O Brasil no Oriente Médio: uma experiência de Política Externa e de Defesa
De Mauro Cid
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Sobre este e-book
Em 2014, fui enviado para a região sul do Líbano, juntamente com oficiais espanhóis. Nossa missão foi verificar a viabilidade de um eventual desdobramento de tropas brasileiras para integrar a UNIFIL. Essa tropa ficaria subordinada a uma brigada espanhola.
O Oriente Médio é uma região complexa, intrigante e pouco compreendida em sua história, cultura e religião. Duas semanas de missão despertaram um desejo de aprofundar o estudo das consequências do emprego de tropas nessa desafiadora região.
Foi diante dos questionamentos suscitados na minha missão no Líbano que surgiu a pergunta central deste livro: Quais seriam os DESDOBRAMENTOS e as IMPLICAÇÕES para o Brasil do emprego do Poder Militar no Oriente Médio? Para respondê-la, investigamos: Como o país seria visto pela comunidade árabe? Como seria a projeção brasileira nos assuntos de maior relevância em âmbito mundial? A população brasileira aceitaria a volta de brasileiros mortos? Qual é o grau de articulação entre o MD e o MRE, no que tange ao processo decisório de participar de uma missão de paz?
Convido-os para se juntarem a esse debate que será crucial no processo decisório de uma política externa e de defesa, à altura do papel que o Brasil desempenhará no Século XXI.
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O Brasil no Oriente Médio - Mauro Cid
1. INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos anos, muito se tem debatido sobre o crescente papel das operações de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU) na construção da segurança internacional, com um aumento considerável destes esforços no período pós-Guerra Fria. Nesse sentido, o envolvimento do Brasil no Oriente Médio representa um novo passo na continuidade das contribuições brasileiras para a manutenção da paz.
O primeiro e mais importante passo na direção de um novo internacionalismo brasileiro, fundamental para a rediscussão do papel das Forças Armadas no contexto da política externa brasileira, foi o engajamento do Brasil em operações de manutenção/imposição/verificação da paz sob patrocínio da ONU e em cooperação com outros organismos internacionais. (SILVA, F.C.T., 2012, p. 67).
Atualmente, o Brasil tem se tornado cada vez mais atuante no cenário internacional. Em 2002, o antigo presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou que o governo brasileiro poderia empregar a Expressão Militar por meio do envio de tropas para o Oriente Médio, se fosse de interesse da ONU, confirmando a posição do Brasil de cooperar com a comunidade internacional em busca da paz entre palestinos e israelenses (SANTOS, 2002). Conforme expôs o ex-presidente:
O governo brasileiro reitera sua firme convicção de que a ação militar e os atos indiscriminados de terrorismo colocam em risco uma solução definitiva e pacífica para o conflito no Oriente Médio. O governo brasileiro está em contato com as partes interessadas e se junta aos chamamentos da comunidade internacional em prol das iniciativas em curso com o objetivo de frear a espiral de violência e de atingir uma paz justa e duradoura que assegure a existência do Estado de Israel dentro de fronteiras seguras e conhecidas internacionalmente e o direito inalienável do povo palestino a um Estado independente, democrático e economicamente viável. (CARDOSO, 2006).
Olhando para os novos papéis que se desenhavam para o Estado Brasileiro e suas Forças Armadas, em 2005, por meio do Decreto no 5.484 de 30 de junho de 2005, foi criada a Política de Defesa Nacional (PDN) (BRASIL, 2005), atualizada em 2012 como Política Nacional de Defesa (PND) que, juntamente com sua Estratégia de 2012, são os principais documentos norteadores da defesa brasileira (BRASIL, 2012, p.1). A Estratégia Nacional de Defesa (END) afirma que o Brasil é pacífico por tradição e que este traço é parte da identidade nacional e um valor a ser conservado pelo povo brasileiro. Dentre as diretrizes estratégicas, o documento aponta para a necessidade de preparar as Forças Armadas para o desempenho de responsabilidades crescentes em operações de manutenção da paz.
Como Visentini (2003) ressalta, Fernando Henrique Cardoso alterou o curso de sua política externa, do eixo vertical norte para a América do Sul, reintegrando países emergentes como Rússia, China e Índia, e intensificando o discurso da globalização assimétrica
. Mesmo o presidente Luís Inácio Lula da Silva que, durante sua campanha eleitoral era visto como um perigo
, deu continuidade ao processo de substituir o bilateralismo dos anos 1990 por uma versão atualizada do eixo global-multilateral. Visentini (2006) define esse processo como o temor de uma mudança brusca e uma postura ideológica militante
.
