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Déficit democrático em blocos regionais
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E-book261 páginas2 horas

Déficit democrático em blocos regionais

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Sobre este e-book

Esta obra busca definir o fenômeno do déficit democrático nos blocos regionais. O primeiro capítulo traz discussões sobre o conceito de democracia e suas principais características, com o intuito de definir a semântica utilizada, para que então discuta-se a formulação de déficit democrático. Após, é analisada a integração europeia e seus tratados. O terceiro capítulo traz um estudo de variados blocos regionais e a forma de tomada de decisões, além de codificar dados democráticos. Já o capítulo quarto aborda o MERCOSUL e a legitimidade do bloco regional, bem como uma análise do PARLASUL, na qual os conceitos de democracia, déficit democrático e as lições retiradas da União Europeia e das demais organizações internacionais são aplicados para um desenvolvimento sustentável. O quinto e último capítulo é destinado a definir se é possível a coexistência entre o nacionalismo e a integração, uma vez que a princípio são essências opostas. O livro dialoga com conceitos de ciências políticas, história, geopolítica e economia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de mai. de 2022
ISBN9786525234984
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    Déficit democrático em blocos regionais - Yago Teodoro Aiub Calixto

    I. DEMOCRACIA E DÉFICIT DEMOCRÁTICO

    De fato, a discussão principal dessa obra não é sobre o conceito de democracia ou de déficit democrático, mas inevitavelmente devem ser delimitados, para que as considerações que os envolvam sejam feitas a partir de um conceito definido, uma vez que há inúmeras interpretações, prevenindo que juízos falaciosos sejam feitos. Contudo, o presente capítulo visitará pontos específicos da histórica, sem a pretensão de esgotar os assuntos, mas apenas trilhar um caminho semântico para o (a) leitor (a), e não perder o foco original da pesquisa, ou seja, não será trazido o código de Hamurabi¹.

    1.1 A DUALIDADE ENTRE LOCKE E ROUSSEAU

    Com o objetivo de elucidar o corte epistemológico, optou-se por discorrer sobre democracia e déficit democrático a partir da dualidade entre Locke e Rousseau. John Locke, no século XVII, conhecido como o pai do liberalismo, discorre sobre as formas de governo. Estuda as seis formas de governo classificadas por Aristóteles² e cria um sistema misto de governo, no qual seria possível a existência da monarquia, da aristocracia (Câmara dos Lordes) e democracia (Câmara dos Comuns), contudo o poder ficaria concentrado da Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes, sendo que o chefe do executivo sairia de uma dessas câmaras.

    A finalidade de manter o poder concentrado nas Câmaras é proteger a sociedade do Estado. Segundo Locke, a sociedade necessita de um ente estatal, mas sua intervenção deve ser mínima e nunca opressora, de forma que o Estado deveria garantir a liberdade de pensamento, expressão e culto, mas não deveria intervir nas relações econômicas e privadas, a menos que fosse para garantir os direitos básicos de um cidadão.

    Quanto a divisão de poderes, Locke defendia a tripartição em legislativo, executivo e federativo. O legislativo era o poder supremo, mas deveria proteger a vida, a liberdade e a propriedade, incorporando as leis naturais, mas a finalidade deve ser única e exclusivamente o bem do povo, já os poderes executivo e federativo seriam responsáveis por aplicar as leis positivas, garantindo a ordem estatal. No tocante a democracia, a obra de maior importância de

    John Locke, para essa pesquisa, é Dois Tratados sobre o Governo³, a qual o autor expressa suas opiniões sobre sistemas de governo, de forma clara e explicada.

    Já foi mostrado que quando os homens se unem pela primeira vez em sociedade, a maioria detém naturalmente todo o poder comunitário, que ela pode utilizar para de tempos em tempos fazer leis para a comunidade, e para providenciar o cumprimento destas leis por funcionários por ela nomeados: neste caso, a forma de governo é uma democracia perfeita; mas ela pode também colocar o poder de fazer as leis nas mãos de um grupo selecionado de homens, e de seus herdeiros ou sucessores, e então trata-se de uma oligarquia; pode também colocá-lo nas mãos de um só homem, o que vem a ser uma monarquia; se ela o entrega a este homem e a seus herdeiros, é uma monarquia hereditária; se o entrega a ele apenas em vida, e após sua morte retorna a ela o poder exclusivo de nomear um sucessor, é uma monarquia eletiva. A partir desses elementos, a comunidade pode combinar e misturar formas de governo como melhor lhe parecer. Se a maioria começa por confiar o poder legislativo a uma só pessoa, ou a várias, mas apenas durante sua vida, ou por um período determinado após o qual o poder supremo a ela retorna, uma vez que a comunidade o recuperou, pode dispor dele de novo e colocá-lo nas mãos que lhe aprouverem e assim constituir uma nova forma de governo. Como a forma de governo depende da atribuição do poder supremo, ou seja, do legislativo, é impossível conceber que um poder inferior possa prescrever a um superior, ou que um outro além do poder supremo faça as leis, a maneira de dispor o poder de fazer as leis determina a forma da comunidade civil. (LOCKE, 1998, p. 500-501)

    Ora, se Locke é a favor do intervencionismo mínimo estatal com uma câmara de poder concentrada no povo, obviamente a monarquia e a tirania estão descartadas como forma ideal de governo. Ainda, a casa legislativa deveria governar para o povo e não em benefício do governo, o que exclui a aristocracia e a oligarquia, que governariam para si. Resta-se, como forma ideal de sistema de governo a democracia, uma vez que a politeia, apesar de conter os conceitos básicos da democracia, é eletiva quanto ao sufrágio.

