Os invisíveis: Tragédias brasileiras
De Carlos Nejar
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Sobre este e-book
Carlos Nejar é um homem partido pelas tragédias brasileiras. Com sessenta anos de lira nos ombros, algo que nenhum outro autor nacional tem hoje, ele descreve as tragédias de Brumadinho, de Mariana, o incêndio no Museu Nacional e o desmatamento covarde da Amazônia. Sua voz teatral inconfundível põe-se a favor de todos os invisíveis, dos flagelados, dos desalojados, dos índios Awás perseguidos, dos mortos pagos e dos familiares inclementes. Os invisíveis fala em nome dos que desapareceram pelo simples fato de serem brasileiros. Fala de nossa omissão histórica no presente. Fala sem fim do fim iminente da honra e da dignidade.
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Os invisíveis - Carlos Nejar
Copyright © Carlos Nejar 2019
Projeto gráfico: Angelo Bottino
Texto revisado segundo o novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
2019
Produzido no Brasil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Nejar, Carlos, 1939-
N339i
Os invisíveis [recurso eletrônico] : tragédias brasileiras / Carlos Nejar. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2019.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-286-2450-2 (recurso eletrônico)
1. Poesia brasileira. 2. Livros eletrônicos. I. Título.
19-61439
CDD: 869.1
CDU: 82-1(81)
Leandra Felix da Cruz - Bibliotecária - CRB-7/6135
Todos os direitos reservados.
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra,
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Tel.: (0xx21) 2585-2000 — Fax: (0xx21) 2585-2084
Atendimento e venda direta ao leitor:
Para Elza Mansidão,
com amor
e trinta e dois anos
juntos.
À Beatriz e a Fabrício Carpinejar,
devotado filho, a quem devo o mote
desta Amazônia dos Awás.
Para Jussara/Cleto Rossetti
e escritor Deonísio Silva:
fraternos no tempo.
À Maria Beltrão e a Luciano
Saldanha Coelho, amigo raro,
que me acompanhou na viagem
do Monumento ao Rio Doce,
ao Museu Nacional
e Brumadinho
A semente é uma águia. Enterrada,
é que voa.
todas as coisas à vida. (…)
Escutai o grito piedoso dos mortos!
que te espera!
Envelheço no povoado da faca.
Monumento ao Rio Doce
[água]
Martírio do Museu Nacional
[fogo]
Brumadinho:
Tocata de Barro em Dor Maior
[lama]
A Amazônia dos Awás
[lâmina e ganância]
Monumento
ao Rio Doce
[água]
E conto: virei defunto.
"Minha pisada é no susto.
Erro sem vara e sem grão.
"Sem ter roçado na sorte.
Quando emigra a viração.
"Então, emigrei de mim,
Emigrei na vitalícia
"Comunidade das várzeas,
Bairros, pontes, vilarejos.
"Se for adotiva a morte,
Ela não vai no que vejo.
"Como a maçã no pote
E a macieira do peito.
"Rio de um Brasil no espelho,
Ou espelho que se desfaz.
"Cada vez que olho nele,
O que não faço se faz,
"Mas o espelho verdadeiro
É o que a realidade açoita,
"E vai aonde vão ponteiros
Do relógio que me corta,
"E o que a realidade beira
Com as imagens e o gesto
"São melões que, pela feira,
Nas tendas procuram preço.
"E trajo uma lã grosseira,
Nódoa de farinha ao eito.
"Como explicar a leira,
Sem o trigo posto a jeito?
"Cavo, cavamos a morte,
Enquanto a morte nos cava.
"E é duro saber que o corte
Não vê a ponta que crava".
Não, se a foz do rio é pátria,
Onda de céus, a vinha.
Onda, a videira de algas.
Que pátria que se comparte
Em raios de ardor intactos,
Ó amor, árvore de água.
O que ao refletir, se alarga
E, em água, é a estrela d’alva,
Pátria, pátria em raios de água.
E a Via Láctea, vasilha?
Mas n’água tua pele é argila
E, em gotas, tua ferida,
Tal se pedra na vida
Afundasse tua mobília.
Pode ser rio, sozinha:
Só pelo azul descendo.
"Mas eu sou rio pela morte,
Rio de morte tão vizinha,
"Como se a morte andorinha
Fosse, sem asas, suporte,
"Mas o que a morte desprende,
Não vai atar-me ao penedo.
