A Revogação dos Atos Administrativos
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Sobre este e-book
Largamente citada na doutrina e na jurisprudência nacionais, trata-se de uma obra que exerceu e continua a exercer influência decisiva no Direito Administrativo brasileiro. Durante décadas, constituiu leitura obrigatória nas disciplinas que o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello ministrava nos cursos de mestrado e doutorado em Direito Administrativo da PUC/SP.
Em tradução cuidadosa de Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo e Ricardo Marcondes Martins – cujas preciosas notas explicativas enriquecem ainda mais o texto original –, a obra de Alessi procura discutir, com grande densidade conceitual, o importante tema da revogação dos atos administrativos.
O livro tem muito a contribuir para os tempos contemporâneos, marcados por uma terceira fase do Direito Administrativo, "de submissão ao poder econômico".
Como bem pontuam os tradutores, em texto introdutório à obra: "a administração pública brasileira, por força de uma longa história avessa à democracia, é culturalmente autoritária. Logo, entre nós, a extinção dos atos administrativos é quase sempre denominada de 'revogação'. Ademais, nesse contexto, é comum o equívoco de se supor possível a extinção sem maiores formalidades. Por força disso, evidencia-se a importância de examinar, com profundidade, a revogação dos atos administrativos. Nesse contexto, a tradução da obra de Alessi não apenas tem o condão de contribuir para o aprimoramento científico do Direito Administrativo brasileiro, mas também, em termos práticos, para a correção de equívocos no exercício da própria função administrativa".
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A Revogação dos Atos Administrativos - Renato Alessi
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EDITORES
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EQUIPE EDITORIAL
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REVISÃO TÉCNICA: Douglas Magalhães
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CAPA: Gustavo André
CONVERSÃO PARA EPUB: Cumbuca Studio
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Alessi, Renato, 1905-1978
A revogação dos atos administrativos / Renato Alessi ; tradução da 2ª. edição, introdução, comentários e notas explicativas de Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo e Ricardo Marcondes Martins. -- São Paulo :
Editora Contracorrente, 2022.
Título original: La revoca degli atti amministrativi
Bibliografia.
ISBN 978-65-5396-017-6
1. Direito administrativo - Itália 2. Revogação - Itália I. Título.
22-108209
CDU-35
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito administrativo 35
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
@editoracontracorrente
Editora Contracorrente
@ContraEditora
SUMÁRIO
LA REVOCA DEGLI ATTI AMMINISTRATIVI
E O DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO
Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo e Ricardo Marcondes Martin
CAPÍTULO I - CONCEITO E NATUREZA
§1 Conceito e limites de admissibilidade da retirada do ato jurídico na Teoria Geral do Direito
1 Posição do problema inerente à retratabilidade do ato jurídico validamente editado, na Teoria Geral do Direito
2 Crítica à teoria pela qual o instituto da coisa julgada seria aplicável também ao ato jurídico privado
3 Irretratabilidade do ato jurídico em si mesmo considerado
4 Em que sentido, no campo da Teoria Geral do Direito, pode-se falar de uma retirada, ou revogação, do ato jurídico: no sentido de uma eliminação, com eficácia meramente ex nunc, dos efeitos produzidos pelo ato – crítica à teoria pela qual o ato jurídico se identificaria com seus efeitos
5 Ulteriores esclarecimentos da suposta noção de revogação do ato jurídico – a disponibilidade, por parte do sujeito, dos efeitos do ato a ser revogado, fundamento do dever-poder de revogação; quando tal disponibilidade subsiste; esclarecimentos e distinções no âmbito da noção de efeitos de um ato jurídico
6 A disponibilidade dos efeitos do ato jurídico pressupõe a titularidade atual, por parte do declarante, da relação jurídica a respeito da qual o ato produziu os seus efeitos
7 Consequente irrevogabilidade dos atos editados no que respeita as relações em que o declarante permanece estranho, com base num especial dever-poder de ação diverso do geral dever-poder de agir; irrevogabilidade dos atos intervenientes no que respeita as relações de duração instantânea; irrevogabilidade dos meros atos jurídicos
8 Revogabilidade abstrata dos atos com conteúdo negocial editados tendo em vista relações de caráter continuado, das quais o declarante continue sendo, atualmente, titular — possibilidade de limites concretos, formais e substanciais do concreto dever-poder de revogação
