Sobre a Psicologia dos Grupos: uma Proposta Fenomenológica
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Sobre a Psicologia dos Grupos - Gillianno José Mazzetto de Castro
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSI
À Frann Mazzetto de Castro.
AGRADECIMENTOS
À minha família, que sempre me apoiou no exercício do saber.
Aos meus amigos, que tanto me ajudaram na concepção desta obra.
Aos meus professores de perto e de longe, para quem sou um espírito pueril, de pé, sobre os seus ombros.
Viver é um descuido progressivo
Mas quem é que sabe como?
Viver... o senhor já sabe, viver é etcétera.
(Guimarães Rosa)
APRESENTAÇÃO
Este é um livro para ser abandonado! Tal proposição pode soar inicialmente como um contrassenso, porém buscaremos nos explicar. Em geral, os livros nascem com um paradoxo interno. Principalmente os livros científicos. O paradoxo apoia-se no fato de que todo livro aspira por ser lido e por se eternizar. Por sua vez, a honestidade e o ceticismo, característicos dos homens de ciência, ensinam-nos que o conhecimento é sempre datado e influenciado pelos tempos e pelas questões de época nas quais o autor está inserido. As grandes ideias sempre têm os pés plantados dentro de um Zeitgeist, um espírito do tempo.
É sabendo disso que se afirma que este livro nasceu para ser abandonado tal qual o exoesqueleto que futuramente terá de ser deixado de lado, porque os conhecimentos avançados a partir daqui o farão entrar para os utensílios da memória, e auguramos que seja uma recordação boa, ativa e simpática às futuras gerações de leitores e pesquisadores que com estas páginas entrarão em contato pelos caminhos dos laboratórios, bibliotecas, casas e, acima de tudo, vidas. Dessa forma, o abandono deste livro não é solitário e desolador, mas vem impregnado de uma esperança de que as ideias aqui contidas possam frutificar em prol de uma humanidade melhor.
Outra consideração importante é a de que este não é um estudo sem lacunas, nele não há a perfeição típica das histórias acabadas e recontadas pelos séculos. Este texto tem o espírito de um ensaio montaigneano no qual o mais importante não é o fechamento das ideias, mas, pelo contrário, as janelas que elas oferecem ao leitor. Dessa forma, esta obra quer ser território que oportunize cenários e paisagens, e não espera ser casa terminada, dentro da qual os hóspedes simplesmente estão, mas não habitam.
Um outro ponto desta obra é que ela é uma sentinela, um trabalho de quem habita a fronteira e com ela quer dialogar. As fronteiras aqui são três: a Psicologia, a Filosofia e as Neurociências. É decorrente disso um fato bastante sabido por quem vive avizinhado de alguma borda ou fronteira, a saber: elas produzem miscigenações, intercâmbios e se articulam de forma diferente do que aqueles movimentos nucleares ou mais próximos dos centros constituídos
. Tal realidade está bastante representada em algumas das intuições estruturais desta produção: a primeira pode ser vista na lógica de fundo a partir da qual ela é montada, ou seja, a ordem implicada de David Bohm na qual as realidades e as estruturas encontram o seu elo, não pelos polos ou pela superfície, mas sim pelo fundo e pelo centro.
A segunda intuição nuclear que se apresenta como plano de fundo deste livro é a tentativa, ainda que embrionária, de pensar uma Fenomenologia do Sul, ou seja, o intuito de reflexionar um pensamento que, ainda que de matriz europeia, respeite, acolha e potencialize as singularidades dos contextos não europeus.
Por sua vez, o terceiro ponto que ressoa em toda a obra é a pergunta pelas possibilidades e modalizações da vida para além do binarismo saúde-doença. E aqui se pode ver o ponto a partir do qual esta obra se afilia à grande tradição psicológica de construção e manutenção de um campo epistemológico e axiológico próprio.
Ao observarmos na história da construção do saber psicológico, enquanto saber científico, é possível notar que, já nos seus primórdios, a Psicologia teve que, paulatinamente, ir demarcando as suas fronteiras em prol da construção de um corpus teórico próprio. A passagem do modelo biomédico, eminentemente centrado na figura da doença, para o modelo biopsicossocial, que considera o sujeito inserido dentro de um contexto, assinala para esse exercício constitutivo de elaboração de um campo de diálogo mais amplo e com identidade própria.
