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O Grande Palco Da Vida
O Grande Palco Da Vida
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E-book594 páginas7 horas

O Grande Palco Da Vida

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Sobre este e-book

Regis era apenas um menino, que desde antes de completar sete anos de idade, já sonhava em se tornar um grande astro da música popular sertaneja do Brasil, por isso sempre se dedicou a estudar muito, não só em sua escola primária, mas principalmente, aprendendo violão, canto e coreografia. Assim como sonhara, seu sucesso, fama e riqueza, acabaram chegando muito rápido e ele então se tornara aparentemente uma das crianças mais felizes deste mundo, mas o que ele só iria descobrir aos poucos, era que o preço a ser pago por esta fama seria alto demais. Preços aparentemente inofensivos, como a perda da infância, a ausência dos pais, o convívio com adultos, que muitas vezes, mesmo sem intuito de maldade, acabava expondo o menino a um mundo perigoso, que o levaria também ao fim de sua inocência, através da exposição às bebidas alcoólicas, drogas e prostituição. Regis, porém, em modo hiperativo, acabava se vendo obrigado, mesmo sendo apenas um menino, se tornar homem e conseguir lutar por sua felicidade, dentro da fama, riqueza e um mundo ingrato, onde muitas vezes impera também as injustiças. ©©©© Foi por amar as crianças, que me vi envolvido nesta aventura especial, diferente e muito gratificante: A aventura em me tornar um dos principais amigos desse garoto muito bonito, simples e acima de tudo, com seu coração puro, cheio de amor ao próximo e de uma grande beleza espiritual. Porém, uma aventura onde, como todas, surgem seus momentos dolorosos e tristes. Quero compartilhar com você, amigo leitor, a quase completa estória deste meu amiguinho, REGIS DE ASSIS MOURA, uma criança, a qual conheci por acaso e confesso, jamais me esquecerei; pois foi ele quem me ensinou a amar ainda mais a simplicidade e pureza das crianças; fez-me aprender a ser feliz: a sorrir quando é hora de chorar; a abraçar quando é hora de surrar; a amar quando pensar que é momento de odiar; a cantar quando só quer protestar; a ser simples quando quiser ser importante; a ser criança quando se sentir rabugento… Se você gosta de crianças, gostará de ler a esta estória. Procure entrar nesta vidinha simples e então irá sorrir e deixará correr lágrimas também, conforme notar o desenvolver desta minha aventura, diferente e longa. Meu verdadeiro objetivo foi tentar mostrar o amor e simplicidade infantil, deste garotinho hiperativo, que conheci enquanto trabalhava. Na época, ele tinha quase sete anos de idade e me aceitou entre a relação de seus principais amigos. Os anos passaram e nossa amizade cresceu. Na época eu era muito jovem e sequer tinha filhos, mas mesmo assim, aprendi a amá-lo, como se ele fosse meu primeiro filhinho e ele, em sua simplicidade invejável, retribuía este amor, que me causava muito orgulho.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de set. de 2017
O Grande Palco Da Vida

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    O Grande Palco Da Vida - Celso Innocente

    O

    GRANDE

    PALCO

    DA VIDA

    CELSO INNOCENTE

    O GRANDE PALCO DA VIDA

    ISBN 978-90-914107-5-0

    1ª edição

    Celso Aparecido Innocente

    Rio de Janeiro - Brasil

    2013

    Com sua alma de artista, coração de anjo e amor para dar a todos, ele se fez de adulto e mesmo sendo criança, lutou pela vida, pela fama e por justiça.

    .

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    .

    Prefácio

    Regis era apenas um menino, que desde antes de completar sete anos de idade, já sonhava em se tornar um grande astro da música popular sertaneja do Brasil, por isso, sempre se dedicou a estudar muito, não só em sua escola primária, mas principalmente, aprendendo violão, canto e coreografia.

    Assim como sonhara, seu sucesso, fama e riqueza, acabaram chegando muito rápido e ele então se tornara aparentemente uma das crianças mais felizes deste mundo, mas o que ele só iria descobrir aos poucos, era que o preço a ser pago por esta fama seria alto demais. Preços aparentemente inofensivos, como a perda da infância, a ausência dos pais, o convívio com adultos, que muitas vezes, mesmo sem intuito de maldade, acabava expondo o menino a um mundo perigoso, que o levaria também ao fim de sua inocência, através da exposição a bebidas alcoólicas, drogas e prostituição.

    Regis, porém, em modo hiperativo, acabava se vendo obrigado, mesmo sendo apenas um menino, se tornar homem e conseguir lutar por sua felicidade, dentro da fama, riqueza e um mundo ingrato, onde muitas vezes impera também as injustiças.

    ©©©

    Foi por amar as crianças, que me vi envolvido nesta aventura especial, diferente e muito gratificante: A aventura em me tornar um dos principais amigos desse garoto muito bonito, simples e acima de tudo, com seu coração puro, cheio de amor ao próximo e de uma grande beleza espiritual. Porém, uma aventura, onde, como todas, surgem seus momentos dolorosos e tristes.

    Quero compartilhar com você, amigo leitor, a quase completa estória deste meu amiguinho, REGIS DE ASSIS MOURA, uma criança, a qual conheci por acaso e confesso, jamais me esquecerei; pois foi ele quem me ensinou a amar ainda mais a simplicidade e pureza das crianças; fez-me aprender a ser feliz: a sorrir quando é hora de chorar; a abraçar quando é hora de surrar; a amar quando pensar que é momento de odiar; a cantar quando só quer protestar; a ser simples quando quiser ser importante; a ser criança quando se sentir rabugento…

    Se você gosta de crianças, gostará de ler a esta estória. Procure entrar nesta vidinha simples e então irá sorrir e deixará correr lágrimas também, conforme notar o desenvolver desta minha aventura, diferente e longa.