9 Conclusões extraídas das indagações a respeito da natureza e da admissibilidade de revogação de um ato jurídico
10 Corolários que se podem deduzir a respeito da natureza da revogação e do fundamento do dever-poder de revogar
§2 Concepção e limites da admissibilidade abstrata da revogação no campo dos atos administrativos
1 Inaceitabilidade da teoria segundo a qual a revogabilidade seria uma característica objetiva do ato administrativo
2 Inaceitabilidade da teoria segundo a qual a revogabilidade seria uma característica do ato administrativo discricionário
3 Plena aplicabilidade, também no campo do ato administrativo, dos princípios precedentemente estabelecidos sobre a natureza da revogação e o fundamento do dever-poder de revogar
§3 Distinção entre a revogação e a anulação dos atos administrativos
1 Questão se a bipartição tradicional revogação-anulação
deve ser substituída por uma tripartição revogação/anulação/ab-rogação
; exame crítico da tripartição proposta por Guicciardi
2 Segue: exame crítico da tripartição proposta por Romano
3 Os vários critérios propostos pela doutrina para a distinção entre revogação e anulação
4 Diversidade de finalidade e de fundamento dos dois institutos
5 Questão se se deve considerar revogação ou anulação a eliminação dos atos viciados em relação ao mérito: noção de mérito do ato administrativo – crítica ao modo pelo qual o problema da admissibilidade de um vício (invalidante) do mérito vem sendo tratado usualmente
6 Segue: problema dos limites de uma eventual admissibilidade de um vício invalidante de mérito
7 Segue: noção de legalidade do ato administrativo contraposta à noção de legitimidade em sentido estrito
8 Segue: como o vício de mérito pode ser incluído no conceito de ilegalidade do ato administrativo
9 Segue: limites necessários ao vício de mérito, tendo em vista sua eficácia invalidante como fundamento de uma anulabilidade do ato administrativo – em particular, deve tratar-se de vício originário
10 Segue: limites à eficácia invalidante do vício de mérito
11 Inadmissibilidade de uma anulação de ofício por vício de mérito
12 Qual é, em consequência, o critério adotado para a distinção entre revogação e anulação
§4 Distinção entre revogação e institutos afins
1 Revogação e rescisão [revocazione]
2 Revogação e ab-rogação
3 Revogação e demissão [revocazione] dos servidores públicos
4 Revogação e renúncia
5 Revogação, condição resolutiva e termo final
6 Revogação e rescisão unilateral [disdetta]
7 Revogação e decadência [decadenza]
8 Revogação e resgate [riscatto]
9 Conclusões gerais sobre a noção e a natureza jurídica da revogação dos atos administrativos
CAPÍTULO II - O DEVER-PODER DE REVOGAÇÃO
Seção I – Natureza, fundamento, limites
§1 Natureza do dever-poder de revogação
1 Afirmação do princípio pelo qual a concreta revogabilidade de um ato administrativo depende da existência, in concreto, para a administração, de um dever-poder de revogação
2 Noção de dever-poder jurídico em contraposição à de direito, poder, faculdade
3 Noção genérica do dever-poder de revogação
4 Crítica à opinião que vê no dever-poder de revogação um dos chamados poderes negativos
5 Relação entre o dever-poder de revogação e o poder de edição de atos jurídicos
6 Correlação entre o dever-poder de revogação e o poder de iniciativa em sentido objetivo e substancial
7 Dever-poder de anulação
8 Noção e natureza jurídica do dever-poder de revogação
§2 Fundamento do dever-poder de revogação
1 Fundamento abstrato do dever-poder de revogação: a ordinária capacidade de agir
2 Corolários que dela derivam: irrenunciabilidade, intransmissibilidade, imprescritibilidade do dever-poder de revogação
3 Fundamento concreto do dever-poder de revogação: a disponibilidade, por parte da administração, dos efeitos do ato a revogar
4 Primeiro requisito para a existência de uma tal disponibilidade: a titularidade atual da relação, por parte da administração pública – atos irrevogáveis sob esse primeiro aspecto
5 Segundo requisito: deve tratar-se de efeitos cuja produção tenha sido querida por parte da administração – atos irrevogáveis sob esse aspecto: atos de exercício: a) de atividade certificadora; b) de atividade monitória; c) de atividade de esclarecimento
6 Segue: revogabilidade abstrata dos provimentos administrativos: observações em relação a algumas categorias de provimentos
7 Segue: condições para a abstrata revogabilidade dos provimentos
8 Terceiro requisito para a subsistência da disponibilidade dos efeitos e para a concreta revogabilidade dos provimentos: a) referência ao fundamento concreto do dever-poder da ação da administração
