Escola e Questão Racial: a avaliação dos estudantes
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Escola e Questão Racial - Rutinéia Cristina Martins
CAPÍTULO 1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE AS IDEIAS RACIAIS NO BRASIL: CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO RACIAL
PROTESTO
Mesmo que voltem as costas às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar, não pararei
Não pararei de gritar
Senhores
Eu fui enviado ao mundo para protestar
Mentiras europeias
Nada me fará calar
Senhores
Atrás do muro da noite, sem que ninguém perceba
Muitos dos meus ancestrais, já mortos há muito tempo
Reúnem-se em minha casa
E nos pomos a conversar
Sobre coisas amargas
Sobre grilhões e correntes
Que no passado eram visíveis
Sobre grilhões e correntes
Que no presente são invisíveis
Mas existentes nos braços do pensamento
Nos passos, nos sonhos da vida
De cada um dos que vivem
Juntos comigo
Enjeitados da pátria [...]
Mas, meu irmão, fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda a parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minha alma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Ou alcanço tudo que eu quero ou gritarei a noite inteira
Como gritaram os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar!
(Carlos de Assumpção)²
A escrita deste capítulo teve como objetivo a construção de um referencial teórico que possibilite compreender aspectos referentes à construção e desconstrução do preconceito racial no Brasil em período posterior à abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888. Dentre os diversos fatores que impulsionaram a construção do preconceito racial no Brasil, privilegia-se o estudo de definições de raça, racismo e preconceito, aliados aos conceitos de negro e afrodescendente que, conforme o uso favorece a construção de ideologias racistas. Por conta disso, buscou-se analisar como a sociedade enxergava o negro como pessoa livre antes da abolição e quais as ideias raciais influenciaram o pensamento brasileiro e, por conseguinte, o tratamento dado ao negro após a abolição.
Se existiram fatores que acirraram a inserção do preconceito racial contra o negro na cultura brasileira, também houve outras ações promovidas ou não pelos setores públicos, que se deram no sentido de reparar os danos causados pela escravidão, como as ações afirmativas. Somam-se a essas ações, outras de caráter reivindicatório, como a ação do Movimento Negro, sendo que todas elas culminaram em modificação na legislação, de maneira a buscar alternativas para a inserção do negro na sociedade.
Referir-se aos processos de construção e desconstrução não se trata apenas de uma ação comparativa, mas, de buscar compreender que se houverem fatores, os quais esse trabalho está longe de esgotar, que se tornaram preponderantes para que se construísse no imaginário dos brasileiros razões para que houvesse preconceito em relação à raça negra, também houve ações que visassem à redução desse preconceito e também dos males sociais por ele causados. Sendo assim, é preciso considerar a relevância do fato de que os negros vinham de um processo de coisificação na sociedade brasileira, uma vez que capturados em terras africanas e escravizados em terras americanas, foram vendidos e tratados como pertences particulares. Por isso, a abolição foi um marco que possibilitou às pessoas brancas pensarem pela primeira vez os negros como pessoas livres e dotadas de direitos, o que gerou um choque de valores que sofreu modificações ao longo dos anos, mas, que se estende até o século XXI.
Desta forma, entende-se que duas questões são determinantes para a construção e fortalecimento do preconceito racial contra os negros, descendentes de africanos ex-escravizados: o passado colonial em que coisificados, viviam à margem dos processos sociais. Outro momento histórico relevante é o princípio do século XX, em que negros permanecem à margem, uma vez que, com o processo de abolição, não são reinseridos na sociedade, sendo substituídos por imigrantes de pele branca, escolhidos por representarem um ideal de branqueamento e desenvolvimento social semelhante aos países europeus. Ou seja, a exclusão e preconceito em relação ao negro é construída de maneira ideológica e prática, com sentimentos, valores, ideias e ações.
