Teoria Democrática Contemporânea: Robert Dahl e o Conceito de Poliarquia
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Teoria Democrática Contemporânea - Antonio Kevan Brandão Pereira
1997.
1. ROBERT DAHL E O PLURALISMO
Ao longo dos anos, a teoria dahlsiana tem sido analisada por vários estudiosos da política. Existe praticamente um consenso entre eles de que a contribuição de Robert Dahl ao tema da democracia parte das inovações apresentadas pelo pensamento do economista e cientista político austríaco Joseph Schumpeter (1883 – 1950). Ao questionar a teoria clássica da democracia, segundo a qual este sistema de governo consiste na realização do bem comum através da vontade geral do povo, Schumpeter estabeleceu, no seu clássico livro Capitalismo, Socialismo e Democracia
, as bases de uma nova concepção para o sistema democrático. Em um dos trechos mais importantes dessa obra, ele nos diz que:
A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. E justamente este deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de definição (SCHUMPETER, 1961, p. 295-6).
Nesse sentido, a definição de Schumpeter estabelece a democracia como um método, ou seja, "como um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor" (SCHUMPETER, 1961, p. 327-8). Aqui, a democracia nada mais é do que um mecanismo para escolher e autorizar governos – e não uma meta moral – através da competição entre elites por votos em eleições periódicas.
Contudo, é interessante ressaltar que existem diferenças consideráveis entre as abordagens de Joseph Schumpeter e Robert Dahl. O grande mérito de Schumpeter foi demonstrar que não há incompatibilidade de princípio entre realismo político e democracia – e isto foi apropriado por Dahl –, entretanto, é necessário colocar que a concepção dahlsiana da democracia evitou tanto o utopismo de definições substantivas e dedutivas da democracia quanto o congelamento da definição schumpeteriana
(LESSA, 1997, p. 10). Reforçando também as diferenças entre os dois, Giovanni Sartori nos fala que embora Dahl defenda a teoria competitiva, sua ênfase é muito diferente da de Schumpeter; Dahl começa onde Schumpeter para, isto é, Dahl procura uma difusão e um reforço pluralistas, na sociedade como um todo, da competição entre elites
(SARTORI, 1994, p. 211). Ainda sobre esse ponto, o cientista político italiano nos diz que enquanto Schumpeter quer apenas entender como o sistema democrático funciona, Dahl pretende, além de entender esse funcionamento, promover a democracia.
Esse pluralismo destacado por Sartori é, sem dúvida alguma, um dos principais aspectos do pensamento de Dahl. Ao inserir a ideia de pluralismo na esfera democrática, a teoria dahlsiana se diferencia cada vez mais das análises meramente elitistas da democracia. Criticando a Teoria das Elites⁴, Dahl afirmou que esta não pode ser comprovada cientificamente. No texto A critique of the ruling elite model
⁵, o autor questionou os pressupostos dessa teoria, na ocasião em que estabeleceu a seguinte hipótese:
A hipótese da existência de uma elite dirigente pode ser estritamente testada somente se: 1) A elite dirigente hipotética é um grupo bem definido. 2) Há uma quantidade razoável de casos envolvendo decisões políticas fundamentais nos quais as preferências da elite dirigente hipotética se chocam com as preferências de qualquer outro grupo provável que possa ser sugerido. 3) Em tais casos, as preferências da elite regularmente prevalecem (DAHL, 1970, p. 96).
Ele refutou essa teoria por ela ser incapaz de comprovar empiricamente a existência de uma única elite – minoria – governante e dominante que se constitui como um grupo bem definido dentro de um sistema democrático⁶. A crítica se direciona também para o fato de que não é possível demonstrar, a partir de uma observação direta da realidade, que as preferências políticas dessa elite sempre prevalecem. Para o autor, as democracias modernas são formadas por várias minorias concorrentes entre si e, no mínimo, cada uma dessas minorias tem alguma influência sobre as questões que lhe interessam. Essa ideia de que numa democracia existem minorias que concorrem entre si evidencia fortemente o pluralismo da teoria dahlsiana.