9 Segue: b) considerações específicas ao dever-poder de revogação: necessidade de uma atribuição – explícita ou implícita, específica ou genérica – de dever-poder pela norma
10 Função e limites da admissibilidade da reserva de revogação
§3 Limites do dever-poder de revogação
1 Limite genérico dado pela existência de um certo grau de interesse público
2 Precisões ulteriores: casos de atribuição explícita e específica de dever-poder com precisa prefixação dos limites
3 Casos de atribuição implícita ou genérica; ou de atribuição explícita e específica, mas sem prefixação precisa de limites: a revogação deve ser justificada por um interesse público da mesma ordem e da mesma natureza do requerido para edição do provimento a ser revogado
4 Especificações adicionais desse conceito
§4 Dever-poder de revogação e direitos subjetivos privados
1 Crítica à opinião segundo a qual os direitos subjetivos privados (direitos adquiridos) constituiriam o único limite ao exercício do dever-poder de revogação
2 Várias formas de associar os direitos privados ao provimento a revogar: a) direitos que surgem como efeito direto do provimento; b) direitos para aos quais o provimento constitui simplesmente a remoção de um obstáculo jurídico a seu concreto exercício; c) direitos associados apenas indiretamente ao provimento
3 Relações entre o dever-poder de revogação com os direitos da primeira categoria - possibilidade de direitos perfeitos ou direitos enfraquecidos [diritti affievoliti], conforme a revogação constitua uma anormal possibilidade ou uma normal possibilidade da relação
4 Igualmente é de se dizer em relação aos direitos da segunda categoria
5 Relações entre o dever-poder de revogação e os direitos da terceira categoria: direitos cujo exercício pressupõe, necessariamente, a manutenção da situação jurídica constituída pelo provimento administrativo a ser revogado e direitos cujo exercício não pressupõe a manutenção da própria situação
Seção II – Exercício do dever-poder de revogação
1 Generalidades; referência aos princípios inerentes ao princípio da hierarquia na organização administrativa, e ao princípio da autarquia
2 Problema da competência para exercer o dever-poder de revogação nas relações interorgânicas: a) competência normal da própria autoridade que editou o provimento a ser revogada; b) normal exclusão da competência da autoridade hierarquicamente inferior
3 Segue: c) problema relativo à competência da autoridade hierarquicamente superior: caráter excepcional de tal competência, com base numa relação de hierarquia
4 Segue: exclusão da possibilidade de uma ampliação da referida esfera de competência excepcional, com base na relação de controle
5 Problema da competência para exercer o dever-poder de revogação nas relações intersubjetivas inerentes ao ordenamento dos entes autárquicos: exclusão dessa competência
CAPÍTULO III - O ATO DE REVOGAÇÃO
1 Natureza do ato de revogação
2 Suas características
3 Sua função
4 Admissibilidade de uma revogação tácita: estreitos limites para sua admissão
5 Admissibilidade de uma revogação implícita; estreitos limites para sua admissão
6 Forma do ato de revogação: a) referência aos princípios que regulam a forma do ato administrativo
7 Segue: b) aplicação ao caso específico do ato de revogação; ulteriores limites peculiares ao princípio da liberdade das formas
8 Problema relativo a uma obrigação de motivação do ato de revogação
CAPÍTULO IV - OS EFEITOS DA REVOGAÇÃO
1 Generalidades e posicionamento do problema
2 Problema relativo à eficácia ex tunc ou ex nunc da revogação
3 Problema relativo à eficácia subjetiva da revogação
4 Problema da eventual indenizabilidade da lesão de interesses privados em consequência da revogação: a) referência aos princípios, já expostos, inerentes às relações entre dever-poder de revogação e direitos privados
5 Segue: b) enfrentamento do problema da indenizabilidade
6 Eventual ressarcibilidade do dano decorrente de uma revogação ilegítima
7 Problema dos efeitos da revogação em relação a terceiros
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA INTRODUÇÃO E DAS NOTAS DE TRADUÇÃO
LA REVOCA DEGLI ATTI AMMINISTRATIVI
E O DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO
Renato Alessi (1905-1978), natural de Voghera, foi professor de Parma desde 1945¹ e autor de uma profícua bibliografia de Direito Administrativo. Dentre suas várias obras, destacam-se: Scritii Minori (reunião de 61 artigos, publicada em 1982); Principi di diritto amministrativo – 2 volumes (1966); Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano (3ª ed. 1960; 2ª ed. 1958; 1ª ed. 1953); Le prestazioni amministrative rese ai privati: teoria generale (2ª ed. 1956; 1ª ed. 1946); La responsabilità della pubblica amministrazione (1ª ed. 1939; 2ª ed. 1951; 3ª ed. 1955); Diritto amministrativo (1949).