    Meu verdadeiro objetivo foi tentar mostrar o amor e simplicidade infantil, deste garotinho hiperativo, que conheci enquanto trabalhava. Na época, ele tinha quase sete anos de idade e me aceitou entre a relação de seus principais amigos. Os anos passaram e nossa amizade cresceu. Na época eu era muito jovem e sequer tinha filhos, mas mesmo assim, aprendi a amá-lo, como se ele fosse meu primeiro filhinho e ele, em sua simplicidade invejável, retribuía este amor, que me causava muito orgulho,

    O autor,

    São João da Boa Vista, 4 de Junho de 1983

    Penápolis, 10 de Março de 2015

    .

    .

    .

    .

    Em um futuro não muito distante, desrespeitar uma criança será considerado crime.

    Regis Moura, baseado em brincadeiras de mau gosto, que certos adultos fazem com crianças.

    Não tenho fãs, só amigos. Milhões de amigos.

    Regis Moura, em leito de hospital.

    Jamais me tenha como um ídolo. Deus não tolera ídolos.

    Tenha-me como um amigo. É assim que tenho você.

    Regis Moura, durante show de agradecimento.

    Esse menino tem algo de Divino, lapide-o bem.

    Dr Marcio Hernandes, ao dar alta para Regis.

    O que sou, o que tenho e o que faço é para Deus.

    Regis Moura conserva em sua mesa.

    Uma grande Amizade

    Passava alguns minutos das oito horas da manhã do dia dez de Abril de um mil novecentos e setenta e oito, segunda-feira, juntamente com Waldomiro, colega de trabalho na Telesp, estacionamos o carro em frente a uma loja de materiais para construção, na lateral da Avenida Oscar Pirajá Martins, em São João da Boa Vista, onde iríamos instalar um moderno sistema de comunicação interna e externa para aquela empresa.

    Ao descermos do carro, vi do outro lado da rua, sentado em um banquinho de madeira, um garotinho branco, de cabelos castanhos escuros, talvez seis anos de idade, descalço, usando short azul marinho bem curto (padrão da época), camiseta polo, branca; tocando algumas posições musicais em seu pequeno violão de seis cordas.

    Apesar de tão pequeno, dava para perceber que o menino tinha dom para tal arte, pois seus dedinhos deslizavam sobre as cordas de tal instrumento, com jeito de alguém, que parecia ter muitos anos de treinamento.

    — Pare de paquerar o menino! — Caçoou Waldomiro, pois sabia o quanto eu era apaixonado por crianças.

    Descarregamos o carro, levamos todo o material para dentro da loja e negociamos com nosso cliente o serviço a ser executado. Retornei ao carro e percebi que aquele garotinho continuava tocando seu violão, alheio a quem quer que passe na rua, ou quem, como eu, o admirasse por sua performance artística.

    Curioso continuei o observando e então, a me ver, ele parou de tocar, deu uma última rabiscada nas cordas e me olhou, perguntando desconfiado:

    — O que foi?

    — Só estava vendo você tocar — justifiquei-me. — Por que parou? É bonito!

    — Ainda não sei tocar! Estou tentando aprender.

    — Gosta muito de música! Não? — aproximei devagar.

    — Sim! Gosto! O que você veio fazer aqui? — Insistiu ele um pouco assustado.

    — Ver você tocar! Posso?

    — Ãh!?

    — Não tenha medo! Não vou lhe fazer mal.

    — Digo… O que você veio fazer na loja?

    — Instalar um sistema de telecomunicação.

    — Telefone?

    — Caesse.

    — O que é caesse?

    (Sistema telefônico comercial antigo, provido de teclas, capaz de receber até dez linhas distinta e até trinta extensões, provido de sigilo na conversação).

    — Um sistema de comunicação comercial.

    O pequeno balançou os ombros para quem ficou na mesma.

    — Sistema comercial... — tentei explicar e nem mesmo sabendo como fazer, aleguei:

    — Não liga pra isso não! É telefone e só!

    — Você também gosta de música?

    — Muito! Admiro quem sabe tocar.

    — Como é seu nome?

    — Willian! E o seu?

    — Regis.

    — Qual a sua idade?

    — Vou fazer sete anos dia vinte. E você?

    — Dezenove!

    — Você sabe tocar violão?

    — Não! Sou burro pra aprender isso!

    — Ninguém é burro! — Negou ele. — Qualquer pessoa aprende. É só querer.

    — Acho que não! É preciso ter um certo dom!

    — O que é um dom?

    — É uma coisa divina. Algo plantado em nossa alma, por Deus.

    — Plantado!? — Riu ele, mostrando os dentes de leite.

    — Isso mesmo! — confirmei. — No momento de nossa criação Deus já coloca em nossa alma e diz, Você vai ser um músico... Você vai ser um médico... Você vai ser um palhaço...

    — Palhaço?! — Tornou a rir.

    — Palhaço é uma grande profissão!

    — Eu sei! Gosto de palhaço! E você? O que Deus disse que você vai ser?

    — Instalador de telefone. Acho que este é o meu dom!

    — É o mesmo que vocação?

    — Isso mesmo! Vocação.

    — E você não tem vocação? — Quis saber ele. — Quero dizer...

    — Pra violão? Acho que não!

    — Eu gosto!

    — Dá pra perceber! Eu tive um cavaquinho, uma gaita, uma viola e ainda tenho um violão. Não consegui aprender nem as primeiras notas musicais. Dá pra se notar que realmente não tenho dom.