    John Locke e Jean Jacques Rousseau são os dois maiores pensadores⁴ da chamada Teoria Política Moderna, e ambos são defensores da democracia, contudo o inglês defende a forma representativa enquanto o suíço milita pela representação direta. Locke entende que a atividade soberana deve ser cedida aos representantes eleitos, uma vez que se a própria população fez tais escolhas, para ser representada, os representantes estariam agindo como mandantes da vontade geral, já Rousseau repugna a ideia de haver intermediários entendendo que o exercício da vontade geral não pode ser alienado ou cedido.

    O pensamento de Locke se mostra mais operacional, ainda mais em democracia com milhões de eleitores, de forma que a eleição representativa afunilaria o número de atores políticos, contudo toda vez que há intermediários a vontade geral pode ser, propositalmente ou não, deturpada em direção a interesses individuais. A democracia pregada por Rousseau é a mais próxima do conceito básico, que é exercer a vontade do povo, já que cada um seria livre e igual para ser seu próprio representante político, contudo esse tipo traria uma maior dificuldade operacional, afinal para cada lei aprovada haveria uma eleição.

    Ambas as formas defendidas tem seus prós e contras, de forma que a solução ideal seria uma representação mista, na qual os eleitos para o poder legislativo deveriam representar os interesses da população em questões de menor impacto na vida da população (entende-se que tais questões por não serem vitais a comunidade poderiam ser relegadas aos representantes, uma vez que são numerosamente maiores e poderiam ser operacionalmente discutidas) enquanto as questões vitais ao bem estar social deveria ser votadas pela população diretamente, através dos referendos e plebiscitos (entende-se que por ser de importância maior, a voz do povo deve ser ouvida sem qualquer intermediário, sob pena de distorções).

    Analisando os autores políticos modernos e contemporâneos estudados, pode- se concluir que a representação e participação políticas não são conceitos excludentes entre si, nem totalmente antagônicos, podendo ser considerados complementares. (ALVERGA, 2003, p.191)

    John Locke acreditava que os seres humanos são portadores de direitos naturais, de forma que o Estado (contrato social) surge para proteger os direitos inerentes a todos os seres humanos, já Rousseau acredita que o homem, em seu estado natural, é bom por sua essência, contudo com o surgimento da propriedade privada o Estado surge com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais.

    Independente da finalidade do Estado é possível determinar que apenas com a democracia, ou seja, com a vontade do povo pode haver o bem-estar social, afinal qualquer outra forma de governo criaria benefícios para determinada classe ou individuo frente à comunidade geral.

    1.2 A DEMOCRACIA PELO CONTRATO SOCIAL DE HOBBES

    Além de Locke e Rousseau, o inglês Thomas Hobbes também tem importante colocação sobre a democracia e o ente governamental. Hobbes alegava que os conflitos surgiam pela falta de um fundamento racional para ligar os cidadãos, alegando que os direitos naturais, com base dogmática, não eram suficientes, defendendo que o homem, antes de viver em sociedade, vivia no chamado estado de natureza, onde a guerra era constante, discordando de Aristóteles (e Rousseau), que alegam o homem como um ser naturalmente social. A máxima mais famosa de Hobbes é O homem é o lobo do homem.

    Assim, ao celebrar um contrato social o homem renuncia a liberdade original, sendo obrigado ao respeito mútuo, além de transferir para o ente soberano a capacidade de se autogovernar. Em termos de sistemas de governo, Hobbes é um ferrenho defensor da monarquia, pois acredita que ao se manter o poder dentro de uma mesma linha sucessória, os conflitos seriam menores e a sociedade não se prejudicaria na busca do poder.

    Comparando a monarquia com as outras duas, impõem-se várias observações. Em primeiro lugar, seja quem for o portador da pessoa do povo, ou membro da assembléia que dela é portadora, é também portador da sua própria pessoa natural. Embora tenha o cuidado, na sua pessoa política, de promover o interesse comum, terá mais ainda, ou não terá menos cuidado de promover o seu próprio bem pessoal, assim como o da sua família, seus parentes e amigos. E, na maior parte dos casos, se porventura houver conflito entre o interesse público e o interesse pessoal, preferirá o interesse pessoal, pois em geral as paixões humanas são mais fortes do que a razão. Disso se segue que, quanto mais intimamente unidos estiverem o interesse público e o interesse pessoal, mais se beneficiará o interesse público. Ora, na monarquia o interesse pessoal é o mesmo que o interesse público. A riqueza, o poder e a honra de um monarca provêm unicamente da riqueza, da força e da reputação dos seus súditos. Porque nenhum rei pode ser rico ou glorioso, ou pode ter segurança, se acaso os seus súditos forem pobres, ou desprezíveis, ou demasiado fracos, por carência ou dissensão, para manter uma guerra contra os seus inimigos. Por outro lado, numa democracia ou numa aristocracia a prosperidade pública concorre menos para a fortuna pessoal de alguém que seja corrupto ou ambicioso do que, muitas vezes, uma decisão pérfida, uma ação traiçoeira ou uma guerra civil. (HOBBES, 2003, p. 161)