Se, no início do século XX, constrói-se um ideário que reforça e justifica o racismo por critérios pseudocientíficos, por razões diversas, como a ação de movimentos negros organizados e a defesa de direitos humanos no período posterior à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), estabelece-se um processo que se considera como uma desconstrução de preconceitos, quando movimentos sociais, culturais e políticos visam não só a busca dos direitos dos negros mas, também demonstrar as suas qualidades e necessidades. Nesse ínterim, a legislação educacional serve de referência de análise de como o negro foi concebido nos períodos imperial e republicano, um processo que envolve omissões, sanções e conquistas.
1.1 RAÇA, ETNIA, RACISMO E PRECONCEITO: ANÁLISE DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES
Para construir um texto que trata das relações raciais na instituição escolar, sente-se a necessidade de definir conceitos que envolvem a temática, pois, os mesmos estão imbuídos de vivências teóricas e práticas que levam à construção de significados que tem rebatimentos no comportamento dos indivíduos em sociedade. Se o objeto de estudo aqui descrito são as relações étnicas e raciais, julga-se pertinente compreender os conceitos de raça, racismo e preconceito, uma vez que o desfavorecimento social a que se são submetidos os povos afrodescendentes que tem a pele negra se deve à sua trajetória histórica de dominação e exploração por outros povos e ao preconceito que se construiu após a abolição da escravidão no Brasil.
Um dos dicionários de maior credibilidade da língua portuguesa esclarece o conceito de raça:
Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo. Ou como uso restrito da Antropologia, referente a cada uma das grandes subdivisões da espécie humana, e que supostamente constitui uma unidade relativamente separada e distinta, com características biológicas e organização genética próprias. [Diversos autores, seguindo critérios distintos de classificação, propuseram diferentes classificações da humanidade em termos raciais. A mais básica e difundida é a das três grandes subdivisões: caucasóide (raça branca
), negróide (raça negra
) e mongolóide (raça amarela
). Como conceito antropológico, sofreu numerosas e fortes críticas, pois a diversidade genética da humanidade parece apresentar-se num contínuo, e não com uma distribuição em grupos isoláveis, e as explicações que recorrem à noção de raça não respondem satisfatoriamente às questões colocadas pelas variações culturais. Pode ser utilizado ainda, como o conjunto dos ascendentes e descendentes de uma família, uma tribo ou um povo, que se origina de um tronco comum. (FERREIRA, A., 1999, p. 1695).
A definição de raça trazida por Ferreira abre possibilidades conceituais, uma vez que de início determina que para se obter uma noção de raça é preciso ter um conjunto de caracteres comuns em um grupo de seres humanos e sua descendência. No entanto, essas classificações são diferentes para ciências como a biologia e a antropologia, que consideram o homem de maneiras diferentes, seja enquanto um indivíduo dotado de características biológicas ou em suas relações sociais. Quando se cita que a raça é um conjunto de ascendentes e descendentes de uma família, uma tribo ou um povo que se origina de um tronco comum, entende-se a complexidade do termo que, tanto pode qualificar como raça todo o conjunto de seres que fazem parte da raça humana, como os pequenos grupos especificados pelas particularidades de cada grupo racial como brancos, negros e amarelos.
Em sentido histórico, Munanga (apud BARBOSA, M., 2010, p. 35), ao estudar a origem do termo, afirma que, no latim medieval, o conceito de raça passou a designar a descendência, a linhagem, ou seja, um grupo de pessoas que têm um ancestral comum e que, ipso facto, possuem algumas características físicas em comum. Sobre essa concepção, entende-se a Idade Medieval como um período de apropriação de conceitos da biologia e da zoologia, legitimando as relações de dominação entre os diferentes grupos sociais, legitimando o processo de hierarquização e racialização da diversidade humana.
Schwarcz (1993, p. 17) acrescenta que o termo raça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo e natural, é entendido como um objeto de conhecimento. Sendo assim, seu significado será dependente do contexto histórico em que se aplica, com a possibilidade de renegociação de significados. Mesmo causando polêmicas e controvérsias, a definição de raça auxilia a definição de outros termos relativos ao assunto, tal como o adjetivo racial, que é relativo à raça, racismo, discutido a seguir e raciologia, ramo do conhecimento surgido na França, em meados do século XVIII e que se dedica ao estudo das raças (TAGUIEFF, online). Depreende-se das concepções apresentadas que raça é um conceito biológico e classificatório, sem condições de servir de referência para classificações de cunho social, que ditam a hierarquia na ordem de convivência entre as pessoas.
