O ponto cego
De Lya Luft
4/5
()
Sobre este e-book
Leia mais títulos de Lya Luft
As coisas humanas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO tempo é um rio que corre Nota: 4 de 5 estrelas4/5Pensar é transgredir Nota: 3 de 5 estrelas3/5O silêncio dos amantes Nota: 5 de 5 estrelas5/5As parceiras Nota: 3 de 5 estrelas3/5A asa esquerda do anjo Nota: 4 de 5 estrelas4/5Reunião de família Nota: 5 de 5 estrelas5/5Múltipla escolha Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA casa inventada Nota: 3 de 5 estrelas3/5Em outras palavras Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO rio do meio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasExílio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMar de dentro Nota: 5 de 5 estrelas5/5Paisagem brasileira: Dor e amor pelo meu país Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO quarto fechado Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Relacionado a O ponto cego
Ebooks relacionados
Mar de dentro Nota: 5 de 5 estrelas5/5Exílio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA casa inventada Nota: 3 de 5 estrelas3/5O quarto fechado Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMúltipla escolha Nota: 0 de 5 estrelas0 notasReunião de família Nota: 5 de 5 estrelas5/5A asa esquerda do anjo Nota: 4 de 5 estrelas4/5O rio do meio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCada forma de ausência é o retrato de uma solidão Nota: 5 de 5 estrelas5/5Em outras palavras Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPaisagem brasileira: Dor e amor pelo meu país Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAmanhã não tem ninguém Nota: 4 de 5 estrelas4/5Michelle Obama em suas próprias palavras Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTentativas de capturar o ar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSelma e Sinatra Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO coração de uma mulher Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEu preferia ter perdido um olho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSabendo que és minha Nota: 0 de 5 estrelas0 notasÂnsia Eterna Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSonhei que a neve fervia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNadando de Volta Para Casa Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEu já morri Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFamília é tudo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNuma hora assim escura Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMeus desacontecimentos: A história da minha vida com as palavras Nota: 4 de 5 estrelas4/5Crescer é Morrer Devagarzinho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasQuando as árvores morrem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA solidão do amanhã Nota: 4 de 5 estrelas4/5Retratos de amor Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCarpinejar Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Vida em Família para você
Vá aonde seu coração mandar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEu te darei o sol Nota: 4 de 5 estrelas4/5Cartas ao Remetente Nota: 5 de 5 estrelas5/5Se adaptar Nota: 4 de 5 estrelas4/5Um prefácio para Olívia Guerra Nota: 4 de 5 estrelas4/5O elefante Nota: 5 de 5 estrelas5/5Mary Jane Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMulherzinhas: a história completa com 4 livros Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA morte de Ivan Ilitch Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEstamos todos completamente transtornados Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs conchas não falam Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPoemas tardios Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEntre dentes Nota: 4 de 5 estrelas4/5Laços De Cristal Nota: 5 de 5 estrelas5/5Uma paixão sob medida Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO livro do deslembramento Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO colecionador de memórias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOutra forma de amor: "Cachorro gato" membros da família multiespécie Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTentativas de capturar o ar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCrônica de uma vida de mulher Nota: 3 de 5 estrelas3/5Reunião de família Nota: 5 de 5 estrelas5/5Amanhã não tem ninguém Nota: 4 de 5 estrelas4/5Topeka School Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Tapeçaria de Emma Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAntes do silêncio Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Categorias relacionadas
Avaliações de O ponto cego
1 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
O ponto cego - Lya Luft
Para ISABELA,
bela
Num fino traço
faço o perfil de ninguém.
Quem quer ser alguém
nessa vida sombria
parida com sangue e papel?
Mas no círculo que traço,
nariz, cinco dedos na ponta do braço,
donzela esguia ou boneco de engonço,
limito um novo ser: e me abraço
a mim, no poder de gerar um sinal
que instaure no nada o todo possível.
Quem faz de nós reis, deuses, réus
da nossa eterna contradição?
No texto que faço
separo o nada do nada:
abro o espaço
da minha interrogação.
Mulher no palco, 1984
O ponto cego é um fenômeno da visão humana
segundo o qual, conforme convergência e
refração, pode-se ver o que habitualmente
permanece oculto: a possibilidade além da
superfície, o concreto afirmado na miragem.
Assim eu inventei, assim eu decretei, assim é.
Sumário
1| História de Mãe e de Menino
2| História de Pai e Mãe
3| História de Menino sozinho
4| História do vento do mar
5| História de Mãe e Moço
1 | História de Mãe e
de Menino
Mãe! Chamaremos agoniados.
Reunião de família, 1982
Eu que invento e desinvento, eu que manejo os cordéis, eu decidi parar de crescer. Foi quando minha Mãe não procurou logo por mim naquele nosso jogo. Dessa vez ela não entrou na brincadeira: não se interessava mais.
Isso foi antes de recebermos a visita que faria saltar dos espaços brancos tudo o que lá se ocultava.