Para Visentini (1998, p.17), o multilateralismo é um processo que caracteriza a diplomacia brasileira, sendo descrito como busca de novos espaços, regionais e institucionais, para além dos relacionamentos tradicionais (que não são interrompidos), de atuação política e econômica
. Dentro desse contexto teórico, percebe-se uma estreita relação entre a Política de Defesa e a Política Externa.
Segundo Visentini (2003), a percepção da fraqueza foi substituída por uma reavaliação do papel do Brasil como potência média e nação emergente, que precisa de uma diplomacia de alto perfil, adequada a suas capacidades e necessidades. A reafirmação dos interesses políticos e econômicos aparece ao lado de uma agenda social pós-globalização. Nas palavras do antigo Ministro da Defesa:
Temos consciência de que a afirmação dos valores e interesses brasileiros no mundo é – e sempre será – global em seu alcance. Sem entrar no mérito de saber se isso é uma vantagem ou desvantagem, o Brasil não é um país pequeno. Não tem e nem pode ter uma política externa de país pequeno. (AMORIM, 2007, p. 7).
Celso Amorim, faz, também, um alerta reflexivo sobre o tema:
É fundamental que o Brasil se cerque de um cinturão de paz e boa vontade em todo seu entorno estratégico. […] ao mesmo tempo, o país precisa estar pronto para se defender contra ameaças oriundas de outros quadrantes. Deve-se construir adequadas capacidades dissuasórias no mar, em terra e no ar. Isto é essencial para desestimular eventuais agressões à soberania brasileira e, desta forma, respaldar a inserção pacífica do Brasil no mundo. (AMORIM, 2014, p.7).
Como afirmou a ex-Chefe de Estado brasileira, Dilma Rousseff, em discurso na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2011, o Brasil estaria apto a encarar novos desafios no concerto das nações, inclusive um assento permanente do Conselho de Segurança da Organização (ROUSSEFF, 2011). É a manifestação oficial da consciência dos novos papeis que o Estado Brasileiro e suas instituições estão aptos a assumir.
O governo de Dilma Rousseff caracterizou-se por uma indefinição quanto à política externa e uma diminuição do peso do Itamaraty. Com isso, o Brasil perdeu o protagonismo externo da primeira década do século. Essa postura se manteve no governo Michel Temer (2016-2018), e o governo atual do presidente Jair Bolsonaro tanto não indicou uma intenção de revitalização, como tem apresentado um discurso pouco claro em relação ao multilateralismo.
Como principal demonstração da disposição do atual governo em manter o engajamento brasileiro em missões de paz, Jair Bolsonaro afirmou no seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU de 2019:
[...] A devoção do Brasil à causa da paz se comprova pelo sólido histórico de contribuições para as missões da ONU. Há 70 anos, o Brasil tem dado contribuição efetiva para as operações de manutenção da paz das Nações Unidas. Apoiamos todos os esforços para que essas missões se tornem mais efetivas e tragam benefícios reais e concretos para os países que as recebem. Nas circunstâncias mais variadas – no Haiti, no Líbano, na República Democrática do Congo –, os contingentes brasileiros são reconhecidos pela qualidade de seu trabalho e pelo respeito à população, aos direitos humanos e aos princípios que norteiam as operações de manutenção de paz. Reafirmo nossa disposição de manter contribuição concreta às missões da ONU, inclusive no que diz respeito ao treinamento e à capacitação de tropas, área em que temos reconhecida experiência [...] (BOLSONARO, 2019).
O emprego do poder militar possui uma capacidade persuasiva muito grande que, em situações específicas, pode gerar admiração e um sentimento de proteção e conforto. Portanto, as Forças Armadas apresentam a possibilidade de serem empregadas tanto de forma direta, por meio do uso da violência física, que pode ser caracterizada pelo hard power, quanto pela utilização de uma ação indireta, buscando meios não violentos, contextualizados pelo soft power. (NYE, 2002, p.6-8).
