que o juiz ou o relator (...) poderá (...) solicitar ou admitir a participação (...), o art. 138 do CPC permite que o amicus curiae ingresse em qualquer processo judicial de natureza cível, independentemente da competência originária e da fase processual (mas sem prejuízo dos atos já praticados). Assim, em tese, o ingresso dos amici curiae no processo pode ocorrer desde o juízo de admissibilidade da petição inicial realizado pelo juiz de primeira instância, até o início do julgamento do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal, por decisão do Ministro relator (ou, indo além, em qualquer etapa de ação rescisória proposta contra esse acórdão, após seu trânsito em julgado e observado o prazo decadencial).

    A admissão do amicus curiae no processo pressupõe o cumprimento de seus requisitos legais⁷⁹:

    (a) subjetivo: pode ser pessoa natural ou jurídica (órgão ou entidade especializada), desde que possua representatividade adequada;

    (b) e objetivo: o processo deve tratar de matéria relevante, ou tema específico, ou controvérsia com repercussão social⁸⁰.

    A possibilidade de os amigos da Corte serem pessoas naturais ou jurídicas é outra inovação do art. 138 do CPC/2015. A regulação da Lei nº 9.868/99 (e do art. 482 do CPC de 1973) limita essa designação no controle abstrato de constitucionalidade pelo STF exclusivamente às pessoas jurídicas⁸¹.

    A representatividade adequada está relacionada com a possibilidade de os integrantes da pessoa jurídica ser afetados pela decisão judicial⁸².Em relação à pessoa natural, deverá se tratar de alguém que represente determinada coletividade de pessoas, como, por exemplo, dirigente associativo ou com elevado grau de conhecimento técnico em sua área de atuação.

    Quanto ao requisito objetivo, deve estar presente no mínimo um, entre três possíveis: o processo deve tratar de:

    (b.1) matéria relevante;

    (b.2) ou de tema específico;

    (b.3) ou de controvérsia com repercussão social.

    A relevância da matéria diz respeito à sua complexidade e à extensão dos efeitos da decisão sobre a sociedade, ou sobre parcela considerável desta. Não se confunde com a relevância do processo, tendo em vista que, por exemplo, é importante para o ordenamento jurídico qualquer processo em que se discuta a compatibilidade de ato normativo com a Constituição, no controle difuso ou concentrado⁸³. Há acórdãos no STF que aplicam esse requisito quando a própria manifestação do amicus curiae for relevante para o julgamento da causa⁸⁴.

    A especificidade do tema está relacionada à necessidade de um conhecimento técnico especializado sobre a matéria, que possa colaborar com a formação da convicção do julgador e a fundamentação de sua decisão. Esse conhecimento pode ser em qualquer área: econômica, política, antropológica, cultural, biológica e inclusive jurídica, entre outras. Como visto acima, o amigo da Corte não se trata de perito judicial, por não realizar um exame, vistoria ou avaliação, mas por se manifestar fundamentadamente sobre tema objeto da controvérsia processual.

    Por sua vez, a repercussão social da matéria controversa no processo judicial é um conceito que deverá ser construído nos próximos anos pela doutrina e na prática dos juízes e tribunais. Para esse fim, podem ser aproveitadas decisões do STF acerca da repercussão geral no recurso extraordinário, especialmente aquelas sobre os reflexos, na sociedade, da decisão em um processo sobre um caso concreto. Esse requisito demonstra ainda a preocupação em se buscar uma legitimação social para as decisões judiciais.

    A manifestação do amigo da Corte deve ser apresentada no prazo de 15 dias, contados a partir de sua intimação (da decisão que o requisita para se manifestar, ou daquela que deferir seu requerimento de ingresso). O art. 138 do CPC não especifica ou limita o modo da expressão dos amici curiae, razão pela qual deve ser interpretado no sentido que abrange as formas escrita e oral, a critério do juiz ou do relator.

    Antes da regulação do amicus curiae pelo CPC, a questão gerou controversa, tendo em vista que o Pleno do STF permitia a manifestação escrita e oral, enquanto a Corte Especial do STJ limitava apenas à forma escrita. Caberá, assim, ao juiz do processo (e diante dos poderes que lhe são conferidos pelo § 2º do art. 138), delimitar a atuação do amicus curiae em cada caso, o que abrange a autorização para se manifestar oralmente ou apenas por escrito⁸⁵.

    Da mesma forma que no controle abstrato de constitucionalidade, a decisão judicial que o convoca a ingressar no processo, ou se manifesta sobre o pedido de ingresso do amigo da Corte (deferindo ou não) é irrecorrível⁸⁶. No controle abstrato, a despeito da ausência de previsão legal, há quem sustente que o amicus curiae tem legitimidade para recorrer da decisão que indefere sua participação no processo, com fundamento em uma interpretação gramatical do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, segundo o qual é irrecorrível apenas a decisão que deferir a manifestação⁸⁷. Contudo, o Código de Processo Civil não deixa margem para essa interpretação, considerando que o caput do art. 138 dispõe de forma expressa que se trata de decisão irrecorrível.

