A revolução alemã
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A revolução alemã - Isabel Maria Loureiro
A Revolução Alemã
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
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Diretor-Presidente
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Superintendente Administrativo e Financeiro
William de Souza Agostinho
Conselho Editorial Acadêmico
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Luis Fernando Ayerbe
Marcelo Takeshi Yamashita
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Milton Terumitsu Sogabe
Newton La Scala Júnior
Pedro Angelo Pagni
Renata Junqueira de Souza
Sandra Aparecida Ferreira
Valéria dos Santos Guimarães
Editores-Adjuntos
Anderson Nobara
Leandro Rodrigues
Isabel Loureiro
A Revolução Alemã
1918-1923
Coleção Revoluções do Século XX
Direção de Emília Viotti da Costa
2ª edição revista
© 2020 Editora UNESP
Direito de publicação reservados à:
Fundação Editora da Unesp (FEU)
Praça da Sé, 108
01001-900 – São Paulo – SP
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva – CRB-8/9410
Editora Afiliada:
Apresentação da coleção
O século XIX foi o século das revoluções liberais; o XX, o das revoluções socialistas. O que nos reservará o século XXI? Há quem diga que a era das revoluções está encerrada, que o mito da Revolução que governou a vida dos homens desde o século XVIII já não serve como guia no presente. Até mesmo entre pessoas de esquerda, que têm sido através do tempo os defensores das ideias revolucionárias, ouve-se dizer que os movimentos sociais vieram substituir as revoluções. Diante do monopólio da violência pelos governos e do custo crescente dos armamentos bélicos, parece a muitos ser quase impossível repetir os feitos da era das barricadas.
Por toda parte, no entanto, de Seattle a Porto Alegre ou Mumbai, há sinais de que hoje, como no passado, há jovens que não estão dispostos a aceitar o mundo tal como se configura em nossos dias. Mas, quaisquer que sejam as formas de luta escolhidas, é preciso conhecer as experiências revolucionárias do passado. Como se tem dito e repetido, quem não aprende com os erros do passado está fadado a repeti-los. Existe, contudo, entre as gerações mais jovens, uma profunda ignorância desses acontecimentos tão fundamentais para a compreensão do passado e a construção do futuro. Foi com essa ideia em mente que a Editora Unesp decidiu publicar esta coleção. Esperamos que os livros venham a servir de leitura complementar aos estudantes do ensino médio, aos universitários e ao público em geral.
Os autores foram recrutados entre historiadores, cientistas sociais e jornalistas, norte-americanos e brasileiros, de posições políticas diversas, cobrindo um espectro que vai do centro até a esquerda. Essa variedade de posições foi conscientemente buscada. O que perdemos, talvez, em consistência, esperamos ganhar na diversidade de interpretações que convidam à reflexão e ao diálogo.
Para entender as revoluções no século XX, é preciso colocá-las no contexto dos movimentos revolucionários que se desencadearam a partir da segunda metade do século XVIII, resultando na destruição final do Antigo Sistema Colonial e do Antigo Regime. Apesar das profundas diferenças, as revoluções posteriores procuraram levar a cabo um projeto de democracia que se perdeu nas abstrações e contradições da Revolução de 1789, e que se tornou o centro das lutas do povo a partir de então. De fato, o século XIX assistiu a uma sucessão de revoluções inspiradas na luta pela independência das colônias inglesas na América e na Revolução Francesa.
Em 4 de julho de 1776, as treze colônias que vieram inicialmente a constituir os Estados Unidos da América declaravam sua independência e justificavam a ruptura do Pacto Colonial. Em palavras candentes e profundamente subversivas para a época, afirmavam a igualdade dos homens e apregoavam como seus direitos inalienáveis o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Afirmavam que o poder dos governantes, aos quais cabia a defesa daqueles direitos, derivava dos governados. Portanto, cabia a estes derrubar o governante quando ele deixasse de cumprir sua função de defensor dos direitos e resvalasse para o despotismo.
Esses conceitos revolucionários que ecoavam o Iluminismo foram retomados com maior vigor e amplitude treze anos mais tarde, em 1789, na França. Se a Declaração de Independência das colônias americanas ameaçava o sistema colonial, a Revolução Francesa viria pôr em questão todo o Antigo Regime, a ordem social que o amparava, os privilégios da aristocracia, o sistema de monopólios, o absolutismo real, o poder divino dos reis.
