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Nós somos a mudança que buscamos: Os discursos de Barack Obama
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Nós somos a mudança que buscamos: Os discursos de Barack Obama
E-book431 páginas7 horas

Nós somos a mudança que buscamos: Os discursos de Barack Obama

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Sobre este e-book

Reunião de 27 dos melhores discursos de Barack Obama. Nós somos a mudança que buscamos é um livro tocante e contundente que nos permite ter contato com a essência do pensamento do ex-presidente dos Estados Unidos, que entrou para a história por muitos motivos, entre eles, ser o primeiro presidente negro de um país que registrou uma das mais longas e infames segregações raciais do planeta e por sua eloquência, comparada à de poucos dos seus antecessores. Impulsionado pela própria capacidade de mudança e de persuadir outros tantos a mudar, Obama marcou uma era de ressignificação do ideal americano e busca por um mundo mais justo e igualitário. Seus discursos são um convite para a esperança em um contexto atribulado que só será transformado com a firme crença na melhora e pelo desejo de mudança vivo em cada um de nós.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de out. de 2017
ISBN9788546500635
Nós somos a mudança que buscamos: Os discursos de Barack Obama

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    Nós somos a mudança que buscamos - Barack Obama

    Tradução

    Clóvis Marques

    1ª edição

    Rio de Janeiro | 2017

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Obama, Barack, 1961-

    O12n

    Nós somos a mudança que buscamos [recurso eletrônico]: os discursos de Barack Obama / Barack Obama; organização E. J. Dionne Jr. , Joy-Ann Reid; tradução Clóvis Marques. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Best Seller, 2017.

    recurso digital

    Tradução de: We are the change we seek

    Formato: epub

    Requisitos do sistema: adobe digital editions

    Modo de acesso: world wide web

    ISBN 978-85-465-0063-5 (recurso eletrônico)

    1. Obama, Barack, 1961-. 2. Presidente - Estados Unidos - Discursos, conferências, etc. 3. Livros eletrônicos. I. Dionne Jr, E. J. II. Reid, Joy-Ann. III. Marques, Vlóvis. IV. Título.

    17-44579

    CDD: 973.9320141

    CDU: 81'42-057.177.1(73)

    Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

    Título original:

    WE ARE THE CHANGE WE SEEK

    Copyright © E. J. Dionne Jr. e Joy-Ann Reid, 2017

    Publicado de acordo com termos contratuais com a Bloomsbury Publishing Inc.

    Todos os direitos reservados.

    Copyright da tradução © 2017 by Editora Best Seller Ltda.

    Design de capa: Katya Mezhibovskaya

    Adaptação de capa: Sense Design

    Imagem de capa: Getty Images/ Brooks Kraft / Colaborador

    Editoração eletrônica da versão impressa: Abreu’s System

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização prévia por escrito da editora, sejam quais forem os meios empregados.

    Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela

    EDITORA BEST SELLER LTDA.

    Rua Argentina, 171, parte, São Cristóvão

    Rio de Janeiro, RJ – 20921-380

    que se reserva a propriedade literária desta tradução

    Produzido no Brasil

    ISBN 978-85-465-0063-5

    Seja um leitor preferencial Record.

    Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções.

    Atendimento e venda direta ao leitor

    [email protected] ou (21) 2585-2002

    Para minha esposa, Mary Boyle, e nossos filhos, James, Julia e Margot, que sempre se lembrarão de ter enfrentado o frio para testemunhar a história no dia 20 de janeiro de 2009.

    Para meu marido, Jason Reid, e meus filhos, Winsome, Jmar e Miles, que tiveram a sorte de saber que alguém com a sua aparência pode ser presidente.

    E para John Lewis, que tornou isto possível.

    SUMÁRIO

    Introdução: Em marcha!

    O que eu não quero é uma guerra estúpida

    Discurso contra a guerra no Iraque

    Chicago, Illinois, 2 de outubro de 2002

    A audácia da esperança

    Discurso de abertura da Convenção Nacional Democrata de 2004

    Boston, Massachusetts, 27 de julho de 2004

    Até onde chegamos

    Pronunciamento na festa do 65º aniversário de John Lewis

    Atlanta, Geórgia, 21 de fevereiro de 2005

    Não podemos abandonar o campo do discurso religioso

    Discurso de abertura da Conferência da Call to Renewal

    Washington DC, 28 de junho de 2006

    O que espera os Estados Unidos?

