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Crônicas contra a maré
Crônicas contra a maré
Crônicas contra a maré
E-book159 páginas1 hora

Crônicas contra a maré

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Sobre este e-book

Este livro contém uma série de artigos publicados semanalmente no jornal O TEMPO, entre novembro de 2020 e agosto 2021, em meio à
pandemia de Covid-19. O volume traz textos que falam sobre as principais questões socioeconômicas e socioambientais que afetam o país,
Minas Gerais e Belo Horizonte.
IdiomaPortuguês
Editorae-galáxia
Data de lançamento7 de dez. de 2021
ISBN9786587639741
Crônicas contra a maré

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    Crônicas contra a maré - Paulo R. Haddad

    ERROS ESTRATÉGICOS NA POLÍTICA ECONÔMICA

    A atual administração do Governo Federal corre o risco de apresentar ao povo brasileiro, no final de seu mandato em 2022, um conjunto de indicadores de desemprego, de desigualdades sociais, de inexpressivo crescimento econômico e, principalmente, de intensa degradação dos nossos ecossistemas, mais desalentadores e desencorajantes do que os que recebeu no início de seu mandato. Para não derivar para uma controvérsia político-ideológica, destacaremos apenas alguns erros estratégicos observáveis na formulação e não implementação da atual política econômica.

    Erro Estratégico 01: pressupor que a retomada do crescimento econômico fique na dependência do equilíbrio fiscal a ser obtido a partir das reformas político-institucionais, as quais teriam o poder de reverter as expectativas de quem consome, de quem produz e de quem investe.

    Pesquisadores da Escola de Governo da Universidade de Harvard analisaram 87 experiências de crescimento econômico acelerado no Mundo, que se sustentaram por um período superior a oito anos, como o Brasil em 1967. Constataram que, como a economia tem muitas receitas, os impulsos ao crescimento estão associados a uma pequena gama de reformas das políticas econômicas, que combinam elementos da ortodoxia econômica com práticas institucionais heterodoxas.

    No caso atual do Brasil, inúmeras medidas infraconstitucionais de políticas fiscais e de desregulamentações, além de negociações intersetoriais com as cadeias produtivas mais poderosas, podem promover impulsos expressivos ao crescimento, os quais ajudam a criar um ambiente favorável à própria implementação das reformas de base.

    Erro Estratégico 02: na concepção dos economistas originários dos mercados financeiros, o planejamento tem sido percebido apenas como uma fonte permanente de novas e recorrentes despesas públicas que atropelam o equilíbrio fiscal, daí a necessidade de integrá-lo ao Ministério da Economia.

    Entretanto, a incorporação das funções de planejamento pelo Ministério da Economia cria uma anomalia organizacional com consequências penosas para a dinâmica econômica do País. Perde-se a visão estratégica da evolução da economia; os escassos recursos públicos são alocados numa perspectiva dominante de curto prazo; espalham-se incertezas no processo decisório da máquina administrativa federal pelas práticas do contingenciamento e da repressão fiscal.

    Erro Estratégico 03: ao optar por um processo de elaboração e implementação das reformas político-institucionais, numa sequência temporal de caso a caso, caiu-se numa contestável estratégia do ponto de vista técnico e político.

    Do ponto de vista técnico, é desconhecer a interdependência entre os objetivos e o escopo das reformas. Como definir num pacto federativo, a distribuição dos recursos da reforma tributária entre os três níveis de governo sem conhecer a distribuição intergovernamental das funções programáticas de cada um? Como não utilizar a sinergia da reforma da previdência e da reforma tributária para definir a distribuição de sua carga impositiva entre os diferentes grupos sociais?

    Do ponto de vista político, ao optar pela segmentação reformista, obrigou-se o Executivo a erodir o seu capital político em longas negociações com o Legislativo, abrindo espaço para as bancadas estruturadas voltarem à velha prática do toma lá, dá cá.

    O TEMPO - 17/09/2020

    REFINANCIAMENTO

    O Governo Federal está em uma encruzilhada para equacionar a questão das necessidades de financiamento do setor público, desde que se formou uma avalanche de demandas para superar as mazelas econômicas e sociais no ciclo da pandemia. Algumas dessas necessidades se tornaram politicamente inquestionáveis e impositivas para atenuar o quadro de degradação humana de milhões de brasileiros.

