Contos da era do jazz
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Sobre este e-book
F. Scott Fitzgerald
F. Scott Fitzgerald was born in Saint Paul, Minnesota, in 1896, attended Princeton University in 1913, and published his first novel, This Side of Paradise, in 1920. That same year he married Zelda Sayre, and he quickly became a central figure in the American expatriate circle in Paris that included Gertrude Stein and Ernest Hemingway. He died of a heart attack in 1940 at the age of forty-four.
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Contos da era do jazz - F. Scott Fitzgerald
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Título original: Tales of the Jazz Age
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva – CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura americana 810
2. Literatura americana 821.111(73)
Editora Afiliada:
Contos da era do jazz
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Editores-Adjuntos
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Leandro Rodrigues
A coleção CLÁSSICOS DA LITERATURA UNESP constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. Nesse espírito, cada volume se abre com um breve texto de apresentação, cujo objetivo é apenas fornecer alguns elementos preliminares sobre o autor e sua obra. A seleção de títulos, por sua vez, é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo, afinal, o livre passeio do leitor.
F. SCOTT FITZGERALD
Contos da era do jazz
TRADUÇÃO E NOTAS BRUNO GAMBAROTTO
FEU-DigitalSumário
___________________
Apresentação
Contos da era do jazz
Um sumário
Minhas últimas melindrosas
O bon-vivant
As costas do camelo
Primeiro de maio
Porcelana e cor-de-rosa
Fantasias
O diamante do tamanho do Ritz
O curioso caso de Benjamin Button
O Tarquínio de Cheapside
Ah, feiticeira ruiva!
Obras-primas sem classificação
A borra da felicidade
Sr. Icky
Jemma, a menina da montanha
Apresentação
___________________
FRANCIS SCOTT KEY FITZGERALD, filho de uma família de ascendência irlandesa, nasceu em 24 de setembro de 1896. A escolha de seu nome foi uma homenagem dos pais ao homem mais célebre de sua árvore genealógica, Francis Scott Key – autor, oitenta anos antes, de The Star-Spangled Banner, o hino nacional dos Estados Unidos. Daí a opção, quando efetivou a carreira de escritor, pela abreviatura do prenome, de modo a não ser confundido com o primo distante. Fitzgerald era universitário em Princeton quando eclodiu a Primeira Guerra, o que o levou ao alistamento. Em julho de 1918, conheceu aquela com quem formaria um dos casais literários mais famosos da história: Zelda Sayre. Casados já no ano seguinte, e com a badalação em torno do ressonante êxito obtido por ele em 1920 com a publicação de seu romance Este lado do paraíso – 50 mil cópias vendidas –, eles se deslumbram com uma vida de excessos. Todos queriam ser vistos na companhia do casal que esbanjava juventude, beleza, notoriedade; assim, eram convidados para os mais concorridos eventos da alta roda americana. Ficou famosa a análise que Fitzgerald fazia deles próprios: Às vezes não sei se eu e Zelda existimos mesmo ou se somos personagens de algum dos meus romances
.
Que análise acurada. Dona de uma personalidade extravagante e narcisista – que, diga-se, não diferia muito da do marido –, Zelda, na ficção, dificilmente teria sido uma personagem mais exótica que a real. Bebia, fumava, usava saia curta, em uma época em que isso era um acinte. Por causa do marido, ou com ele, protagonizou histórias envolvendo traições, ciúmes, bebedeiras e outras situações rocambolescas. Diagnosticada como esquizofrênica, Zelda passou boa parte da vida conjugal numa rotina de internações em sanatórios – foi numa delas, inclusive, que escreveu o único livro que publicou, Esta valsa é minha. Ele, por sua vez, sucumbia cada vez mais ao vício que o consumia desde a época de estudante: o alcoolismo. Ainda assim, nunca perdeu a obstinação por fama e dinheiro, trabalhando por anos na construção daquele que se tornaria seu romance mais notório, O grande Gatsby, que sintetiza grandezas e misérias que cercam o sonho americano
, núcleo duro de sua literatura.
