O SEGREDO DA PEDRA
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O SEGREDO DA PEDRA - Maria Novaes Pinto
O SEGREDO DA PEDRA
MARIA NOVAES PINTO
O SEGREDO DA PEDRA
Secretaria da Cultura e Turismo
Fundação Cultural do Estado
Empresa Gráfica da Bahia
Salvador – Bahia
2001
Coleção Selo Bahia, 69 Copyright 2001, Maria Novaes Pinto
ILUSTRAÇÃO Joel Augusto dos Anjos
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Empresa Gráfica da Bahia
NORMATIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Maisa Menezes de Andrade
COMISSÃO EDITORIAL SELO BAHIA Adnoel Mota Maia Aleilton Santana da Fonseca Gerana Costa Damulakis Hélio Pólvora de Almeida Mário de Macedo Calmon Bitencourt Waldir Freitas Oliveira
P279 Pinto, Maria Novaes O Segredo da Pedra / Maria Novaes Pinto. – Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado, EGBA, 2001.
173p. – Coleção Selo Editorial Letras da Bahia, 69) ISBN 85-7505-013-3 1. Literatura Brasileira – Novela I. Título II. Série CDD869.93
Secretaria da Cultura e Turismo Empresa Gráfica da Bahia Av. Tancredo Neves, n. 776, Rua Melo Morais Filho, n. 189, Bloco B, 7º. Andar – Pìtuba Fazenda Grande do Retiro CEP: 41.823-900 CEP: 40.346-900 Tels.: (071) 340-5747/5796 Tels.: 380-2850/2806 Fax: (71) 340-5749 Fax: (71) 380-2902 Salvador – Bahia Salvador - Bahia
Dedico este livro aos meus pais, Joanita e
Adalberto, que já se foram, aos meus filhos Alberto,
Joana e Sonia, e aos meus netos Ygor e Yago.
Agradeço ao guia de turismo Silvio Silva dos
Santos, por ter-me ajudado a descobrir os encantos
de Lençóis e sua região e portanto, a inspirar-me
para escrever este livro.
APRESENTAÇÃO
A literatura brasileira tem sido brindada por revelações auspiciosas. Até aí, nada de novo, se considerarmos que a produção literária, nos últimos anos, sofreu uma efervescência felizmente também qualitativa.
Auspicioso é encontrar, entre os que se aventuram na arte de escrever romances, pessoas de formação acadêmica menos afeitas ao trato com a imaginação.
Na verdade, este é o caso de Maria Novaes Pinto, profissional e docente de Geografia, agora aposentada das salas de aula dos campus de Brasília e dos frios laboratórios de pesquisa.
Foi agradável ler o romance que produziu, parturejado que foi das entranhas da imaginação, onde uma trama, uma estória, ou mesmo história foi engendrada.
Sem a pretensão de analisar o romance sob o ponto de vista da criação literária, coisa que deixo para o leitor, em cuja inteligência acredito, valho-me muito mais de algumas qualidades que encontro no seu texto e que me cativaram desde o início – em primeiro lugar, a sua geografia; isto mesmo, a geografia que salta em toda a narrativa.
Em segundo, a profusão de personagens que, como num palco, entram e saem de cena cumprindo seus papeis num movimento quase musical. E em terceiro lugar, a impressão de que o enfoque na elucidação de um crime pode também dar lugar a uma análise antropológica muito interessante.
Os ambientes onde ocorrem os fatos que determinam o romance não foram, tenho certeza, escolhidos ao acaso; sei do profundo conhecimento que a autora tem da geomorfologia da Chapada Diamantina, local onde se iniciou a trama.
A Ilha de Itaparica e seu Distrito de Barra do Pote, atol divino da costa de Vera Cruz
, não foram escolhidos em vão para sediar boa parte das vivências do herói desta história, uma vez que a autora radicou boa parte do seu coração e de suas sandálias nas areias das praias daquele pequeno paraíso.
Por fim, a cidade de Salvador, quartel-general do vilão da história, que completa o ciclo de locais maravilhosos e apropriados para serem pano de fundo de um belo enredo.
Os personagens desta maravilhosa história não toram tirados da cartola ou da cachola mágica de Maria Novaes Pinto. Pelo menos, no que se refere ao elenco
de Barra do Pote. Conheço todas as pessoas que emprestaram suas identidades e até mesmo suas almas para que o romance tivesse vida e movimento, graça e beleza.
E lá estão os frequentadores de então do famoso restaurante Tô à Toa da Praça Lúcio Mello: Seu Filu e Dona Valdete (Tumbá
, para alguns íntimos), Sônia, a dona, junto com Lia (?), Joana filha de Sônia, Alberto filho de Lia, Dona Joana da Igreja, Vitinho, Molecão, Lene de Maurício, Lalá e seu Bar, Luiza e seu Aconchego, o Frio de Verão de Luzia, o conterrâneo Aluísio do bar, até o Elpídio, meu compadre Erasmo, Seu Argollo da Petrobrás, Mestre Eduardo dos saveiros do Doutor Antonio Vinhais, a saudosa Massu, a mulata mais bonita que já vi na Ilha; enfim, como o povoado é pequeno mesmo, quase toda a população cabe dentro do romance.