Outros autores também destacaram o aspecto pluralista na obra de Robert Dahl. C. B. Macpherson, por exemplo, afirma que Dahl é pluralista,
Porque parte da pressuposição de que a sociedade a que se deve ajustar um sistema político democrático é uma sociedade plural, isto é, uma sociedade consistindo de indivíduos, cada um dos quais é impelido a muitas direções por seus muitos interesses, ora associado com um grupo de companheiros, ora com outros (MACPHERSON, 1978, p. 81).
O cientista político britânico David Held também faz referência a esse ponto, no momento em que ele classifica Dahl como um adepto do modelo de democracia pluralista. De acordo com Held, os pluralistas não concordam integralmente com o elitismo de que a concentração de poder pelas elites fosse algo inevitável. Ainda que os elitistas tenham exercido uma influência considerável sobre os pluralistas, estes se diferenciam daqueles na medida em que aceitam a ideia de que as decisões políticas do governo de uma sociedade democrática sofrem a influência de vários grupos
(HELD, 2007, p. 148).
Norberto Bobbio salienta o pluralismo de Dahl, afirmando que ele é um dos mais convencidos teóricos e ideólogos do pluralismo
(BOBBIO, 2007, p. 931). Segundo Bobbio, o pluralismo democrático defendido por Dahl admite a existência de elites de poder, contudo, faz questão de ressaltar a concorrência entre essas diversas elites. De acordo com a teoria dahlsiana, o axioma fundamental de um sistema pluralista consiste no fato de que em vez de um único centro de poder soberano, é necessário que haja muitos centros, dos quais nenhum possa ser inteiramente soberano
(BOBBIO, 2007, p. 931). Cristina Buarque de Hollanda expressa uma opinião similar a essa, colocando que o autor não adere, portanto, à tendência elitista de afirmar a indiferença entre os regimes políticos – fadados, afinal, ao governo das minorias
(HOLLANDA, 2011, p. 43). Para essa autora, a partir de sua concepção plural, Robert Dahl ressignificou a democracia como uma competição entre elites.
Esse aspecto pluralista da teoria dahlsiana é fruto de uma tradição do pluralismo iniciada no século XIX por Alexis de Tocqueville e aperfeiçoada na década de quarenta do século XX, sobretudo por Talcott Parsons e David Truman. Paul Hirst nos diz que os cientistas políticos norte-americanos desse período desenvolveram de uma forma mais aprofundada essa concepção política e Robert Dahl foi um dos principais expoentes dessa tradição. No sentido de construir um modelo teórico das condições que uma comunidade política deve satisfazer para garantir um mínimo de competição democrática para a influência e o exercício de funções, Dahl é o mais explícito dos pluralistas
(HIRST, 1996, p. 576). Para Hirst, é justamente por valorizar e enfatizar os aspectos plurais de uma sociedade democrática que Dahl supera a teoria schumpeteriana, diferenciando-se desta.
Nas mãos de Dahl, o pluralismo torna-se uma teoria da competição política estável e relativamente aberta e das condições institucionais e normativas que a sustentam. Poder e influência só se dispersam sob condições sociais e políticas definidas: a participação política deve incluir, pelo menos potencialmente, todos os cidadãos adultos que gozem dos mesmos direitos formais; a formação de grupos de interesses e partidos concorrentes, independentes do controle do estado, não deve ser sistematicamente monopolizada por um grupo minoritário. Além disso, a maioria dos grupos concorrentes que almejam controlar ou influenciar a tomada de decisões deve subscrever as normas de uma cultura política democrática, ou seja, aceitar a alternância de poder, o direito de outros grupos à existência e os limites dos métodos de competição política (HIRST, 1996, p. 575).
Maior diferenciação fez Leonardo Avritzer. Segundo esse autor, Robert Dahl rompe e supera a teoria de Schumpeter a partir de dois pontos principais: o primeiro diz respeito ao fato de que, ao introduzir o princípio de maximização
– princípio este que consiste no entendimento de que não basta apenas descrever as democracias, mas que é preciso também aperfeiçoar as suas condições –, Dahl superou o dualismo entre realismo e idealismo; o segundo ponto trata da reintrodução do elemento da participação política
como uma fonte de legitimação e avaliação das democracias. Sobre essa característica da teoria dahlsiana, Avritzer nos fala que:
Desse modo, Dahl sustenta que não apenas a participação democrática é afim ao desenvolvimento moral, recolocando na teoria democrática um elemento ausente desde Schumpeter, como deduz desse princípio uma crítica ao elitismo. Para ele, o princípio da autonomia moral traz, enquanto decorrência, a constatação de que todos os indivíduos são suficientemente qualificados para participar das decisões coletivas de uma associação que afete significativamente os seus interesses. O princípio da autonomia moral implica, portanto, o rompimento com a visão schumpeteriana (AVRITZER, 2012, p. 117).