Dentre sua farta produção bibliográfica, destacam-se suas obras sobre a revogação dos atos administrativos. Em 1936, publicou La revocabitlià dell’atto amministrativo, com 74 páginas. Cerca de cinco anos depois, em 1942, retomou o tema e publicou La revoca degli atti amministrativi, com 142 páginas. Em 1956, publicou a segunda edição, com 151 páginas. É essa segunda edição que, a seis mãos, resolvemos traduzir para o vernáculo, facilitando o acesso aos leitores brasileiros. A decisão pela tradução da 2ª edição de La revoca degli atti amministrativi assentou-se em várias razões.
Numa didática sistematização da história da doutrina do Direito Administrativo, é possível dividi-la em três fases. A primeira foi marcada pela submissão ao poder político, de modo que o estudo da função administrativa se deu, em geral, para viabilizar a atuação da Administração Pública. Os estudos tinham uma preocupação prática e descritiva, e o conceito de poder
tornou-se central. A doutrina do Direito Administrativo configurava mais uma técnica, voltada a resolver os problemas práticos dos detentores do poder político, do que propriamente uma ciência. A segunda fase marcou o desenvolvimento da Ciência do Direito Administrativo, de modo que os estudos da função administrativa passaram a buscar uma sistematização coerente, tendo em vista o respeito a princípios gerais. Nessa fase, houve uma redução do objeto do Direito ao estudo das normas jurídicas; por consequência, o conceito de ato administrativo ganhou centralidade. Vivenciamos uma terceira fase, de submissão ao poder econômico, de modo que os estudos de Direito Administrativo se voltam aos assuntos de interesse econômico, mais precisamente, às parcerias, em sentido amplo, com o particular. A doutrina passa novamente a ser mera técnica, agora voltada a atender os interesses do poder econômico. Coerentemente, vivencia-se uma crise do ato administrativo
, entendida como a falta de interesse em seu estudo.
Na busca de atender os interesses dos agentes econômicos, o Direito Administrativo foi reduzido a uma caixa de ferramentas
, os conceitos são manipulados sem compromisso com a coerência conceitual, o que importou na desconstrução de toda teoria desenvolvida na fase anterior. Os efeitos dessa desconstrução foram catastróficos: sem Ciência não há resposta correta, e sem esta não há segurança na solução dos problemas jurídicos. Urge retomar a análise científica do Direito Administrativo e, para tanto, é imperioso retomar sua base conceitual. O melhor caminho é, sem dúvida, a retomada dos estudos do ato administrativo.
Na doutrina brasileira, a segunda fase referida foi bastante marcada pelo trabalho de Celso Antônio Bandeira de Mello. O ínclito professor paulista foi o responsável por um pioneiro curso de especialização em Direito Administrativo, ministrado na PUC-SP, antes do surgimento, no Brasil, dos cursos de Mestrado e Doutorado em Direito. Após, durante décadas, ministrou os cursos de pós-graduação em Direito Administrativo na PUC-SP, com absoluta ênfase à teoria do ato administrativo. Em suas aulas, sempre deixou claro que Renato Alessi era seu autor preferido. A tradução da obra de Alessi dá-se também em homenagem ao querido Professor Celso Antônio Bandeira de Mello.