    — Eu ainda vou aprender a tocar igual ao Toquinho. Vou ser muito famoso! Sabia?

    — Tenho certeza! Você estuda?

    — Sim! Estou no primeiro ano!

    — Ótimo! Mas eu quis dizer... você estuda violão?

    — Só em casa! Com um método.

    — Não seria mais fácil entrar em uma escola?

    — Na escola é preciso pagar. E nós somos pobres!

    — Não é tão caro! Acha que não dá pra pagar?

    — Não! Papai ganha pouco e ainda paga aluguel.

    — Em que ele trabalha?

    — Na fábrica de doces! Fica aqui perto!

    — Sei onde é. Você já experimentou pedir a ele?

    — Nem foi preciso! Ele mesmo já me disse que não dá.

    — E quem lhe deu o violão?

    — Papai! Mas foi difícil! Ele comprou à prestação.

    — Ele é bom pra você? Ou é muito... bravo?

    — Papai é muito bom! Um pouco bravo — gesticulou, franzindo a cara. — Mas ganha muito pouco dinheiro. Mas um dia serei um grande artista e vou gravar um disco e serei muito rico!

    — É isso mesmo, garoto! Tem que se ter pensamento positivo.

    — Você vai ver! Um dia as rádios irão anunciar músicas com o meu nome, Regis Moura! Pode escrever!

    — Vou escrever. Mas agora preciso ir trabalhar. Meu parceiro é bravo! Tchau!

    Retornei à loja onde Waldomiro já estava trabalhando.

    — Achei que fosse ficar namorando o menino o resto da manhã — caçoou ele.

    Comecei a ajudá-lo.

    Não demorou muito para que Regis aparecesse por lá. Pediu permissão ao dono da loja e ressabiado, talvez por eu dizer que meu parceiro era bravo, passou ao longe, quase que escondido por detrás de um grande balcão, a nos observar em nosso trabalho, com dezenas de fios coloridos, de pequeno calibre, usado em cabeamento telefônico.

    — Olha quem está aí! — Alertou-me Waldomiro. — Seu paquera!

    — Não é meu paquera! — Neguei com sorriso. — É um futuro artista. Chega mais perto, Regis! Eu estava brincando, quando disse que Waldomiro era devorador de crianças.

    — Mui amigo... Não? — Chamou-me a atenção, Waldomiro.

    Então, também acompanhado por ele, que também adorava crianças e músicas, voltamos a falar em dom musical. Na verdade, Regis, parecia muito mais interessado nas sobras de fios coloridos, resultado da execução de nosso trabalho quase que artesanal.

    — Venha cá — chamou-lhe Waldomiro, mostrando-lhe dois fios. — Veremos se você é um menino esperto. Quero ver se você sabe qual destes fios é o vermelho e qual é o marrom.

    Regis abaixou-se diante de meu parceiro, segurou os fios entre suas duas pequenas mãos e disse sorrindo:

    — Este é o vermelho e este o marrom!

    — Muito esperto! — sorriu Waldomiro enrolando os fios.

    Apanhou outros dois fios e desafiou-o:

    — Quero ver agora, qual é o laranja e qual é o verde?

    Regis, sorrindo, sentou-se no chão à frente dele, apanhou os dois fios e disse convicto:

    — Este é o laranja e este o verde.

    — Realmente esperto!

    — Acha que não sei cor? — Riu o menino.

    — Me fala qual é a cor destes dois!

    — Verde e amarelo! — Exclamou confiante.

    Mais esperto mesmo era meu parceiro Waldomiro, que na verdade, estava aproveitando da inocência do menino, para lhe ajudar a separar os fios coloridos do equipamento a ser instalado. Waldomiro, apesar de trabalhar com isto há muitos anos, era daltônico e tinha certas dificuldades com as cores, adquirindo inclusive, certa habilidade em separá-los usando o macete dos fabricantes, que consistia em disponibilizá-los por padrão, em sentido horário em que eram fabricados, como se fosse um caracol, invisível para quem não precisasse deste detalhe.

    — Então você vai ser cantor? — Questionou-o Waldomiro.

    — Ãh han! Famoso!

    Waldomiro tirou do bolso da calça, uma pequena gaitinha de boca e em tom baixo começou a tocar o menino da porteira para o menino, que, admirando-o, sorria feliz, estando tão à vontade conosco, principalmente com meu parceiro, que sim, tinha o dom especial em cativar crianças.

    Depois de fazer até certa algazarra com a gaitinha na boca, parou de tocar, limpou-a muito bem em sua camisa e entregou ao menino, pedindo:

    — Toque.

    — Não sei! — negou o pequeno Regis.

    — É só por entre os lábios e assoprar no tom da música — insistiu o homem.

    Regis, assoprando devagar começou a emitir as mesmas notas musicais que tal homem fez com tal música muito conhecida.

    Para quem nunca havia assoprado uma gaitinha e boca, a música estava perfeita.

    — Puxa! — Admirou-se Waldomiro. — Você é um gênio!

    No período da tarde, não o vi, pois assim que retornamos do almoço, ele provavelmente teria ido à escola e quando deixamos o serviço à tarde, ele continuava na escola.

    Às oito horas da manhã seguinte, quando, novamente parávamos defronte à loja, para a conclusão do serviço inacabado, ele estava ensaiando seu violão, sentado em seu banquinho de madeira. Assim que chegamos, parou, guardou o violão e correu a nos ver trabalhar.

    — Por que parou de ensaiar? — Perguntei-lhe.

    — Já ensaiei bastante!

    — Pra ser artista tem que ensaiar muito mesmo!

    — À noite ensaio mais! Até que dia vocês vão trabalhar aqui?

