Dignidade da pessoa humana e a disseminação da informação midiática: uma análise das representações sociais sobre o acusado
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Dignidade da pessoa humana e a disseminação da informação midiática - Jorge Clecio de Moraes Dias
1. INTRODUÇÃO
A disseminação da informação é uma forma de expressão social que pode ser manifestada pelos diversos meios de comunicações, dentre eles destaca-se a mídia
que por sua vez está constantemente veiculando diversas informações aos seus espectadores, porém, quando disseminam informações referentes à pessoa daquele que está sendo acusado de algum delito, poderá produzir algum impacto sobre a imagem e por consequência violar algum bem de direito.
A informação como ciência pode ser estudada dentro do seu campo próprio ou interdisciplinarmente com outros campos do conhecimento humano, desta forma, é no campo sociocultural que estas ciências podem relacionar seus campos epistemológicos afins.
O desejo e a busca pela informação que permeia o cotidiano tornaram-se imprescindíveis para o modo de vida dos indivíduos na contemporaneidade, como os diversos interesses pessoais por: diversão, saúde, trabalho, dentre outros... Também se encontra o desejo de segurança e autodefesa, e é nesse aspecto que o grupo social pode construir paradigmas que poderão influenciar a relação da informação midiática sobre representações sociais que podem ser criadas e impactar sobre o princípio da dignidade da pessoa humana.
A veiculação da informação na modernidade se utilizou de diversos canais para atingir seu destinatário através da chamada era digital
, caracterizada em seu início, como um período consolidado no fim do século XX e que foi associado aos fluxos informacionais no mundo globalizado. A justificativa do presente trabalho se assenta na proposição de que toda a disseminação informacional tem seus impactos sobre a sociedade, contudo, quando se associam estas informações a partir da representação da condição da pessoa do acusado em processos criminais, importante traçar uma pesquisa de caráter exploratório e bibliográfico para investigar e compreender a relação entre a informação no campo social e sua disseminação como uma possível causa de impactos sobre direitos fundamentais dos indivíduos.
A dignidade da pessoa humana é um preceito constitucional no qual é conferido o status de direito fundamental, materializando-se pelo direito objetivo da proteção à imagem e a dignidade como direito inalienável e indisponível de todos os cidadãos integrantes do Estado brasileiro. Entre o choque da disseminação da informação midiática veiculada sobre a pessoa do acusado e o impacto sobre sua dignidade podem ocorrer representações sociais. Diante do exposto tem-se como pergunta norteadora: qual a imagem do acusado veiculada por um meio midiático moderno perante um grupo integrante de um setor decisório do poder judiciário local. Elencou-se como hipótese primária a afirmação de que esta imagem estaria vinculada aos preceitos ideológicos de significação e intencionalidade provenientes do meio sociocultural do grupo estudado.
Diante do tema sobre o estudo da informação no campo social e sua relação com o meio cultural, a significação, o sujeito e a mídia contemporânea, necessário foi abordar a relação com a representação social evocada sobre a imagem do acusado partindo-se da disseminação da informação propagada por um meio midiático tecnológico moderno.
O objetivo geral configurou-se em realizar a análise sobre a informação veiculada por um meio midiático moderno e sua relação com a representação social do acusado e o impacto sobre o princípio da dignidade humana.
Como objetivos específicos, tem-se:
• Definir a Informação no campo social e sua relação com a cultura, significação, linguagem, conhecimento e mídia.
• Relacionar a informação no campo social e jurídico como um valor de direito.
• Caracterizar o sujeito no âmbito das suas identidades e da mídia contemporânea.
• Refletir sobre o conceito do princípio da dignidade da pessoa humana.
• Analisar a disseminação da informação proveniente de um meio midiático moderno sobre a imagem e a representação social do acusado em um grupo pertencente ao poder judiciário local.
A apresentação do trabalho, como forma de organização do pensamento, foi elaborada na forma de nove seções com o objetivo de expor o aporte teórico utilizado bem como a os resultados obtidos com a aplicação da metodologia empregada. Assim, foi abordada na seção de número um: uma breve introdução para explicar os objetivos do trabalho; na seção de número dois foi estudada a informação no campo social e sua relação com a linguagem, o meio cultural e conhecimento; na seção de número três, fez-se uma abordagem da disseminação da informação e seu valor como um bem de Direito; na seção de número quatro abordou-se a caracterização das identidades do sujeito, da sociedade em rede e mídia contemporânea. Na seção de número cinco abordou-se o conceito do pensamento em grupo e as representações sociais; na seção de número seis tratou-se da conceituação da dignidade como direito fundamental; na seção de número sete foi abordado o procedimento metodológico utilizado; na seção de número oito foram expostos os resultados e a discussão com o aporte teórico; e por fim, na seção de número nove foi concluído o trabalho a partir das constatações obtidas.