No processo de maturação de suas qualidades de romancista, os contos são um laboratório revelador. Fitzgerald é dono de uma produção expressiva no gênero, com mais de uma centena de contos, os quais desenvolvia simultaneamente aos romances, tendo publicado as melhores delas em revistas bem reputadas, como Esquire, The Smart Set e The Saturday Evening Post. Que o leitor não se deixe enganar com o jazz que batiza a obra presente: os contos aqui reunidos não abordam necessariamente personagens e tramas focados nesse gênero musical. O termo serve muito mais para demarcar a jazzist soul de uma época, aquela em que ele viveu e na qual se inspirou, sugerindo a música de fundo a tocar imaginariamente ao longo da fruição da leitura.
___________________
O mundo experimentava uma euforia inebriante no início da década de 1920, período que, não por acaso, é evocado globalmente como os Roaring Twenties, os loucos anos 20
. O sentimento generalizado era de carpe diem: como se, depois de tantos anos de sofrimentos e privações causados pela Primeira Guerra, a vida agora estivesse de volta – para ser fruída sem moderação. Particularmente nos Estados Unidos, em grandes cidades como Nova York, as festas não tinham hora para acabar. Esse novo momento se dava num cenário de transformações amplas, com o aquecimento da economia favorecendo o capitalismo ascendente; com as mulheres galgando espaços sociais até então de domínio masculino; com uma efervescência cultural incomum. Foi contagiado por esse espírito que F. Scott Fitzgerald escreveu estes Contos da era do jazz, publicados originalmente em 1922, e que chegam agora ao leitor brasileiro em nova tradução.
Histórias que radiografam dilemas e paradoxos próprios daquela geração perdida
, aparentemente fútil na ostentação das bonanças possibilitadas pela prosperidade econômica e, ao mesmo tempo, experimentando anseios – pessoais, profissionais, existenciais – desencadeados, justamente, por aquela nova América que reluzia tão promissora quanto opressiva. São questões que consomem, por exemplo, os personagens Jim Powell e Perry Parkhurst, que protagonizam, respectivamente, "O bon-vivant e
As costas do camelo. Ou mesmo o Gordon Sterrett de
Primeiro de maio", um veterano da guerra em busca de seu lugar num mundo sem os estampidos de canhões.
Mas Fitzgerald, que morreria com apenas 44 anos, vítima de um ataque cardíaco, passa longe de ser monotemático; tanto que o conto mais conhecido que integra esta especialíssima seleção é O curioso caso de Benjamin Button
, que, em anos recentes, desencadeou um renovado interesse junto ao público mundial com a versão cinematográfica dirigida por David Fincher e estrelada por Brad Pitt. A trama propõe uma inversão de perspectiva para a temática da idade e da passagem do tempo: o protagonista nasce velho e, com a passagem dos anos, segue rumo a uma inexorável juventude. Cheio de facetas, F. Scott Fitzgerald, como estes contos comprovam, é sempre um mundo a se descobrir.
F. SCOTT FITZGERALD
(Minnesota, EUA, 1896 – Los Angeles, EUA, 1940)
Retrato de Fitzgerald, por Carl Van Vechten, 1937
F. SCOTT FITZGERALD
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Contos da era do jazz
De forma um tanto inapropriada, à minha mãe
Um sumário
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Minhas últimas melindrosas
O bon-vivant
ESTA É UMA HISTÓRIA AMBIENTADA NO SUL, que se passa na pequena cidade de Tarleton, Georgia. Tenho um carinho imenso por Tarleton, mas, sei lá por quê, sempre que escrevo um conto sobre ela, recebo cartas do sul inteiro, todas com linguajar bem direto e reto. "O bon-vivant", publicado na The Metropolitan, conheceu seu quinhão desse tipo de advertência.