Não por acaso, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional da França, foi redigida pelo marquês de La Fayette, francês que participara das lutas pela independência das colônias americanas. Este contara com a colaboração de Thomas Jefferson, que se encontrava na França, na ocasião como enviado do governo americano. A Declaração afirmava a igualdade dos homens perante a lei. Definia como seus direitos inalienáveis a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão, sendo a preservação desses direitos o objetivo de toda associação política. Estabelecia que ninguém poderia ser privado de sua propriedade, exceto em casos de evidente necessidade pública legalmente comprovada e desde que fosse prévia e justamente indenizado. Afirmava ainda a soberania da nação e a supremacia da lei. Esta era definida como expressão da vontade geral e deveria ser igual para todos. Garantia a liberdade de expressão, de ideias e de religião, ficando o indivíduo responsável pelos abusos dessa liberdade, de acordo com a lei. Estabelecia um imposto aplicável a todos, proporcionalmente aos meios de cada um. Conferia aos cidadãos o direito de, pessoalmente ou por intermédio de seus representantes, participar na elaboração dos orçamentos, ficando os agentes públicos obrigados a prestar contas de sua administração. Afirmava ainda a separação dos poderes.
Essas declarações, que definem bem a extensão e os limites do pensamento liberal, reverberaram em várias partes da Europa e da América, derrubando regimes monárquicos absolutistas, implantando sistemas liberal-democráticos de vários matizes, estabelecendo a igualdade de todos perante a lei, adotando a divisão dos poderes (legislativo, executivo e judiciário), forjando nacionalidades e contribuindo para a emancipação dos escravos e a independência das colônias latino-americanas.
O desenvolvimento da indústria e do comércio, a revolução nos meios de transporte, os progressos tecnológicos, o processo de urbanização, a formação de uma nova classe social – o proletariado – e a expansão imperialista dos países europeus na África e na Ásia geravam deslocamentos, conflitos sociais e guerras em várias partes do mundo. Por toda parte os grupos excluídos defrontavam-se com novas oligarquias que não atendiam às suas necessidades e não respondiam aos seus anseios. Estes se extravasavam em lutas que visavam a tornar mais efetiva a promessa democrática que a acumulação de riquezas e poder nas mãos de alguns, em detrimento da grande maioria, demonstrara ser cada vez mais fictícia.
A igualdade jurídica não encontrava correspondência na prática; a liberdade sem a igualdade transformava-se em mito; os governos representativos representavam apenas uma minoria, pois a grande maioria do povo não tinha representação de fato. Um após outro, os ideais presentes na Declaração dos Direitos do Homem foram revelando seu caráter ilusório. A resposta não se fez tardar.
Ideias socialistas, anarquistas, sindicalistas, comunistas ou simplesmente reformistas apareceram como críticas ao mundo criado pelo capitalismo e pela liberal-democracia. As primeiras denúncias contra o novo sistema surgiram contemporaneamente à Revolução Francesa. Nessa época, as críticas ficaram restritas a uns poucos revolucionários mais radicais, como Gracchus Babeuf. No decorrer da primeira metade do século XIX, condenações da ordem social e política criada a partir da Restauração dos Bourbon na França fizeram-se ouvir nas obras dos chamados socialistas utópicos, como Charles Fourier (1772-1837), o conde de Saint-Simon (1760-1825), Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), o abade Lamennais (1782-1854), Étienne Cabet (1788-1856), Louis Blanc (1812-1882), entre outros. Na Inglaterra, Karl Marx (1818-1883) e seu companheiro Friedrich Engels (1820-1895) lançavam-se na crítica sistemática ao capitalismo e à democracia burguesa, e viam na luta de classes o motor da história e, no proletariado, a força capaz de promover a revolução social. Em 1848, vinha à luz o Manifesto Comunista, conclamando os proletários do mundo a se unirem.