Em Dahl, a justificação da democracia passa, portanto, pelo princípio da autonomia, entendendo-a como um processo que, mediante a participação, desenvolve a capacidade moral e social dos cidadãos.
Cremos que, a partir da opinião de todos esses autores citados, ficou bastante claro os aspectos do pluralismo na teoria dahlsiana. É importante ter em mente essa relação entre democracia e pluralismo no pensamento de Robert Dahl para entender a maneira como ele analisa os sistemas democráticos reais. Veremos adiante que o seu interesse não é apenas compreender a forma como os sistemas democráticos funcionam, mas também promover a democracia, isto é, encontrar uma maneira de maximizar seus potenciais. Antes, porém, é importante observarmos que o autor desenvolveu uma interessante investigação sobre dois eixos teóricos da democracia moderna. É a partir da análise crítica desses dois tipos representativos de democracia que Dahl começa a esboçar a sua teoria democrática.
1.1 A DISCUSSÃO SOBRE A TEORIA DEMOCRÁTICA MODERNA
Uma das principais análises realizadas por Robert Dahl em torno da teoria democrática moderna encontra-se em um de seus primeiros e mais importantes livros, A Preface to Democratic Theory
⁷, de 1956. Nessa obra, o objetivo de Dahl foi examinar três tipos representativos de teoria democrática, a saber, a Democracia Madisoniana
, que coincide com o Estado limitado pela Lei, a Democracia Populista
, que tem como princípios fundamentais a soberania popular e a igualdade política, e a Democracia Poliárquica
, na qual as condições da ordem democrática derivam de pré-requisitos sociais. De acordo com o autor, esses três tipos representativos servem para o estudo das vantagens e deficiências de dois métodos a partir dos quais seria possível construir uma teoria democrática: o da maximização e o descritivo.
A partir do método da maximização nós podemos tomar, como valor, um estado de coisas, por exemplo, a igualdade política, e elaborar a seguinte questão: que condições são necessárias para atingir a máxima concretização dessa meta? Nesse sentido, pode-se definir a democracia em termos de processos governamentais específicos e necessários à maximização da meta escolhida. Para Robert Dahl, as duas primeiras teorias, a madisoniana e a populista, estão relacionadas a esse método. A madisoniana postula uma república não-tirânica como objetivo a ser maximizado; a teoria populista indica a soberania popular e a igualdade política
(DAHL, 1989, p. 67). Vejamos, então, as características mais importantes de cada uma dessas concepções e, principalmente, o ponto de vista do autor sobre elas.
No que tange à democracia madisoniana
, Dahl nos apresenta uma ideia geral sobre essa teoria logo no início da sua discussão:
O que vou chamar de teoria madisoniana
de democracia constitui um esforço para se chegar a uma acomodação entre o poder das maiorias e o das minorias, entre a igualdade política de todos os cidadãos adultos, por um lado, e o desejo de lhes limitar a soberania, pelo o outro. Como sistema político, a transigência mútua, exceto em um interlúdio importante, provou-se duradoura. E o que é mais, parece que os americanos o apreciam (DAHL, 1989, p. 13).
De acordo com Dahl, James Madison acreditava que a realização de uma democracia direta seria praticamente impossível no contexto da modernidade. Para Madison, a democracia direta, no seu sentido mais amplo, qual seja, o de governo exercido diretamente pelo o povo, se degeneraria inevitavelmente em despotismo. Dessa forma, a solução seria reduzir o sistema democrático de governo à proteção da liberdade individual no contexto de uma república não tirânica.
A concepção madisoniana assenta-se sobre duas ideias básicas: tirania
e facção
. De uma forma geral, podemos apreender a ideia de tirania a partir de algumas hipóteses: I) Na ausência de controles externos, qualquer dado indivíduo, ou grupo de indivíduos, tiranizará os demais; II) A acumulação de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário nas mesmas mãos implica a eliminação dos controles externos (generalização empírica). A eliminação dos controles externos gera tirania,