    — Só até hoje!

    — Por quê?

    — Hoje de manhã a gente termina o serviço por aqui.

    — Depois nunca mais voltam?

    — Só quando apresentar algum defeito nos equipamentos, então eu ou o Waldomiro, voltaremos pra consertar.

    — Dá muito defeito?

    — Não! É bem difícil!

    — Quer dizer que vocês não vão mais conversar comigo?

    — Por quê?

    — Ora! Somos amigos! — Disse ele com seu jeitinho muito especial de criança. — Não somos?

    — Claro que somos! — Parecia que ganhei o melhor presente do mundo.

    Quem poderia negar uma amizade assim? Embora seja complicada uma amizade repentina entre um adulto e uma criança. Como chegar aos pais de Regis e dizer: sou amigo de seu filho! A gente mesmo orienta nossos filhos a ter muito cuidado com pessoas estranhas, principalmente quando se é mais velhas. A gente mesmo orienta nossos filhos a jamais conversar com estranhos, fruto de um perigo constante, em nossa sociedade humana, podre e perigosa.

    — Logo você vai se tornar um astro — alegou Waldomiro. — Será famoso e nem se lembrará mais de um tal sinhô Mirinho! Nem sinhô Gustavinho!

    — Acha! — Gesticulou o menino. — Amigo a gente não esquece!

    — Que bom, garotinho! — fui convicto. — Tomara que você realmente conserve seu coraçãozinho assim!

    — Vocês podem vir à minha casa pra me ver ensaiar.

    — É! — Brinquei. — Quem sabe seus pais permitem!

    — Lógico que meus pais per...mite!

    — Você sabe que é perigoso ter amizade com um adulto desconhecido?

    — Não com você e seu amigo! — Negou ele.

    — Como pode ter certeza? — admirei sua confiança.

    — Já falei com Marcos.

    Acho que Regis não era tão imaturo assim. Já teria tido referências sobre a gente, com seu amigo Marcos. Mas o importante, era que apenas conversando nestes pequenos intervalos, conquistei a amizade daquele garotinho esperto e simpático de cabelos castanhos lisos e olhos da mesma cor.

    Waldomiro então se aproximou, vindo do fundo da loja cantando em tom forte e bonito:

    — Por que será... Que mamãe me engana... Que é só uma vez por semana que papai vem passear... — Passou a mão sobre o queixo do menino, que estava sorrindo e continuou — Por que será?...

    Marcos chegou de repente e questionou:

    — Já contrataram Regis pra trabalhar com vocês?

    Apesar de ter dito que terminaria o serviço até o almoço, houve atraso e precisamos retornar no período da tarde para conclusão do mesmo e foi aí, que ao descer do carro, na porta da loja encontrei um homem de uns trinta e cinco anos de idade.

    — É você que é Willian? — Perguntou-me ele.

    — Eu mesmo! Por quê?

    — Meu filho me falou de você.

    — Regis?

    — É!

    — Ah! O senhor é pai de Regis? Desculpe-me ter me aproximado dele, mas só estava admirado em vê-lo tocar.

    — Ele me disse que você virá em minha casa à noite.

    — De fato ele me convidou.

    — E você aceitou?

    — Desculpe-me senhor...

    — Ele não tem nem sete anos de idade!

    — Não tenho má intenção com o seu filho!

    — Não tem má intenção, mas tem algum interesse! Qual?

    — Nenhum! Gosto de crianças! Principalmente quando se tem dom musical... Pra mim é assim algo Divino. Acabamos nos tornando amigos... Sei que é esquisito. Não se aconselha criança, de repente ficar amigo de um adulto...

    — E você sabe disso, mas nem se importou?

    — Já pedi desculpas — atrapalhei-me. — Já estamos indo embora e Regis jamais nos verá.

    — Está tudo bem! Creio que a culpa é mais dele do que sua. Meu filho é muito inocente e se Hitler aparecesse aqui acabaria ficando amigo dele.

    — Que comparação! — Espantei-me. — Sou parecido a tal nazista?

    — Regis me falou muito bem de você e seu parceiro de trabalho.

    — Regis adora música!

    — Só pensa nisso! A vida dele é falar que vai ser artista quando crescer.

    — Por que o senhor não o deixa estudar violão em uma escola?

    — Uma escola já é difícil de manter! Imagine duas!

    — Como assim? Ele não estuda em escola estadual?

    — Estuda! Mas o material não é estadual! O uniforme também não! E é caro!

    — O senhor tem razão. Mas... Não dá pra pagar uma escola de violão a ele?

    — Não! Não dá! Bem que eu gostaria! Mas ganho pouco e a vida é cara.

    — O senhor acha que ele gostaria de entrar numa escola de violão?

    — Tudo o que é bom pra ele aprender a ser artista ele gosta.

    — E o senhor quer que ele seja artista?

    — Se é vocação dele, seria um orgulho!

    — Aceita que eu pague a escola de violão?

    — Qual a intenção?

    — Nenhuma! Na verdade tenho uma grande intenção. Quero ser... amigo de Regis. Caso o senhor permita.

    — Não posso aceitar. Escola é caro.

    — Nem tanto! Escola de violão não é caro!

    — Não acho justo! — Negou ele. — Você mal conhece meu filho.

    — Posso ajudá-lo!

    — Mais uma vez, por que tanto interesse por meu filho?

    — Gosto de música! E de criança! Como já disse.

    — Esse tal gosto de criança... Pode ser bravo!

    — Senhor... Eu gosto de crianças! Amo-as... E respeito-as.

    — Você toca violão?