Combinando a técnica refinada do romance policial com uma análise da psicologia dos seus protagonistas, a autora percorre o labirinto das emoções – ternura e ódio – para cumprir seu papel.
O tema principal deste livro já foi retratado por diversos escritores, desde historiados a romancistas. Entre os mais ilustres considero o jornalista Walfrido Moraes, filho da Chapada Diamantina. Mas, quando o olhar de Maria Novaes Pinto enxerga além das pedras preciosas e das armadilhas que enredaram as pessoas, aí nasce uma grande obra, capaz de prender a atenção, a respiração até, quando os momentos mais fortes da trama arrebatam o leitor.
"O Segredo da Pedra" é uma obra que será bem recebida pelo público leitor que cultiva o saudável hábito de se aventurar numa narrativa de mistérios, lendas, suspense e forte presença dos personagens; e abre as portas para que a autora, antes preocupada com as teses científicas, percorra os relevos das histórias e da natureza humana com a mesma alma de quem dedicou muitos anos às suas pesquisas.
Máximo Soares da Cruz Filho
Ex-Professor da UCSAL-BA
INTRODUÇÃO
Em Lençóis, na Chapada Diamantina, interior do Estado da Bahia, um jovem guia de turismo, chamado Tiago, testemunha um crime no rio Mucugezinho, no local conhecido como Poço do Diabo...
CAPITULO I
Em Lençóis...
Sexta-feira, meados do mês de junho de 1992, na Chapada Diamantina, Estado da Bahia.
Amanhece em Lençóis.
Tiago acorda sereno. A preguiça o agasalha, por isso ele permanece deitado olhando o teto, com as mãos sob a cabeça sem em nada pensar.
Apesar de continuar sentindo o frio da madrugada, ele não ouve mais o ruído da chuva caindo sobre o telhado. Mas escuta o canto dos pássaros, que anuncia a chegada de um dia luminoso.
Subitamente ele lembra de sua ida à Pousada Canto das Águas no final da tarde de ontem, quando encontrara Beto, que ali trabalha na recepção.
- Olá Beto... Tem turistas pra gente?
Beto respondera que ele esperasse um instante, porque iria conferir no livro de reservas.
- Nada, Tiago... Nenhuma reserva... Possivelmente na próxima semana chegarão alguns turistas, por causa dos festejos do São João. É aguardar pra ver.
Resignado, ele se despedira e retornara para casa, sem esperanças de trabalhar naquele final de semana.
Demoraria a pegar no sono. Mas, felizmente, até que dormira bem!
Porém agora, imóvel em sua cama na solidão dos seus vinte anos, ele sente uma profunda nostalgia apoderar-se de seu peito ao relembrar o ocorrido. Como eu gostaria que houvessem sempre turistas em Lençóis! Hoje não tenho nada pra fazer...
Como guia de turismo, ele só trabalha quando há visitantes querendo conhecer as belezas da cidade e dos arredores.
Sentindo o peso da tristeza no coração e da decepção sobre as costas, Tiago se levanta devagar. Tem consciência de estar velho, cansado, sem perspectivas...
Inclinando o corpo para a frente e arrastando os pés, ele se dirige para a larga e única janela de sua casa.
Com dificuldades abre a janela e vê, lá fora, uma nesga da neblina que, certamente, ainda cobre densamente os vales e as partes baixas da cidade.
Não há ninguém na rua.
Apoia-se no parapeito da janela, respirando profundamente o ar puro e fresco da manhã.
Lentamente ele levanta os braços, como para espreguiçar-se.
Sem nem perceber, passa a fazer alguns movimentos com os braços, com as pernas. À medida que se movimenta vai esquecendo a tristeza e recuperando a alegria.
Enfim, uma ideia gostosa aflora de sua mente: Hoje estou livre! É um ótimo dia pra ir ao Mucugezinho rever meu amigo Pato!
Afasta-se da janela e, com agilidade, logo alcança o banheiro. Depois de tomar um banho com a água gelada que cai do chuveiro ele veste a bermuda, a camiseta e o agasalho de nylon, calça as sandálias de borracha, e prende sob um boné os cabelos castanhos finos ligeiramente ondulados que alcançam os ombros e lhe dão uma aparência jovial e irreverente.
De um cacho de bananas que está sobre a pequena mesa da cozinha ele retira duas e come-as, com gosto.