Foi escrito em circunstâncias estranhas, logo após a publicação de meu primeiro romance; ademais, foi o primeiro trabalho em que tive colaboração. Descobrindo que não era capaz de lidar com o episódio do jogo de dados, entreguei-o aos cuidados de minha mulher, que, moça sulista, revelava-se uma especialista na técnica e na terminologia desse grande passatempo regional.
As costas do camelo
Creio que, de todos os contos que já escrevi, esse foi o que me deu menos trabalho e talvez o que mais diversão me proporcionou. Quanto ao esforço empreendido, foi escrito no decorrer de um dia na cidade de Nova Orleans, com o propósito expresso de comprar um relógio de pulso de platina e diamante que custou seiscentos dólares. Comecei às sete da manhã e terminei às duas horas daquela mesma noite. Foi publicado no Saturday Evening Post em 1920 e, posteriormente, incluído na O. Henry Memorial Collection do mesmo ano. De todos os contos deste volume, é o que menos prima pela elegância.
Minha diversão deriva do fato de que a parte da história relativa ao camelo é absolutamente verídica; na verdade, tenho um compromisso acertado com o cavalheiro em questão, de comparecer à próxima festa à fantasia para a qual formos os dois convidados vestido da parte traseira do camelo – isso como espécie de expiação por ser seu cronista.
Primeiro de maio
Este conto um tanto desagradável, publicado como novelette na Smart Set em julho de 1920, relata uma enfiada de acontecimentos ocorridos na primavera do ano anterior. Todos os três eventos causaram-me forte impressão. Na vida, não eram interligados senão pela histeria generalizada daquela primavera que inaugurou a Era do Jazz, mas no meu conto tentei (temo que sem sucesso) entretecê-los de forma a compor um padrão – padrão capaz de produzir o efeito daqueles meses em Nova York, tal como se mostraram a pelo menos um membro do que então era a geração mais jovem.
Porcelana e cor-de-rosa
E você escreve para outras revistas?
, perguntou a jovem.
Ah, claro
, respondi. "Publiquei alguns contos e peças na Smart Set, por exemplo..."
Vi a jovem estremecer.
"A Smart Set!, exclamou.
Que coragem a sua! Ora, eles publicam coisas sobre garotas em banheiras azuis, umas coisas muito idiotas."
E eu tive a magnífica alegria de lhe dizer que ela se referia a Porcelana e cor-de-rosa
, publicado pela revista vários meses antes.
Fantasias
O diamante do tamanho do Ritz
Os contos desta seção foram escritos no que eu chamaria de meu segundo estilo
, caso eu tivesse uma postura mais presunçosa. O diamante do tamanho do Ritz
, que apareceu no verão passado na Smart Set, foi inteiramente concebido para meu próprio divertimento. Eu me sentia naquele estado de espírito tão conhecido que se caracteriza por um absoluto desejo de luxo, e o conto começou como uma tentativa de satisfazer esse desejo com uns regalos imaginários.
Um crítico conhecido gostou demais dessa extravagância, mais do que de qualquer outra coisa que eu tenha escrito. Pessoalmente, prefiro O pirata da costa
. Mas, para mexer um pouco com Lincoln: se você gosta desse tipo de coisa, provavelmente esse é o tipo de coisa de que você vai gostar.
O curioso caso de Benjamin Button
Este conto foi inspirado por um comentário de Mark Twain, que dizia ser uma pena que a melhor parte da vida viesse no início, e a pior, no final. Ao produzir o experimento em apenas um homem cercado por um mundo perfeitamente normal, provavelmente não dei à sua ideia o melhor acabamento. Semanas depois de completá-lo, descobri um enredo quase idêntico nos Cadernos
de Samuel Butler.
O conto foi publicado na Collier’s no verão passado e suscitou esta carta surpreendente de um admirador anônimo em Cincinnati:
Senhor,
Li o conto sobre Benjamin Button na Collier’s e gostaria de dizer que, como contista, você daria um bom maluco. Já vi muita gente do seu tipo, mas feito você, nunca. Não gosto nada da ideia de gastar papel de carta com você, mas vou.
