Propriedades fotoluminescentes da matriz cerâmica BaBi2Nb2O9 (BBN) tri-dopada com Er3+/Tm3+/Yb3+
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Propriedades fotoluminescentes da matriz cerâmica BaBi2Nb2O9 (BBN) tri-dopada com Er3+/Tm3+/Yb3+ - Marcello Xavier Façanha
1 INTRODUÇÃO
1.1 Materiais cerâmicos
O desenvolvimento e o aperfeiçoamento de novos materiais com aplicações em diversas áreas como a medicina, o setor energético, as comunicações, o meio-ambiente, a indústria eletrônica, automotiva, aeronáutica e aeroespacial, etc, têm assumido um papel marcante nas transformações que a sociedade vem sofrendo nos últimos séculos. Atualmente, apesar da disponibilidade de uma ampla variedade de materiais que compõem o cenário industrial moderno, a Ciência e Engenharia de Materiais busca desenvolver novos materiais que, além de ainda mais sofisticados, tenham custo mais baixo. Tais materiais são classificados em cinco grandes grupos: metais, cerâmicas, polímeros, semicondutores e compósitos (CALLISTER, 2010; MOULSON; HERBERT, 2003).
A palavra cerâmica tem a sua origem no termo grego keramos, designado para os trabalhos feitos com argila. Na sua mistura com a água, as argilas formam uma pasta moldável e produzem artigos (tijolos, telhas, azulejos, porcelana, etc.) que mantêm a sua forma enquanto úmidos, na secagem e na queima (MOULSON; HERBERT, 2003). Entretanto, os avanços no conhecimento de suas estruturas e propriedades únicas promoveram o desenvolvimento de uma nova geração dessa classe de materiais, de forma tal que o termo cerâmica
passou a assumir um significado mais amplo, referindo-se então aos materiais policristalinos, inorgânicos, não metálicos que adquirem a sua resistência mecânica por meio de um processo de queima ou sinterização (CALLISTER, 2010; MOULSON; HERBERT, 2003). No esquema da Figura 1 encontram-se os principais tipos de materiais cerâmicos.
Complementares a outros grupos de materiais, as cerâmicas avançadas ou de alta tecnologia (high-tech) são formadas geralmente por óxidos, carbonetos e nitretos puros, ou quase puros (BARSOUM, 2003). Essa classe promissora envolve vários tipos de cerâmicas dielétricas, magnéticas, semicondutoras e supercondutoras. É importante lembrar que, mesmo os materiais antigos e tradicionais que passam a ser fabricados com um conteúdo tecnológico superior ao utilizado anteriormente também são caracterizados como novos materiais, uma vez que isso possibilita a obtenção de propriedades melhoradas e controladas. Assim, embora um interesse crescente na busca de materiais novos tenha se instalado nos últimos anos, também foram intensificados os estudos dos materiais já então tradicionais, focando novas perspectivas de aplicações, como por exemplo, na microeletrônica (em sensores, resistores, capacitores, etc.) e nas telecomunicações (BRANKOVIĆ; BRANKOVIĆ; VARELA, 2005). As cerâmicas avançadas apresentam propriedades que dependem de vários parâmetros, tais como: o grau de pureza dos materiais de partida, o método de preparo, a temperatura e o tempo de calcinação e a temperatura e o tempo de sinterização (SEBASTIAN, 2008). São materiais especializados, de composições bem definidas e propriedades específicas (elétrica, térmica, química, magnética, óptica e biológica), cujas sínteses envolvem condições controladas e suas aplicações são destinadas a dispositivos de alta tecnologia (WASER; SETTER, 2000).
Figura 1 – Tipos de materiais cerâmicos
Fonte: Callister (2010, com adaptações).
Atualmente, o uso das cerâmicas high-tec nos vários tipos de indústria se deve aos avanços na Engenharia de Materiais e nas tecnologias de processamento. Propriedades específicas as tornam indispensáveis para inúmeras aplicações, as quais são exigidas por um mundo extremamente tecnológico como o de hoje. Na Figura 2 encontram-se alguns exemplos de materiais de alta tecnologia e suas aplicações.