Para Norberto Bobbio (1998, p. 1059), o conceito de raça não tem fundamento científico, o que se chama de raça são características fenotípicas, ligadas apenas à aparência. No processo de busca de justificativas para a servilidade dos povos dominados, a cor da pele se torna uma desculpa para a dominação de americanos, asiáticos e africanos. Nesse sentido, as raças são consideradas como unidades estáveis, e as diferenças físicas e culturais passam a corresponder às capacidades mentais e comportamentos morais que, por sua vez, não são transmitidos por hereditariedade (BARBOSA, 2010, p. 35). Por isso, há uma associação entre as características naturais e culturais a tipos físicos provocando uma hierarquização cultural embasada em valores do que se considera bom ou mau em uma sociedade. Por isso, depreende-se que o conceito de raça se liga a ideias construídas em um mundo social.
No que tange a multiplicidade de conteúdos do termo raça, tanto no que se refere ao aspecto social como ao biológico, leva-se em conta o que se permeia no imaginário popular a respeito das categorias raciais. Joel Rufino dos Santos (1984, p. 11) complementa afirmando que não há definição quanto a um grupo racial, posto que pretos e brancos são apenas conjuntos de indivíduos que têm essas cores – nada mais. O autor ainda acrescenta o fato de que raças puras nunca existiram: um grupo humano que tivesse se mantido puro, sem se misturar com outro, não sofreria mutações e, dentro de algum tempo, desapareceria.
Guimarães (2002, p. 49) encontra em Paul Gilroy argumentos que reforçam a não cientificidade do uso do termo raça:
1. No tocante à espécie humana, não existem raças
biológicas, ou seja, não há no mundo físico e material nada que possa ser corretamente classificado como ‘raça’;
2. O conceito de ‘raça’ é parte de um discurso científico errôneo e de um discurso político racista, autoritário, antiigualitário e antidemocrático;
3. O uso do termo ‘raça’ apenas reifica uma categoria política abusiva.
As considerações supracitadas possibilitam a reflexão de que o termo raça é utilizado de maneira errônea e ideológica, de modo a reforçar as diferenças fenotípicas que levam um grupo a sobressair sobre outros. Entretanto, para a escrita deste trabalho, os termos raça e questão racial serão utilizados como referência aos grupos raciais como negros e brancos e as relações sociais estabelecidas entre eles. De maneira muito próxima ao conceito de raça, tem-se o conceito de etnia que, em pesquisa ao dicionário (FERREIRA, A. apud LIMA, T., online) verifica-se que é um grupo biológico e culturalmente homogêneo. Essa definição complementa-se por pesquisa (7GRAUS, 2013a, online), que concebe etnia como um termo de origem grega, que significa povo e é utilizado para denominar um determinado grupo que possui afinidades de idioma e cultura, independente do país em que elas estejam. O termo etnia, em sua tradução, também refere-se a um grupo de indivíduos que possuem fatores culturais, como religião, língua, roupas, iguais, e não apenas a cor da pele, por exemplo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) referentes à Pluralidade Cultural (BRASIL, 2001d, p. 35), referência curricular do período compreendido entre 1997 e 2017, complementam o conceito de etnia, apresentando a visão que se constituiu nacionalmente na formação de estudantes de Ensino Fundamental e Médio:
Etnia
ou grupo étnico
designa um grupo social que se diferencia de outros por sua especificidade cultural. Atualmente o conceito de etnia se estende a todas as minorias que mantêm modos de ser distintos e formações que se distinguem da cultura dominante. Assim, os pertencentes a uma etnia partilham de uma mesma visão de mundo, de uma organização social própria, apresentam manifestações culturais que lhe são características. Etnicidade
é a condição de pertencer a um grupo étnico. É o caráter ou a qualidade de um grupo étnico, que freqüentemente se autodenomina comunidade.