    Discurso no Banquete Jefferson-Jackson

    Des Moines, Iowa, 10 de novembro de 2007

    Sim, nós podemos

    Discurso de reconhecimento da derrota nas primárias de New Hampshire

    Nashua, New Hampshire, 8 de janeiro de 2008

    Uma união mais perfeita

    Discurso no National Constitution Center

    Filadélfia, Pensilvânia, 18 de março de 2008

    Mudar é possível

    Discurso de aceitação da candidatura na Convenção Nacional Democrata de 2008

    Denver, Colorado, 28 de agosto de 2008

    Esta vitória é de vocês

    Discurso da vitória na noite da eleição

    Chicago, Illinois, 4 de novembro de 2008

    Uma nova era de responsabilidade

    Primeiro discurso de posse

    Washington, 20 de janeiro de 2009

    Corações abertos. Mentes abertas. Palavras justas.

    Pronunciamento na entrega de diplomas em Notre Dame

    South Bend, Indiana, 17 de maio de 2009

    Um novo começo

    Pronunciamento na Universidade do Cairo

    Cairo, Egito, 4 de junho de 2009

    O guerreiro feliz

    Elogio fúnebre do senador Edward M. Ted Kennedy

    Boston, Massachusetts, 29 de agosto de 2009

    Uma paz justa e duradoura

    Conferência do Prêmio Nobel da Paz

    Oslo, Noruega, 10 de dezembro de 2009

    Justiça foi feita

    Pronunciamento sobre Osama bin Laden

    Washington DC, 2 de maio de 2011

    Venho aqui dizer que eles estão errados

    Pronunciamento sobre a economia

    Osawatomie, Kansas, 6 de dezembro de 2011

    Newtown, você não está sozinha

    Pronunciamento na vigília inter-religiosa de oração Sandy Hook

    Newtown, Connecticut, 16 de dezembro de 2012

    Nós, o povo...

    Segundo discurso de posse

    Washington DC, 21 de janeiro de 2013

    Agora temos que concluir o trabalho

    Discurso do Estado da União de 2013

    Washington, DC, 12 de fevereiro de 2013

    Trayvon Martin [...] podia ser meu filho

    Pronunciamento sobre Trayvon Martin

    Washington, D.C., 19 de julho de 2013

    Tenham amor

    Pronunciamento no Café da Manhã da Oração Nacional

    Washington, D.C., 5 de fevereiro de 2015

    Pois somos filhos da mudança

    Pronunciamento no 50º aniversário do Domingo Sangrento

    Selma, Alabama, 7 de março de 2015

    Sublime graça

    Elogio fúnebre do ilustre reverendo Clementa Pinckney

    Charleston, Carolina do Sul, 26 de junho de 2015

    Um mundo digno dos nossos filhos

    Pronunciamento na primeira sessão da COP21

    Paris, França, 30 de novembro de 2015

    Como veem, não basta uma justificada indignação para mudar

    Pronunciamento na cerimônia de formatura da Universidade Howard

    Washington DC, 7 de maio de 2016

    Precisamos ir em frente

    Pronunciamento na Assembleia Geral das Nações Unidas

    Nova York, 20 de setembro de 2016

    O que nossa democracia exige

    Pronunciamento de despedida

    Chicago, Illinois, 10 de janeiro de 2017

    Agradecimentos

    Introdução

    EM MARCHA!

    Barack Obama e a audácia da persuasão

    E. J. Dionne Jr. e Joy-Ann Reid

    BARACK OBAMA CHEGOU à Casa Branca em janeiro de 2009, enfrentando um conjunto de circunstâncias mais funesto do que qualquer presidente desde Franklin Roosevelt: um desaastre financeiro global que chegaria muito perto de se transformar em um colapso econômico, índices estratosféricos de desemprego e guerras impopulares no Iraque e no Afeganistão, que não demonstravam qualquer sinal de solução. Apesar da fervorosa promessa de campanha de amainar as divisões políticas do país, ele se viu diante de uma oposição republicana empenhada em recuperar o poder criando obstáculos para seu programa, desafiando seu mandato de governo e condenando seus sonhos de harmonia a morrerem no nascedouro.