O Tarquínio de Cheapside
Escrito há quase seis anos, este conto é um produto dos meus tempos de graduação em Princeton. Consideravelmente revisado, foi publicado na Smart Set em 1921. Na época de sua concepção, eu só tinha uma ideia – ser um poeta – e o fato de estar interessado em como soava cada frase, de temer o óbvio na prosa, para não dizer no enredo, fica evidente a cada instante. Provavelmente, a afeição particular que sinto por ele está calcada mais em sua idade do que em qualquer mérito intrínseco.
Ó, feiticeira ruiva!
Quando escrevi este conto, tinha acabado de completar o primeiro rascunho de meu segundo romance, e uma reação natural me levou a divertir-me com um conto em que nenhuma das personagens precisava ser levada a sério. E temo que fiquei um tanto empolgado com a sensação de que não havia um esquema estruturado ao qual eu devesse me conformar. Depois de uma boa avaliação, no entanto, decidi deixá-lo como estava, embora o leitor possa ficar um tanto intrigado com a questão do tempo. É melhor dizer que, por mais que os anos tenham lidado com Merlin Grainger, eu mesmo estava pensando sempre no presente. Foi publicado na Metropolitan.
Obras primas sem classificação
A borra da felicidade
Deste conto, posso dizer que me ocorreu de forma irresistível, quase gritando para que eu o escrevesse. Talvez possa ser acusado de ser uma peça de sentimentalismo barato, mas, a meu ver, era muito mais. Se, portanto, falta-lhe o tom da sinceridade, ou mesmo, da tragédia, a culpa não está no tema, mas em como o trabalhei.
Foi publicado no Chicago Tribune e posteriormente obteve, creio eu, a folha quádrupla de louro dourado ou algum elogio semelhante de um desses antologistas que atualmente pululam entre nós. O cavalheiro a que me refiro prefere, via de regra, melodramas muito bem definidos com vulcões, ou o fantasma de John Paul Jones no papel de antagonista imbatível, melodramas cuidadosamente disfarçados nos primeiros parágrafos à maneira jamesiana sugerindo complexidades sombrias e sutis na sequência. Sobre essa ordem:
É curioso que o caso de Shaw McPhee não tenha despertado a atenção acerca da postura quase incrível de Martin Sulo. Isso fica entre parênteses e, para pelo menos três observadores, cujos nomes no momento devo omitir, parece improvável, etc., etc., etc.
, até que o pobre rato da ficção é finalmente forçado a sair à luz, e o melodrama começa.
Sr. Icky
Este tem a marca de ser o único texto de revista escrito em um hotel de Nova York. O negócio se fez num quarto no Knickerbocker e, pouco depois, aquela memorável hospedaria fechou suas portas para sempre.
Depois de um adequado período de luto, foi publicado na Smart Set.
Jemina
Escrito, como O Tarquínio de Cheapside
, na época em que eu frequentava Princeton, esse sketch foi publicado anos depois na Vanity Fair. Por sua técnica, devo pedir desculpas ao sr. Stephen Leacock.
Eu ri bastante com ele, especialmente quando o escrevi, mas não consigo mais. Mesmo assim, como outras pessoas me dizem que é um conto divertido, eu o incluo aqui. Parece-me que vale a pena preservá-lo alguns anos – pelo menos até que o tédio da mudança de moda acabe comigo, com meus livros e, de roldão, com este conto.
* * *
Com as devidas desculpas por este sumário impossível, dedico, ofereço e consagro estes contos da Era do Jazz às mãos daqueles que leem como correm e que correm como leem.
Minhas últimas melindrosas
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O bon-vivant
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I
JIM POWELL ERA UM BON-VIVANT. Por mais que eu deseje fazer dele um personagem interessante, creio que seria indecoroso de minha parte enganá-los quanto a esse ponto. Era um bon-vivant em essência e ao extremo, até a medula dos ossos, do tipo puro-sangue, preguiçosamente formado na temporada bon-vivant, que na verdade é eterna lá nos confins da terra dos bon-vivants, bem abaixo da linha Mason-Dixon.