"Morte tem passo de alpendre:
Com o firmamento deslizo.
"E é um firmamento sem eixo,
Batido, ocioso, sem norte.
"O firmamento que a morte
Constelações põe no queixo.
"Como se viessem do avesso
Ou demasiado viverem,
"Afinidade confessa.
Se trago num prumo fio,
"É sonâmbulo no assombro.
Rio nenhum quer ser navio,
"Nem velas, nem marinheiro.
E eu, que ambições alongo?
"Minha água foi confidente
De pássaros, peixes, bichos.
"E, às vezes, tão indulgente.
Até de lágrimas nicho.
"Durmo de água com pés juntos.
O esquecimento me dorme,
"Mas o exterior informe
Quer separar-me do fundo.
"Dizem que a água pensa em si.
Como se dá para os homens?
"Se de sonhar se consome,
Por que dela a morte ri?"
Ou melhor, remediada.
Esta que é de pedra
Diante das intempéries.
Com mesma freguesia
De ter fome varrida,
Ou tal doença tida
Por quem no rasto some.
Se aposentam no Instituto.
Por se aposentarem, herdam
Salário de quem o Estige
Paga o Caronte e, astuto,
Sem devolver-lhes, nega.
Aposentam-se de vivos,
Aposentam-se na leva.
Que o Estado de bengala,
Guia a esses pela cega
Procissão, de abjeta escala.
Pobre aposenta-se morto,
Ou, tal se fosse, de tifo
No erário ou sobre o bolso,
Ou se põe quem se aposenta
No estaleiro sem reforço,
Ou é estaleiro de adagas.
Não há seguro que aos mortos
Aposentados atraca.
Aguardam, aguardam: nada.
De não se pescar mais dor.
Não se aposenta o odor
Dos bosques e nem o sol.
A dor se supera em dor,
Até não ter mais alçada.
Tal se o som de uma balada
Pudesse reter o amor,
Ou tem de alaúde a forma,
Em cântaro, desenhada.
Dor nem fria, nem morna,
Mas se endurece, acalma.
E quem aposenta alma,
Mesmo que alguns não vejam?
Quanto de alma arqueja?
Alma jamais tem vaga,
Ou é a aposentadoria,
Tão prolongada que apenas
Se morre, antes de tê-la,
Ou se atrasa na enxovia,
Ou em tais termos se paga
E, quando chega, se enfurna,
Ou se fana na largada
E, de se apossar, despluma,
Ou, de si, jamais se cura.
Cada governo a projeta
E é maior sua secura
Quanto maior a torrente
Deste outro rio, mais textura,
Porque de se aposentar
Cada número segura
Um mais elevado andar.
E anda, de perecer,
Anda de não vagar,
Pois na lenteza é um ser
Que nasceu de se apagar.
Só a alma não tem vaga,
Por em si mesma pousar.
Quando em homem for entrada,
Jamais alma há de parar.
E nem alma se descobre,
Por não se poder pegar.
Animal, não se revela,
Anjo, cansou de planar.
Meu pai e irmão sem querela,
De avecês deram-lhe corte.
Rio, brusco é teu alfabeto:
Se tal senhora o gagueja,
É incapaz de algum afeto.
Minha triste mãe peleja.
Procede a aflição da sega.
Corda de areia o jugo.
Corda de saliva o mal,
Mas a alma não sossega.
E nunca vai deixar vaga,
E mais se adia a saudade
De se envelhecer na árvore,
Quanto mais tiver cavada.
Exímia matemática
Com êmbolo na cauda.
Não afirmo que a morte
Seja corrupta: corrompe,
Mas, rebelde, não se ajusta
E, às vezes, se interrompe,
Ou reflete sozinha,
Nem troca ou dá propina,
Não lava dinheiro. Alinha
Com verdor, número e tampa.
Guarda fervor, estampa
O instante na bainha.
Ou se o trajeto é falto,
Ou se o escuro descampa
Das coisas o anteparo,
Ou se adiantou na pauta
A vadiar em aclive.
Ou se esqueceu do texto,
Mas como é intraduzível
Seu idioma e translado?
No entanto, tem a morte,
Como direito alado,
O progresso com ordem,
Ou a ordem seja ao inverso,
Ou, tal progresso, em morte
Tenha se desvairado.
"Desde Mariana, em cargo,
De me