    Com o tempo, isso significou que Obama teve que recorrer a seu talento retórico para enfrentar e derrotar os adversários políticos. Quando as circunstâncias exigiam, Obama podia ser um político partidário altamente eficaz, o que enfurecia ainda mais os oponentes. Por mais eloquente que se mostrasse, ele nunca conquistava a adesão daqueles que o viam como um perigoso antagonista filosófico.

    Mas Obama nunca abandonou a ideia de que, sob a superfície dos conflitos mais tempestuosos, um país que o elegera como o primeiro presidente afro-americano não estava tão dilacerado quanto parecia. Para seus apoiadores — e cada vez mais, à medida que se aproximava o fim de seu mandato, para os americanos cansados das infindáveis guerras partidárias —, ele continuava sendo uma figura empenhada em reviver o apelo de Abraham Lincoln aos melhores anjos da nossa natureza. Quando seu período na presidência estava chegando ao fim, até mesmo alguns adversários reconheciam, às vezes de má vontade, que Obama tinha uma fluência calma da qual sentiriam falta.

    Obama sempre soube que, quando se tratava de envolver as pessoas por meio da fala, dispunha daquele algo especial. Foi o que disse sem rodeios em 2009 a Harry Reid, líder da Maioria no Senado, depois de Reid descrever como fenomenal um discurso de Obama no plenário. Em suas memórias, Reid disse que jamais esqueceria sua resposta.

    — Eu tenho um dom, Harry — comentou Obama em tom casual.

    Reid reforçou que Obama falou isso sem a mais leve sombra de jactância ou presunção, mas com um sentimento que eu descreveria como de profunda humildade.

    O relato foi publicado quando Obama já assumira a presidência, e é possível que Reid, o leal democrata, tenha se empenhado em evitar que a convicção do novo presidente em sua própria eloquência fosse considerada um sinal de arrogância. Ainda assim, a afirmação de Reid era plausível, pois o caráter de distanciamento tranquilo com frequência permitia a Obama enumerar de forma neutra seus próprios defeitos e virtudes. Ele simplesmente chegara à conclusão de que a capacidade de convencer, comover e inspirar era um de seus maiores trunfos. E tinha razão.

    É surpreendente que o gênio retórico não seja nem nunca tenha sido essencial para uma presidência bem-sucedida. Ao longo do último século, a lista de presidentes que podemos considerar oradores particularmente talentosos não é longa — Franklin Roosevelt, John F. Kennedy, Ronald Reagan, Bill Clinton e Obama.

    Roosevelt e Kennedy pertencem a esse rol não apenas porque falavam com eloquência, mas também por terem dominado os novos veículos que haviam se imposto na política — o rádio, no caso do primeiro, e a televisão, no do segundo. As exigências dos dois eram diferentes. Enquanto o rádio oferecia certa intimidade calorosa, a televisão se mostrava amigável com quem demonstrava uma ironia tranquila. Reagan, como não se cansavam de lembrar os liberais, tirava proveito do talento de ator e de anos no circuito de palestras, mas também se sobressaía por ter ideias claras e uma noção perfeita do rumo em que pretendia conduzir o país. Clinton compartilhava com Reagan a capacidade de argumentar com coerência e a certeza de que a reiteração dessas argumentações era um fator central de uma presidência bem-sucedida. Na Convenção Nacional Democrata de 2012, Clinton usou sua habilidade para vender o peixe de Obama, outrora rival de sua esposa, merecendo daquele que passara a apoiar um novo epíteto: Explainer in chief — [Consultor chefe]. Provando que até Obama podia, às vezes, ser superado em termos retóricos, Clinton fez uma argumentação em favor da reeleição que foi amplamente considerada mais convincente do que a do próprio presidente.

    Na escolha de seus antecessores em matéria de oratória, Obama apontou Lincoln como seu primeiro ídolo, uma escolha lógica para um político de Illinois que anunciou a candidatura presidencial na cidade que Lincoln adotou como sua, Springfield, e cuja eleição como primeiro presidente afro-americano representou uma consumação da obra do Grande Emancipador (o que poderia ter chocado o próprio Lincoln, que compartilhava, especialmente no início da carreira, muitos dos preconceitos raciais da sua época). Obama tinha mais um ponto em comum com Lincoln: a visão de que a trajetória da história americana apontava na direção da justiça e da inclusão. Nesse ponto, Obama seguia também Martin Luther King Jr. Tanto Lincoln quanto King e Obama consideravam que a melhor maneira de resgatar a promessa americana era insistir que, desde as origens do país, essa promessa era inerente aos documentos fundadores, em especial a Declaração da Independência. Obama se conectou ao passado dos Estados Unidos para mudar o futuro.