Minha Mãe foi-se cansando de mim, da nossa cumplicidade. Ou da vida que levava. Sabia que havia rumos a decidir e restava-lhe menos tempo para minhas constantes necessidades, pois eu a exigia muito — e ela se exigia o tempo todo.
Talvez ninguém seja culpado: meus cálculos podem ter dado errado, minhas manobras falharam, o devorado era o que devia ficar inteiro, e o sobrevivente foi aquele que deveria ter sido engolido.
Notando o desinteresse dela, disfarçado mas real, e do qual talvez nem ela se desse conta, pensei que se ficasse para sempre pequeno eu teria mais chances: o que resta a uma Mãe senão cuidar do seu Menino?
Além do mais, sendo adulto eu perderia a minha perspectiva, as possibilidades de inventar se afunilariam e se fechariam as portas daqueles corredores.
Eu não queria ser como meu Pai que pensa que tudo controla mas deixa escapar o essencial. Então tomei a minha decisão.
Meu corpo obedeceu quando eu o reprogramei; mas não como fora planejado. Parou, mas não de todo; e não se sustou direito. Em algum momento errei a fala, fugi do roteiro, botei fora o papel pensando que era indispensável. Estranhas mudanças começaram a acontecer em mim — essas que nem eu entendo mas sofro.
Cada dia sinto que fiquei alguns milímetros diferente. Um pouco maior? Menor ainda? A pele muda de textura, tudo me dói. Se, ao contrário do que projetei, eu continuar crescendo mas minha pele não esticar? Se ela rachar e se fender... se eu explodir?
O que vai ser de mim? Eu me pergunto isso todos os dias, uma porção de vezes. O que vai espirrar nas paredes, o que vai-se derramar no chão: a merda ou o sonho?
O tempo que rói e corrói precisa ser reinstaurado, quem conta histórias pode sobrepor muitas camadas de imaginário e real pois sabe que os limites são tênues, e poderosa a liberdade com todos os seus perigos.
(É isso que eu faço. Eu manejo as minhas criaturas, invento e desinvento, e faço acontecer.)
•
Esta é a história de um Menino e da Mãe do Menino: uma história de muita sombra. História de desvãos, do embaixo do debaixo, do secreto. Narração de olhares, de um olhar. História de invocações.
Na trama da minha vida, sei que a Mãe preferia o Menino, mas o Pai queria era a irmã do Menino, bem mais velha. Era ela o futuro, era o homem, herdeira da força, dos desejos e projetos, a futura diretora das empresas. Ela ia com o Pai, visitava com ele o escritório e as fábricas onde havia um capacete adaptado à sua delicada cabeça. A menina dos olhos do Pai, diziam.
Eu, Menino, nasci bem depois, enfezado e prematuro, de cabeça grande no corpo magro, muito sem graça.
O Pai parece perplexo:
O que é que a gente faz com esse Menino? — pergunta às vezes à minha Mãe.
Ou:
— Nunca sei direito o que fazer com ele. Tão diferente, tão esquisito.
— É o jeito dele, deixa a criança em paz, daqui a pouco ele se recupera e fica um homão feito você.
Sei que no silêncio ela pensava: Ou ficará sempre do jeito dele mesmo, alguém fora do padrão, alguém especial — o Menino de sua Mãe.
E me dizia que eu era especial para ela, o filho sonhado, desejado:
— Você foi o filho da minha maturidade, que eu tanto quis. Você foi a minha alegria renovada.
•
Algumas das coisas que vou contar aqui eu vi e vivi; de muitas suspeitei, apanhei soltas no ar, meu coração as escutava soprando nas frestas. Outras, ainda, as pessoas revelaram sem saber.
Sempre há quem se exponha àquele que finge não escutar nada atrás das portas e não enxergar muita coisa lá da sua perspectiva. Personagens arrastam-se de longe: nunca acabaram de ser narradas por isso não conseguem morrer, e querem que eu as convoque.
Não cessam; murmuram nas dobras da cortina; querem voltar, querem viver. Sabem que posso desatar os nós que as prendem e as soltar na sombra — como balões iluminados.
Eu simplesmente fui reunindo mentiras e testemunhos: pois o que passou e o que está por vir e o que jamais aconteceu, paira no ar como a voz do mar continua depois que o fundo de areia se transformou num perfumado capim, riachos e cavalos, e pessoas com seus destinos desde sempre escritos.
Mas a verdade que eu quero contar, essa que circula no meu sangue e transuda de minha pele, é a história de duas pessoas que foram engolidas pelo seu olhar: um olhar infinito e interminável, viajante certeiro.
Um olhar fatal.
E de um cavalo cor-de-mel cujas patas varavam a noite, e um dia levaram alguém para onde não tem o sim nem o nada.
No preto e no branco, esta é a narrativa de como tentei manipular o tempo e afinal ele armou para mim uma armadilha mais eficiente do que a minha malícia.
Se eu era o definido precário, minha Mãe era a força negada: trazia entalada na garganta a pedra de sua própria anulação. Meu Pai tinha direito ao espaço: o melhor lugar à mesa, a maior poltrona na sala, a força