Figura 2 – Materiais de alta tecnologia. (a) Corpos cerâmicos; (b) Onlay (coroa dentária); (c) Memória eletrônica ferroelétrica; (d) Cerâmica especial para detectores a gás de raios-X; (e) Capacitor; (f) LEDs para displays de tela plana e fontes de luz
Fonte: (a) Radomec (2014); (b) Odontologia (2019); (c) Memórias de futuro (2019); (d) Imagens Médicas Avançam Com Inovações (2019); (e) Up teks co., LTD; (f) Portal Tailândia (2019).
1.2 Estruturas perovskitas
As perovskitas são compostos com fórmula geral ABX3, onde A
e B
são cátions e X
representa um ânion. Na maioria das cerâmicas e nas perovskitas de ocorrência natural o ânion X
é o oxigênio, embora possa ser também um halogeneto no caso das perovskitas sintéticas. Nas estruturas ABO3, o cátion de menor raio ocupa o sítio B
da estrutura e se arranja octaedricamente com os oxigênios em um número de coordenação 6 (seis), enquanto o cátion de maior raio tem número de coordenação 12 (doze) com os oxigênios e ocupa o sítio A
(WANDERLEY et al., 2013). A simetria cúbica ideal desses óxidos (Figura 3) pode sofrer distorções devido alguns fatores, como as diferentes combinações de raios iônicos dos cátions A
e B
e as variações de temperatura sofrida pelo material, resultando em estruturas tetragonais, ortorrômbicas ou romboédricas com propriedades alteradas de grande interesse tecnológico.
Figura 3 – (a) Célula unitária de uma perovskita ideal de simetria cúbica; (b) e (c) Vista de outra perspctiva - conjunto de octaedros do tipo BX6 (X = oxigênio ou halogênio)
Fonte: (a) Perowskit (2019, com adaptações); (b) e (c) La Ciencia de la Mula Francis (2008, com adaptações).
Conforme ilustrado na Figura 4, as estruturas distorcidas podem ser produzidas de várias formas: i – pela rotação dos octaedros BO6 quando o cátion A é grande ou pequeno demais; ii – pelo deslocamento do cátion B do centro do octaedro BO6 devido ao fato do cátion ser pequeno demais para o sítio octaédrico; iii – pela distorção dos octaedros BO6 devido à covalência pronunciada nas ligações B – O e/ou A – O ou ao efeito Jahn-Teller (JONES; WALL; WILLIAMS, 1995).
O nome perovsktita foi empregado inicialmente para o mineral titanato de cálcio (CaTiO3) e representa uma homenagem ao mineralogista russo C. L. A. von Perovskite (MELO et al., 2008).
Figura 4 – (a) e (b) Células unitárias de perovskitas distorcidas - ausência de simetria cúbica ideal; (c) Perovskita tetragonal distorcida vista da perspectiva do conjunto de octaedros BO6
Fonte: (a) e (b) Trinity College Dublin (2019); (c) Rodionov; Zvereva (2016).
Em virtude de suas aplicações tecnológicas decorrentes de propriedades físicas interessantes tais como ferroeletricidade, ferromagnetismo e supercondutividade, as perovskitas encontram-se entre os materiais mais estudados (GUARANY, 2004). Estudos envolvendo propriedades óticas de estruturas perovskitas atuando como hospedeiras para centros luminescentes também têm sido reportados na literatura (DEREŃ et al., 2008; PERRELLA et al., 2019).
1.3 Família Aurivillius e a fase BaBi2Nb2O9
Na literatura científica, estudos reportando a dopagem de materiais Ferroelétricos de Estruturas Lamelares de Bismuto (BLSF) com íons terras-raras e as suas influências nas propriedades físicas desses materiais, como é o caso do BaBi2Nb2O9 (BBN) e do SrBi2Nb2O9 (SBN) (SUN et al., 2011), têm atraído atenção nas décadas recentes. Os BLSFs ou ferroelétricos de estrutura Aurivillius são pseudoperovskitas de composição estequiométrica (Bi2O2)²+(An-1BnO3n+1)²-, em que n
corresponde ao número de camadas octaédricas BO6 (n = 1, 2, 3, 4 e 5) presentes no bloco perovskita (An-1BnO3n+1)²-, o qual se encontra intercalado por camadas de óxido de bismuto (Bi2O2)²+ do tipo fluorita (Figura 5). Nessa complexa estrutura, A
é um cátion mono, di ou trivalente (ou uma combinação deles) em sítios de coordenação 12, e B
é um íon de transição tetra, penta ou hexavalente adequado para coordenação octaédrica (RAMARAGHAVULU; BUDDHUDU, 2014).
