Introdução ao Pensamento de Erich Fromm: Coleção Esclarecimento 01

Nildo Viana

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE

ERICH FROMM

01

Edições Enfrentamento

Goiânia, 2021

© 2021, Edições Enfrentamento

Capa: Ediney Vasco

Revisão: Juliano Mendes

Diagramação: Carlos Henrique Marques

Conselho Editorial:

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Ficha Catalográfica

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

A VIDA DE ERICH FROMM

A NATUREZA HUMANA

INDIVIDUAÇÃO E LIBERDADE

O CARÁTER SOCIAL

INCONSCIENTE E ALIENAÇÃO

A PATOLOGIA DO CAPITALISMO

O PROBLEMA DO INDIVÍDUO

A PSICANÁLISE CLÍNICA

HUMANISMO E ÉTICA HUMANISTA

O SOCIALISMO HUMANISTA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

LEITURA RECOMENDADA

REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

Erich Fromm é um autor curioso. Amado por uns, desprezado por outros, com sucesso relativo junto ao grande público e fracasso relativo junto aos meios acadêmicos. O que explicaria essa situação? Sem dúvida, as suas posições, as suas críticas, os temas abordados, os seus equívocos, as suas ideias impopulares, as divergências em relação às suas ideias, entre outras determinações.

Apesar disso, a importância do pensamento de Erich Fromm é indiscutível. A sua importância reside na sua relação com Freud e a psicanálise, na sua participação na constituição da Escola de Frankfurt, bem como em sua colaboração do que foi denominado freudo-marxismo ou, ainda, suas relações com a psicanálise culturalista, também chamada de neofreudiana. Fromm também pode ser considerado importante por sua análise psicanalítica da sociedade moderna, sua criticidade em relação ao freudismo, ao pseudorradicalismo, às suas teses sobre caráter social, destrutividade humana, entre diversas contribuições à psicanálise e para a compreensão do ser humano e da sociedade atual.

A sua importância também pode ser observada em sua grande popularidade fora dos meios acadêmicos, o que se pode notar pelas traduções de suas obras em diversos idiomas e, para citar o caso brasileiro, as diversas reedições de suas obras. Segundo Friedman (2016), apenas um de seus livros vendeu menos de um milhão de cópias (obviamente retirando as coletâneas organizadas por outros autores). O Coração do Homem vendeu mais de 2 milhões de cópias (traduzido em 18 idiomas); O Espírito de Liberdade (Vocês Serão como Deuses, no original inglês, uma interpretação radical do antigo testamento), vendeu mais de dois milhões (traduzido em 15 idiomas); Ética e Psicanálise vendeu um milhão e meio (traduzido em 22 idiomas); O Medo à Liberdade vendeu 5 milhões (traduzido em 28 idiomas); A Arte de Amar vendeu 25 milhões de exemplares (publicado em dezenas de idiomas).

Assim, Fromm é um autor de destaque, cuja importância tanto histórica quanto intelectual não se pode negar. E isso deveria valer até para seus detratores. Isso justifica uma obra de introdução ao seu pensamento. O pensamento de Erich Fromm teve impacto na psicanálise – não tanto quanto deveria ter tido – e nas ciências humanas, bem como no pensamento político, pois ele – ao lado de Rosa Luxemburgo e Daniel Guérin, entre alguns poucos nomes que poderiam ser citados – é um dos primeiros nomes que atraem todos aqueles que buscam uma alternativa às concepções políticas reformistas (social-democracia) ou jacobinas (leninismo) e, ao mesmo tempo, querem uma transformação social no sentido da constituição de uma sociedade humanizada.

Assim, Fromm merece mais estudos, pesquisas, análises sobre o seu pensamento. Algumas poucas obras foram dedicadas ao seu pensamento. Porém, grande parte delas são críticas infundadas ou embasadas em ideologias e concepções limitadas e problemáticas. Outra parte é um tanto superficial. As obras mais sistemáticas sobre o seu pensamento, que geralmente aparecem sob a forma de livros, são passíveis de várias críticas.