    Também havia muito de Roosevelt em Obama, tanto de Franklin quanto de Theodore. Assim como Clinton, Obama se considerava o presidente de uma nova era progressista que tinha em comum com a Era Progressista original* o imperativo de enfrentar desafios radicais na economia e na sociedade. Se aqueles primeiros progressistas se empenhavam em estabelecer novas regras para um país que se movia da fazenda para a fábrica e das regiões rurais para as grandes cidades, os mais recentes queriam levar ordem e maior grau de justiça a uma nação ainda mais metropolitana, tanto nas áreas suburbanas quanto nas centrais, e que assistia à substituição do trabalho nas manufaturas pelas novas frentes na economia tecnológica, científica e de serviços. Em um dos discursos mais importantes de sua presidência, em Osawatomie, Kansas, Obama se vinculou firmemente ao legado intelectual e político de Teddy Roosevelt.

    Um presidente que assumiu durante a maior catástrofe econômica desde a Grande Depressão não podia deixar de ir na direção de Franklin Delano Roosevelt e, por outro lado, de sofrer sua inevitável influência. Numa capa da revista Time, Obama apareceu quase como um sósia de FDR: sorriso confiante e piteira no canto da boca — o que parecia adequado em se tratando de alguém que tentava parar de fumar.

    Sem dúvida, havia também ressonâncias de JFK, em especial na parte da retórica de Obama que mais se conecta à questão das gerações. Se John Kennedy foi a voz jovem da geração da Segunda Guerra Mundial, Obama foi o primeiro presidente não afetado pelas turbulências da década de 1960, considerando-se capaz de libertar o país de muitos pressupostos, lutas e discórdias dessa época. Apesar do que os inimigos conservadores muitas vezes diziam a seu respeito, Obama, assim como Kennedy, desconfiava das ideologias e, às vezes, podia se mostrar bem duro com aliados mais à esquerda. (O discurso de Osawatomie foi, em certa medida, uma tentativa de reconquistar a confiança desses aliados nele.)

    É provável que a referência mais inesperada de Obama, considerando-se o abismo filosófico entre os dois, tenha sido Reagan. Mas o respeito que Obama demonstrou pelo ex-presidente não deveria surpreender. Os dois tinham em comum algo inusitado na história dos Estados Unidos: ambos se valeram de um único discurso para galgar o mais alto patamar da política americana. É difícil encontrar outros políticos que tenham feito o mesmo. William Jennings Bryan, com seu discurso da Cruz de Ouro, em 1896, foi quem chegou mais perto.

    No caso de Reagan, o discurso que o lançou na carreira política foi Hora de escolher, transmitido pela TV em 27 de outubro de 1964, no qual saiu em defesa da malfadada campanha presidencial de Barry Goldwater. Cabe duvidar que o discurso tenha feito muita gente mudar de ideia — Goldwater acabou amargando uma derrota histórica —, mas a transmissão destacou Reagan como um herói conservador de nossa época. Valendo-se de ironia, histórias interessantes e das devidas estatísticas (ainda que equivocadas), Reagan deu voz ao conservadorismo moderno. No momento em que concluiu seu pronunciamento naquela noite (com a expressão a última melhor esperança da Terra, usada por Lincoln), os milhões de conservadores que o assistiam sabiam ter encontrado aquele que os levaria à Casa Branca. E foi o que ele fez, 16 anos depois.

    Obama abriu sua porta para o imaginário político americano com um discurso muito diferente: o pronunciamento de abertura da Convenção Nacional Democrata, em 27 de julho de 2004. O que ficou na lembrança foi o chamamento à unidade nacional, a insistência em que Não há uma América liberal e uma América conservadora; há os Estados Unidos da América. E também: Não há uma América dos negros, dos brancos, dos latinos ou dos asiáticos; há os Estados Unidos da América. Um país que ansiava por união, ao que parecia na época, tinha encontrado seu representante.