    Ainda, conforme já destacado, houve uma opção expressa em enquadrar o amicus curiae no Código de Processo Civil como um terceiro, por estar inserido entre as formas de intervenção de terceiros. Em consequência, além de ser uma pessoa externa à relação jurídica processual, o art. 138 do CPC declara expressamente que o amigo da Corte é alguém que possui um interesse jurídico no processo, o que contraria sua natureza jurídica e o trata não como um colaborador da Justiça, mas sim como um amicus partis, alguém com interesse (ainda que institucional, no caso das pessoas jurídicas) em determinada forma de resolução do conflito, favorável a uma das partes⁸⁸.

    Trata-se de uma hipótese de intervenção de terceiro de ofício, que pode ser determinada pelo juiz. Portanto, o ingresso do amigo da Corte no processo pode ser:

    (a) provocado, quando for de iniciativa judicial;

    (b) e espontâneo, quando ocorrer por requerimento da parte ou do próprio amicus curiae.

    Entretanto, apesar de formalmente ser considerado um terceiro, o amicus curiae não ingressa no feito na qualidade de parte (ou de ajudante desta), mas sim de um auxiliar do juízo, ou do processo, e não possui todos os direitos e tampouco observa todos os deveres das partes e terceiros.

    Porém, é um terceiro com regulação específica, por observar regras determinadas, divididas em gerais e específicas.

    As regras gerais de sua situação processual de terceiro são:

    (a) a ausência de modificação da competência: a fim de evitar modificações provocadas e indevidas sobre o princípio constitucional do juiz natural (art. 5º, XXXVII), o ingresso do amicus curiae não altera o juízo competente para processar e julgar o pedido (em razão da pessoa);

    (b) e a legitimidade recursal restrita, tendo em vista que o amigo da Corte só pode opor embargos declaratórios e interpor recurso contra a decisão que resolver o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto nos arts. 976/987 (§§ 1º e 3º do art. 138).

    Por sua vez, as regras específicas são definidas em cada processo, considerando que compete ao juiz do processo (em primeira instância e nos tribunais) delimitar quais serão os poderes de cada amicus curiae, na decisão que o requisitar ou que permitir seu ingresso na relação processual (§ 2º do art. 138 do CPC). Dessa forma, o número de amigos da Corte, o modo de manifestação (oral ou escrita), eventual dilação de prazo para apresentação de suas razões, a participação em atos processuais, entre outras prerrogativas, devem ser definidas pelo juiz da causa, em decisão irrecorrível. Apenas as regras gerais não podem ser alteradas pelo juiz. Além disso, é possível que, em um mesmo processo, o juiz possa fixar atribuições diferentes para cada amigo da Corte.

    O CPC/2015, em seu art. 138, trata o amicus curiae mais como um amicus causae ou amicus partis, por representar os interesses gerais da coletividade ou de grupos ou classes sociais, consistindo em um terceiro com interesse jurídico direto na resolução da causa.

    Logo, o Código desvirtua o instituto, ao considerar que não há somente o interesse do juiz em demandar a exposição dos amici curiae, mas também destes em apresentar manifestação sobre o assunto em discussão e as consequências da decisão (apesar de estar dispensado da demonstração de interesse para sua admissão no processo).

    A manifestação do amicus curiae não vincula, mas apenas auxilia o julgador em sua decisão, possibilitando a ciência das situações fáticas abrangidas na criação e na aplicação da norma, e dos prováveis efeitos e implicações da decisão⁸⁹. Além disso, quando se discute um assunto multidisciplinar, são necessários conhecimentos igualmente multidisciplinares para a sua resolução.

    Em síntese, o amicus curiae no Código de Processo Civil tem natureza jurídica de terceiro, com legitimidade recursal limitada e que tem seu ingresso condicionado a um requisito subjetivo (pessoa natural ou jurídica com representatividade adequada) e outro objetivo (relevância da matéria, ou tema específico, ou controvérsia com repercussão social). Pode se manifestar em qualquer processo e em qualquer grau de jurisdição, no prazo de 15 dias a partir de sua intimação, e suas prerrogativas são delimitadas em cada caso pelo juiz do processo, em decisão irrecorrível.