Nesse sentido, uma obra introdutória ao pensamento de Erich Fromm vem tampar uma lacuna e incentivar o resgate memorial da obra deste pensador que, por mais que tenha limites e problemas – e não nos furtaremos em apresentar alguns deles – é um dos maiores pensadores do século 20 e por isso a análise de sua obra é fundamental para todos aqueles que querem sair das interpretações do mundo que são fundadas no paradigma positivista ou no paradigma subjetivista, entre outros, pois todas elas afastam o leitor da realidade concreta e a obra do psicanalista alemão é um convite para nos reaproximarmos dela.

Vamos iniciar a presente obra com um capítulo biográfico, visando apontar alguns elementos importantes na vida de Fromm, que ajudam a entender sua produção intelectual e sua obra, bem como o indivíduo e sua personalidade. Depois disso apresentaremos alguns capítulos voltados para discutir suas teses fundamentais, que formam a ossatura de seu pensamento. Assim, a sua compreensão psicanalítica da natureza humana; a sua concepção de individuação e da liberdade; a sua tipologia do caráter social; a sua discussão sobre inconsciente e alienação; a análise da sociedade moderna como sendo doente; O problema do indivíduo e da prática psicanalítica, a sua proposta de socialismo humanista são os elementos basilares do seu pensamento que resgataremos para apresentar essa introdução. De certa forma, o presente livro é uma revisão e ampliação de um artigo que produzimos, por solicitação alheia, para apresentar uma introdução geral ao pensamento de Fromm (VIANA, 2011).

Esperamos que, ao final da leitura, o leitor tenha uma percepção geral e introdutória do pensamento de Erich Fromm e que isso o incentive a aprofundar e ler a obra deste autor, bem como de outros que deram prosseguimento ao seu projeto de desmistificação e crítica, por um lado, e busca de alternativas de uma sociedade humanizada, por outro.

A VIDA DE ERICH FROMM

Erich Seligman Fromm nasceu em Frankfurt, em março de 1900. Filho de Naftali Fromm, um comerciante de vinhos, e Rosa Krause, dona de casa. Fromm teve uma formação, durante sua infância, religiosa, e ele afirma que pensou em ser rabino, bem como era leitor da bíblia e que gostava das histórias do Antigo Testamento, que, no futuro, será tema de livro de sua autoria. A sua origem familiar judaica terá impacto em sua formação e produção intelectual, apesar dos conflitos familiares e sua aproximação maior com seu tio, Emanuel Fromm, ao invés do próprio pai.

Filho único, buscava fugir das dificuldades nas relações familiares na casa de seu tio, na qual tinha acesso à chamada alta cultura (literatura, música clássica, etc.) e fez de sua prima, Gertrud, confidente. Fromm descreveu seu pai como neurótico, obsessivo, ansioso e que reproduzia sua insegurança pessoal no filho, tal como ele mesmo destaca: sofri a influência de um pai patologicamente ansioso que me sobrecarregou de ansiedade e, ao mesmo tempo, não foi um guia, não teve nenhuma influência positiva em minha educação (Apud. FRIEDMAN, 2016, p. 42). Ele teve também certa influência de outro tio, Ludwig Krause, estudioso do Talmud, que lhe trouxe elementos de cultura judaica.

Uma outra influência sobre Fromm foi Oswald Sussman, jovem judeu que lhe aproximou das questões sociais e políticas e lhe apresentou a obra de Karl Marx e outros pensadores socialistas. Porém, a aproximação de Fromm com o marxismo não avança muito devido ao impacto sentimental provocado pelo suicídio de uma amiga da família de 25 anos. Ela abandonara a carreira para cuidar do pai viúvo e se suicidou com a morte deste, deixando em seu testamento a vontade ser enterrada ao lado dele. Isso aproximou Fromm das questões psicanalíticas e existenciais, que estarão presentes nas suas reflexões pelo resto de sua vida. Esse acontecimento não teve apenas impacto sentimental, pois ele também despertou a vontade de explicar esse processo, gerando uma curiosidade que só encontraria resposta na psicanálise ou áreas afins.