A revogação de atos administrativos é um tema bastante valorizado em Estados autoritários. Em geral, por meio dela a retirada do ato depende da vontade
do agente competente. A Administração púbica brasileira, por força de uma longa história avessa à democracia, é culturalmente autoritária. Logo, entre nós, a extinção dos atos administrativos é quase sempre denominada de revogação
. Ademais, nesse contexto, é comum o equívoco de se supor possível a extinção sem maiores formalidades. Por força disso, evidencia-se a importância de examinar, com profundidade, a revogação dos atos administrativos. A tradução da obra de Alessi não apenas tem o condão de contribuir para o aprimoramento científico do Direito Administrativo brasileiro, mas também, em termos práticos, para a correção de equívocos no exercício da própria função administrativa.
Registradas as razões que presidiram a realização deste trabalho, impõem-se alguns esclarecimentos sobre ele. A obra La revoca... de Renato Alessi é própria de seu tempo. Por um lado, consiste num estudo de densa profundidade conceitual, bastante incomum nos dias de hoje. É própria de uma época em que a Teoria do Direito era levada a sério. Por outro lado, porém, é anterior a muitos dos avanços da teoria do ato administrativo. Ao traduzir a obra, inserimos notas
com vários intuitos.
Primeiro: explicar certas opções de tradução, como, por exemplo, em relação às palavras provvedimento (nota 83 do §1º do Cap. I), provvere (nota 03 do §2º do Cap. I), revocazione (nota 1 e 29 do §4º do Cap. I), decadenza (rodapé 60 do §4 do Cap. I), tendo em vista a língua portuguesa e o Direito brasileiro.
Segundo: explicar certos conceitos utilizados por Alessi, por ele desenvolvidos em outras obras, como o conceito de provvedimento (nota 83 do §1º do Cap. I), de ato negocial (nota 49 do §1 do Cap. I); algumas categorias de atos (nota 27 do §2º do Sec. I do Cap. II); os diritti affievoliti (nota 07 do §4º da Sec. 1 do Cap. II).
Terceiro: trazer ao leitor brasileiro a redação de alguns textos normativos citados por Alessi (como fizemos nas notas 90 do §1º do Cap. I; 11 do §2º do Cap. I; 57 e 88 do §3º do Cap. I; 63 do §4º do Cap. I; 02 do §2º da Sec. 1 do Cap. II; 04 do §3º do Cap. II; 43, 53, 65 e 69 do Cap. III; nota 54 do Cap. IV).
Quarto: verificar a compatibilidade da afirmação de Alessi com o Direito brasileiro atual (como, por exemplo, fizemos nas notas 35 do §4º do Cap. I; 14 da Sec. 2 do Cap. II; 84 do Cap. III; 49 do Cap. IV).
Quinto: principalmente, apontar nossas divergências com o pensamento do autor.
Identificamos nossos comentários apondo a marca N.T.
– nota dos tradutores.
Em relação às divergências, algumas merecem uma menção especial. Alessi adota o conceito, muito difundido na doutrina italiana, de provimento (provvedimento) administrativo, que tem por nota característica o exercício da autoridade
, do poder de império
(vide nota 83 ao §1º do Capítulo I). Ademais, adota um conceito restrito de ato administrativo, abrangente apenas dos atos concretos. Apesar de muito comum na época da elaboração da obra, essas restrições conceituais mostraram-se, com o passar dos anos, bastante inconvenientes.
A ênfase no exercício da autoridade decorre de um insistente apego ao passado, que persiste ainda hoje — apesar da notável contribuição de Leon Duguit² para superá-la —, vale dizer, à ideia de poder como conceito central da teoria do Estado e, por conseguinte, da teoria da administração pública. A doutrina, há muito, já superou a dicotomia atos de império e atos de gestão
, mas não superou, por completo, esse apego. Aliás, como enfatizamos na nota 08 ao §1 do Capítulo I, em italiano, francês e espanhol, ao contrário do que ocorre em português, há as palavras potestà, puissance e postestad, distintas de poder
— potére, pouvoir e poder —, que se referem a uma situação em que prevalece a ideia de dever, dever de satisfação do interesse público. Por isso, preferirmos traduzir a palavra potestà
por dever-poder
, expressão proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello para caracterizar a situação jurídica de função
, em que o poder é posto como meramente ancilar, instrumental, ao dever. Se no Estado de Direito, nem poderes autônomos existem, a ideia de poder não pode, por óbvio, ser a tônica da teoria do Estado. Haja ou não exercício da autoridade, o regime de Direito Administrativo incidirá.