Em 1864, criava-se a Primeira Internacional dos Trabalhadores. Três anos mais tarde, Marx publicava o primeiro volume de O capital. Enquanto isso, sindicalistas, reformistas e cooperativistas de toda espécie, como Robert Owen, tentavam humanizar o capitalismo. Na França, o contingente de radicais aumentara bastante, e propostas radicais começaram a mobilizar um número maior de pessoas entre as populações urbanas. Os socialistas, derrotados em 1848, assumiram a liderança por um breve período na Comuna de Paris, em 1871, quando foram novamente vencidos. Apesar de suas derrotas e múltiplas divergências entre os militantes, o socialismo foi ganhando adeptos em várias partes do mundo. Em 1873, dissolvia-se a Primeira Internacional. Marx faleceu dez anos mais tarde, mas sua obra continuou a exercer poderosa influência. O segundo volume de O capital saiu em 1885, dois anos após sua morte, e o terceiro, em 1894. Uma nova Internacional foi fundada em 1889. O movimento em favor de uma mudança radical ganhava um número cada vez maior de participantes, em várias partes do mundo, culminando na Revolução Russa de 1917, que deu início a uma nova era.
No início do século XX, o ciclo das revoluções liberais parecia definitivamente encerrado. O processo revolucionário, agora sob inspiração de socialistas e comunistas, transcendia as fronteiras da Europa e da América para assumir caráter mais universal. Na África, na Ásia, na Europa e na América, o caminho seguido pela União Soviética alarmou alguns e serviu de inspiração a outros, provocando debates e confrontos internos e externos que marcaram a história do século XX, envolvendo a todos. A Revolução Chinesa, em 1949, e a Cubana, dez anos mais tarde, ampliaram o bloco socialista e forneceram novos modelos para revolucionários em várias partes do mundo.
Desde então, milhares de pessoas pereceram nos conflitos entre o mundo capitalista e o mundo socialista. Em ambos os lados, a historiografia foi profundamente afetada pelas paixões políticas suscitadas por ambos os blocos e deturpada pela propaganda. Agora, com o fim da Guerra Fria, o desaparecimento da União Soviética e a participação da China em instituições até recentemente controladas pelos países capitalistas, talvez seja possível dar início a uma reavaliação mais serena desses acontecimentos.
Esperamos que a leitura dos livros desta coleção seja, para os leitores, o primeiro passo numa longa caminhada em busca de um futuro em que liberdade e igualdade sejam compatíveis, e a democracia, a sua expressão.
Emília Viotti da Costa
Sumário
Lista de abreviaturas
Lista de organizações políticas
Introdução
1. O Kaiserreich: economia, política e cultura
2. Revolução de 1918-1919: a fase moderada
3. Janeiro de 1919-março de 1920: a fase radical
4. Da ação de março
de 1921 ao outubro alemão
de 1923: a derrota dos comunistas
5. Conclusão
Bibliografia
Lista de abreviaturas
Lista de organizações políticas
1918
Esquerda
Partido Social-Democrata Alemão (SPD): liderado por Friedrich Ebert, Philipp Scheidemann, Otto Landsberg, Hermann Müller.
Partido Social-Democrata Alemão Independente (USPD): ala direita liderada por Hugo Haase, Wilhelm Dittmann, Karl Kautsky, Eduard Bernstein, Rudolf Breitscheid; ala esquerda: Georg Ledebour, Ernst Däumig, Luise Zietz, Emil Eichhorn, Kurt Eisner (na Baviera).
Liga Spartakus: ala do USPD até 30 de dezembro de 1918, quando se torna o Partido Comunista da Alemanha (KPD). Líderes: Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo, Franz Mehring, Clara Zetkin, Wilhelm Pieck, Otto Rühle, Hugo Eberlein, Ernst Meyer, Hermann Duncker, Paul Levi.
Delegados revolucionários (Revolutionäre Obleute): liderados por Richard Müller, Emil Barth, Paul Scholze. Organismo nascido nas fábricas de Berlim nos primeiros anos da Primeira Guerra Mundial.
Centro
Centro (Zentrum): partido católico fundado em 1870. Principal líder: Matthias Erzberger.
Partido do Progresso Alemão (Deutsche Fortschrittspartei): fundado em 1870, representava sobretudo a ala esquerda dos liberais. Líderes: Friedrich von Payer, Conrad Haussmann.
Centro-direita
Partido Nacional-Liberal (Nationalliberale Partei): fundado em 1867. Líder: Gustav Stresemann.
A partir de 1919
Direita
Partido Nacional Popular Alemão (Deutschnationale Volkspartei – DNVP): principal partido em 1919. Seus membros são monarquistas, antissemitas, que representam os grandes proprietários de terras, os altos funcionários, oficiais, alguns industriais e, sobretudo no Leste, uma parte das classes médias.