É dentro desse espírito de alargamento da reflexão psicológica que este texto se insere e se irmana, buscando pensar processos para além das arritmias das doenças, mas intentando construir pontes e processos de afirmação da vida, em que não apenas a vida singular seja importante, mas também o fruir da vida de um determinado grupo humano expresso sob a formas de hábitos e modalizações de vida, seja do ponto de vista sexual, cultural ou ocupacional. Seja copartícipe desta jornada na qual o grande convite que a vida nos faz é: que possamos nós não sucumbir à barbárie dos tempos, contextos e lugares nos quais se morre curado, objetivado, morre-se por desacreditar em viver.
PREFÁCIO
O pensador Michel Henry, que vem sendo estudado no mundo inteiro, na filosofia e nas outras áreas do saber, como na Psicologia, apresenta argumentos sólidos com conceitos fortes e consistentes. Os assuntos defendem a tese da fenomenologia da vida
ou fenomenologia material
que foi sendo desenvolvida e aprofundada no decorrer da obra e foi tendo desdobramentos nos diversos temas que são complexos, difíceis e importantes para o pensamento filosófico e fenomenológico. Questões que necessitam ser compreendidas dentro da arquitetura da fenomenologia de Henry para o seguir e compreender dentro de seu pensamento e assim manter e conservar sua originalidade. A vida revela-se na comunidade e não fora dela, nas relações intersubjetivas sólidas e fraternas. Essas relações são fundamentais para resistir a objetivação. E esse percurso é seguido atualmente nas pesquisas que estão sendo realizadas pelos estudantes e pesquisadores.
Diante desse contexto de pesquisa do pensamento de Henry no Brasil e do mundo, venho destacar e apresentar o brilhante trabalho realizado pelo Dr. Gillianno José Mazzetto de Castro. Agora, nós leitores henryanos ou não, temos em mãos uma excelente e valiosa obra para ser lida e consultada. Antes de mais nada, é preciso destacar que a obra de Gillianno é pioneira sobre o pensamento de Henry. O livro, além de ser um material para leitura, servirá como uma espécie de manual para ser consultado.
Gillianno deixa bem claro que o objetivo é fazer um estudo da fenomenologia, de maneira especial da fenomenologia da vida de Henry e como utilizar o método fenomenológico henryano para a prática. Resumidamente, como esse método pode contribuir para a reflexão teórica da fenomenologia, mas também como pode auxiliar para o trabalho da Psicologia da saúde. Esse ponto é essencial, pois o autor não deixa de lado a tradição fenomenológica, visto que insere Henry nessa escola e a partir disso aponta caminhos para a utilização do método pathos-avec para a prática.
Essa menção é importante porque o autor mantém esse mote nos capítulos, e isso revela a beleza e a coesão interna do texto, que em alguns momentos dá mais ênfase à fenomenologia da vida. Em outras palavras, o livro centra-se no pensamento de Henry e de imediato mostra como o método do fenomenológico é ou pode ser aplicado na Psicologia da saúde. Destaco esse ponto pois o livro contribui para a teoria e a prática. Percebe-se claramente que o pesquisador está inserido (envolvido) com o pensamento fenomenológico de Henry e tem a preocupação de utilizar o método para construir relações intersubjetivas fortes. Além da introdução, o livro possui sete capítulos. No primeiro, o autor faz uma descrição filosófica-fenomenológica resgatando a história da filosofia e como a pesquisa está sendo aplicada. Ainda, mostra como, fenomenologicamente, somos escolhidos por um tema e autor. O pesquisador não é neutro, mas é afetado para realizar a investigação. Isso é fundamental. As escolhas e os discernimentos são importantes para cuidarmos da nossa saúde mental. Esse ponto norteará o trabalho de Henry quando fala da auto-affecção.
