Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

A partir de $11.99/mês após o período de teste gratuito. Cancele quando quiser.

Múltiplos olhares sobre o oitocentos
Múltiplos olhares sobre o oitocentos
Múltiplos olhares sobre o oitocentos
E-book475 páginas26 horas

Múltiplos olhares sobre o oitocentos

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O II Seminário de Pós-Graduandos dos núcleos de pesquisa Centro de Estudos do Oitocentos (CEO)- UFF, Núcleo de Estudos de Migrações, Identidades e Cidadania (NEMIC) - UFF, Grupo de Pesquisa O Primeiro Reinado em revisão – UFRJ / UFF e História Econômica Quantitativa e Social (HEQUS)- UFF foi realizado entre 7 e 9 de junho de 2021, como atividade do Projeto Universal Poderes políticos, trocas culturais e cidadania em dois momentos (1840-1857 e 1870 a 1920).
Ao apresentar textos selecionados a partir de pareceres ad hoc, o livro Múltiplos olhares sobre o Oitocentos pretende não apenas incentivar o diálogo entre pesquisadores de diferentes instituições, vinculados aos núcleos acima citados, como também estreitar as trocas acadêmicas sobre o longo século XIX brasileiro.
A multiplicidade de pesquisas está demonstrada nas quatro partes que constituem o livro, sendo a primeira delas intitulada "Escravidão e liberdades". A segunda parte do livro apresenta textos relacionados à economia e sociedade no Oitocentos. A terceira parte reúne capítulos em torno das práticas culturais e do trabalho no século XIX. A quarta e última parte é dedicada às perspectivas políticas no Oitocentos.
Os estudos aqui reunidos, frutos de pesquisas inovadoras de pós-graduandos ligados aos núcleos mencionados anteriormente, trazem, portanto, múltiplos olhares sobre o Oitocentos. Nesse sentido, os leitores encontram análises sobre a escravidão e liberdades, economia, relações de trabalho, educação, moda e política. Esperamos que os textos possam suscitar novos debates sobre o longo século XIX brasileiro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de dez. de 2021
ISBN9786559660667
Múltiplos olhares sobre o oitocentos

Relacionado a Múltiplos olhares sobre o oitocentos

Ebooks relacionados

História para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Múltiplos olhares sobre o oitocentos

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Múltiplos olhares sobre o oitocentos - Gladys Sabina Ribeiro

    fronts

    Conselho Editorial

    Ana Paula Torres Megiani

    Andréa Sirihal Werkema

    Eunice Ostrensky

    Haroldo Ceravolo Sereza

    Joana Monteleone

    Maria Luiza Ferreira de Oliveira

    Ruy Braga

    Alameda Casa Editorial

    Rua 13 de Maio, 353 – Bela Vista

    CEP 01327-000 – São Paulo, SP

    Tel. (11) 3012-2403

    www.alamedaeditorial.com.br

    Copyright © 2021 Gladys Sabina Ribeiro e Paulo Cruz Terra (org.)

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    Edição: Haroldo Ceravolo Sereza

    Editora assistente: Danielly de Jesus Teles

    Projeto gráfico, diagramação e capa: Maria Beatriz de Paula Machado

    Assistente acadêmica: Tamara Santos

    Revisão: Alexandra Colontini

    Imagem da capa: Louis Aubrun, Biblioteca Nacional Digital do Brasil

    CIP-BRA­SIL. CA­TA­LO­GA­ÇÃO-NA-FON­TE

    SIN­DI­CA­TO NA­CI­O­NAL DOS EDI­TO­RES DE LI­VROS, RJ

    ___________________________________________________________________________

    M926

    Múltiplos olhares sobre o oitocentos [recurso eletrônico] / organização Gladys Sabina Ribeiro, Paulo Cruz Terra. - 1. ed. - São Paulo : Alameda, 2021.

    recurso digital ; 8000 MB

    For­ma­to: epub

    Re­qui­si­tos dos sis­te­ma: adobe  digital editions

    Modo de aces­so: world wide web

    In­clui bi­bli­o­gra­fia e ín­di­ce

    ISBN 978-65-5966-066-7 (re­cur­so ele­trô­ni­co)

     1. Brasil - História - Séc. XIX. 2. Escravidão - História - Séc. XIX- Brasil. 3. Educação - História - Séc. XIX - Brasil. 4. Economia - História - Séc. XIX - Brasi. 5. política e governo - História - Séc. XIX - Brasil. 6. Moda - Hitória - Séc XIX - Brasil. 7. Livros eletrônicos. I. Ribeiro Gladys Sabina. II. Terra, Paulo Cruz.