    1.2.4. Participantes: Audiências Públicas

    Apesar de não se tratar de uma espécie de intervenção de terceiros, tampouco permitir a formulação de pedidos, insere-se neste capítulo a realização de audiências públicas em processos judiciais por duas razões principais: a influência que elas potencialmente produzem sobre a convicção do julgador (razão pela qual, como se verá adiante, integram o princípio do contraditório ampliado na formação concentrada de precedentes na regulação atribuída no Brasil pelo CPC/2015) e porque a fundamentação da decisão é similar àquela causada pelo amicus curiae. Justamente pelo segundo motivo, as audiências públicas e os amigos da Corte são usualmente confundidos na prática processual no Brasil (mais especificamente pelo STF), razão pela qual se pretende efetuar a distinção adequada.

    Ademais, pretende-se neste tópico desenvolver a ideia de que as audiências públicas, quando aplicadas na primeira instância e nas Cortes de apelação, permitem ao órgão julgador analisar questões de fatos qualificadas, porque não apresentadas pelas partes ou por terceiros diretamente interessados no julgamento do caso concreto, mas sim por pessoas interessadas (juridicamente ou não) na definição ampla da questão jurídica de fundo.

    A despeito de ser normalmente confundida e atribuída como espécie de manifestação de amicus curiae, a admissão da análise de fatos no controle concentrado de constitucionalidade tem sua origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, com o denominado Brandeis-Brief. Trata-se de manifestação formulada pelo advogado Louis Dembitz Brandeis⁹⁰, no caso Muller vs. Oregon, de 1908, na qual reservou algumas páginas para tratar de questões jurídicas e a maior parte se destinava à análise das consequências (médicas e sociais) das longas jornadas de trabalho sobre a mulher⁹¹. Ou seja, não se limitou a analisar teoricamente a afronta à Constituição, mas a embasou também (e não apenas) com situações de fato que sofrem os efeitos da aplicação da norma⁹².

    Antes mesmo da existência de fundamento legal no Brasil para a análise de fatos no controle concentrado de constitucionalidade, e apesar de o STF não admitir nos processos a dilação probatória e o exame dos fatos controversos, a Corte acaba por analisar (inclusive revisando) fatos considerados pelo legislador na elaboração das normas. Contudo, não há uma motivação expressa que justifique essa análise de fatos, pois normalmente se utilizam como fundamentos o princípio da igualdade e o postulado da proporcionalidade⁹³. Porém, na prática o STF valora os fatos considerados na elaboração das espécies normativas, como na ADI-MC 1910/DF, em que decidiu que o legislador não observou o princípio da isonomia ao instituir prazo decadencial diferenciado para a Fazenda Pública em ação rescisória⁹⁴. Ainda, na ADI 1276/SP, concluiu que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo não feriu o princípio da isonomia ao elaborar lei que criou incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com idade superior a 40 anos⁹⁵. Logo, ainda que implicitamente e com base em motivação diversa, há no controle de constitucionalidade a análise e a revisão dos fatos e prognoses realizadas pelo Legislativo na elaboração das normas⁹⁶.

    A Lei nº 9.868/99 (que regula o processo da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade no STF) admite o auxílio de pessoas que não são partes no processo, em seus arts. 9º e 20, de semelhante teor⁹⁷. Redação similar possui o art. 6º, § 1º, da Lei nº 9.882/99 (para a arguição de descumprimento de preceito fundamental)⁹⁸.

    Portanto, em processos tidos como objetivos, é possível o esclarecimento de situações fáticas referentes ao assunto em discussão, por meio de consultas a especialistas e aos tribunais competentes para julgar os processos subjetivos sobre a espécie normativa questionada⁹⁹.

    As audiências públicas constituem o principal (mas não o único) instrumento utilizado para a apuração e a elucidação de fatos no controle concentrado de constitucionalidade pelo STF.

    Na aplicação dos citados dispositivos legais, no dia 20 de abril de 2007 o STF realizou sua primeira audiência pública, como forma de instruir a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, proposta pela Procuradoria-Geral da República, que impugnou dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005). Nessa audiência, foram ouvidos 22 especialistas acerca do uso de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias, divididos em dois grupos, um favorável e outro contrário à permissão legal. Por fim, os julgadores elaboraram cinco questionamentos, respondidos oralmente pelos dois grupos de especialistas.

    A segunda audiência pública ocorreu na ADPF 101, que questionou as decisões judiciais que autorizavam a importação de pneus usados por empresas brasileiras, para utilizá-los como matéria-prima na fabricação de pneus remoldados. No dia 27 de junho de 2008, realizou-se a audiência designada pela relatora, Min. Cármen Lúcia, na qual 11 especialistas defenderam posições semelhantes ou distintas do pedido inicial.

    Também foram realizados quatro dias de audiência (encerrados em 16/09/2008) na ADPF 54, que versou sobre o abortamento de fetos anencefálicos, com a oitiva do Ministro da Saúde, de médico, cientistas, socióloga, antropóloga, parlamentares, religiosos, entre outros representantes de 25 instituições, com argumentos variados, favoráveis e contrários ao tema objeto do pedido.

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