    — Não sei nada de violão. Gosto de escrever e compor canções. Só que escrevo letras, sem auxílio de violão. Quando criança, apoiado por meus irmãos que tinha cavaquinho, achava que gostava de viola. Comprei uma... Fazia barulho. O som era bonito... Som de viola é bonito por si, mas não consegui aprender nada, então acabei por vender e julgando ser mais fácil por ter menos cordas, comprei um violão. Fracasso também! Ainda tenho o violão... Mas não sai do guarda-roupa.

    — Então resolveu escrever músicas?

    — Não é bem assim! Eu escrevo desde criança. Desde que aprendi a escrever, já venho escrevendo pequenos contos. É natural que com o passar do tempo vou aprendendo mais. E no mais, só escrevo por distração. Não tenho nada publicado.

    — Aí resolveu fazer amizade com crianças?

    — Não é bem assim! — Neguei chateado. — Conheci Regis por acaso. Não vejo mal algum!

    — Você tem filhos?

    — Terei um dia! Acredito.

    — O que pensaria se de repente um estranho dissesse, vou pagar um curso de violão para seu filho?

    — Não sei! — Dei de ombros. — Analisaria a situação. Talvez o senhor tenha razão.

    — Talvez!? — Riu o homem. — É estranho! Desculpe-me a franqueza, mas você pode ser um anjo... mas pode também ser um crápula!

    — Ok! Já entendi o recado! Vou torcer por Regis.

    Já ia me retirando para o trabalho. O homem continuou.

    — Dizem que os filhos seguem os passos dos pais. Regis é o contrário de mim. Também não sei fazer nada! E você? Seguiu os passos de seus pais?

    — Não! Meu pai gostava mesmo era de acordeom e relógio tipo cuco. Eu só entendo male má é de escrever.

    — Por que você diz gostava?

    — Não sei se continua gostando! O que sei é que ele nunca teve dinheiro pra comprar um pra poder tocar.

    — E agora você acha que pode pagar um curso a um menino que nem conhece?

    — Como não conheço? Eu conheço Regis!

    — Desde quando?

    — Ontem!

    — Isso é conhecer? Se fosse alguém da sua família! Mas não é nada!

    — Como não? Amizade não é nada?

    — O mundo é cercado por crápulas, meu caro... E a criança é como uma flor indefesa, a qual se compra com uma bala.

    — Tudo bem senhor... Novamente peço desculpas em ter conhecido Regis.

    — Você é solteiro?

    — Tenho dezenove anos!

    — Tem namorada?

    — Digamos que... atualmente não!

    — Mora com seus pais?

    — Não senhor! Meus pais moram longe! Moro sozinho.

    — E quer ter amizade com um menino de sete anos?

    — Não tenha medo! Não sou gay! Não sou estúpido de querer abusar de uma criança inocente.

    — Na verdade você também é quase uma criança! Não acha que criou asa muito cedo, abandonando os pais?

    — Nunca abandonaria meus pais! — Neguei bravo. — Amo-os e sempre os protegerei. Moro longe deles. Sai cedo de meu ninho e ainda sinto falta disso! Mas foi exatamente por ser pobre e a vida ser dura.

    — Desculpe ser duro com você — riu de leve o homem. — Amo meu filho e o protejo também. Na verdade, como já disse, acredito que a culpa da amizade de vocês, seja mais dele do que sua.

    — Culpa!

    — Regis é um menino hiperativo... Fala bastante e faz amizade fácil. Mas ele não é bobo e sabe distinguir crápulas.

    Continuei calado.

    — Você pode ser amigo de meu filho. Se ele te escolheu... acredite, é porque você merece. Ele jamais faria amizade com o tal Hitler.

    — Posso dar o curso de violão de presente por esta amizade? Ou acha que estou querendo comprá-lo?

    — Suponhamos que eu aceite, ele comece a estudar e não aprenda…

    — A gente pode tentar ajudá-lo. Mas obrigá-lo não! Só que eu acredito que ele vai aprender... e muito!

    — Eu também acredito muito no potencial de meu filho!

    — Ele quer ser artista! Façamos o necessário pra que ele seja artista.

    — Você se prontifica a pagar essa escola pra ele?

    — Sei que não é lá muito certo, mas gosto de crianças e gostaria de proporcionar essa ajuda.

    — Não é um empréstimo! Eu não posso pagar você! Se assim fosse, ele já estaria nessa escola.

    — Digamos que seja uma bolsa.

    — Ser artista não é tão simples. Não basta aprender o violão.

    — Não! Não é simples! Mas se não o ajudar, será mais difícil ainda.

    — Disso eu sei! Acontece que dinheiro a gente não acha no lixo.

    — Arranjo o dinheiro pra ele fazer um ano de curso. Depois veremos o que acontece. Quem sabe no futuro ele até grave um disco e fique famoso.

    — Pra você parece tudo fácil! Regis nem é cantor! Só gosta de tocar violão.

    — Já disse que não é fácil! Mas juntos daremos uma forcinha.

    — E se for só fogo de paia?

    — O que é isso? — Admirei.

    — Já pôs fogo em uma palha de milho seca?

    — Queima em um segundo...

    — Isso! E se ele não ir a lugar nenhum?

    — Pelo menos o senhor não poderá dizer que não tentou.

    — Como você se prontifica a ajudar e sabe que não terá seu dinheiro de volta…

    — Então aceita que eu pague um ano de curso de violão pra que Regis estude?

    — Se você quer... O que eu tenho a perder? Já interroguei sua índole! Só volto a avisar que isto não é um empréstimo! Não posso pagar!

    — Isso! Uma bolsa!