Figura 5 – Blocos fluorita e perovskita de uma estrutura do tipo Aurivillius
Fonte: Nonato, Abreu (2012); Pirovano (2001); Trinity College Dublin (2019, com adaptações).
A família Aurivillius apresenta uma grande variabilidade na sua estequiometria, de modo a permitir um controle sistemático de suas propriedades físicas, tais como a ferroeletricidade, altos valores de permissividade, altas temperaturas de Curie e fadiga ferroelétrica acima de 10¹² ciclos de polarização/despolarização (ao contrário dos ferroelétricos comercialmente populares como o PZT, que perdem suas polarizações iniciais depois de 10⁶‒10⁸ ciclos). Daí seus corpos cerâmicos serem bastante explorados em memórias ferroelétricas de acesso aleatório não-voláteis (NvRAM) (DEBASIS; TANMAY; PANCHANAN, 2007; KARTHIK; VARMA, 2006), assim como em telecomunicações, aplicações militares e outras, devido ao comportamento característico de relaxadores ferroelétricos (ADAMCZYK; PAWEŁCZYK, 2009).
As cerâmicas BaBi2Nb2O9 (BBN) pertencem à classe Aurivillius e apresentam um comportamento típico de relaxadores ferroelétricos. Entretanto, apesar de possuírem características únicas, esses materiais são acompanhados por alguns inconvenientes tais como altas temperaturas de processamento e baixas polarizações remanescentes quando comparadas com as de relaxadores convencionais. Uma das formas de superar tais limitações envolve o processo de substituição catiônica parcial, resultando em baixas temperaturas de processamento e altas densidades relativas (KARTHIK; VARMA, 2006). De fato, o comportamento de relaxador ferroelétrico tem atraído muita atenção nesses materiais, porém, as formas de como melhorar a polarização ferroelétrica, raramente têm sido mencionadas até então (WEI et al., 2014a). Além disso, acredita-se que materiais ferroelétricos atuando como hospedeiros para íons lantanídeos tenham grande potencial para o uso em dispositivos eletro-óticos devido à integração das propriedades luminescentes ao sistema ferroelétrico (ZOU et al., 2014).
Seguindo a composição estequiométrica (Bi2O2)²+(An-1BnO3n+1)²- dos Aurivillius, o niobato de bismuto e bário (BaBi2Nb2O9) pode se apresentar tanto na forma cristalina ortorrômbica de grupo espacial A21am e com quatro fórmulas por célula unitária (Z = 4) (KARTHIK; VARMA, 2008) (Figura 6), como com estrutura tetragonal de grupo espacial I4/mmm e com duas fórmulas por célula unitária (Z = 2) (KENNEDY; ISMUNANDAR, 1999) (Figura 7). Na estrutura tetragonal da Figura 7 tem-se n = 2 e o bloco perovskita se resume a (BaNb2O7)²-, ficando intercalado pelas camadas fluorita (Bi2O2)²+. Utilizando-se a perspectiva da Figura 3a referente à camada perovskita, nota-se que o cátion Ba²+ (sítio A) ocupa o centro de um cubo e encontra-se coordenado a oito cátions Nb⁵+ e a doze ânions O²-. Tomando-se agora a perspectiva da Figura 3b, observa-se que os cátions Nb⁵+ (sítio B) se encontram nos centros de octaedros do tipo NbO6 que estão interconectados por meio dos vértices. Finalmente, as camadas fluorita de óxido de bismuto exibem uma estrutura de pirâmides do tipo BiO4 onde os cátions Bi³+