Bom, se você vier a chamar um sujeito de Memphis por essa alcunha, é bem possível que ele saque do bolso traseiro uma corda comprida e resistente e o pendure no poste mais próximo. Mas, se você chamar um homem de Nova Orleans de bon-vivant, é provável que ele dê um sorriso e lhe pergunte se sua namorada já tem companhia para o baile de carnaval. O lugarzinho bon-vivant específico que trouxe a lume o protagonista desta história fica em algum ponto entre os dois – uma cidadezinha de quarenta mil habitantes que há quarenta mil anos cochila no sul da Geórgia, ocasionalmente se revirando de um lado para o outro em sua soneca e resmungando alguma coisa sobre uma guerra que aconteceu um dia, em algum lugar, e que todo mundo já esqueceu faz um bom tempo.
Jim Powell era um bon-vivant. Repito porque a frase tem uma sonoridade tão agradável – como se fosse o início de um conto de fadas –, como se Jim fosse um sujeito bacana. Não sei por quê, mas ela me sugere uma figura de rosto redondo e apetitoso, com uma profusão de folhas e vegetais crescendo de seu boné. Mas Jim era alto e magro, e tinha as costas curvadas de tanto ficar debruçado sobre mesas de bilhar – era o que se podia chamar, à maneira mais despojada do norte, de vagabundo de esquina. Pelos quatro cantos da sólida Confederação, "bon-vivant é o nome que se dá a alguém que passa a vida conjugando o verbo
vadiar" na primeira pessoa do singular – vadio, vadiei, vadiarei.
Jim nasceu em uma casa branca que ficava numa esquina repleta de verde. A fachada tinha quatro pilares bem castigados pelo tempo e um belo treliçado na parte de trás que criava um alegre fundo xadrez para um gramado florido banhado pelo sol. A princípio, os moradores da casa branca eram donos do terreno ao lado e do que ficava ao lado deste e do que ficava ao lado desse outro, mas isso fazia tanto tempo que nem o pai de Jim se lembrava bem disso. Na verdade, ele achava que essa era uma questão de tão pouca importância que, na hora de morrer – em decorrência de um ferimento à bala que sofreu durante uma briga –, até se esqueceu de contar ao pequeno Jim, que contava então 5 anos e estava tremendamente assustado. A casa branca se tornou uma pensão administrada por uma senhora carrancuda de Macon, a quem Jim chamava de tia Mamie e que ele detestava com todas as forças.
Ele fez 15 anos, foi para o colegial; tinha o cabelo preto e desgrenhado, e as garotas lhe davam medo. Ele odiava a própria casa, onde quatro mulheres e um velho se arrastavam num falatório interminável, de verão a verão, sobre os terrenos que a casa dos Powell originalmente incluía e quais tipos de flores estavam para desabrochar. Às vezes, os pais das mocinhas da cidade, lembrando-se de sua mãe e imaginando-o saído a ela pela semelhança dos olhos e dos cabelos escuros, convidavam Jim para as festas, mas as festas o deixavam acanhado, e ele tinha mais gosto em ficar sentado em um eixo de roda na oficina de Tilly, onde passava o tempo jogando dados ou explorando infinitamente a própria boca com um canudo comprido. Para fazer um dinheirinho, arranjava uns bicos, e foi por isso que parou de ir às festas. Em sua terceira festa, a pequena Marjorie Haight sussurrara indiscretamente e ao alcance dos ouvidos presentes que ele era o rapaz que às vezes fazia a entrega da quitanda. Por isso, em vez do two-step e da polca, Jim acabou aprendendo a jogar nos dados o número que desejasse e ouviu histórias picantes de todas as jogatinas que tinham acontecido nos arredores durante os últimos cinquenta anos.