Dois anos depois isso foi reforçado por aquilo que o próprio Fromm denominou acontecimento mais crucial de minha vida. Ele testemunhou o desencadear da Primeira Guerra Mundial e a mudança de comportamento e de concepções das pessoas, que, no Colégio Wohler de Frankfurt, onde ele estudava, passaram, em sua maioria, a ser nacionalistas fanáticos e reacionários. Nesse mesmo contexto, Fromm se aproximava mais da cultura judaica, especialmente através do Rabino Nehemiah Nobel, o que lhe trouxe mais elementos para sua bagagem cultural, bem como reflexões sobre religião, razão e ética. Nobel teve um impacto da formação de Fromm, especialmente na questão da ética, tal como se pode perceber quando escreveu, no contexto do falecimento prematuro de Nobel com 51 anos de idade, em seu obituário, publicado em Die Neue Jüdische Presse [A Nova Imprensa Judaica]: vivia o que dizia e só dizia o que vivia (apud. FRIEDMAN, 2016, p. 48). E essa ideia de coerência entre discurso e prática estará presente em sua vida e obra, bem como em sua discussão sobre ética, um dos pilares do seu pensamento.

Em 1918 Fromm iniciou seus estudos em direito, em parte por influência do seu tio Emanuel, na Universidade de Frankfurt. No ano seguinte, observando que seus interesses intelectuais eram mais amplos, transferiu-se para a Universidade de Heidelberg, estudando jurisprudência e disciplinas variadas sobre marxismo, movimento operário, história medieval e história da psicologia. Nessa época também se aproximou do budismo. Logo ele se aproxima do professor Alfred Weber e da sociologia. Fromm reconhece uma grande influência de Alfred Weber, a quem afirmou, em carta, que seus estudos com ele foram uma das experiências mais férteis da minha vida, não só pelas ideias, mas também por sua personalidade, que serve como modelo¹. Alfred Weber, segundo Fromm, possuía um humanismo universal que entrava em contraste com o nacionalismo severo do seu irmão, Max Weber. Alfred Weber apontava em seus ensinamentos a necessidade da sociologia abordar o indivíduo e entender que este estava enraizado em sua sociedade, bem como os estudos sobre cultura, nos quais defendia a concepção de que as crenças eram racionais se estivem adequadas à época e sociedade, mesmo que futuramente fossem consideradas irracionais². Ele estava próximo, tal como Max Weber, do historicismo, representado por Dilthey e outros. Sob sua orientação, Fromm escreveu sua tese "A Lei Judaica: Uma Introdução ao Estudo do Judaísmo da Diáspora".

Outro nome importante nesse período foi Salman Rabinkow, que promoveu sua aproximação com o socialismo, Marx e ensinamentos judaicos. Rabinkow era um erudito e mantinha uma vida cotidiana austera, bem como desvalorava a riqueza e o poder e considerava mais importante a profundidade de pensamento e o amor. Ele buscava sintetizar marxismo, judaísmo e socialismo, com base no humanismo. Fromm afirmou que ele foi a maior influência em sua vida.

Após esse momento ele se aproxima e depois se casa com Frieda Reichmann (depois Fromm-Reichmann), onze anos mais velha que ele e que o aproximou mais da psicanálise. Ele se tornou psicanalista e ambos fundaram um consultório terapêutico em 1923, que intenciona ser uma comunidade terapêutica voltada para os judeus de Heildeberg. A experiência não deu muito certo e após algum tempo foi abandonada. Nesse momento, ambos se aproximam de Georg Groddeck, um pioneiro em psicossomática, e seu círculo, travando contatos diversos nos meios psicanalíticos (Sandor Ferenczi, Karen Horney, etc.). Foi graças à Groddeck que o casal Fromm se aproximou do grupo de estudos psicanalíticos que se organizou no Instituto Psicanalítico de Frankfurt,