2. INFORMAÇÃO E SUA APROPRIAÇÃO NO CAMPO SOCIOCULTURAL
A informação dentro dos seus campos de estudo, segundo Ávila (2003), já fora conceituada sobre as mais diversas vertentes epistemológicas, tal como na teoria matemática de Shannon e Weaver ou na sistematização de Capurro e Hjørland (2007), no qual buscaram uma conceituação e categorização como nas abordagens físicas e cognitivas; da informação como coisa em Buckland (1991); e da visão cognitiva de Brookes (1980) e Belkin (1990). Assim, considerando-se as diversas bases epistemológicas que ensejaram o estudo da informação, pode-se perquirir qual a sua relação no campo social e as implicações dos seus efeitos decorrentes.
[...] pode-se dizer que é consenso entre os autores da área que a ciência da informação surge em meados do século XX. De acordo com Pinheiro & Loureiro (1995), em 1948, a obra de Norbert Wiener, Cybernetics or controland communication in the animal and machine, e, no ano seguinte, o livro The mathematical theory of communication, de Claude Shannon e Warren Weaver, marcam o prenúncio do que viria a ser a ciência da informação. Ainda de acordo com os autores, data de 1959 o primeiro uso do termo e é na década de 60 que são elaborados os primeiros conceitos e definições e se inicia o debate sobre a origem e os fundamentos teóricos da nova área
. (ÁVILA, 2003, pg. 21)
A informação além das abordagens epistemológicas sobre o campo dos suportes físicos, como a documentação, também convergiu para o campo social, segundo Martins (2013), essa vertente foi chamada de campo da informação social
como aquele que entrelaça seu objeto de estudo a dimensão histórica e cultural da sociedade, relacionando seus conceitos à formação de significados a partir das relações de valor, poder e conflitos, advindos das interações entre os grupos sociais, por onde esta informação foi produzida, disseminada e apropriada.
A história da humanidade em seus primórdios foi contada através da oralidade e suas representações, como nas expressões pictográficas que simbolizavam a rotina diária de sobrevivência e interações coletivas. Mesmo ao se pensar que estas atividades não exigiam grandes esforços intelectuais, o ato de produzir, disseminar e apropriar-se da informação, sem que houvesse alguma forma de transmissão ágil e facilitada pelas interações, seria uma atividade extremamente complexa.
Como forma de disseminação, a informação utilizou os mais diversos suportes físicos para materializar a expressão e a comunicação entre as interações dos grupos sociais. Foi no aspecto da documentação e da teoria matemática que se desenvolveu primeiramente o estudo do campo da Ciência da Informação sem que, no entanto, mais adiante, se pudessem desconsiderar as relações sociais nela contidas.
A informação como parte integrante do mundo social, segundo Cardoso (1994), foi sistematizada indicando que os estudos conduzidos partiram da compreensão de que a sociedade se configura como produto humano e o homem como produto social, assim, sob este aspecto, tem-se como objetivo captar e interpretar o fenômeno informacional em seu movimento de significação e dialética entre ambos.
Desta forma tem-se que a informação está imersa também no contexto do resultado da produção dos significados como nas manifestações das expressões sociais ao longo do tempo, tal como um elemento cultural simbólico, como na composição da totalidade dos fenômenos sociais, trazendo como elemento instigador a produção de sentidos criados pelos choques de tensões entre classes sociais e seus paradigmas construídos.
Ao ser localizada no universo da cultura e relacionada aos processos que perpassam a instituição de significados e representações para o mundo, a informação pode ser entendida como uma forma simbólica que supõe complexas matrizes de produção, circulação e expressão de modos de produção de sentidos. (MARTINS, 2013, p.3)
Esta informação estabelecida como um fenômeno cultural está de forma premente a influenciar as atividades do sujeito desde a sua origem até a sua contemporaneidade enquanto ser social. Assim, esta compreensão estará assentada na relação composta pelas interações humanas e suas mais diversas formas de incorporação do produto da assimilação e apropriação da informação, como nas formas simbólicas dos sentidos expressados e representados pelas interações dos grupos sociais.
Consoante Thompson (1995) a informação assumirá uma forma simbólica caracterizada pela significação
, sentido
e significado
. Aduzindo que o significado era emanado das formas de expressões advindos das interações informacionais de um grupo social e que fora elaborado intencionalmente pelo sujeito que as produziu para outros receptores, e como consequência entre este caminho do significante e significado, houve diversos fatores que influenciaram na real compreensão do sentido daquilo que foi propagado como significado originário.
A emissão da informação pelo seu canal transmissor e da linguagem, na qual detinha um significado inicial caracterizado também pela formação de um sentido e uma forma simbólica, poderia transformar-se em outros significados ou formas simbólicas diversas, considerando a interferência ocasionada pelo meio social, como: no elemento cultural, na subjetividade, nas representações sociais, nos conflitos e outros fatores inerentes a estas interações.
Segundo Martins (2013), as formas simbólicas de significação foram classificadas por um processo de produção de sentidos em cinco aspectos: a própria forma da dimensão da significação, o convencional, o estrutural, o aspecto referencial e o aspecto contextual.