    21-74345 CDD: 981.04

    CDU: 94(81)18 

    ____________________________________________________________________________

    Sumário

    Apresentação

    Gladys Sabina Ribeiro e Paulo Cruz Terra

    Parte I - Escravidão e liberdades

    1. Conectando experiências: aproximações entre as Leis do Ventre Livre de Brasil, Portugal, Cuba e Paraguai (1842-1871)

    Thomaz Santos Leite

    2. A última geração de africanos escravizados pela Ordem de São Bento e a importância social do batismo (Rio de Janeiro, primeira metade do século XIX)

    Vitor Hugo Monteiro Franco

    3. Preços e condições da liberdade expressos nas alforrias, Goiás (1800-1824)

    Igor Fernandes de Alencar

    4. A Imperial Brazilian Mining Association: os ingleses no tráfico interprovincial brasileiro(1809-1833)

    João Daniel Antunes Cardoso do Lago Carvalho

    5. Terra e trabalho no Vale do Paraíba Fluminense no pós-abolição (Piraí, Valença e Vassouras, 1888-1916)

    Felipe de Melo Alvarenga

    Parte II - Economia e sociedade no oitocentos 

    6. A economia algodoeira e a reorganização produtiva dos sertões da Bahia

    Zezito Rodrigues

    7. Mundo Atlântico ‘às Américas’: importação e composição do mercado de farinha de trigo no Rio de Janeiro, 1834-1849

    Pedro Guzzo

    8. Os assentos da Casa da Suplicação e o mercado de crédito luso-brasileiro (c. 1769-1828)

    Elizabeth Santos de Souza

    Parte III - Práticas culturais e trabalho no século XIX

    9. Infelizes artistas de corações aflitos: coerção ao trabalho de ditos livres na paralisação dos carpinteiros e calafates no Rio de Janeiro, em 1857

    Edilson Nunes dos Santos Júnior

    10. Tecer a moda: a construção de um verbete na imprensa oitocentista

    Everton Vieira Barbosa

    11. Educação maranhense do século XIX: controle dos princípios morais na vida de professores e alunos

    Natália Lopes de Souza

    12. A fundação do Asilo São Luiz: contribuições para uma história da instrução pública na província de Minas Gerais (1878-1892)

    José Gabriel Gomes Pinto Maffei

    Parte IV - Perspectivas políticas no Oitocentos

    13. A pluralidade da opinião pública nos anos 1860: as opiniões conservadora, liberal e progressiva

    Camila Pereira Martins Souza

    14. O desafio é fixar-se com alguma exatidão o que seja um juiz de paz: notas sobre os projetos de justiça leiga nas primeiras décadas do Brasil Império

    Eduardo da Silva Júnior

    15. Contra o homem da lei nova: personagens e significados das ameaças a Silva Jardim na Mata mineira (1889)

    Marta Lúcia Lopes Fittipaldi

    16. A imagem de si e a ação política de Antônio Borges da Fonseca na imprensa pernambucana e no movimento praieiro (1841-1867)

    Carolina Paes Barreto da Silva Souza

    Apresentação

    O II Seminário de Pós-Graduandos dos núcleos de pesquisa Centro de Estudos do Oitocentos (CEO)- UFF, Núcleo de Estudos de Migrações, Identidades e Cidadania (NEMIC) - UFF, Grupo de Pesquisa O Primeiro Reinado em revisão – UFRJ / UFF e História Econômica Quantitativa e Social (HEQUS)- UFF foi realizado entre 7 e 9 de junho de 2021, como atividade do Projeto Universal Poderes políticos, trocas culturais e cidadania em dois momentos (1840-1857 e 1870 a 1920).

    Ao apresentar textos selecionados a partir de pareceres ad hoc, o livro Múltiplos olhares sobre o Oitocentos pretende não apenas incentivar o diálogo entre pequisadores de diferentes instituições, vinculados aos núcleos acima citados, como também estreitar as trocas acadêmicas sobre o longo século XIX brasileiro.

    A multiplicidade de pesquisas está demonstrada nas quatro partes que constituem o livro, sendo a primeira delas intitulada Escravidão e liberdades. No capítulo de abertura Thomaz Santos Leite aponta que, ao longo do século XIX, a liberdade do ventre foi uma medida legal em vários territórios nacionais e coloniais. Em seu texto, o autor analisa as aproximações entre as experiências jurídico-políticas relativas à liberdade de ventre no Paraguai, Cuba e Portugal. Leite nos mostra a circularidade de atores, a atenção e referência às experiências dos outros países, bem como as similaridades das estratégias escolhidas, presentes nos textos legais.