Fez 18 anos. Quando veio a guerra, ele se alistou como marujo e passou um ano polindo latão no estaleiro da Marinha em Charleston. Depois, só para variar um pouco, foi para o Norte e durante um ano poliu latão no estaleiro da Marinha no Brooklyn.
Quando a guerra acabou, ele voltou para casa. Tinha 21 anos e calças muito curtas e muito justas. Seus sapatos abotoados eram longos e estreitos. Sua gravata era uma inquietante conspiração de púrpura e cor-de-rosa maravilhosamente combinadas, e acima dela havia um par de olhos azuis, desbotados como um pedaço de tecido velho, de boa qualidade, que ficou exposto ao sol por muito tempo.
No lusco-fusco de certo anoitecer de abril, quando uma bruma suave se estendia pelas plantações de algodão e cobria a cidade abafada, ele fazia vaga figura, recostado numa cerca de madeira, assobiando e admirando as franjas da lua acima das luzes da Jackson Street. Sua mente trabalhava obstinadamente em um problema que já lhe prendia a atenção por uma hora. O bon-vivant havia sido convidado para uma festa.
Lá nos idos em que todos os meninos detestavam todas as meninas, Clark Darrow e Jim se sentavam um ao lado do outro na escola. Mas, enquanto as aspirações sociais de Jim se extinguiam no ar impregnado de óleo da oficina, Clark engatou amores e desamores, foi para a faculdade, deu de beber, parou de beber e, para resumir, tornou-se um dos bons partidos da cidade. Apesar de tudo, Clark e Jim conservaram uma amizade que, não obstante casual, tinha contornos bem claros. Naquela tarde, Clark reduziu a velocidade do velho Ford ao passar por Jim, que estava na calçada; totalmente de supetão, Clark o convidou para uma festa no country club. O impulso que o levou a fazê-lo não era mais estranho do que o impulso que levou Jim a aceitar. Este último provavelmente se deixou mover por um tédio inconsciente, um senso de aventura meio temeroso. E agora Jim pensava seriamente sobre o caso.
Ele começou a cantar, marcando preguiçosamente o ritmo com seu pé comprido em um bloco de pedra da calçada até que este balançou para cima e para baixo no compasso da melodia baixa e gutural:
A uma milha da cidade dos bon-vivants,
Vive certa Jeanne, a rainha do local.
Ela joga os dados, sempre com cuidado;
Como poderia um dado tratá-la mal?
Ele se deteve e sacudiu as pedras da calçada com um galope acidentado.
Que droga!
, murmurou ele, num tom um pouco elevado.
Todos estariam lá: a turma das antigas, a turma da qual Jim – por causa da casa branca, que havia sido vendida fazia tempo, e do retrato do soldado de farda cinza sobre a lareira – devia ter feito parte. Mas aquela turma tinha crescido junta e formado um grupinho que foi se fechando aos poucos, do mesmo modo que os vestidos das meninas tinham ficado mais longos, centímetro a centímetro, e de forma tão categórica quanto as calças dos meninos haviam de súbito chegado aos tornozelos. E, para aquela sociedade de primeiros nomes e antigas paixonites de adolescência, Jim era um estranho – um camarada de brancos pobres. A maioria dos homens o conhecia, e olhava para ele com condescendência; ele tirava o chapéu para três ou quatro moças. Era tudo.
Quando o crepúsculo se adensou em um fundo azul para a lua, ele caminhou pela cidade quente e de odor agradavelmente pungente até a Jackson Street. As lojas fechavam as portas, e os últimos compradores voltavam para casa, como se carregados pela feérica revolução de um lento carrossel. Uma feira de variedades se estendia por um beco reluzente com suas barracas multicoloridas e contribuía com um toque de música para a noite – uma dança oriental acompanhada de um órgão a vapor, um clarim melancólico em frente a um espetáculo de aberrações, uma alegre interpretação de Back Home in Tennessee
em um realejo.
