Marx e a Questão da Consciência
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Sobre este e-book
Nildo Viana
Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB; Autor de diversos livros, entre os quais: O Capitalismo na era da Acumulação Integral; Quadrinhos e Crítica Social; As Esferas Sociais; Cinema e Mensagem; Manifesto Autogestionário; A Mercantilização das Relações Sociais; A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx; Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas; O Modo de Pensar Burguês; Universo Psíquico e Reprodução do Capital.
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Marx e a Questão da Consciência - Nildo Viana
INTRODUÇÃO
Marcus Gomes¹*
A presente coletânea reúne artigos de autores que estudam o pensamento de Marx e que focalizaram questões referentes a como este autor aborda os fenômenos da consciência. Sem dúvida, é possível acessar essa discussão nas obras de Marx e muitos autores já se debruçaram sobre isso, seja em nível mais geral, seja em aspectos mais específicos.
O que justifica, então, a presente obra? Em primeiro lugar, a quantidade de obras em que Marx aborda o problema geral ou aspectos específicos da questão da consciência é enorme e o leitor precisaria percorrer um longo caminho, que aqui é encurtado. Sem dúvida, a presente obra não substitui a leitura dos textos de Marx, mas oferece uma introdução geral que permitirá ao leitor buscar as obras fundamentais deste para as questões específicas, bem como uma interpretação das obras dedicadas mais especificamente para a questão da consciência.
Em segundo lugar, embora milhares de autores escreveram livros e artigos sobre a teoria da consciência de Marx, ou aspectos mais particulares, como a questão da ideologia, do método dialético, entre outros, a maioria padece de interpretações equivocadas. A maioria absoluta dos comentaristas das obras de Marx partem de interpretações canônicas que são equivocadas, com destaque para a interpretação leninista. As interpretações declaradamente burguesas, que é uma outra parte, são simplificações grosseiras que mostram uma forte dificuldade de entender a episteme marxista a partir da episteme burguesa². No fundo, esse problema atinge também as interpretações leninistas, mas com certa ambiguidade, já que elas se pretendem marxistas
e usam bibliografia e terminologia marxista (Marx, por exemplo) e pseudomarxista. Outras interpretações, derivadas destas ou semelhantes a elas, são demasiadamente pobres e uma outra parte considerável das interpretações do pensamento de Marx.
Assim, há um forte problema nas interpretações de Marx e na presente obra os equívocos de uma orientação interpretativa leninista ou assumidamente burguesa, entre outros problemas, inexistem. Assim, há uma busca de resgatar o que Marx realmente disse
, sem os interesses e valores oriundos do campo axiomático burguês ou burocrático, pois os autores aqui buscam partir da perspectiva do proletariado, ou seja, do campo axiomático da episteme marxista³.
O conjunto de textos aqui apresentados analisam vários aspectos da teoria da consciência de Karl Marx. É possível analisar a sua teoria da consciência em conjunto, abordando o essencial e entrando em aspectos mais particulares e derivados, ou focalizar esses aspectos isoladamente. Porém, partindo do método dialético, não é possível isolar uma coisa da outra e assim, todos os textos remetem para a teoria da consciência, mas alguns focalizam aspectos dela.
Lisandro Braga focaliza, em Marx: A consciência é o ser consciente, o conceito e concepção de consciência do fundador do marxismo. Através da frase lapidar de Marx, o autor desenvolve uma análise do que significa a consciência para este pensador e ressalta a inseparabilidade entre a consciência e o ser que a faz existir e sem o qual ela não existiria.
Lucas Maia, em O Materialismo Histórico-Dialético, realiza uma síntese da concepção de Marx a respeito de sua teoria da história e do método dialético, bem como aponta a unidade desses dois elementos através da união desses termos. O autor resgata alguns elementos fundamentais do pensamento de Marx no plano da análise da história da humanidade e dos recursos intelectuais para a sua efetivação.
Felipe Andrade, em O Método Dialético em Marx, focaliza a questão do método. O autor realiza uma reflexão sobre a dialética marxista e, para tal, lança mão dos escritos de Marx e alguns marxistas, bem como envereda sobre temas correlatos, tal como o materialismo histórico. Desta forma, o autor reconstitui a abordagem marxista do método dialético.
Marcus Gomes efetiva uma discussão mais específica sobre Marx e a Crítica do Idealismo. O foco é a crítica marxista ao idealismo e os equívocos interpretativos relacionados a ela, tal como confundir a concepção de Marx com o materialismo mecanicista e a desconsideração pelas ideias, transformadas em meros epifenômenos. Disso resulta um esclarecimento sobre o real significado da crítica de Marx ao idealismo.