    A análise da aquisição de africanos cativos por parte da Ordem de São Bento em um período de iminente fechamento do tráfico transatlântico de escravizados é um dos objetivos do capítulo de Vitor Hugo Monteiro Franco. O autor também investiga como o compadrio foi uma instituição importante para sobrevivência desses indivíduos recém-chegados e segue, através do cruzamento de fontes variadas, a trajetória de alguns desses pretos novos nas três maiores propriedades rurais da Ordem: Campos, Camorim e Iguassú.

    Igor Fernandes de Alencar, por sua vez, explora as alforrias registradas no Cartório do 1° Ofício de Registros e Notas de Vila Boa, entre os anos de 1800-1824. O autor analisa as cartas de liberdade dentro do processo de negociação e conflito até a possível efetivação da liberdade, e que envolve o protagonismo de senhores e escravizados, assim como as ações de outros personagens envolvidos nas tramas de concessão/aquisição.

    A participação inglesa no tráfico de escravos é tema do capítulo de João Daniel Antunes Cardoso do Lago Carvalho. O autor se debruça sobre o ramo interno desse negócio lucrativo, uma parte importante e, muitas vezes, obscura da atuação dos ingleses no Brasil, indo desde comerciantes da Praça do Rio de Janeiro até professores de Química. Segundo Carvalho, Minas Gerais foi uma das províncias que mais recebeu escravos durante o século XIX, que se direcionavam, por exemplo, para empresas de exploração das jazidas de pedras preciosas, sendo uma delas a Imperial Brazilian Mining Association (IBMA), formada em 1824 na Grã Bretanha.

    Já Felipe de Melo Alvarenga aborda em seu texto a conformação do mercado de trabalho no imediato pós-abolição, na região do Vale do Paraíba Ocidental, com enfoque na análise dos contratos laborais efetivados entre proprietários e trabalhadores rurais nos municípios de Piraí, Valença e Vassouras entre os anos de 1888 e 1916. Ele analisa a dinâmica das relações de trabalho e como elas foram decisivas na (re)configuração dos direitos de propriedade dos libertos e dos trabalhadores assentados nas fazendas de café na virada do século XIX para o século XX.

    A segunda parte do livro apresenta textos relacionados à economia e sociedade no Oitocentos. O capítulo de Zezito Rodrigues explora o desenvolvimento da economia algodoeira nos sertões da Bahia em finais do século XVIII como consequência da ampla demanda gerada no mercado britânico. Rodrigues analisa os impactos sofridos na região, como a reorganização econômica regional, a diversificação produtiva e a montagem de uma logística de produção e distribuição desse gênero.

    Já os dados de importação de farinha de trigo dos Estados Unidos da América para o Império do Brasil, através do porto do Rio de Janeiro, entre os anos de 1834 e 1849, são objeto do capítulo de Pedro Henrique Guzzo. O autor busca destacar a relevância dos norte-americanos não apenas no suprimento desse artigo, mas como os principais operadores desse comércio, acrescentando matéria à atuação de suas firmas comerciais, com destaque para Maxwell, Wright & Co e James Birckhead & Co.

    A parte é encerrada com o texto de Elizabeth Santos de Souza. A autora apresenta a relevância da Casa da Suplicação para o regulamento do mercado de crédito no Império luso-brasileiro entre os anos de 1769 e 1828. Ela toma como ponto de observação os assentos produzidos pelo tribunal superior entre a Lei da Boa Razão (1769), que reafirmou a autoria da responsabilidade pela interpretação jurídica, e a extinção da Casa da Suplicação do Brasil pela Lei 18 de setembro de 1828.

    A terceira parte reúne capítulos em torno das práticas culturais e do trabalho no século XIX. Edilson Nunes dos Santos Júnior analisa a paralisação dos carpinteiros e calafates que trabalhavam em alguns estaleiros da cidade do Rio de Janeiro, ocorrida em novembro de 1857. Ao utilizar a versão do chefe da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro e a publicação feita pelos próprios trabalhadores, o autor objetiva refletir sobre os recortes de classe e étnico-raciais que atravessavam os mundos do trabalho livre. Sendo assim, ele busca contribuir para aprofundar a complexificação das análises sobre a inserção da população dita livre e pobre, branca e não-branca, no mercado de trabalho da cidade do Rio de Janeiro. 

    Everton Vieira Barbosa, por sua vez, investiga alguns termos e adjetivos vinculados à moda na imprensa carioca e paulistana no correr do longo século XIX. A imprensa, ao servir como um instrutor pedagógico, foi o suporte cultural da moda parisiense, vocábulo que aos poucos foi tecido por noções ligadas à aparência, tais como a elegância e o bom tom. Barbosa aponta que a importância da moda parisiense dada pela impressos periódicos do Rio de Janeiro e de São Paulo foi fundamental para cultivar o gosto das mulheres desses locais, e esboçar alguns dos elementos da cultura brasileira que viria a se constituir.