Sendo assim, o emprego do poder militar e o ambiente multilateral estão intimamente ligados à diplomacia de defesa. Muthanna (2011) aborda a diplomacia de defesa como um facilitador para a geração de um ambiente de segurança internacional positivo
. É destacada a participação em operações de paz das Nações Unidas e em outras alianças para a ajuda humanitária, formalizando o compromisso de um país com a ONU ou com outras organizações de cooperação regional, o que mostra a intenção do Estado para com as relações internacionais. (MUTHANNA, 2011, p.3-4).
Em 2 de junho de 2015, o ministro das Relações Exteriores do Iraque, Ibrahim al-Jaafari, solicitou a ajuda do Brasil para combater o Estado Islâmico e procurou defender uma maior cooperação brasileira na área militar (FOREQUE, 2015). As propostas foram debatidas em encontros de Jaafari com os então ministros Jaques Wagner (Defesa), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e o vice-presidente Michel Temer. Segundo o antigo Ministro da Defesa, a busca pelo apoio militar do Brasil para enfrentar o Estado Islâmico foi a motivação principal da vinda do ministro iraquiano ao país. O chanceler do Iraque procurou argumentar que o aumento da projeção do Estado Islâmico é um problema internacional, e não somente uma preocupação do Oriente Médio. Ao chanceler, Jaafari argumentou que o terrorismo é um problema global, que exige resposta global. [...] A guerra contra o terrorismo não é uma guerra convencional. Buscamos os países amigos e democráticos para defender aqueles que estão sofrendo com esse fenômeno
⁵.
Pode-se perceber que uma maior ingerência em assuntos do Oriente Médio pode ter consequências importantes e, nesse sentido, a Turquia é um exemplo bem atual. Em 1o de janeiro de 2017, um homem disparou contra um público de 600 pessoas, dentre as quais havia ao menos 15 estrangeiros, na celebração de Ano Novo em Istambul em uma tradicional casa noturna às margens do Estreito do Bósforo, deixando 39 mortos. Segundo Bercito (2017), a Turquia integra as forças capitaneadas pelos Estados Unidos em combate ao Estado Islâmico, o que pode ter servido como impulsionador para o atentado. Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, afirmou: [Os terroristas] agem para destruir a moral do país e para semear o caos, tomando deliberadamente como alvo a paz da nação e dos civis com esses ataques de ódio.
(BERCITO, 2017).
Outras considerações podem ser feitas para que se tenha o entendimento das consequências de emprego do poder militar no Oriente Médio. O exército espanhol, que participa da missão de paz da UNIFIL, teve, nos últimos dez anos, 12 mortos no Líbano. Segundo o Ministério de Defesa Espanhol, dessas mortes, sete foram causadas por atentados terroristas durante operações de patrulha na missão: O contingente espanhol da UNIFIL rendeu homenagem aos seis legionários paraquedistas que faleceram nas proximidades de El Khiam, no sul do Líbano, depois de sofrer um atentado terrorista sobre a patrulha que integravam.
⁶ (Tradução nossa)
Quando se fala de aumento de projeção de poder em países em crise, seja unilateralmente ou incorporado a um organismo internacional, é importante entender qual interesse o Brasil teria no emprego do poder militar no Oriente Médio. Nesse sentido, Roche (2006) afirma que os Estados Unidos, a Europa e o Japão, principais potências mundiais à época (anos 1990), são dependentes do petróleo produzido pelos países do Oriente Médio. Visentini (1992) também enfatiza que os dois primeiros choques do petróleo, de 1973 e 1979, afetaram diretamente a economia desses países. Caso ocorra um terceiro choque do petróleo, principalmente se ocorrer em um momento de crise e recessão global, este traria graves consequências para a economia dos países do Primeiro Mundo. Esta é outra razão pela qual o que acontece no Oriente Médio pode ter repercussão mundial.
Roche (2006) afirma que, durante todo o período da Guerra Fria, a União Soviética procurou controlar, tanto de forma direta como indireta, as principais áreas estratégicas mundiais. O confronto entre os dois blocos, entre os países capitalistas e os socialistas, ideologicamente antagônicos teve no Oriente Médio seus conflitos mais fortes.
Porém, não somente as grandes potências têm interesses no Oriente Médio. Visentini (1992) afirma que países como Brasil, Índia, Paquistão, Tailândia, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia são afetados diretamente pela situação daquela região. Roche (2006) agrega que as potências do Terceiro Mundo precisaram se adaptar e se acomodar à política para o Oriente Médio, capitaneada pelos EUA.