    O que esquecemos é que o discurso era também um pronunciamento partidário com objetivos políticos. Em certo sentido, corporificava tensões que estariam presentes na caminhada de Obama até a presidência e durante seu período na Casa Branca. Obama sempre precisou ir e vir entre suas esperanças de conciliação e a necessidade de vencer batalhas campais com um Partido Republicano que resistia a seus gestos de aproximação.

    Enquanto Reagan procurava acirrar as divisões ideológicas, Obama as via — em especial àquelas em torno de questões sociais e morais — como um produto das estratégias republicanas e um empecilho para as esperanças liberais e democratas. O discurso de Obama em favor da unidade, afinal, era um ataque às intenções divisivas dos republicanos. Neste exato momento em que falamos, disse ele, não faltam aqueles que se preparam para nos dividir, os manipuladores e vendedores de pessimismo que adotam a política do vale-tudo. À sua maneira, Obama também estava dividindo o país: entre os que separavam o país por motivos políticos e os que se recusavam a fazê-lo.

    Isso tinha a ver com um projeto alimentado por Obama à época: diminuir o impacto de questões culturais, assim como de divisões raciais e religiosas, estimulando americanos brancos da classe média e da classe trabalhadora a apoiar progressistas e democratas empenhados em defender seus interesses econômicos. O discurso sobre a divisão dos Estados Unidos entre republicanos e democratas continha uma visão progressista da economia e promessas em nome daqueles que estavam perdendo seus empregos sindicalizados e salários decentes. Ironicamente, Donald Trump, o arqui-inimigo de Obama, apelaria para esses mesmos eleitores em 2016. Dois dos discursos mais importantes de Obama — um, sobre religião, na conferência Apelo à Renovação, em 2006, e, outro, sobre raça, após a polêmica que envolveu seu pastor, o reverendo Jeremiah Wright — destinavam-se a acabar com duas das maiores linhas divisórias da política americana, em benefício, esperava Obama, dos progressistas.

    Os secularistas se equivocam ao exigir que os crentes deixem sua religião do lado de fora ao entrar na arena pública, disse ele no primeiro discurso. Quanto a Wright, Obama criticou seu pastor por ter uma visão profundamente distorcida de nosso país — uma visão que considera o racismo branco como endêmico e equipara o que está errado nos Estados Unidos com tudo aquilo que sabemos estar certo nos Estados Unidos. Considerando-se as grandes divisões que se aprofundaram nos anos Obama, é paradoxal e até mesmo trágico que ele tenha dedicado tanto de seu poder de fogo retórico à missão de conciliar os conservadores religiosos brancos com sua visão enquanto observava, pelo contrário, o agravamento dessas cisões. Até os pregadores mais talentosos podem fracassar na missão de converter.

    Obama tinha algo mais em comum com Reagan, ou pelo menos era o que esperava. Assim como o antecessor, ele queria realinhar a política americana. Reagan movera a política para a direita. Obama queria ter o mesmo êxito em reverter essa maré. Durante sua campanha nas primárias contra Hillary Clinton, declarou, enfaticamente, em uma entrevista ao Reno Gazette-Journal: Considero que Ronald Reagan mudou a trajetória dos Estados Unidos de um jeito que nem Richard Nixon nem Bill Clinton foram capazes. É provável que a equiparação do marido de sua adversária a Nixon não tenha sido mero acidente. No entanto, as palavras mais reveladoras de Obama foram a respeito de Reagan: Ele nos conduziu a um caminho fundamentalmente diferente porque o país estava pronto, disse. Acho que ele foi direto no que as pessoas já estavam sentindo. Isto é: queremos clareza, queremos otimismo, queremos a volta àquele sentimento de dinamismo e iniciativa do qual temos sentido falta.

    Essa entrevista se revelaria um excelente guia para a estratégia retórica de Obama nos oito anos subsequentes. Seus índices de aprovação no fim do mandato indicavam que, de fato, a maioria do país estava pronta para a mudança prometida por ele, muito embora uma considerável minoria continuasse resistindo.

    E havia, na abordagem retórica de Obama, um aspecto muito característico dele ou, talvez mais precisamente, que ele não compartilhava com presidentes anteriores, e sim com os heróis dos direitos civis: o reconhecimento de que a tarefa de mudar o rumo da história era longa, árdua e cheia de decepções. Era aí que surgia, e sempre haveria de surgir, a esperança. Obama insistiria que, mesmo em momentos de decepção, o desespero estava fora de questão — não apenas por ser inútil, mas também por negar possibilidades que sempre existiriam.