    As formas institucionais e legislativas de controle moral dos professores maranhenses no século XIX são analisadas no texto de Natália Lopes de Souza. Ela se concentra especificamente no período entre os anos 1820, em que se deu a estruturação da educação no Brasil, e 1870, momento em que, no Maranhão, se intensificam os discursos normativos acerca do trabalho docente. Ao partir de um ofício escrito, na segunda metade do século XIX, pela professora pública maranhense Maria Firmina dos Reis, Souza dimensiona e problematiza as formas de controle institucionais impostas aos professores a partir de uma educação moral.

    Completando a terceira parte, José Gabriel Gomes Pinto Maffei analisa o processo de fundação do Asilo São Luiz, na cidade mineira de Caeté, entre 1878 até 1892, ano de criação da Congregação que assumiu a administração seguinte do asilo e implementou novos formatos de regimento institucional. O autor utiliza diversas fontes que remontam os primeiros anos de funcionamento da instituição concomitantemente à historiografia especializada no recorte proposto, e abrange principalmente aspectos sociais da educação brasileira no Oitocentos.

    A quarta e última parte é dedicada às perspectivas políticas no Oitocentos. O conceito de opinião pública nas páginas de Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro, no início da década de 1860, é objeto de análise do capítulo de Camila Pereira Martins Souza. A autora nos mostra que era habitual referências não só à opinião conservadora e à opinião liberal, como também a opinião conservadora progressista, posteriormente apenas opinião progressista. 

    Eduardo da Silva Júnior investiga o juiz de paz oitocentista, que, segundo ele, era um agente que tomou significativa atenção dos debates políticos das primeiras décadas do Brasil Império. Silva Júnior busca justamente compreender as diferentes maneiras pelas quais esse agente da justiça foi pensado no imaginário oitocentista.

    Marta Lúcia Lopes Fittipaldi, por sua vez, explora as dificuldades enfrentadas por Antônio da Silva Jardim durante sua propaganda republicana, entre os anos de 1888 e 1889. A autora delimita como recorte espacial a Zona da Mata mineira, e recupera o significado e a dimensão dos amotinamentos na conjuntura do pós-Abolição e ainda nos aproxima das pessoas que rechaçaram ou simplesmente integraram a planejada recepção ao ilustre visitante no município de São José de Além Paraíba.

    No último capítulo, Carolina Paes Barreto da Silva Souza aborda a trajetória de Antônio Borges da Fonseca entre 1841, ano de fundação de O Correio do Norte, e 1867, quando ele publica uma espécie de autobiografia. Silva analisa os argumentos retóricos, propagados por seus jornais e folhetos, e, assim, desnuda o personagem que foi ora depreciado, ora aclamado.

    Os estudos aqui reunidos, frutos de pesquisas inovadoras de pós-graduandos ligados aos núcleos mencionados anteriormente, trazem, portanto, múltiplos olhares sobre o Oitocentos. Nesse sentido, os leitores encontram análises sobre a escravidão e liberdades, economia, relações de trabalho, educação, moda e política. Esperamos que os textos possam suscitar novos debates sobre o longo século XIX brasileiro.

    Parte I

    Escravidão e liberdades

    1. Conectando experiências: aproximações entre as Leis do Ventre Livre de Brasil, Portugal, Cuba e Paraguai (1842-1871)

    Thomaz Santos Leite¹

    Introdução

    Durante todo o século XIX, vários espaços nacionais ibero-americanos utilizaram a liberdade do ventre como medida legal para pôr fim, direta ou gradualmente, à escravidão em seus respectivos territórios nacionais e coloniais. O ventre livre era, junto com o fim do comércio internacional de escravizados, uma forma de cessar o provimento de mão de obra escravizada. Cada país lidou à sua maneira com o fim da escravidão, na medida em que essa instituição tinha um peso diferente na cultura, sociedade e economia de cada um. Pensando a América como um todo, apenas os atuais Estados da República Dominicana, da América Central e o México não decretaram leis do ventre livre.²

    Em um primeiro momento, a liberdade do ventre fez parte dos movimentos revolucionários independentistas hispano-americanos que tiveram início em 1810, em um processo iniciado com a Revolução de Maio.³ Esses conflitos surgidos na América foram influenciados pelas revoluções ocorridas nos Estados Unidos (1776-1783), na França (1789-1799) e no Haiti (1791-1804), as quais, de maneira geral, disseminaram as ideias de liberdade e soberania nacional.⁴

    Entre 1807 e 1808, forças francesas invadiram e ocuparam a Península Ibérica, de modo que os desdobramentos desses acontecimentos, como a queda da monarquia espanhola e a transmigração da família real portuguesa para o Brasil, foram lidos pelos colonos americanos de maneiras distintas. Quanto ao Brasil, segundo João Paulo Garrido Pimenta:

    [...] ao optar por se instalar no principal centro político e econômico do Brasil, a corte preservou sua autonomia, garantiu a unidade de alguns de seus domínios mais importantes e, ao mesmo tempo, reforçou os princípios dinásticos de legitimidade que foram ameaçados ou mesmo subvertidos em muitas partes da Europa e da América.