Os interesses também são uma mão de duas vias. Os países exportadores de petróleo que possuem uma grande população, como o Iraque e a Argélia, necessitam vender para se industrializarem e fornecerem mercado de trabalho a uma grande população. Visentini e Silva (2010) afirmam que, ao invés de se concentrar na cooperação com mercados grandes e saturados, o Itamaraty optou por se concentrar em espaços desocupados, onde não havia o predomínio das grandes nações.
A participação brasileira em missões de paz no Oriente Médio foi iniciada em 1957, com o envio do Batalhão Suez para a United Nations Emergency Forces (UNEF), na região do Canal de Suez. O Brasil enviou cerca de sete mil soldados durante os dez anos em que durou a missão.
O Brasil projetou seu poder militar no Oriente Médio, através do comando e da participação do Maritime Task Force (ou Força Tarefa Marítima – FTM) na UNIFIL. Em julho de 2019, a Marinha do Brasil (MB) apresentou, formalmente, ao Ministério da Defesa (MD), a proposta para encerrar o emprego de navios e aeronaves na FTM-UNIFIL, considerando, além de aspectos estratégicos, operacionais e logísticos, o previsto na Política Nacional de Defesa (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END), que delimitam o entorno estratégico brasileiro. Em 1º de janeiro de 2021 foi, então, realizada a passagem do comando da FTM-UNIFIL, do Contra-Almirante Sergio Renato Berna Salgueirinho para um almirante da Marinha alemã.
Além do componente marítimo, a partir de novembro de 2014, sete militares, incluindo quatro oficiais, juntaram-se à brigada espanhola no setor leste da UNIFIL, formando um componente terrestre, que monitora a fronteira entre o Líbano e Israel, com o intuito de um futuro alargamento dessa participação por meio do envio de efetivo em nível de batalhão.
Cabe destacar que o Exército Brasileiro (EB) estuda criar uma Força Expedicionária que poderá apoiar de forma permanente o emprego da Expressão Militar em missões no exterior. A constituição dessa força está na fase de definição da implementação, organização, estruturação e preparação para atuar⁷.
O principal objetivo é a prontidão, para podermos atuar em vários contextos. Hoje precisamos mobilizar nossas unidades a cada missão que o Brasil é demandado. Com uma estrutura sempre preparada a atuar, o Brasil obtém mais respeito de organismos internacionais e valoriza seu pleito para integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas. (COMUNELLO, 2015).
Atualmente, o Brasil tem uma pequena representação quantitativa em termos de militares e policiais desdobrados, com apenas 67 indivíduos⁸ servindo em sete das doze missões ativas. Cabe ressaltar que, desde a saída das unidades militares brasileiras da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti em 2017, e da UNIFIL em 2020, não há nenhuma outra unidade militar brasileira desdobrada, sendo a participação do país restrita a indivíduos, que atuam isoladamente ou compondo pequenas equipes (UNITED NATIONS, 2021b).
Contudo, mesmo com esta pequena participação quantitativa, o Brasil ainda goza de uma sólida reputação no âmbito das Nações Unidas, fruto do alto desempenho evidenciado por militares e policiais brasileiros em participações atuais e passadas. Isto tem possibilitado ao Brasil manter uma participação qualitativa relevante. Isso pode ser exemplificado pela designação, em 9 de abril de 2021, do General de Divisão Marcos de Sá Affonso da Costa como Force Commander da Missão das Nações Unidas para a Estabilização na República Democrática do Congo (MONUSCO, em francês), missão na qual o Brasil não possui unidades desdobradas, sendo o quarto militar brasileiro a ocupar o cargo desde 2013. (HAMANN; MIR, 2019).
1.1. CONCEITOS
O entendimento dos conceitos de poder e estratégica é de vital importância para a compreensão do contexto da importância do emprego da Expressão Militar para que sejam alcançados os interesses do país.
Segundo Freide (2015, p.3), política é o conjunto de objetivos que enformam determinado programa governamental
. A política estabelece os objetivos e interesses que uma nação busca alcançar, baseados na identificação das necessidades, aspirações e anseios de sua população em determinada fase de sua evolução histórico-cultural.