    Naquela noite, como havia prometido fui à sua casa, onde ele me recebeu como se eu fosse um ente querido, que estava ausente a mais de ano; depois, resolveu ensaiar um pouco. Pela sua pouca idade, no violão, já sabia posições suficientes para tocar diversas músicas. Só não sabia solos e ponteados, mas tocava muito bem. Realmente era dono de um poderoso dom Divino.

    Só então seu pai lhe contou sobre a escola de violão, o que o deixou exuberante e eu fiquei feliz por ter conquistado sua amizade, além de seus pais, Pedro e Odete e seu maninho caçula Tony, de três anos de idade.

    Na manhã seguinte, passei em sua casa e juntamente com sua mãe fomos a uma escola de música, onde, com muito apoio de Marlene, a professorinha de seus vinte anos de idade, ele foi matriculado.

    Em poucas aulas, Marlene foi percebendo o verdadeiro dom que o menino tinha. Com isto, já mais íntimo de toda a família, em um sábado de manhã fui com ele na escola de Marlene, que depois de pedir que fizesse alguns acordes, lhe questionou:

    — Você não quer cantar um pouquinho pra eu ouvir? Só um pedacinho de qualquer música.

    Ele ajeitou o violão no peito e cantou com sua vozinha ainda muito verde De Fernando Mendes: Cadeira de rodas).

    Sentada na porta em sua cadeira de rodas ficava,

    Seus olhos tão lindos sem ter alegria tão triste choravam

    Mas quando eu passava a sua tristeza chegava ao fim,

    Sua boca pequena no mesmo instante sorria pra mim

    Aquela menina era a felicidade

    Que eu tanto esperei, mas não tive a coragem.

    E não te falei do meu grande amor

    Agora por onde ela anda eu não sei.

    Hoje eu vivo sofrendo e sem alegria

    Não tive coragem bastante pra me decidir,

    Aquela menina em sua cadeira de rodas,

    Tudo eu daria pra ver novamente sorrir.

    — Bonito, Regis! — elogiou-o Marlene, rindo. — Como você quer ser um artista, eu tenho uma amiga que dá aulas de canto. Acho que valeria a pena você fazer algumas aulas com ela.

    — Estou ruim assim? — entristeceu-se ele.

    — Não! — sorriu ela. — Você está lindo! Canta afinadinho e dentro do tom! Mas acho que algumas aulas de canto lhe ajudariam muito mais!

    Eu estava encantado. Fora a primeira vez que ouvira meu jovem amiguinho cantando e percebi o quanto ele fazia com amor. Embora eu fosse um ignorante no assunto de música, dava para perceber o quanto ele tinha chance de se tornar um grande artista.

    Seguindo o conselho de Marlene, procurei com Regis a outra professora de arte: Marisa, de vinte e dois anos, que por um preço bem acessível, daria duas aulas semanais de canto ao menino, as terças e sextas-feiras, enquanto as aulas de violão eram as quartas e sábados, sempre no horário das nove até às dez horas da manhã.

    No primeiro dia desta nova aula, pedi autorização à professora para acompanhá-los.

    Já em sua sala especial de treinamento, com diversos aparelhos esquisitos, inclusive um de som, com microfones e outro parecido com equipamento de audiometria, enquanto eu permanecia em uma cadeira estofada à certa distância, ela sentou-se em outra de frente ao menino e pediu:

    — Preciso conhecer sua voz. Cante um pedacinho pra que eu te ouça.

    — Qual música?

    — Qualquer uma — pensou um pouco e emendou. — Qualquer uma não! Cante o Hino Nacional Brasileiro.

    — Cadê o violão?

    — Não quero ouvir o violão! — protestou ela. — Quero ouvir sua voz! E quero que cante em um ritmo lendo, imaginando cada uma das palavras.

    E assim, como ela pediu o pequeno Regis levantou-se e com a mão direita sobre o coração, começou a cantar em um tom alto, porém pausadamente:

    Ouviram do Ipiranga as margens plácidas

    De um povo heróico o brado retumbante,

    E o sol da liberdade em raios fúlgidos,

    Brilhou no céu da pátria nesse instante.

    Se o penhor dessa igualdade

    Conseguimos conquistar com braço forte,

    Em teu seio, ó liberdade,

    Desafia o nosso peito a própria morte!

    Ó pátria amada,

    Idolatrada,

    Salve! Salve!

    — Esta bem! — interrompeu Marisa. — Já basta.

    Tomou-o pelas mãos sentando-o à sua frente e prosseguiu:

    — Parabéns duas vezes!

    — Duas!? — riu o menino. — Obrigado! Mas... por que duas?

    — Primeiro por ter cantado muito bem! Medindo cada letra de cada palavra. Sua dicção é perfeita, a gente entende perfeitamente cada palavra que você canta! E canta com o coração... com a alma! Você canta porque gosta, porque tem uma dádiva aqui... — colocou o dedo indicador no peito do menino e elevou-o até sua testa. —... e aqui!

    — E qual meu segundo parabéns? — exigiu Regis.

    — Tão pequeno e sabe a letra do Hino Nacional de seu país! A maioria dos adultos não sabe nem o primeiro refrão.

    — A gente canta o hino nacional toda semana na escola.

    — Agora faremos alguns exercícios — insinuou ela tomando dois microfones, um para ela e outro para o menino e ligando seus aparelhos de som e audiometria. — Vamos começar aprendendo a respirar corretamente. Quero que você assopre aqui no microfone, devagar e pelo tempo que conseguir, sem parar.

    Assim o menino fez, durante ao menos trinta segundos.

    — Muito bem! Agora quero que também devagar, somente pela boca inspire o ar o máximo que conseguir e depois expire-o só pelo nariz.

    Regis obedeceu em silêncio, o que durou outros trinta segundos.