Conforme a classificação de Martins (2013) foi no aspecto contextual da informação que esta forma simbólica se estabeleceu como produtora de significados, tendo em conta as constantes transformações de valores, posições, classes sociais, ações políticas, ideológicas e criações tecnológicas. Com isso pode-se perceber que os significados simbólicos produzidos pelos diversos choques e interações sociais agregaram um conceito de valor à informação no campo social. Essa relação de valorização que foi produzida, disseminada e apreendida tem por consequência a formação de uma relação de poder entre o produtor e o receptor da informação no campo social.
A valorização simbólica liga-se, comumente, ao valor conferido, por exemplo, pela posição ocupada pelo produtor no campo social, o seu lugar de fala
, definido institucional, econômica, simbólica e politicamente. Neste sentido a informação terá mais ou menos valor, maior ou menor status de veracidade, ou legitimidade de acordo com os critérios do processo de valorização simbólica que subjazem sua produção e circulação. (MARTINS, 2013, p.6-7)
O valor conferido simbolicamente também estará atrelado à relação de posição ocupada por aquele que o profere, assim o peso de algum discurso
, por exemplo, proveniente de um renomado expert em determinado assunto seria uma verdade simbólica
a ser valorada e aceita para aqueles receptores; mesmo que aquele conteúdo informacional que fora transmitido não guardasse fidedignidade com a realidade prática da significação objetiva.
Pode-se entender que a informação no campo social nem sempre está atrelada ao conceito daquilo que é real e imutável, ao contrário, os conceitos estão sempre em um plano intersubjetivo nas mudanças contextuais sociais e culturais, sendo isto perceptível quando se observa a relação conflituosa das divergências nas formas do pensar e expressar humanos, tendo por consequência, a formação de estruturas dialéticas de significados.
O olhar que se funda teórica e epistemologicamente pela dimensão sócio histórica do objeto informacional, leva-nos a abandonar a tradicional visão da informação como espelho do real, assumindo que a mesma opera, sobretudo nas sociedades contemporâneas, de modo não apenas a representá-lo como também a engendrá-lo, a instituí-lo dialética e discursivamente. (MARTINS, 2013, p.9)
A informação no campo social guarda uma relação de significação, de valor e de uma relação própria de poder entre aquele que a produz e dissemina e aqueles que a recepcionam, nem sempre retratando uma realidade imutável, visto que este campo de estudo social estará imbricado com os constantes embates dialéticos da produção de sentidos, como algo a ser disputado pelos choques entre as classes, suas ideologias e seus contextos culturais.
2.1 LINGUAGEM E O MEIO CULTURAL
A informação no meio cultural comporta-se como transmissora de subjetividade valorativa que será apropriada pelo sujeito receptor dentro dos mais diversos matizes de percepção, assim, pode-se perceber que a linguagem será um meio facilitador para a criação de significados simbólicos nas relações dos indivíduos, seus pensamentos e interações com o meio cultural. Para que se possa situar o elemento da linguagem como meio propício da significação informacional será necessário entender sua relação com o meio cultural.
A cultura ao ser estudada como um fenômeno humano e social foi conceituado por diversos pensadores sobre os mais diversos aspectos nela contidos. Segundo Caune (2006), não existe cultura a não ser quando manifestada, transmitida e vivenciada pelo indivíduo, tal como nas interações sociais e formação das experiências adquiridas pelo homem.
A cultura existe, antes de mais nada, como herança, e para compreendê-la devemos analisar os modos de transmissão desta, que é elemento constituinte da cultura
. (CAUNE, 2006, p.2).
Entretanto, pode-se indagar como o campo da informação pode se relacionar com o contexto cultural e da linguagem. Para que haja uma compreensão dos fenômenos relacionados entre estes campos será necessário relacioná-los à comunicação e suas formas de transmissão da informação. Segundo Caune (2006), não se pode falar em diferenças epistemológicas nos aparentes distintos campos dos objetos estudados, visto que tanto a informação no campo social como na forma de comunicação enquanto elemento da cultura, todos tem como fundamento comum, o indivíduo, elemento central da análise das interações. O indivíduo ao interagir numa estrutura organizada, criada por uma necessidade de proteção, comodidade, organização ou outros fatores de sociabilidade, necessitou desenvolver mecanismos de comunicação e representação dos seus significados.
A estes significados produzidos pela atividade racional e intelectual do sujeito cognoscente foi necessário o uso de uma linguagem facilitada pelo meio comunicacional, a fim de transmitir seus pensamentos, emoções, sentimentos, exercendo também o poder de influenciar e ser influenciado pelos demais membros dessa sociedade.
A linguagem em seu fundamento, isto é, em sua utilização pelos seres falantes, em suas ações de comunicação, não pode ser reduzida a uma dimensão estrutural. Ela é o fundamento da sociedade humana, tanto no plano de sua identidade como no de sua evolução. (CAUNE, 2006, p.21)