Estratégia vem da palavra grega estrategos (general) e significou, até o século XVIII, a arte do general
. Clausewitz (1832) definiu estratégia, no famoso Von Kriege, como a arte do emprego das batalhas como um meio de se chegar ao objeto da guerra
. Ao princípio do século XX, o General Von Moltke definiu estratégia como a adaptação prática dos meios postos à disposição do general para o alcance do objetivo em vista
. (LEONARD, 1977)
O pensamento de Aron (1976) sobre a estratégia está ligado ao como fazer
o que a política define o que fazer
. A estratégia se subordina à política, para que os objetivos possam ser obtidos. Nesse contexto, a Política Externa traça os objetivos de um país voltados para suas relações externas e ações diplomáticas.
1.1.1. PODER
O entendimento do que é poder e sua relação com a ordem internacional tem sido uma preocupação central nos estudos internacionais sobre o tema, principalmente para aqueles Estados que detêm a supremacia do poder. Aron (1976) afirmou que poucos conceitos são empregados de modo tão habitual, como os de poder ou potência. No sentido mais geral, poder ou potência é a capacidade de fazer, produzir ou destruir. O poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade às demais
.
Neste sentido, Weber (2004) define poder como a capacidade de uma unidade política impor a sua vontade sobre o comportamento de outra, que pode ser entendida tanto em nível pessoal como estatal.
A busca pelo poder sempre fascinou o ser humano ao longo da história, trazendo consequências nas dinâmicas das relações econômicas, sociais e políticas (NYE, 2012). Nesse contexto, com o surgimento do Estado-Nação, na Idade Moderna, e sua consequente evolução para um Estado Moderno, na visão de Bobbio (1987), as definições de poder, suas implicações e perspectivas transcenderam para um conceito de Estado.
Posteriormente, com a chegada da Idade Contemporânea e, com a eclosão de duas Guerras Mundiais, juntamente com o início da Guerra Fria
, as relações entre os Estados passaram a evidenciar uma dinâmica ampliada do poder, segundo Aron (1962), convergindo para o uso de instrumentos próprios: relações internacionais, política externa, estratégias nacionais e estratégias de segurança e defesa.
Por isso, segundo Bobbio (1987 p.19), as teorias políticas possuem grande ligação com as teorias da guerra, uma vez que no conflito, a hostilidade não se manifesta apenas pela violência física, podendo evidenciar-se por outras formas: econômicas, psicológicas e diplomáticas
.
Conforme Aron (1962), são exemplos desta linha de estratégica: a demonstração de força militar, com a presença militar, a projeção do poder e a dissuasão nuclear, bem como as ações da diplomacia, que podem englobar a utilização dos mecanismos de pressão econômica internacional.
Nye (2012) introduz a noção de poder inteligente (smart power) como o equilíbrio entre poder duro e poder brando na política internacional de um Estado. O poder duro (hard power) é a capacidade de conseguir que outros atuem de maneira contrária a suas preferências e estratégias iniciais. Já o poder brando (soft power) é a capacidade de conseguir que os demais queiram os mesmos resultados que se deseja, isto é, a capacidade de alcançar objetivos e mudar o comportamento de outro ator, sem coerção ou conflito, mediante o uso da persuasão e da atração. O poder brando é tão importante quanto o poder duro na política internacional.
Embora a participação nas missões de manutenção da paz da ONU não constitua uma estratégia de projeção de poder per se, é um componente importante da abordagem de poder crescente de alguns Estados, especialmente seu componente de soft power.
O entendimento da distribuição do poder em contexto internacional, inclusive do poder militar, é importante e decisivo para que um país formule as bases de uma política de defesa que responda às suas intenções, interesses e objetivos como Estado, além dos anseios e necessidades de sua população.
1.1.2. ESTRATÉGIA
Como visto anteriormente, a palavra estratégia
teve, durante muitos séculos, seu significado ligado às temáticas militares. Na entrada do século XX, estratégia
passa a ter significados não relacionados diretamente com temas militares ou de defesa. Além do conceito clássico, estratégia
passou, por extensão, a ser definida como a arte de aplicar os meios disponíveis com vistas à consecução de objetivos específicos. No final do século XX, o termo passou a ter uma definição mais abrangente, vindo a abarcar a arte de buscar os anseios da sociedade em uma perspectiva futura. (PINTO, 2015).