    O principal ponto de reflexão desse filósofo é quanto ao poder absoluto do Estado, o chamado Leviatã, que caso não ostentasse toda fonte de poder não seria capaz de prover a ordem necessária entre os cidadãos. O termo Leviatã é uma comparação com o monstro bíblico descrito no livro de Jó, um ser com as formas de um hipopótamo e poder sem igual. Apesar de ser absolutista, os conceitos defendidos por Hobbes trazem aspectos democráticos, já que o poder deve ser exercido pelo representante do povo e para o povo.

    Pertence ao cuidado do soberano fazer boas leis. Mas o que é uma boa lei? Por boa lei não entendo uma lei justa, pois nenhuma lei pode ser injusta. A lei é feita pelo poder soberano e tudo o que é feito por tal poder é permitido e reconhecido como seu por todo o povo, e aquilo que qualquer homem assim tiver ninguém pode dizer que é injusto. Acontece com as leis da república o mesmo que com as leis do jogo: seja o que for que os jogadores estabeleçam, não é injustiça para nenhum deles. Uma boa lei é aquela que é necessária para o bem do povo e além disso clara. (HOBBES, 2003, p.293)

    Ora, tal afirmação hobbesiana é semelhante a um processo democrático de positivação, afinal os jogadores (políticos) definirão um preceito legal que não seja injusto (contra legem), para o bem do povo (Welfare State). Assim o monstro Leviatã é um mal necessário, pois ao exercer seu poder e alcançar a submissão de todos há ordem social (o grande problema é o limiar entre aplicar a vontade geral e a vontade do Estado).

    Dessa forma, no nosso entendimento, se pode concluir que Hobbes, apesar de ser monárquico, não é um excludente de conceitos ligados à democracia, mas defende que, independentemente do regime político adotado, o Estado deve ter poder absoluto. Discorda-se de Hobbes, afinal o Estado de seguir a manifestação da vontade popular, garantir questões mínimas e estar sujeito a correições, o que é impossível se tratando do Estado Leviatã, sendo mais acertada a opinião de Locke na qual as leis são necessárias inclusive para proteger os cidadãos do Estado, criando limites e garantindo liberdades, inclusive política.

    1.3 IGUALDADE E LIBERDADE DE TOCQUEVILLE

    Alexis de Tocqueville, durante o século XIX, foi responsável por exercer o que é chamado de ciência política no século XX. A sua principal obra, para estudo desse tema, é A democracia na América, na qual Tocqueville alega que uma democracia só pode existir caso o Estado seja baseado em igualdade e liberdade. Assim, é necessário que o Estado encontre um caminho em que a igualdade entre os homens não cerceie a liberdade individual, de acordo como autor francês. Em termo de igualdade, Tocqueville a entende de forma mais ampla, não sendo apenas econômica, mas também social, cultural e, principalmente, política.

    Ainda, nessa obra, se pode verificar os perigos que a democracia pode gerar. Se a maior parte dos cidadãos se expressa de forma igual, haveria uma ditadura da maioria, calando as minorias e cerceando liberdades. Dessa forma, apenas com participação popular ativa e instituições públicas fortes é possível se atingir a democracia, e para que prospere, Tocqueville alega que a participação popular ativa e instituições públicas fortes são o caminho para que os dois perigos, anteriormente apresentados, não ocorram.

    1.4 HABERMAS E A DISCUSSÃO DEMOCRÁTICA

    O alemão Jüngen Habermas (segunda geração da escola de Frankfurt), ao defender a ação comunicativa⁵, inova a entender que a democracia precisa ser revista, uma vez que a realidade fática da sociedade já não é a mesma de tempos atrás, ou seja, o conceito democrático moderno já não é mais suficiente. Para ele, a democracia deve ser deliberada, já que novas questões, como as ambientais e o domínio das corporações privadas, começa a assolar a sociedade, de forma que a discussão democrática, que traz inevitavelmente o dissenso, é a única forma de alcançar o bem comum da sociedade.

    Somente a ampla discussão pública é capaz de legitimar as ações públicas, pois a sociedade e o governo discutirão até que o consenso seja alcançado, ouvidas as vozes de todos. Também, é criticado o sistema capitalista que impede o livre exercício político individual.

    Com efeito, Habermas não abandona a ideia consoante a qual a burocracia imanente ao capitalismo é uma ameaça à esfera pública. Em seus escritos posteriores, ele reavaliará o

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