No segundo capítulo, o autor tem uma inquietação teórica, sobretudo quando traz outros pensadores para refletir, como Heidegger e Husserl. Esses tiveram uma relevância fundamental para a constituição do pensamento de Henry, no entanto, ambos constituíram o pensamento fora de si ou na consciência transcendental. Seguindo a mesma proposição, o terceiro capítulo enfatiza a manifestação pura da essência. Por isso, mostra a distinção entre o ser e o aparecer, tema extraordinário para Henry. É importante perceber as diferenças entre a fenomenologia de Husserl e de Henry. Já o quarto capítulo lança-se na conceituação e ainda enfatiza como o método fenomenológico abre possibilidades para ser trabalhado pela psicologia brasileira. Gostaria de chamar a atenção para este capítulo, sobretudo para os conceitos que são desenvolvidos e apresentados, como o eu, o ego, a vida comunitária e a comunidade transcendental, entre outros. Claro que esses abrem inúmeras possibilidades para continuarem sendo explorados, de modo que o capítulo convida o leitor a mergulhar na proposição henryana.
A pesquisa não poderia deixar de fora os temas do corpo e da carne, e o autor os trabalha no quinto capítulo. Seguindo, desvela o esquecimento do corpo por parte da ciência, tratando-o como objeto. Comenta como Henry traz esse tema para o centro do debate, ou seja, no início, apresenta-o como corpo subjetivo e, no final, como corpo-carne, carne fenomenológica, afetiva. De uma forma extraordinária, Gillianno apresenta os conceitos de corpopropriação, tema caro para Henry e pouco explorado ainda pelos estudiosos. Por fim, os últimos capítulos são voltados para a aplicação, ou seja, como o método pathos-avec pode ser utilizado na psicologia da saúde. Neles, o escritor da presente obra narra aquilo que se manifesta como fenômeno originário, o sofrimento, o surto, entre outros. Esses elementos são o fundamento, pois é isso que a essência manifesta. Como falar, descrever os fenômenos originários se não levarmos em consideração as manifestações originárias da vida como o sofrimento, ou o gozo? Como falar de um ego sem a carne afetiva? Esses são os pontos trazidos pelo autor para serem refletidos e considerados na Psicologia, mas diria ainda na própria constituição do ego.
Sendo assim, parabenizo Gillianno pela excelente pesquisa que oferece reflexões fundamentais sobre a teoria de Henry e ainda aponta caminhos para a prática dela. Certamente é uma obra pioneira que passa a ser um material fundamental para leitura e consulta. Tenho certeza de que este livro irá contribuir e inspirar outras pesquisas e estudos sobre Henry.
Boa leitura!
Dr. Silvestre Grzibowski
Professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Sumário
INTRODUÇÃO
A Fenomenalidade de uma Fenomenologia do Sul
Sobre o Método
Desenho da proposta
CAPÍtulo 1
Por uma Ética-fenomenolÓgica do sul em Psicologia da saÚde
As Intuições de uma Fenomenologia do Sul
Sujeito, Mundo e Relação
A Vida como Espaço da Intriga Ética Original
Negócios inacabados
CAPÍTULO 2
ESTADO DA QUESTÃO DA CONTRIBUIÇÃO DA FENOMENOLOGIA PARA A REFLEXÃO DA PSICOLOGIA DA SAÚDE
Notas de um diálogo
Negócios inacabados
CApÍTULO 3
UM OLHAR FENOMENOLÓGICO EM PESQUISA NA PSICOLOGIA DA SAÚDE
Dos fenômenos e dos seus entornos
Dos fundamentos
Interlocuções constitutivas
A caracterização do olhar
Negócios Inacabados
CAPÍTULO 4
SOBRE VIDA COMUM: POSSIBILIDADES HENRIANAS EM PSICOLOGIA DA SAÚDE
Apontamentos de um cenário
O despertar do comunitário em Henry
As diferentes comunidades em Henry
A comunidade transcendental ou de filiação
A comunidade egótica e a possibilidade de uma comunidade de hábito
Negócios Inacabados
Capítulo 5
CORPOPROPRIAÇÃO REVISITADA: Avizinhamentos henrianos dos conceitos de interocepção e homeostase 111
Fenomenologia da Carne 117
Sobre os afetos e emoções 122
Negócios Inacabados 131
Capítulo 6
PATHOS-AVEC: APONTAMENTOS PARA UMA PRÁTICA FENOMENOLÓGICA DAS RELAÇÕES COM GRUPOS DE OUTROS SIGNIFICATIVOS EM PSICOLOGIA da SaÚde
O duplo aparecer e o fundo comum da intersubjetividade
O pathos-avec