    Porém, as colônias espanholas não tiveram o mesmo caminho, tendo em vista a derrocada da monarquia espanhola. Segundo George Reid Andrews:

    [...] esses eventos apresentaram aos Hipano-Americanos uma série urgente de questões: eles aceitariam a conquista pela França do país mãe? Rejeitariam o governo francês e permaneceriam leais à monarquia deposta dos Bourbons? Ou seguiriam o exemplo dos Estados Unidos e lutariam pela independência?

    Os colonos hispano-americanos escolheram, após disputas internas, as independências. Assim, o processo até a liberdade envolveu guerras civis e intensa movimentação política, tendo conotações particulares em cada país.⁷ Enquanto as antigas colônias se tornavam independentes, recorrendo ao republicanismo liberal, o Brasil, em contraposição, tornava-se, a partir de 1822, independente, mas com a manutenção do regime monárquico, seguindo um modelo constitucional-liberal, conservando as fronteiras de seu território mesmo após muitas disputas internas em suas províncias.⁸ De certa forma, o Brasil tentava representar a estabilidade da Monarquia frente às diversas divisões republicanas que vinham ocorrendo nos países vizinhos.

    De todo esse processo, interessa-nos, de maneira especial, o fato de que esses movimentos de independência estiveram, desde o início, vinculados à escravidão e aos escravizados. De fato, existia a esperança de que, após as independências, tal como aconteceu na Revolução do Haiti, os escravizados fossem libertados e a escravidão fosse abolida nesses novos espaços nacionais. Segundo George Andrews, isso era realmente uma expectativa, de modo que os movimentos bélicos tiveram ampla ajuda de escravizados. Na Argentina, entre quatro e cinco mil se alistaram às forças rebeldes, assim como na Colômbia, onde o exército de Simón Bolívar continha cerca de 5 mil escravizados, e no Equador, onde os escravizados correspondiam a cerca de um terço dos recrutas.

    Foi nesse contexto que as primeiras leis do ventre livre foram aprovadas em espaços hispano-americanos. Devido ao grande desempenho dos escravizados nas guerras civis, os países desenvolveram suas emancipações de forma gradual, apresentada como um resultado natural dos princípios liberais. Muitos países promulgaram a liberdade do ventre no início do processo de independência, como foram os casos do Chile (1811), Argentina (1813) e Uruguai (1825), outros deixaram para o final do processo, como na antiga Grã-Colômbia (atuais Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), ocorrida em 1821.

    Em geral, esses países apresentaram seus textos legais em formato de decreto, normalmente antes ou junto à promulgação de uma Constituição, ou em formato de lei, com artigos e parágrafos regulamentadores. Alguns deles aprovaram o ventre livre junto ao fim do tráfico de escravizados, com o intuito de encerrar, de uma só vez, com as duas formas de alimentação da escravidão, como mostramos anteriormente.

    A aplicação das leis do ventre livre se deu de maneira diferente em cada país, ao passo que os dilemas enfrentados também foram distintos. Uma questão recorrente foi a da maioridade. As leis que estipulavam uma idade para que esses filhos livres de mães escravizadas gozassem de sua liberdade acabaram por aumentar os anos para a maioridade, para que, com isso, pudessem ficar mais tempo trabalhando como escravizados.¹⁰ Posteriormente, nas décadas de 1850 e 60, esses mesmos países declararam suas respectivas abolições.

    Porém, outras leis do ventre livre seriam aprovadas, mas sem estarem, como vimos, necessariamente relacionadas às independências dos países. Esses são os casos de Paraguai, que se tornou independente e republicano em 1811 e aprovou sua Lei do Ventre Livre em 1842,¹¹ de Portugal, que, ainda como um Reino, decretou, em 1856, a liberdade do ventre, de Cuba, que, por ainda ser colônia espanhola, obteve a liberdade do ventre com a Lei Moret, em 1870, e do Brasil, que aprovou sua liberdade do ventre apenas em 1871, mesmo sendo uma Monarquia Constitucional independente desde 1822. Talvez esse seja um primeiro ponto de convergência entre essas experiências histórico-jurídicas.