Ademais, ao contrário do que sustenta Alessi, não é imprestável uma teoria ampla do ato administrativo. Ao revés: as manifestações da Administração Pública, abstratas ou concretas, individuais ou gerais, unilaterais ou bilaterais, submetem-se a um regime jurídico comum, a justificar uma teorização uniforme. Ao restringir o estudo dos atos administrativos às decisões concretas e unilaterais, a doutrina não percebeu que muito do que afirmava se aplicava integralmente aos regulamentos e contratos administrativos. A adoção de uma teoria ampla de atos administrativos, resulta em divergências com as conclusões de Alessi sobre a revogação: para nós, a ab-rogação é uma espécie de revogação (cf. rodapés 28 do §4º do Cap. I); a revogação de atos administrativos segue, regra geral, o mesmo regime da revogação de leis e regulamentos administrativos (cf. rodapé 27 do §4º do Cap. I).
Na época em que Alessi escreveu a obra La revoca..., além disso, era corrente na doutrina associar a invalidade à ideia de nulidade e a esta à ideia de inexistência. Em italiano, ao contrário do que ocorre no português, a palavra nullà
significa nada
(cf. nota 09 ao §1º do Cap. I). Por isso, entendia-se que a invalidação retroagia sempre ao momento em que o ato foi editado e tinha o condão de desconstituir todos os efeitos por ele gerados. Isso porque não haveria propriamente desconstituição
, mas declaração de que o ato não existiu e, por isso, não gerou efeitos. Demorou muitos anos para se perceber que esse entendimento é desastroso. Atos inválidos existem no mundo jurídico e, se eficazes, podem gerar efeitos. A depender do tempo decorrido, dos efeitos gerados, da boa-fé dos envolvidos, dentre outros fatores, o Direito não admite que esses efeitos sejam desconstituídos. Com a distinção entre a invalidade e a inexistência, a invalidação passou a ser vista como desconstitutiva e não apenas declaratória. Admite-se, então, a modulação dos efeitos da invalidação, de modo que ela pode, além de ser ex tunc et ab initio, ser também ex tunc et non ab initio, ex nunc e até mesmo pro futuro.
Em relação à revogação, ainda hoje seus efeitos são considerados tão somente ex nunc. O motivo é óbvio: a revogação tem por objeto um ato válido; se o ato é válido, não é lícito, de modo retroativo, desconstituir seus efeitos.
Alessi dissocia, ao contrário de nós, a discricionariedade e a revogação; e chega até a admitir a revogação vinculada (cf. nota 21 do §1º da Sec. 1 do Cap. II; nota 06 do §3º da Sec. 1 do Cap. II). Para nós, a revogação consiste na retirada de um ato administrativo por um juízo de conveniência e oportunidade, juízo ínsito ao exercício da competência discricionária. Assim, se a competência é vinculada, não é possível a revogação.
Ao contrário do que sustenta Alessi, porém, distinguimos a revogação da cassação — retirada do ato em decorrência do descumprimento pelo administrado das condições a ele impostas — e do decaimento ou caducidade — retirada do ato em decorrência de novas circunstâncias fáticas ou jurídicas terem tornado o ato incompatível com o Direito. Se na revogação o Direito faculta a retirada do ato — sendo a decisão entre deixá-lo no mundo jurídico ou extingui-lo típica escolha discricionária; na vinculação, o Direito exige a retirada do ato. Alessi não adota esses conceitos e segue caminho diverso. Como afirmamos, apesar de propor importantes limitações à revogação dos atos administrativos, sua obra, por mais avançada que seja para a época, é própria do momento histórico em que foi elaborada. Com o aprimoramento do Estado de Direito, a competência revocatória é mais intensamente limitada. Muitas das hipóteses que eram consideradas abrangidas pela revogação, hoje são qualificadas de outro modo (cf. rodapés 09, 18 do §3º do Cap. I; 80 do §4º do Cap. I).
Essa síntese das divergências, expostas nas notas explicativas, parece-nos suficiente para evidenciar a riqueza da obra. Estamos certos de que a publicação deste estudo terá importância ímpar para a Ciência do Direito Administrativo e, pois, para o exercício da função administrativa.