No Ocidente, desde a Idade Moderna até os dias atuais, o pensamento estratégico coincide com o estudo das maneiras de conceber e conduzir os combates. Paret (1986, p.941) argumenta que o pensamento estratégico é o desenvolvimento e a utilização de todos os recursos do Estado, inclusive os intelectuais, com o objetivo de implementar sua política em tempo de guerra
.
No Brasil e em países em desenvolvimento, a visão estratégica tem sido outra. Pinto (2015) afirma que é irrelevante ter uma Força Armada numerosa e bem armada, sem ter uma base econômica com capacidade para sustentá-la. Sobre isso, Meira Mattos afirmou que:
Seja o ânimo dos governos manter a política da guerra, ou da simples pressão militar, a posição do Brasil é a de um país exposto a todas as eventualidades de conflito. Ora, no estado atual da política humana, confiar a nossa segurança à defesa militar é quase uma ingenuidade. A nossa melhor defesa, – quase que se poderia dizer a única – é a que consiste em evitar os motivos [...] ou os pretextos do conflito; e isso só é realizável com uma austera reorganização do país. (MATTOS, 1977, p.67).
Mário Travassos (1938) e Everardo Backheuser (1952) tinham, como visão estratégica para o Brasil, uma ocupação territorial racional, com o desenvolvimento de um sistema de transportes que reduziria as distâncias e possibilitaria a articulação com as diversas regiões do país, além de promover e facilitar as ligações e as relações com Estados vizinhos. Nos anos 1950, Golbery do Couto e Silva, autor de Geopolítica do Brasil e Planejamento Estratégico, publicado em 1981, escreveu e desenvolveu os elementos básicos que dominaram o debate estratégico na Escola Superior de Guerra (ESG) durante a Guerra Fria. O General Golbery (SILVA, 1981, p. 25) afirmou que:
A Estratégia, arte antes reservada à maestria dos chefes militares na condução de suas campanhas, tendo atingido a maioridade, alçou-se a planos muito mais elevados, caracterizando-se como uma verdadeira política de segurança nacional.
Pinto (2015) escreveu que Golbery vislumbra a estratégia bem-definida como o caminho para a potencialização do poder nacional; em outras palavras, busca um direcionamento claro do emprego dos recursos naturais e humanos para maximizar e acelerar o desenvolvimento nacional. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do Ministério da Defesa utilizava a palavra nessa acepção mais ampla:
O conceito atual de estratégia se associa à mudança, ao emprego de meios disponíveis, de modo a alcançar, no longo prazo, objetivos precisos e em grande escala. Com a revolução tecnológica em curso – e a própria dinâmica do sistema capitalista – fortaleceu-se em todo o mundo a expectativa de que as sociedades e os grupos sociais podem, por meio de ações deliberadas, alterar seus destinos. As estratégias gerais (com repercussões multidisciplinares) ou setoriais (de escopo mais restrito) vão além do plano puramente militar. (PINTO, 2015, p. 33).
Sardenberg (1996) reconhece que o plano militar da estratégia continuará relevante e indispensável enquanto se multiplicarem no mundo a violência e o conflito
.
No contexto dos debates sobre segurança internacional e o posicionamento dos países dentro de um contexto global, o termo estratégia é empregado em um conceito mais próximo ao do original, quando se referia aos assuntos relativos à defesa nacional, à manutenção da paz e da segurança internacionais. Não se pode negar, entretanto, que concepções estratégicas amplas, bem definidas e balizadas, que transcendem a expressão militar, podem capacitar as sociedades, como a brasileira, a enfrentar as dificuldades e óbices, maximizando sua capacidade de reação e atuação nas resoluções de problemas.
1.1.3. PODER NACIONAL
Toda nação possui interesses e objetivos que são almejados e buscados por qualquer Estado. Estas necessidades são, primeiramente, identificadas no indivíduo, no próprio cidadão, e servem de referencial para os grupos e instituições que compõem a própria nação. Ao lado dos interesses nacionais, e em nível mais profundo, como uma verdadeira dimensão integradora que emana da consciência nacional, estão as aspirações nacionais. Tudo isso pode ser caracterizado com Objetivos Nacionais. A Escola Superior de Guerra (ESG) apresenta esse conceito:
Objetivos Nacionais são aqueles que a Nação busca alcançar, em decorrência da identificação de necessidades, interesses e aspirações, ao longo das fases de sua evolução histórico-cultural (ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (BRASIL),