    Contextos de aprovação das Leis do Ventre Livres nos países

    Em um primeiro momento, é importante, para estabelecermos possíveis aproximações entre as leis, conhecer o contexto em que esses países aprovaram suas leis do ventre livre e a importância que elas tiveram em seus territórios. O Paraguai, por exemplo, era um país onde, em geral, as pessoas o associavam a um modelo de escravidão diferente, logo que a instituição tinha pouco espaço dentro do território nacional, tendo em vista a existência de uma grande quantidade de mão de obra indígena barata. Assim, Romañach afirma que a necessidade de importar itens deste tipo [africanos escravizados] em grande escala não foi imposta.¹² Por esse motivo, institucionalizou-se uma exploração na qual o escravizado africano, por conta de seu preço elevado e do pequeno número existente no país, era visto socialmente como um artigo que demarcava uma hierarquização entre as elites, de modo que, muitas vezes, os servos indígenas tinham um tratamento pior do que aquele conferido aos africanos escravizados.

    Quando ocorreram as emancipações das colônias espanholas na América, o Paraguai, em 1811, optou por se tornar independente tanto da Espanha como de Buenos Aires, negando-se a fazer parte das recém-criadas Províncias Unidas do Rio da Prata. Segundo Romañach:

    Os portenhos queriam que as diferentes províncias que compunham o território do Río da Prata obedecessem à autoridade de sua Junta Provisória e jurassem obediência a ela. Era impossível para o Paraguai, com longa e dolorosa exploração econômica da sub-metrópole, aceitar tal dependência. Mais uma vez, a rivalidade de longa data entre Buenos Aires e Assunção foi exposta. O feito da emancipação foi uma manifestação de sentimentos nascidos nesta terra, na luta sem trégua contra os bandeirantes, contra os jesuítas nas revoluções comunais, e contra o ônus oneroso que a alfândega chamou de preciso porto de Santa Fé.¹³

    Assim, mesmo com a liberdade do país sendo proclamada no momento em que medidas antiescravistas estavam em discussão em diversos países vizinhos, o Paraguai também escolheu não resolver a questão da escravidão em seu território naquele momento.

    Entre 1814 e 1840, o Paraguai viveu um Estado ditatorial sob liderança de José Gaspar Rodríguez Francia. Durante esse período, o país não teve mudanças em relação à escravidão, apesar de Francia ter recrutado muitos negros e mulatos para proteger as fronteiras, com o intuito de produzir um Estado militarizado. Após sua morte, em 1840, esses mesmos escravizados foram libertos. Com o fim da ditadura de Francia, o Paraguai tornou-se independente pela segunda vez, ao passo que questões políticas tomavam conta da região do Rio da Prata. Assumiram a liderança política do país os cônsules Carlos Antônio López e Mariano Roque Alonso, sendo a promulgação da Lei do Ventre Livre paraguaia, em 1842, uma de suas primeiras medidas adotadas.

    O texto normativo aprovado pelo Congresso paraguaio era um tanto diferente daqueles promulgados pelos países vizinhos que também aprovaram tal lei. Seu texto regulava a liberdade do ventre em seu primeiro artigo, e essa era, sem dúvida, sua medida principal. Importante destacar que os líderes paraguaios definiram, na esfera civil, como seriam considerados esses frutos da lei: A partir do primeiro dia do próximo ano de 1843, serão livres os ventres das escravizadas e seus filhos que nascerão daqui em diante serão chamados Libertos da República do Paraguai.¹⁴

    Já Portugal tem uma história mais antiga com a liberdade do ventre, que data de, pelo menos, meados do século XVIII. Naquele período, o reino estava passando por mudanças estruturais importantes, modernizando-se tal como outros países da Europa, deixando de lado o que ficou conhecido como Antigo Regime e aderindo às práticas do liberalismo. Tais mudanças recaíam em diversos aspectos da sociedade, que iam desde questões do imaginário social e político até o estabelecimento de jurisprudências e questões relativas à governança e seus aspectos lógicos.¹⁵

    Apesar dessa decisão, a escravidão continuou com total força em Portugal, de modo que o tráfico aumentou significativamente nos anos seguintes, chegando a números nunca antes vistos. Foi então que Pombal, em 1776, publicou uma Lei do Ventre Livre. Segundo Luiz Geraldo Silva:

    [...] o Alvará de 1773 assemelhava-se a uma Lei do ventre livre, uma vez que ela determinava que ficariam no cativeiro aqueles cujas mães e avós fossem cativas, mas não os filhos dos então escravos ou escravas. Enfim, todos os que nascessem posteriormente a data de publicação da Lei seriam considerados homens livres.¹⁶