O bon-vivant parou em uma loja e comprou um colarinho. Em seguida, caminhou tranquilo em direção ao Soda Sam’s, em frente ao qual encontrou estacionados os três ou quatro carros habituais de uma noite de verão e os pretinhos correndo de um lado para outro com sundaes e limonadas.
Olá, Jim.
A voz vinha da altura de seu cotovelo – era Joe Ewing, sentado em um automóvel com Marylyn Wade. Nancy Lamar e um homem desconhecido estavam no banco de trás.
O bon-vivant tocou o chapéu num gesto breve.
Oi, Ben...
, e então, depois de uma pausa quase imperceptível, "Como vocês tão?"
Prosseguindo, continuou a caminhada despreocupada até a oficina, onde ocupava um cômodo no andar de cima. Seu "Como vocês tão?" se dirigira a Nancy Lamar, com quem não falava havia quinze anos.
Nancy tinha uma boca que mais parecia a recordação de um beijo, olhos soturnos e um cabelo preto-azulado que herdara de sua mãe, nascida em Budapeste. Jim passava por ela na rua com frequência – ela caminhando como se fosse um garotinho, com as mãos enfiadas nos bolsos – e sabia que, com sua inseparável Sally Carrol Hopper, ela havia deixado um rastro de corações partidos de Atlanta até Nova Orleans.
Por alguns instantes fugazes, Jim desejou saber dançar. Então riu e, quando chegou à porta de casa, começou a cantar baixinho para si mesmo:
Entre as pernas dela perde-se uma alma,
Seus grandes olhos têm a cor da avelã,
Entre os bon-vivants, é a Rainha das Rainhas –
Minha Jeanne da cidade dos bon-vivants.
II
Às nove e meia, Jim e Clark se encontraram na frente do Soda Sam’s e partiram para o country club no Ford de Clark.
Jim
, perguntou Clark como quem não quisesse nada, enquanto sacolejavam pela noite impregnada de perfume de jasmim, de que você vive?
O bon-vivant fez uma pausa e pensou.
Bom
, respondeu por fim, eu ocupo um quarto no andar de cima da oficina do Tilly. Eu ajudo com os carros à tarde, e em troca ele me deixa morar lá de graça. Às vezes, faço uma corrida com um dos táxis dele, ou coisa assim. Mas me enche um pouco fazer isso o tempo todo.
Só isso?
Bom, quando tem muito trabalho, ajudo durante o dia – normalmente aos sábados –, mas também tem uma fonte principal de renda que em geral não menciono. Talvez você não se lembre, mas sou o campeão do jogo de dados aqui da cidade. Hoje me fazem jogar com um copo, porque, assim que sinto os dados na palma da mão, eles fazem o que eu quero.
Clark sorriu agradecido.
Nunca consegui aprender como fazer para eles me obedecerem. Queria que você jogasse com Nancy Lamar um dia desses e arrancasse todo o dinheiro dela. Ela joga com os rapazes e perde mais do que o pai pode dar pra ela. Inclusive, sei que no mês passado ela vendeu um belo anel para pagar uma dívida.
O bon-vivant não quis se comprometer.
A casa branca na Elm Street ainda pertence a você?
Jim fez que não com a cabeça.
Vendida. Foi por um preço bem bom, considerando que ela já não tava mais na parte boa da cidade. O advogado me disse pra investir o dinheiro em títulos da Liberty, mas a tia Mamie ficou de um jeito que já não batia bem, então precisou de todo o dinheiro para cuidar dela no sanatório de Great Farms.
Hum...
Eu tenho um tio velho no norte do estado e acho que posso ir pra lá se eu ficar muito pobre. Bela fazenda, mas tem pouco preto por lá pra trabalhar nela. Ele me pediu pra ir pra lá ajudar, mas acho que eu não ia gostar muito. O diacho do lugar não tem o que fazer...
Ele parou de repente. "Clark, queria te agradecer muito por me convidar pra sair, mas eu ia ficar mais feliz