Rapidamente, como fazem os jovens descompromissados, Tiago abre a porte da casa para fechá-la em seguida e, como um pássaro que voa para a liberdade, deixa para trás, em poucos segundos, o bairro Alto da Estrela.
Com o vento a açoitar-lhe o rosto e o frio da manhã gelando-lhe os ossos, ele desce a ladeira a passos rápidos, indo em direção à praça onde está o Mercado Municipal, perto da ponte sobre o rio Lençóis.
Vários carros estão estacionados naquela praça.
Parece que ninguém vai sair de carro agora... vou tomar um cafezinho...
– Pensa Tiago, à medida que se dirige para o interior do mercado.
Em um bar ele pede um café puro e, de pé, sorve o líquido quente em goles pausados.
Sentindo o corpo aquecido ele retira o agasalho, dobra-o, e amarra-o em volta da cintura.
A passos lentos retorna para a porta de entrada do belo casarão de arcos romanos construído no final do século XIX, e recosta-se na parede para aguardar, sem pressa, uma carona.
O corpo esguio de um metro e setenta e oito de altura, o rosto anguloso de tez morena de onde sobressaem os olhos não muito grandes, e o boné a proteger os cabelos desalinhados, fazem com que Tiago se sobressaia entre as pessoas que entram no Mercado Municipal ou as que de lá saem, carregadas de sacolas.
Cumprimentando ou conversando com um ou outro conhecido ele espera o tempo passar, enquanto procura, com os olhos, por algum amigo que se encaminhe para o estacionamento, ou que atravesse a praça dirigindo o próprio carro...
- Tiago! Tiago! Vamos pro Morro do Pai Inácio?
Ele se volta rápido em direção ao chamado. Ao reconhecer Sílvio, sente-se feliz da vida.
Moreno de estatura mediana, rosto redondo com olhos grandes e vivos, cabelos cortados bem curtos, rosto risonho, Sílvio parece atrelado ao volante do velho Fusca.
Dois amigos estão com ele.
Tiago se dirige apressado até o carro. Junto à porta do motorista ele abaixa a cabeça para cumprimentar os rapazes com um gesto de mão, e falar para Sílvio:
- Morro do Pai Inácio? É uma boa pedida! Mas hoje quero ver Pato, lá no Mucugezinho. Me dá uma carona?
- Claro, venha! – Gritam os rapazes, fazendo coro.
Com largos passos Tiago passa pela frente do carro, entra pela porta do carona, e senta-se no banco traseiro.
Sílvio acelera o carro que, rapidamente, deixa a cidade de Lençóis.
Enquanto o Fusca segue pela estrada asfaltada cheia de curvas e aclives, Tiago olha furtivamente para trás, para o vale já totalmente livre da neblina, onde está a sua cidade.
Percebe que Lençóis já desaparecera, por trás dos morros acinzentados emoldurados pelo azul límpido do céu.
Depois de ter percorrido doze quilômetros o carro alcança a BR-242, que corta o Estado da Bahia de leste a oeste, para seguir rumo ao rio Mucugezinho.
Enquanto isso os jovens falam ao mesmo tempo, dando boas gargalhadas.
Todos eles são guias de turismo, e hoje estão livres do trabalho.
Mas nem toda a animação dos amigos faz com que Tiago deixe de admirar a inconfundível beleza da região: encostas e morros de formas excêntricas, como os morros do Pai Inácio e do Camelo, a Chapadinha...
Por sorte
– pensa ele – grande parte deste paraíso está protegido por lei, por causa do Parque Nacional da Chapada Diamantina...
Bruscamente ele interrompe a algazarra dos amigos.
- Pessoal! Eu até que iria com vocês pro Pai Inácio... Vocês sabem como gosto de subir aquele morro! Me lembra tanto a lenda...
- Conta, Tiago! Conta! Não é a primeira vez! – Diz Sílvio, com ar irônico.
Mas Tiago não se perturba, enquanto responde com seriedade:
- Está bem... Vou contar!
Sem ligar para a zombaria dos amigos ele narra, com voz solene, a seguinte história:
- Era uma vez uma jovem menina rica, e um escravo chamado Inácio. Apaixonados, eles resolveram ficar juntos, mas a família dela jamais aceitou aquela união. Eles então fugiram. Os pais da jovem mandaram um capitão-do-mato persegui-los. Na fuga, seguiram na direção de um morro, que subiram com dificuldades. Ao chegarem ao topo foram alcançados pelo capitão-do-mato que, ao tentar atingir o rapaz matou com um tiro, por engano, a jovem que rapidamente se colocara à sua frente. Inácio, consciente de que seria conduzido para a senzala onde seria amarrado ao tronco e espancado até a morte, e que sua vida não teria mais sentido sem aquele amor, tomou uma decisão e executou-a: abriu a sobrinha da jovem e pulou do alto do morro. O seu corpo jamais foi encontrado...
- Ele quis fazer