    Os dois Alvarás publicados em Portugal, ainda no século XVIII, chamam atenção quando comparados com as inciativas antiescravistas de outros países, como as da França e Inglaterra, tendo em vista as motivações que as fizeram surgir. O movimento abolicionista britânico, a exemplo, já possuía pensadores radicais desde o início daquele século, sobretudo os protestantes, que eram motivados por sentimentos religiosos, humanitários e de igualdade.¹⁷ No caso dos textos normativos portugueses, o diferente residia na influência de um Estado de Polícia, ou seja, não era a atuação humanitária de um grupo, mas a do governo, que acreditava que as relações sociais escravistas não tinham espaço em um reino polido. Segundo Luiz Silva:

    Ao que parece, as Luzes chegaram a Portugal no século XVIII como uma maneira de ajustar o velho Reino em termos de paridade com as Cortes polidas da Europa; nesse caso, civilizar o corpo social significava extirpar a anômala instituição do escravismo, diminuir os contrastes sociais, bem como expulsar para a periferia do império, para o mundo não civilizado, as formas de sujeição pessoal que deveriam tão somente impulsionar o comércio e a produção coloniais.¹⁸

    Esse foi, então, o contexto da publicação do primeiro decreto que tinha a liberdade do ventre como medida em Portugal. Porém, a aplicação desse texto legal não teve tanta eficácia, de maneira que o reino precisou publicar outro decreto com a mesma função, tendo em vista a continuidade da escravidão em seus territórios coloniais. De certa maneira, a partir do Tratado de 1817 com a Grã-Bretanha, Portugal deveria dar fim ao comércio negreiro no início do século XIX, o que ocorreu oficialmente apenas em 1842, tanto no reino quanto em suas colônias. O que restava era aprovar a liberdade do ventre, fato consumado em 1856.

    Assim como a do Paraguai, a Lei do Ventre Livre portuguesa era extensa e com muitas regulamentações, definia, também em seu primeiro artigo, como seriam considerados os frutos dessa lei¹⁹ e estabelecia idades para que esses filhos servissem aos senhores de suas mães, criando juntas protetivas para os escravizados.

    As Antilhas, hoje conhecidas como Cuba e Porto Rico, ainda estavam sob domínio espanhol em 1868. Porém, um grupo de conspiradores estava tentando mudar essa condição, o que gerou, naquele mesmo ano, a declaração de uma revolta contra o governo espanhol. O movimento insurrecionista tinha motivações diversas, mas, em geral, as queixas eram contra a orientação política e econômica da metrópole, sentidas de diversos modos em diversos setores.²⁰ Os novos impostos, cobrados pela Espanha desde 1860, e a situação dos plantadores criollos na região oriental, que recebia menos recursos que a ocidental, são alguns exemplos.

    Os líderes revoltosos precisavam de capilaridade para seu movimento, assim, uma opção viável seria recrutar escravizados e campesinos negros. A contrapartida, contudo, seria dar fim à escravidão, oferecendo um contraponto às intenções da metrópole, Espanha. De certa maneira, foi isso que eles fizeram, ao prometer liberdade para os escravizados que aderissem à sua luta contra o colonizador. No entanto, os líderes da revolta recuavam frente à possibilidade de uma abolição direta e definitiva. Segundo Rebecca Scott, eles buscavam adotar uma posição a respeito da escravidão que promovesse a revolta e aumentasse seu poder de atração popular internacional.²¹

    Procurando apoio estadunidense para a revolta, os líderes do movimento redigiram, em 1869, uma declaração que proclamava a liberdade de todos os habitantes da República. A partir dela, todos os escravizados que estavam no território passariam a ser considerados libertos. Apesar desse passo, os novos libertos ainda estavam sob autoridade governamental e seriam tratados de modo completamente diferente dos outros habitantes da República, afinal, os libertos poderiam tentar exercer seus direitos como cidadãos, caso fossem considerados juridicamente livres.

    Frente a esse movimento de revolta, a Espanha se viu em uma posição delicada, pois os insurrecionistas haviam declarado a abolição e os escravizados tinham motivação em largar seus senhores para lutar junto aos revoltosos. Dessa forma, estrategicamente, a metrópole precisava tomar decisões antiescravistas para acabar com o apoio aos revoltosos. Porém, o governo metropolitano não queria prejudicar a produção de açúcar e, consequentemente, reduzir as receitas advindas de Cuba, indispondo-se com os plantadores. A saída escolhida foi aprovar a abolição gradual a partir da liberdade dos ventres, partindo de um decreto que foi apresentado às Cortes por Segismundo Moret, então ministro de Ultramar. Aprovada em 1870, a Lei Moret trazia, em seu primeiro artigo, que todos os filhos de mães escravas que nasçam depois da publicação desta Lei são declarados livres.²²