Partido Popular Alemão (Deutsche Volkspartei – DVP): substitui em parte o Partido Nacional-Liberal. Representa os interesses do grande capital (bancos e indústria pesada). Líderes: Gustav Stresemann, Hjalmar Schacht e Fritz Thyssen.
Centro
Centro (Zentrum): tem uma fração democrática, liderada por Matthias Erzberger e Joseph Wirth, que exprime principalmente os interesses dos operários católicos e dos pequenos camponeses da Renânia e da Alemanha do Sul. Mas aos poucos é dominado pela ala direita.
Partido Popular Bávaro (Bayerische Volkspartei – BVP): denominação local do Zentrum católico.
Partido Democrata Alemão (Deutsche Demokratische Partei – DDP): resultado de uma fusão entre o Partido do Progresso e uma parte do Partido Nacional-Liberal. Representa os interesses da burguesia liberal e da pequena burguesia. Cada vez menos importantes, são a favor da República. Líderes: Hugo Preuss, Alfred Weber (irmão de Max Weber) e Theodor Wolff, redator-chefe do Berliner Tageblatt.
Extrema direita
Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães ou Partido Nazista (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei – NSDAP): fundado em 1920, refundado em fevereiro de 1925. Líder: Adolf Hitler.
Introdução
Nós, alemães, compartilhamos das restaurações das nações modernas sem que tenhamos participado de suas revoluções.
Marx, Ausgewahlte Werbe
Na Alemanha, as condições para uma revolução eram de fato melhores que na Rússia, onde só existia terra plana com camponeses, e aqui havia cidades e indústria, e um operariado educado e organizado. Por que não deveria acontecer na Alemanha o que aconteceu na Rússia?
Döblin, Karl und Rosa: November 1918
De 1918 a 1923, a Alemanha foi palco da primeira revolução numa sociedade industrial desenvolvida. Depois da Revolução Russa em 1917, pela primeira vez pareciam possíveis as perspectivas de uma vitória do socialismo no Ocidente. Mas, contrariamente ao que ocorreu na Rússia, a Revolução Alemã fracassou, e a vitória das forças conservadoras acabou por pavimentar o caminho para a queda da República e a ascensão do nazismo.
Poucos períodos históricos no século XX suscitaram tanto interesse por parte dos estudiosos quanto os anos que precederam a vitória de Hitler, a chamada República de Weimar (1919-1933). Foram tempos de grande efervescência cultural e política, em que a Alemanha imperial passou por profundas transformações, as quais, porém, não bastaram para liquidar os resquícios do antigo regime. A sociedade alemã precisou de duas guerras mundiais e da barbárie nazista para finalmente abandonar o Sonderweg (caminho particular) e entrar no círculo das democracias ocidentais, o que o historiador Heinrich August Winkler denominou longo caminho para o Ocidente
. Não se pressupõe aqui nenhum juízo de valor, no sentido de transformar em modelo a democracia parlamentar – hoje mais que nunca apenas uma máscara para a acumulação do capital –, embora seja perfeitamente compreensível que a experiência do nazismo tenha tornado desejável, por parte dos alemães, a aceitação dos valores democráticos do Ocidente.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os historiadores alemães procuraram responder a estas perguntas cruciais: Como foi possível a chegada de Hitler ao poder? O caminho da catástrofe poderia ter sido evitado? Uma das pesquisas mais esclarecedoras, com vistas a oferecer resposta a essas questões, foi realizada a partir dos anos 1960 por historiadores como Eberhard Kolb e o próprio Winkler e lançou luz sobre papel dos conselhos na chamada Novemberrevolution (Revolução de Novembro) de 1918-1919. Ela mostra, a partir de exaustivas fontes primárias, que, apesar das peculiaridades da formação social do país, a ascensão de Hitler não era, para retomarmos o título do livro de Ernst Niekisch, uma fatalidade alemã
. Eis uma boa razão para revisitar essa revolução derrotada.
Mas, se ela não bastasse, haveria ainda uma outra. Esse período mostra em filigrana de que modo as divergências teóricas e práticas no campo da esquerda alemã – que culminaram no assassinato dos dois líderes da extrema esquerda, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, no dia 15 de janeiro de 1919 – deram origem a uma guerra civil perversa, que abriria um abismo insuperável entre socialistas moderados
e radicais
, levando ao fortalecimento e à vitória da contrarrevolução nazista.
Lembrar não só os vitoriosos, mas também, como quer o historiador inglês Edward Palmer Thompson, os "becos sem saída, as