    Esperança não é otimismo cego, disse Obama no início da campanha de 2008. Não significa ignorar a enormidade da tarefa que temos pela frente ou os obstáculos no caminho. Nem, tampouco, cruzar os braços enquanto a caravana passa, ou fugir da luta. Esperança é aquilo dentro de nós que, apesar das indicações em contrário, insiste em que algo melhor nos espera se tivermos coragem de buscar, trabalhar e lutar.

    Assim, Obama exortava constantemente seus aliados a levar em conta as vitórias obtidas, os sucessos alcançados, as possibilidades concretizadas. Em 2016, ele disse aos alunos da Howard University que negar o quanto avançamos seria um desserviço à causa da justiça, às legiões de soldados, a (...) suas mães e seus pais, seus avós e bisavós, que marcharam e lutaram e sofreram e superaram tudo para tornar este dia possível.

    Os detratores conservadores de Obama o acusavam com frequência de se desculpar pelos Estados Unidos. Na verdade, ele defendia o tempo todo o legado do país, os Estados Unidos que sempre foram capazes de mudar e se aperfeiçoar. Assim como seu herói teológico, Reinhold Niebuhr, Obama entendia a fragilidade humana — o pecado original, em termos cristãos —, mas também a capacidade humana de transcendência. Tinha em mente essa fragilidade em todos os seus empreendimentos, fossem políticos ou retóricos. Assim como Niebuhr, era, decididamente, um realista. Mas continuava apostando na transcendência e na esperança. Sim, nós podemos foi um slogan político inteligente, mas também uma frase que ia direto ao cerne da tese que ele não se cansaria de sustentar.

    SEM DÚVIDA É um hábito dos presidentes falar em termos históricos e situar seus esforços no longo fluxo da história americana. Mas poucos outros presidentes (Lincoln foi um deles) insistiram tanto quanto Obama em oferecer uma aula permanente sobre a história americana e seu significado. Isso, escreveu o historiador James Kloppenberg em seu livro Reading Obama, refletia o fato de Obama encarar as complexas lições da saga americana como um guia para indicar os passos seguintes:

    Obama amalgamou tradições americanas comumente — mas incorretamente — consideradas distintas. Aprendeu lições congruentes de diversas fontes. A democracia funciona melhor quando os direitos são equilibrados com as responsabilidades. Democracia requer compromisso, não por ser o caminho da menor resistência, mas porque as pessoas podem aprender umas com as outras e porque as mudanças duradouras exigem amplo consentimento popular. A mudança nos Estados Unidos é uma tarefa de décadas, e não de meses, nem mesmo de anos. Absorvendo todas essas lições, Obama também aprendeu que a única base de uma cultura se encontra em sua complexa história.

    Isso explica por que Obama retorna com frequência (como fazia Bill Clinton) à ideia de uma união mais perfeita contida no Preâmbulo da Constituição. Na retórica de Obama, a palavra perfect significa, com a mesma frequência, tanto o verbo aperfeiçoar quanto um adjetivo que remete a uma condição ideal. O pressuposto é sempre de que os Estados Unidos ainda não atingiram sua meta, mas se aproximam dela a cada década. Cinquenta anos depois do Domingo Sangrento, nossa marcha ainda não terminou, mas estamos chegando mais perto, declarou ele no 50º aniversário da marcha em Selma.** Duzentos e trinta e nove anos após a fundação desta nação, nossa união ainda não é perfeita, mas estamos chegando mais perto. Nossa tarefa é mais fácil porque alguém já nos fez percorrer esse primeiro quilômetro. Alguém já nos fez atravessar essa ponte.

    Ele expôs a mesma ideia ao jogar com o duplo significado de perfect em seu pronunciamento sobre a polêmica em torno de Wright: Esta união talvez nunca seja perfeita, mas as gerações vêm demonstrando, uma após a outra, que pode ser aperfeiçoada.