    Por fim, no Brasil, a década de 1860 teve notável importância para as discussões acerca do escravismo, pois se percebe o início de um movimento em prol da emancipação dos escravos. Durante esse período, a população e algumas autoridades começaram a desacreditar a instituição chamada escravidão, entendendo-a como falida no mundo ocidental.²³ Isso se deve, principalmente, ao contexto internacional. De acordo com Robert Conrad, em meados do século XIX, os impérios de Portugal, França e Dinamarca libertaram seus escravos, além da Rússia, que libertou os servos.²⁴ Outro movimento importante desse contexto foi a Guerra de Secessão, ocorrida nos Estados Unidos (1861-1865), que refletiu no Brasil, sendo de extrema relevância para suscitar a questão do regime escravista e colocá-lo em debate.

    As pressões quanto à emancipação aumentavam,²⁵ de modo que D. Pedro II já demonstrava intenção de colocar em discussão a questão da escravidão. Em 14 de janeiro de 1864, em suas recomendações para o então novo ministro Zacarias de Góis e Vasconcellos, o imperador escreveu:

    Os sucessos da União Americana exigem que pensemos no futuro da escravidão no Brasil, para que não nos suceda o mesmo que a respeito do tráfico de africanos. A medida que me tem parecido profícua é a da liberdade dos filhos dos escravos, que nascerem daqui a um certo número de anos. Tenho refletido sobre o modo de executar a medida; porém é da ordem das que cumpre realizar com firmeza, remediando os males que ela necessariamente originará, conforme as circunstancias permitem. Recomendo diversos despachos do nosso ministro em Washington, onde se fazem mais avisadas considerações sobre este assunto.²⁶

    Foi então que, no final de 1865, D. Pedro II solicitou a Pimenta Bueno, conselheiro de Estado e homem próximo a ele, um estudo e redação de uma proposta de ação legal que versaria sobre a situação dos escravos no Brasil. Posteriormente, o Conselho de Estado ainda discutiria mais três projetos de autoria do visconde de São Vicente, temporalmente próximos, que versavam, respectivamente, sobre a abertura do Amazonas, a reforma do Conselho de Estado, o qual já estava se convertendo em uma primeira Câmara Legislativa, e a organização do Conselho das Presidências.²⁷ Porém, o Brasil acabou se envolvendo na Guerra do Paraguai, evento que postergou a instalação das discussões em torno do regime escravista nas estruturas políticas do Império.²⁸

    Os acontecimentos descritos acima foram o pano de fundo para levar ao Conselho de Estado a proposta de emancipação solicitada pelo imperador, que recebeu, então, o título Trabalho sobre a extinção da escravatura do Brasil. O projeto solicitado a Pimenta Bueno, tema da sessão de 2 de abril de 1867, trazia, em seu primeiro artigo, a seguinte afirmação: "Os filhos de mulher escrava, que nascerem depois da publicação desta lei, serão considerados de condição livre".²⁹ Esse processo de emancipação do ventre, iniciado em 1867, passou por uma trajetória longa e complexa. O texto foi apresentado e discutido tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. O projeto inicial, porém, foi completamente modificado e passou por diversas disputas e debates, sendo aprovado apenas em 1871. Ainda assim, seu primeiro artigo se manteve como no projeto original.

    Conectando experiências

    À primeira vista, o fato de diferentes países terem aprovado a mesma lei como forma de abolir gradualmente a escravidão não é algo novo. A historiografia recente tem destacado que a tradição do direito romano se expandiu junto com a formação de uma economia mundo, e, por isso, configurou-se em uma cultura jurídica mundo. Segundo Waldomiro Lourenço, isso ocorreu porque:

    [...] seus princípios subsidiaram um conjunto de formas de lidar com problemas pertinentes à normatividade das relações sociais que conferiu unidade (não obstante particularidades locais) a múltiplos (não a todos) ordenamentos jurídicos no Ocidente, ligando o Mediterrâneo ao Atlântico na longa duração.³⁰

    As legislações que visavam dar fim à instituição escravista existiram em várias partes do mundo e em diferentes períodos da história, fato amplamente conhecido. Como vimos anteriormente, as experiências históricas que levaram às leis foram distintas, algumas com guerra civil, outras mais pacíficas. Outro ponto importante de ser destacado é o fato de Paraguai, Portugal, Cuba e Brasil terem constituído modelos de governo completamente diferentes: o primeiro era uma República Constitucional, Cuba era colônia da Espanha, Portugal e Brasil, por sua vez, eram Monarquias Constitucionais.

    Porém, como veremos a seguir, tais países têm algumas experiências históricas, que, em nosso entender, estão, de alguma maneira, conectadas. Para esse artigo, forneceremos um olhar a

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1