Implicações para uma reflexão fenomenológica de base Henriana
Negócios Inacabados
Capítulo 7
APONTAMENTOS PARA A VIDA: Interlocuções para a construção de uma metodologia para uma prÁtica fenomenolÓgica de base Henriana para grupos em Psicologia
Antecedentes à pesquisa
O Cenário de constituição imanente: a ordem implicada do mundo da vida
O cenário de constituição da atitude fenomenológica
Desenho e execução da pesquisa
Cenário da questão/problema de pesquisa
Cenário da clarificação
Cenário da síntese
Negócios Inacabados
considerações finais
Intuições gerais de um caminho
Limites e possibilidades
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Uma introdução é semelhante a um anfitrião, seja de uma casa ou de um estabelecimento comercial. Ela tem a função de acolher os convivas, apresentar-lhes a história ou o motivo do lugar no qual eles estão, bem como acomodar os hóspedes e facilitar a vida daqueles que ali chegam. Portanto a primeira função de uma introdução é a da hospitalidade para com aqueles que ali ingressam de vários lugares, com várias histórias e infindáveis olhares. Há nelas um pouco daquilo que Ovídio eternizou em suas metamorfoses por meio do mito de Filêmon e Baúcis, isto é, hospedar com rostos afáveis e um acolhimento não pobre nem indiferente
(OVÍDIO, p. 457) aqueles que chegam.
O abrir de portas deste diálogo não é diferente, ele quer ser o hall que direciona o leitor para os cômodos e as histórias que se entrecruzam e se tecem em uma amálgama de vivências, experiências e reflexões que foram sendo construídas por meio de um caminho de eleição, isto é, de ser escolhido por uma questão de pesquisa e a ela responder com as condições materiais e existenciais que foram possíveis dentro desse processo. Nestas páginas, está materializada a intuição de que o discipulado do saber é uma convocatória cujo objetivo é moldar o candidato à medida que caminha, e não à medida que termina.
Outro atributo das introduções é que elas são mais gentis ao sujeito empírico, ainda que anunciando o sujeito epistemológico (BOURDIEU, 2008). Nelas há mais espaço para que a vida e as intuições do mundo da vida se emanem e apresentem o plano de fundo, a partir do qual a discussão formal e, muitas vezes, impregnada do científico modo de falar pôde nascer. Há nelas o enlace entre a gramática do rés da vida e a técnica da ciência.
Elas, as introduções, permitem apontar para a experiência de mundo que já Heidegger (2012a) anunciara ao pensar o seu conceito de cuidado, Sorge. Fundamentalmente este intenta nos alertar que, apesar de usarmos, em ciência, a postura do sujeito epistemológico, do sujeito cognitivo, ou ainda do sujeito ativo, ao nos colocarmos diante da realidade, tal postura é precedida pelos laços da vida comum, das implicações ordinárias, que, geralmente, habitam o campo das significações práticas. O cientista, em sua mais alta performance acadêmica, não deixa de ser um ser humano inserido nas modalidades e peculiaridades do mundo da vida.
É nesse imbricar da experiência do sujeito empírico, da vida cotidiana e do sujeito epistemológico, dos tratados, papers e da suposta abstração da ciência que esta pesquisa nasce. É no contexto de uma práxis engajada de pesquisa que esta reflexão é construída, de tal forma que o sujeito não se colocaria mais de um modo neutro diante da realidade a ser conhecida, mas se relacionaria com esta com tamanho interesse existencial que o mundo sempre estaria aberto em seu significado qualitativo
(HONNETH, 2019, p. 46).
A questão de pesquisa que suscita, incita, incomoda e produz este estudo nasce dentro de um espaço de diálogo psicológico no qual, ouvindo e refletindo sobre os relatos, experiências e casos que os membros dos grupos traziam, é que aos poucos, no silêncio necessário a todas as questões, foi ganhando força, dimensão e corpo a pergunta pela possibilidade de se pensar a construção de uma reflexão e de uma prática fenomenológica, de base Henriana, para grupos de outros significativos, tais como as famílias, os grupos de vivência (CHEN; BOUCHER; TAPIAS, 2006) em Psicologia da Saúde.