Carlos Henrique Marques, em Marx e a Questão da Ideologia, também aborda uma questão mais específica da teoria da consciência de Marx, que é o fenômeno ideológico. Após expor algumas das principais interpretações do conceito de ideologia em Marx, o autor mostra os limites de duas delas e defende a terceira como mais adequada, mostrando que a ideologia é, para tal pensador, um sistema de pensamento ilusório.
Por fim, Nildo Viana, em Marx e a Autoconsciência da Humanidade, realiza uma reflexão mais histórica e que busca apontar o lugar da teoria de Marx, como destaque para sua teoria da consciência, no interior do desenvolvimento da consciência da humanidade. A conclusão do autor é que Marx explicita um momento de maior desenvolvimento da autoconsciência da humanidade, sendo o seu ápice.
Em síntese, trata-se de um conjunto de artigos que são importantes para quem quer compreender a teoria da consciência em Marx, bem como sua contribuição para pensar a sociedade e a história, as ilusões e a possibilidade de uma consciência correta da realidade, inseparável do projeto de libertação humana e revolução proletária, ou seja, vinculada a luta e efetivação da sociedade autogerida. Nesse sentido, a discussão sobre Marx e a questão da consciência é fundamental para o desenvolvimento de nossa própria consciência sobre esse pensador e suas ideias, sobre nós mesmos e a sociedade em que vivemos, bem como a possibilidade de sua superação e instauração de uma nova sociedade, na qual reinaria a liberdade e a consciência correta da realidade. Assim, a presente faz parte desse projeto e contribui, por mais modesta que seja tal contribuição, para reforçar a tendência de sua concretização.
MARX:
A CONSCIÊNCIA É O SER CONSCIENTE
Lisandro Braga ⁴*
O propósito desse texto é apresentar de forma introdutória uma discussão acerca dos conceitos Ser e Consciência Social na obra A Ideologia Alemã de Karl Marx e Friedrich Engels, e para isso buscaremos compreender a trajetória intelectual desses pensadores, os elementos formadores das suas ideias centrais e já contidas nessa obra de forma embrionária.
Karl Marx nasceu no dia 05 de maio de 1818 na Alemanha, filho de uma família judia de classe média, iniciou seus estudos em direito na universidade de Berlim, mas logo depois se transfere para a filosofia onde será influenciado pelas ideias de Hegel e, posteriormente, dos hegelianos de esquerda
(Bruno Bauer, Edgar Bauer, Arnold Ruge, Ludwig Feuerbach, Moses Hess etc.). Conhecedor amplo da filosofia alemã, também estudou a filosofia antiga chegando a desenvolver como tese doutoral A filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro (1838). Preparou-se para assumir uma cátedra na universidade de Bonn, mas tão logo assumiu foi expulso devido à produção de alguns panfletos de caráter anticristão. A partir daí optou por trabalhar como jornalista, uma vez que possuiria maior autonomia intelectual para produzir.
Sem dúvida a mais forte influência sobre o pensamento filosófico de Marx está em Hegel. Durante um bom tempo foi um hegeliano de esquerda
e junto com tais hegelianos aprofundaram o estudo da dialética de Hegel, mas também promoveram sua crítica. Esse foi o caso de Ludwig Feuerbach que efetivou a crítica à dialética idealista de Hegel através de uma dialética materialista. Influenciado por Feuerbach, Marx aprofunda seus estudos a partir de uma perspectiva materialista e avança na crítica à Hegel e também à Feuerbach. Isso não quer dizer que ele não reconhecia a importância desses dois filósofos na sua formação teórica, apenas demonstrava os limites de ambos e apresentava uma perspectiva diferenciada.
Para Hegel a história é a história da razão, ou seja, das ideias e a primeira tem o seu desenvolvimento garantido e determinado pela segunda. Já para Feuerbach a história é o desenvolvimento do ser humano ontológico, do ser genérico. Porém, Feuerbach não aprofunda sua análise sobre esse ser, possibilitando brechas para interpretação de que tal ser é abstrato, ou seja, a-histórico e a-transitório. Nesse sentido, Marx avança ao reconhecer que Feuerbach tem razão, mas se esquece de apontar que tal ser é fruto de um processo histórico, formado nas relações sociais e pelas relações sociais, historicamente determinadas. Percebe-se, então que
Hegel conseguia ver a historicidade do mundo através da sua dialética do desenvolvimento da razão na história, e Feuerbach conseguia perceber a materialidade da história na essência humana, mas Hegel perdia a materialidade de vista, e Feuerbach perdia a historicidade. A tarefa que propôs Marx foi reunir materialidade e historicidade, fundando o que posteriormente foi chamado de materialismo histórico. A história não é o desenvolvimento da razão, e sim das relações sociais concretas (VIANA, 2006, 47-48).
Na sua obra A ideologia Alemã, Marx realizará uma espécie de "acerto de