    Na visão de mundo de Obama, há um pressuposto muito semelhante à ideia exposta por Václav Havel ao se dirigir ao Congresso americano em 1990. Enquanto as pessoas forem pessoas, a democracia, no pleno sentido da palavra, nunca passará de um ideal, declarou Havel. Podemos nos aproximar dela como nos aproximaríamos do horizonte, de formas que podem ser melhores ou piores, mas ela nunca poderá ser plenamente alcançada. Nesse sentido, vocês também estão apenas se aproximando da democracia. A jornada em direção a uma meta é uma meta em si mesma. Assim foi que Obama se referiu, falando aos alunos de pós-graduação da Howard University em 2016, ao que mais admirava nos combatentes da campanha dos direitos civis: Eles sabiam que, mesmo que vencessem, aquele seria apenas o início de uma longa marcha em direção à igualdade.

    Obama também costumava se situar em termos históricos, como fez em Osawatomie e como sempre fez ao se referir a algo que poderia ser encarado como um autêntico milagre americano: o fato de um país dilacerado desde o início pela injustiça racial chegar a eleger um cidadão negro como presidente.

    Foi na presidência de Obama que uma divisão acentuada na maneira como os americanos absorvem e interpretam sua história ficou mais clara que nunca — talvez em decorrência do inevitável contraste entre a visão de Obama e a atitude assumida por seus adversários conservadores, em especial os membros do Tea Party, a ala radical e ultraconservadora do Partido Republicano.

    Simplificando: alguns americanos se mostram mais inclinados a se voltar para o passado, e, outros, para o futuro. Alguns consideram que as virtudes manifestas da nação estão enraizadas em antigos valores nutridos por um elenco de ideias que precisam ser defendidas contra qualquer um que as conteste. Outros se voltam para a comprovada capacidade do país de se corrigir e mudar.

    Em consequência, uma das correntes de reverência aos fundadores dos Estados Unidos decorre da crença de que eles estabeleceram verdades atemporais. A visão alternativa os apresenta como aventureiros políticos e intelectuais dispostos a romper com antigos sistemas e formas consagradas de pensamento.

    Não há dúvida de que muitos americanos combinam essas visões em suas próprias formas de patriotismo, mas a maioria tende para um lado ou para o outro. Obama evidentemente celebra a capacidade de mudança dos Estados Unidos e, nesse sentido, enquadra-se na tradição de Franklin Roosevelt, que em um pronunciamento na casa de Thomas Jefferson, em Monticello, em 4 de julho de 1936, frisou que os inventores da experiência americana criaram uma nação que jamais teria medo da mudança.

    O que os fundadores da pátria tinham feito?, perguntou. Romperam com o sistema de campesinato, com a servidão por contrato, explicou Roosevelt. Eles foram capazes de construir para si mesmos uma nova independência econômica. Seus deuses não eram os deuses das coisas tal como se apresentavam, mas os deuses das coisas como deveriam ser. E assim, como tão bem demonstra Monticello, usaram novos recursos e novos modelos para construir novas estruturas.

    Não os deuses das coisas tal como se apresentavam, mas os deuses das coisas como deveriam ser é o credo do reformista. O propósito do passado é servir ao presente e ao futuro. A história é uma questão de testar instituições no confronto com os padrões e adaptá-las, como dizia Roosevelt, para ampliar a liberdade da mente humana e acabar com a sujeição a ela imposta pela ignorância, pela pobreza e pela intolerância política e religiosa.

    Há uma linha divisória entre as visões de Roosevelt e de Obama sobre a tradição americana, como foi expresso em Selma. Que maior expressão de fé na experiência americana poderia haver, que maior forma de patriotismo do que a crença de que os Estados Unidos não estão concluídos, de que somos fortes o bastante para ser autocríticos, de que cada geração que se sucede pode contemplar nossas imperfeições e decidir que temos a capacidade de refazer esta nação para deixá-la mais alinhada com nossos ideais mais elevados?, perguntava Obama.

    Mas o dom de Obama também implicava em desvantagens. Ele ficava em uma saia-justa quando sua eloquência falhava, quando um discurso não alcançava o padrão esperado dele desde o momento em que desceu da tribuna na Convenção de 2004. Às vezes, Obama era vítima do que Mario Cuomo, o eloquente governador de Nova York, considerava uma versão do estereótipo da loura burra. Cuomo dizia que, quando um político falava particularmente bem, considerava-se que sua única habilidade era falar. Em 2008, Obama fez uma piada dizendo que seus adversários ridicularizavam seus apoiadores por terem se apaixonado por sua lábia. Em meio a risos, ele imitou a fala dos inimigos: Só querem saber dele porque fala bonito.