    O Brasil precisa revitalizar as finanças públicas dos três níveis de governo. Um exercício numérico simplificado: o nosso PIB está em torno de R$ 7,5 trilhões; se crescermos a 3% ao ano e um terço desse crescimento for absorvido pela atual carga tributária, a arrecadação de impostos, taxas e contribuições parafiscais colocará no caixa dos três níveis de governo um total de R$ 75 bilhões por ano, valor mais do que suficiente para equacionar alguns dos problemas críticos que estamos vivenciando.

    Numa economia com capacidade ociosa de homens, de máquinas e de infraestruturas, a ativação de seu crescimento não virá da demanda de governos pré-falimentares, não virá dos investimentos privados, retrancados nos campos das incertezas sobre o futuro político e econômico do País e, provavelmente, não virá de um comércio mundial dominado pelos signos da recessão e do protecionismo tarifário e não tarifário. O impulso para a retomada do crescimento tem maiores chances de se originar do consumo privado, responsável por cerca de 70% do total da demanda agregada de nossa economia.

    Mas, as decisões de expandir o consumo privado estão travadas pelo elevado nível de endividamento das famílias e pelas incertezas sobre o futuro de seus orçamentos. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio, o endividamento (67,5%) e o índice de inadimplência (26,7%) das famílias brasileiras atingiram, no mês de agosto, o maior patamar em mais de dez anos, sendo que 12,1% declararam que não têm a menor condição de pagar as suas contas e dívidas em atraso.

    Endividamento elevado significa menores despesas de consumo, seguidas de menos produção de bens e serviços e maior perda de empregos. Como sair desse círculo vicioso que se aprofunda no tempo? Através de um ataque direto e radical à dívida, como foi a saída da economia norte-americana na Grande Recessão de 2008. Um ataque que pode envolver reestruturações e renegociações mais flexíveis e generosas das dívidas das famílias.

    Pressupondo que o objetivo é reduzir, substancialmente, a elevada parcela da renda pessoal disponível dedicada mensalmente para honrar os compromissos com os serviços da dívida e, assim, estimular a demanda agregada da economia via aumento do consumo privado, será necessário que as quedas e os baixos valores da SELIC cheguem às taxas bancárias e comerciais, que o sistema financeiro opere com índices de risco e condições mais adaptativos à atual transição da economia e que, principalmente, o Banco Central absorva as perdas e danos dos refinanciamentos em seu passivo, sem receio de descontrole da política monetária, para não desorganizar o sistema financeiro nacional.

    Sem uma virada de mesa na atual letargia da economia, poderemos vivenciar uma experiência de darwinismo econômico, onde sucumbirão não as empresas menos eficientes, mas sim as que mais foram fragilizadas no ciclo da pandemia.

    O TEMPO - 24/09/2020

    O FUNDAMENTALISMO DE MERCADO

    O fundamentalismo de mercado se exprime nas atitudes dos que creem na capacidade dos mercados, quando livres de regulamentações governamentais, de garantir o máximo de prosperidade econômica e de bem-estar a uma sociedade. Quando têm o poder decisório para formular e implementar políticas econômicas, acreditam que as melhores ações são as que levam ao Estado mínimo, às privatizações de autarquias e de empresas estatais, às desregulamentações dos mecanismos de mercado, ao mimetismo da lógica do mercado para resolver problemas até mesmo em situações em que não há mercados estruturados. Em 1907, Irving Fisher, um dos maiores pensadores econômicos dos EE.UU., ironizava: pegue um papagaio e o ensine a falar oferta e procura e você terá um excelente economista.

    Mas, ao longo do século XX, as economias de mercado foram, cada vez mais, se transformando em economias mistas de mercado, com maior presença do Estado em pelo menos três funções programáticas.

    A partir crise de 1929 e da grandiosa obra de Keynes, o Estado passou a monitorar os ciclos de estabilidade com pleno emprego, através das políticas monetárias e fiscais. Face ao agravamento da crise social a partir dos anos 1970, o Estado assumiu a responsabilidade pelas políticas sociais compensatórias e de combate à pobreza e à miséria. Assim como passou a intervir em contextos onde há inequívocas falhas de mercado, como no caso da monopolização de mercados, da defesa dos interesses de consumidores, da preservação, conservação e reabilitação dos ecossistemas.

    O adjetivo misto, acoplado ao sistema de uma economia de mercado, marca a presença de algum estilo de planejamento governamental na dinâmica do capitalismo. Ora para estruturar um ciclo de expansão econômica, ora para a concepção

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