Ao analisar o conceito de etnia, compreende-se que o mesmo supera o conceito de raça, uma vez que não condiciona a igualdade étnica à semelhança de caracteres fenotípicos. Esse conceito vai além das aparências porque considera a conjunção entre a descendência e a dinâmica cultural e uma possibilidade de interação de tradições e costumes de pessoas que compõem uma mesma sociedade.
Sobre essa relação entre raça e etnia, Ianni (2004, p. 23) argumenta:
Característica ou marca fenotípica por parte de uns e de outros, na trama das relações sociais. Simultaneamente, na medida em que o indivíduo em causa, podendo ser negro, índio, árabe, judeu, chinês, japonês, hindu, angolano, paraguaio ou porto-riquenho, está em relação com outros, aos poucos é hierarquizado, priorizado ou subalternizado. Mesmo porque uns e outros, indivíduos, grupos, grupos, famílias e coletividades estão em processos de cooperação, divisão social do trabalho, hierarquização, dominação e alienação, e transformação da marca em estigma, o que se manifesta na xenofobia, etnicismo, preconceito, segregação e racismo. Aos poucos, o traço, a característica ou a marca fenotípica transfigura-se em estigma. Estigma esse, que se insere e se impregna nos comportamentos e subjetividades, formas de sociabilidade e jogos de forças sociais, como se fosse natural
, dado inquestionável, reiterando-se recorrentemente em diferentes níveis de relações sociais, desde a vizinhança aos locais de trabalho, da escola à igreja, do entretenimento ao esporte, das atividades lúdicas às estruturas de poder.
Das relações de poder entre os grupos étnicos e raciais são originados os estigmas que se colocam a partir de questões culturais e fenotípicas, surge o racismo que, segundo a concepção de Bobbio (1998, p. 1059):
[...] se entende, não a descrição da diversidade das raças ou de grupos étnicos humanos, realizada pela Antropologia Física ou pela Biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e, principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente, científicos para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram inferiores.
Na concepção de Joel Rufino dos Santos (1984), o racismo é um sistema que afirma a superioridade de um grupo racial sobre os outros. No caso do Brasil, esse grupo seria o dos descendentes dos povos europeus, que desde o princípio da colonização impõem-se sobre os demais grupos étnicos e raciais. Pode-se considerar que é uma instituição de longa duração, uma vez que se estende ao longo dos séculos e mesmo com as mudanças comportamentais relativas à maior aceitação do elemento negro na sociedade, permanece no imaginário das pessoas. É um sistema que afirma a superioridade de um grupo racial sobre os outros, manifesta-se como um conjunto de ideias que se constrói na vivência social, partindo dos parâmetros criados em cada sociedade a partir da ideia negativa a respeito do outro. Ideia essa que nasce de uma dupla necessidade: defender-se e justificar agressão (SANTOS, J. R., 1984, p. 19).
Bento (1999, p. 25) afirma que o racismo é uma ideologia que defende a hierarquia entre grupos humanos, classificando-os em raças inferiores ou superiores. Como ideologia propaga-se na mente e cultura das pessoas imperceptivelmente ao longo das gerações, adquirindo um estatuto de verdade, o que torna mais difícil a propagação de uma ideologia contrária, visando a diminuição das desigualdades entre os povos e grupos humanos. É impossível traçar uma discussão sobre o racismo, que se embasa em concepções preconceituosas, sem ter uma concepção construída sobre o que é o preconceito, o que Gordon W. Allport (online) define como:
[...] o juízo feito sobre um grupo antes de qualquer experiência e análise; tem, portanto, uma função de simplificação, ao permitir a implementação de um processo de categorização social e ao fazer apelo a uma causalidade unidimensional; funciona com base no princípio da generalização - todo o grupo, e cada um dos seus membros indistintamente, leva as marcas estereotipadas que o estabelecem numa singularidade. O preconceito implica ao mesmo tempo, naqueles que o utilizam, uma componente afectiva e valorativa que não é determinada pela realidade do grupo objecto do preconceito. T. Adorno e os seus colaboradores (1950) mostraram que, no indivíduo, o preconceito - e mais em geral a atitude - não podia ser isolado; integra-se no sistema que forma a sua