ANTONIO ARALDO FERRAZ DAL POZZO
AUGUSTO NEVES DAL POZZO
RICARDO MARCONDES MARTINS
1 Cf. BOSCO, Umberto. Lessico universale italiano. Roma: Istituto della Enciclopedia Italiana, 1968, p. 380.
2 DUGUIT, Léon. Las transformaciones del derecho público. Trad. de Adolfo Posada e Ramón Jaén. Reimpressão. Navarra: Analecta, 2006, pp. 54 e ss.
CAPÍTULO I
CONCEITO E NATUREZA
§1 Conceito e limites de admissibilidade da retirada do ato jurídico na Teoria Geral do Direito
Sumário: 1. Posição do problema inerente à retratabilidade do ato jurídico validamente editado, na teoria geral do direito. 2. Crítica à teoria pela qual o instituto da coisa julgada seria aplicável também ao ato jurídico privado. 3. Irretratabilidade do ato jurídico em si mesmo considerado. 4. Em que sentido, no campo da teoria geral do direito, pode-se falar de uma retirada, ou revogação, do ato jurídico: no sentido de uma eliminação, com eficácia meramente ex nunc, dos efeitos produzidos pelo ato – crítica à teoria pela qual o ato jurídico se identificaria com seus efeitos. 5. Ulteriores esclarecimentos da suposta noção de revogação do ato jurídico – a disponibilidade, por parte do sujeito, dos efeitos do ato a ser revogado, fundamento do dever-poder de revogação; quando tal disponibilidade subsiste; esclarecimentos e distinções no âmbito da noção de efeitos de um ato jurídico. 6. A disponibilidade dos efeitos do ato jurídico pressupõe a titularidade atual, por parte do declarante, da relação jurídica a respeito da qual o ato produziu os seus efeitos. 7. Consequente irrevogabilidade dos atos editados no que respeita as relações em que o declarante permanece estranho, com base num especial dever-poder de ação diverso do geral dever-poder de agir; irrevogabilidade dos atos intervenientes no que respeita as relações de duração instantânea; irrevogabilidade dos meros atos jurídicos. 8. Revogabilidade abstrata dos atos com conteúdo negocial editados tendo em vista relações de caráter continuado, das quais o declarante continue sendo, atualmente, titular — possibilidade de limites concretos, formais e substanciais do concreto dever-poder de revogação. 9. Conclusões extraídas das indagações a respeito da natureza e da admissibilidade de revogação de um ato jurídico. 10. Corolários que se podem deduzir a respeito da natureza da revogação e do fundamento do deve-poder de revogar.
1 Posição do problema inerente à retratabilidade do ato jurídico validamente editado, na Teoria Geral do Direito
Admite-se, geralmente, a possibilidade de uma retirada, ou revogação³ ⁴ de um ato jurídico pelo sujeito que o editou, buscando-se sua fundamentação na autonomia da vontade humana,⁵ a qual se considera pertencer, correlativamente, tanto como a eliminação e a produção dos atos jurídicos e dos efeitos que deles se seguem; também se admitindo, em linha geral, a possibilidade de limites de ordem subjetiva ou objetiva à faculdade de retirada,⁶ e observando que, enquanto a produção é fenômeno normal, geral, a retirada dos atos é claramente um fenômeno particular e excepcional, de maneira que os fenômenos de produção e de retirada, conquanto sejam verdadeiramente correlativos de um ponto de vista subjetivo, não são de um ponto de vista objetivo, uma vez que, ao genérico poder [potere] de um sujeito, tanto de editar como de retirar o ato editado, não corresponde sempre a uma objetiva possibilidade de retirada.⁷
Essa abstrata possibilidade de retirada de um ato jurídico é, de outra parte, geralmente reconhecida, embora se admita que o próprio ato, uma vez editado, destaca-se de seu autor, entrando na vida do Direito como uma entidade autônoma, de modo independente,⁸ por um fenômeno, por assim dizer, de objetivação da declaração depois da emissão.⁹
De outro lado, no próprio campo da Teoria Geral do Direito, pode-se questionar como a retirada, ou revogação, de um ato jurídico deva ser entendida, e até que ponto possa ser admitida: a questão, a saber, da natureza e da importância desse fenômeno da retirada de um ato.
Certamente,