    O elevado tom de confiança que ele exortava seus partidários a adotar era também objeto de zombaria. Obama gostava de dizer que era acusado de ser um vendedor de esperança. Não se incomodava com isso, e especialmente em 2008, mas também em muitas ocasiões desde então, tentou reviver na política presidencial seu trabalho como organizador comunitário. Considerava que envolver os cidadãos no trabalho duro da democracia era sua tarefa. Não haverá mudança se esperarmos outra pessoa ou outra época, declarou na noite da Super Terça das primárias em 2008. Nós somos aqueles por quem estávamos esperando. Nós somos a mudança que buscamos.

    Ele também carregava outro fardo. Estivesse agindo como um grande animador ou sedutor, o primeiro presidente negro do país era constantemente chamado a interpretar momentos de crise racial, e seus esforços suscitavam tanto elogios efusivos quanto críticas cáusticas. Talvez fosse inevitável que ele se tornasse uma referência positiva para dezenas de milhões de americanos e uma referência negativa para outras dezenas de milhões. Um homem negro criado por uma mãe branca e avós brancos, do Meio-Oeste, ele também era um marido e pai que sempre tinha em mente o seu dever como exemplo e herói para jovens afro-americanos, em especial jovens negros do sexo masculino. Carregava responsabilidades acerca da questão racial como nenhum de seus antecessores carregara.

    Ao levar adiante esses encargos, Obama se voltava para o esperançoso credo multirracial do cristianismo dos direitos civis. A ênfase na esperança; a insistência na luta, na organização e na estruturação de movimentos; as frequentes referências à brutal urgência do agora — tudo ecoava abertamente o vocabulário de uma causa dos direitos civis ancorada nas Escrituras. Ele invocava as características de Martin Luther King Jr. mais associadas aos temas da conciliação, e não o King mais indignado, que, perto do fim da vida, tornou-se alvo de críticas intensas dos conservadores por sua decidida oposição à guerra no Vietnã. Era esse King mais tardio que encontrava ressonância em Wright, gerando a tempestade à qual Obama se viu obrigado a reagir.

    A retomada da retórica dos primeiros tempos da campanha dos direitos civis se encaixava perfeitamente com o temperamento e a visão de mundo de Obama, além de apresentar vantagens práticas. O início do movimento, em particular a pregação de King, não se centrava, primordialmente, na derrota dos adversários, mas na conversão deles. O tema da conversão e da busca de uma amada comunidade inter-racial combinava com a mensagem central de reconciliação política e racial sustentada por Obama. Precisamos levar a fé a sério, escreveu ele em A audácia da esperança (título derivado de um sermão de Wright), não apenas para bloquear o caminho da direita religiosa, mas também para mobilizar todas as pessoas de fé no projeto mais amplo da renovação americana. As ressonâncias espirituais da retórica dos direitos civis contribuíram para dar certo ar de revitalização religiosa à campanha de 2008, assentando as bases para o apelo de Obama à esperança.

    Esse Obama seria ouvido com frequência durante seu período como presidente, alcançando o momento mais comovente em Charleston, Carolina do Sul, no elogio fúnebre do reverendo Clementa Pinckney, após um massacre em uma igreja afro-americana. A fala terminou com o presidente cantando espontaneamente Amazing Grace, tal como um pregador poderia cantar as frases de seu sermão, em meio a um coro de perplexas aleluias.

    KLOPPENBERG ASSINALA UM aspecto importante da visão de mundo de Obama que por vezes entrava em conflito com sua visão esperançosa do país e de seu futuro. Escrevendo num período complicado da presidência, Kloppenberg via em Obama o pragmatismo filosófico de William James e John Dewey. Embora quase todo político goste de se considerar pragmático, o pragmatismo, em si mesmo, é uma filosofia fria, nada tendo a ver com o calor da retórica:

    O pragmatismo é uma filosofia para céticos, uma filosofia para quem está comprometido com o debate democrático e a avaliação crítica dos resultados das decisões políticas, e não para crentes convencidos de conhecerem o caminho certo antes mesmo de qualquer investigação ou experimentação (...) A flexibilidade da filosofia pragmática, que ajuda a entender a acuidade e a flexibilidade intelectuais de Obama, pode, paradoxalmente, solapar sua capacidade de inspirar

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