    — Agora o inverso, inspire pelo nariz e expire pela boca.

    Depois de uma sessão de pelo menos cinco minutos de inspira e expira, que eu acabava imitando-o em meu canto, ela, mexendo nas aparelhagens, pediu-lhe:

    — Agora você vai imitar-me.

    E começou com o microfone próximo à boca:

    — Oh, o...o...o...owh.

    — Oh, o...o...o...owh.

    Quase um minuto depois, mudou para:

    — Uh, u...u...u...uwh.

    Depois:

    — Oh, oh, oh, oh, owh…

    E assim foi repetindo as mesmas sequências em diferentes tons e às vezes, movimentando a cabeça. Mudando depois para, na mesma cadência, assoprando o microfone em sopros curtos, lentos... rápidos...

    ©©©

    O tempo se passou muito rápido e nossa amizade cresceu bastante; já era considerado como um membro de sua família. Como se Tony e Regis fossem meus irmãozinhos; o que era muito bom para mim, pois meus verdadeiros cinco irmãozinhos viviam por causa de certo destino, muito distantes.

    Dois meses depois de tê-lo conhecido, consegui conquistar a confiança de seu pai e então, às vezes nos finais de semana, Regis resolvia por si mesmo dormir em meu apartamento no centro da cidade. Com isto, aproveitando este convívio, o instruía sempre aos cuidados que ele deveria ter com sua voz, já que ela seria instrumento de sua almejada profissão, muito embora, naquela época cantor não era considerado uma verdadeira profissão.

    Quando ele ia beber água, o que já sabia fazer durante muitas vezes ao dia, eu lhe exigia que a bebesse em pequenos goles, como estivesse degustando-a e que jamais fosse gelada. Deveria se alimentar sempre de alimentos saudáveis, em pequenas quantidades, dando preferência às frutas e legumes, também várias vezes ao dia, mastigando muito bem, o que, aliás, o ajudava a fazer exercícios faciais. Evitar ao máximo pigarrear ou tossir; quando sentisse essa necessidade deveria procurar tomar água natural. Sempre fazer gargarejo, utilizando água morna e pequena pitada de sal. Procurar se espreguiçar e bocejar ao acordar pela manhã. Evitar gritar, principalmente na escola, tentando competir com outros colegas, já que crianças só sabem falar gritando. Fazer bastante exercício com os ombros e boca, durante o banho embaixo da água, que deveria ser preferencialmente morna (jamais banho quente), se banho frio melhor ainda, mesmo no inverno.

    Ainda, mesmo estando em meu apartamento, nunca deixava de ensaiar; a princípio utilizando meu violão, mas depois, como o seu era de tamanho menor, mais apropriado à sua idade, ele sempre o carregava consigo e então, convivendo mais durante seus ensaios e embora percebesse naquele menino um verdadeiro gênio, percebi que as aulas de canto, lhe estava sendo muito útil, para que aprendesse realmente a utilizar suas cordas vocais, mesmo porque, sendo ele ainda muito criança, seria preciso ter cuidado com sua laringe, que certamente estava em desenvolvimento.

    O circo

    (Narrado por Regis Moura)

    Estávamos em oito de Abril de um mil novecentos e setenta e nove, segunda-feira, a poucos dias de eu completar oito anos de idade. Neste dia chegava a São João da Boa Vista, minha cidade natal, o Gran Circus Real Americano, o qual estava sendo instalado no grande terreno baldio, defronte a Avenida Oscar Pirajá Martins.

    No dia seguinte, na escola estadual do Rosário, onde eu estudava cursando o segundo ano primário, no horário de meio dia e meia até às quatro e meia da tarde, em minha sala de aulas entrou uma nova aluna, onde a professora, dona Maria do Carmo, a apresentou para a classe:

    — A partir de hoje teremos uma nova coleguinha estudando conosco. Ela se chama Lucia Regina e mora no circo que chegou ontem à nossa cidade.

    Ela era muito bonita; a mais bonita de toda a sala de aulas e talvez de toda a escola: morena clara, olhos castanhos e cabelos escuros, lisos e curtos, pouco mais comprido do que o padrão para meninos; muito bem vestida, com uma saia azul marinho e uma blusa branca semelhante à de nossa turma, porém sem o símbolo de nossa escola. Deveria ter a minha idade.

    Eu sentava na terceira fila de carteiras, do lado da parede e na quarta carteira da fila. Para mim Lucia sentou-se no melhor lugar do mundo: a segunda fila, terceira carteira, quase próximo a mim. Embora ainda estivesse muito inibida por estar entre colegas estranhos, ela não me parecia ser tímida em nada; pelo contrário, parecia ser bem desinibida.

    Todos nós, os meninos da classe, estávamos vidrados naquela nova coleguinha, já as meninas, porém, sentiam-se enciumadas, querendo ser iguais a ela. Ela, no entanto, permanecia o tempo todo calada, sem falar com ninguém; além de ser nova na escola, era nova também em nossa cidade.

    Às duas e meia da tarde saímos ao recreio. Tomei um prato de sopa, tipo canja de galinha, em menos de dez segundos, em outros dez segundos comi o lanche que mamãe me preparou com muito carinho, tão rápido que até me esqueci das regras de degustação, impostas por meu exigente amigo Willian, a alguém que deseja ser astro da voz, depois fomos ao pátio brincar. Lucia sentou-se sozinha na mureta de descanso que circundava o grande galpão usado para nos proteger do Sol ou da chuva e eu lentamente, tão assustado quanto ela, me aproximei:

    — Olá! — Me dirigi timidamente a ela.

    — Oi! — Retribuiu séria. — Você está na minha classe?

    — Estou!

    — Como é seu nome?