Por Psicologia da Saúde se entende uma área da reflexão e atuação psicológica que se ocupa de pensar, compreender e atuar no horizonte intersubjetivo e inter-relacional no que toca o nexo entre os processos de promoção, prevenção, intervenção em Saúde e também no que tange aos processos de adoecimento (MIYAZAKI; DOMINGOS; CABALLO, 2001).
Essa área do saber psicológico é marcada pela multiplicidade de focos, perspectivas e abordagens (LUBEK; MURRAY, 2018) tendo como elo a experiência do sujeito ou do grupo em seu processo de afirmação de saúde ou percepção de doença. Como apontam Almeida e Malagris (2011, p. 184),
a Psicologia da Saúde não está interessada diretamente pela situação, que cabe ao foro médico. Seu interesse está na forma como o sujeito vive e experimenta o seu estado de saúde ou de doença, na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo.
Tal área do saber psicológico contribui no processo do entendimento do fenômeno da saúde, da doença e do sofrimento a partir de uma perspectiva coletiva ou ampliada e translacional (SPINK, 2009), na qual há um envolvimento e comprometimento do grupo ou da sociedade com o processo de adoecimento ou afirmação da vida dos seus membros. Outra característica dessa área é que não apenas os saberes estandartizados são levados em consideração, mas sim as práticas e modalidades de saberes populares que permitem ou não a afirmação da vida sob a forma de processos de saúde ou adoecimento (GRUBITS; GUIMARRÃES, 2007).
Grubits e Guimarães (2007) ainda salientam como principais abordagens da Psicologia da Saúde a Psicologia da Saúde Clínica, que se baseia fundamentalmente em processos de intervenção terapêutica; a Psicologia da Saúde Pública, que tem seu foco na saúde das populações ou grupos vulneráveis e que se vale dos recursos de pesquisa epidemiológica para a sua atuação; e a Psicologia da Saúde Comunitária, que se ocupa de refletir e atuar nos processos de promoção de saúde de grupo como famílias e comunidades. E é nessa terceira perspectiva que esta pesquisa se insere.
A área de afetação fenomênica que permitiu à questão de pesquisa fazer o seu processo encarnatório e de incômodo é o ruído de fundo de vidas que insistem em viver, nos grupos, nas famílias e nas comunidades de hábito e são focos de estudo da Psicologia da Saúde Comunitária.
Este livro quer ser um apontador
de caminhos que levam às vozes, às vezes, anoitecidas, emudecidas ou reificadas sob a égide do olhar. Ele quer apontar para a incógnita da vida, que, ainda que medicalizada, objetivada, insiste em construir enredos de fruição e de permanência em viver, apesar da dor e do sofrimento.
O fenômeno que tem chamado a nossa atenção como cientistas, ao nos embrenharmos nos enredos da vida dessas pessoas e grupos, é, por um lado, o de vidas que são criativas em viver e ressignificar os seus sofrimentos, e, por outro lado, o de vidas que estão adoecendo ao cuidar. Não queremos aqui focar o nosso olhar para os processos patológicos de degradação da vida, mas, pelo contrário, entender como, apesar das dificuldades e peripécias da existência a vida não apenas insiste, mas se promove em viver sob a forma de hábitos da vida de grupo.
Essa é a música de fundo, a intriga material, ou, como diziam os gregos, a ἐνέργεια, energeia, isto é, o ato operativo que perpassa todo este trabalho, e ele quer ser uma contribuição, do ponto de vista fenomenológico, a essa questão, a essas pessoas e a esse laboratório que, muito mais do que pensar processos de sofrimento e adoecimento, quer construir pontes de afirmação da vida.
Dentro desse contexto, diferentemente da pergunta clássica da Fenomenologia de Husserl sobre a validade do conhecimento − isto é, a pergunta sobre como construir um rigoroso caminho de reflexão que permita ao fenômeno se manifestar