    — Regis!... Regis de Assis Moura.

    — O meu é Lucia! Lucia Regina da Silva.

    — Eu já sei. De onde você vem?

    — Mococa. Por quê?

    — Bobagem! Você também trabalha no circo?

    — Trabalho.

    — O que você faz?

    — Trapézio!

    — Trapézio!? — admirei.

    — É! Por quê? Acha que não deveria?

    — Não! Acho incrível! Com essa idade já fazer trapézio!

    — Não é difícil! Basta treinar bastante!

    — Mas você sobe naqueles balanços que ficam quase no teto do circo?

    — Exatamente!

    — Puxa! Eu gostaria de assistir!

    — O circo vai estrear sexta-feira.

    — E quanto paga pra entrar?

    — Se você quiser ir, você não paga nada!

    — Verdade?!

    — Quer ir comigo lá hoje?

    — A que horas?

    — Quando terminar as aulas. Eu te apresento pra minha turma!

    — Vou sim!

    Sentei-me a seu lado e permaneci conversando milhões de assuntos com aquela princesa encantada, a qual nenhum escritor de era uma vez imaginara criar.

    Naquele dia até me esqueci de que era só uma criança e que após o lanche costumava brincar com outros meninos.

    Pouco depois, soara o sinal e retornamos para a sala de aula. Tanto eu, quanto ela, retornamos um pouco diferente: ela por ter arranjado um amigo e eu por ter me aproximado dela. Só que aquilo provocava um pouco de ciúmes nos demais colegas, tanto meninos, quanto meninas.

    Devido minha ansiedade, aquele último período de aulas da tarde demorou mais de um ano para acabar, mas enfim, depois de terminar, eu e ela seguimos juntos. Para mim não haveria problemas em passar no circo, pois morava em um bairro logo adiante.

    Chegando ao local, os homens estavam trabalhando em sua montagem. Alguns que eram ajudantes e outros, contratados em nossa cidade para este trabalho pesado; inclusive os artistas. Realmente parecia que vida circense não era nada fácil.

    Lucia me levou a um reboque luxuoso, contendo camas tipo beliche, armário, fogão e até televisor a cores. Ao entrarmos me apresentou a uma linda mulher, de seus trinta anos de idade, de sua mesma cor, com seus cabelos escuros, longos e lisos. Apesar da diferença no cabelo era uma cópia fiel adulta da menina.

    — Regis — chamou-me Lucia. — Esta é minha mãe.

    — Muito prazer! — Estendi-lhe a mão. — Meu nome é Regis!

    — Oi — sorriu-me ela. — Sou Sandra Regina!

    — A senhora tem o mesmo nome de Lucia?

    — Sim, o segundo nome!

    — É muito parecida com ela.

    — Já me disseram isso! Dá pra saber que não foi trocada na maternidade!

    — Ãh?! — Não entendi.

    — Brincadeira! Onde vocês se conheceram?

    — Estudamos na mesma classe, mamãe!

    Dalí eu e Lucia saímos andando pelo monte de paus, fios, cordas, ferros e lonas, estendido ao longo da montagem da grande tenda do circo. A cada pessoa que encontrávamos, ela me apresentava com carinho e sorriso bonito.

    A um deles ela me disse:

    — Este é o palhaço Risadinha!

    — Oi! Tudo bem? — Cumprimentei-o.

    — Tudo mal! — reclamou ele. — Acha que enfrentar essa dureza seria tudo bem?

    Calei-me assustado e ele insistiu:

    — Vamos garoto, pode falar. Acha que é tudo bem?

    — Não senhor!

    — Por isso que é bom ser garotinho; só pensa em estudar, brincar e namorar! Não é mesmo?

    — Não ligue, Regis! — pediu Lucia. — Ele só está brincando!

    — Regis! — exclamou ele. — Sua graça é Regis?

    — Uhm! — Minha graça era fazer peraltices.

    — Seu nome é Regis? — corrigiu ele.

    — Sim senhor! — confirmei.

    — Eu me chamo Armando! Mas se me dirigir por Risadinha não me importo.

    — Por que as pessoas lhe chamam de Risadinha?

    — É porque ele está sempre alegre — confirmou Lucia. — Está sempre rindo!

    — Mesmo nessa... dureza? — ironizei.

    — A vida já é uma dureza, garoto! — reclamou ele.

    — Mas o senhor deve ser feliz!

    — Por que você acha isso?

    — Seu nome é Risadinha! — Balancei os ombros.

    — Você sabe o que é ser feliz? — Perguntou-me ele.

    — É sempre estar contente! Gostar de tudo e de todos! Rir... Brincar... Jamais sentir tristeza…

    — Fazer arte! — Riu o palhaço.

    — Depende da arte! — Confirmei rindo.

    — Você é inteligente! Por acaso é feliz?

    — Quase sempre!

    — Como, quase sempre?

    — Gosto de minha família… de meus amigos… da escola… Hoje estou mais feliz!

    — Por quê?

    — Conheci uma menina especial! — falei rindo, com sinceridade.

    — Cuidado com o pai dela!

    — Por quê? — admirei-me.

    — O sogro é uma fera!

    — Sogro?... Não quero namorar a Lucia!

    — Sei! Sabe fazer alguma coisa além de brincar, estudar e namorar?

    — Sei tocar e cantar.

    — Ah! Sabe cantar mulher do vizinho e tocar…

    — Não! — neguei fazendo a maior careta do mundo. — Sei cantar música popular e tocar instrumentos de corda.

    — Que instrumento você toca?

    — Violão. E um pouco de guitarra!

    — Puxa, Regis! — exclamou Lucia. — Você toca violão e guitarra?

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