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As quatro rainhas mortas
As quatro rainhas mortas
As quatro rainhas mortas
E-book463 páginas7 horas

As quatro rainhas mortas

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Sobre este e-book

Na efervescência de paixões proibidas, segredos e alguns mistérios, o reinado das quatro rainhas de Quadara está ameaçado – resta saber como, e por quem.
 No continente de Quadara, há séculos quatro rainhas reinam absolutas, cada uma representando o próprio quadrante. Juntas, mas separadas. A decidida Iris fala por Archia, a ilha de terras férteis; a estoica Corra representa a tecnológica Eonia; Marguerite, a mais velha das rainhas, é a soberana de Toria e de seus curiosos habitantes; e Stessa, a mais jovem, é o rosto de Ludia, o quadrante da diversão e da arte.
As quatro mulheres dividem o poder, sempre respeitando as Leis das Rainhas, sempre pensando no povo e no melhor para a nação. Mas elas têm segredos, e estes podem ser letais. Tão letais quanto Kelarie Corrington. Aos 17 anos, a toriana é a mais hábil larápia e a melhor mentirosa de Jetée. um distrito de excessos, contrabando e charlatões. O último lugar que Varin, um mensageiro eonista, deveria visitar.
Mas ele foi roubado... por Keralie, e a jovem é a única esperança de reaver a mercadoria e manter seu emprego. Um mensageiro nunca pode perder sua encomenda. Para piorar, há coisas muito mais sinistras nos chips de comunicação afanados por Keralie. Algo que pode enredar a larápia e o mensageiro em uma conspiração para assassinar as quatro rainhas de Quadara.
Sem opção, os dois resolvem se unir para descobrir o assassino e salvar a própria vida no processo. Quando sua relutante parceria começa a se transformar em algo mais, os dois precisam aprender a confiar um no outro e a superar as diferenças entre quadrantes para viver esse amor. Mas será que uma curiosa toriana e um insensível eonista têm alguma chance?
IdiomaPortuguês
EditoraGalera
Data de lançamento28 de out. de 2019
ISBN9788501118387
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    5/5
    Adorei esse livro, recomendo muito. Fiquei completamente chocada com esse final.

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As quatro rainhas mortas - Astrid Scholte

Tradução

Adriana Fidalgo

1ª edição

Rio de Janeiro | 2019

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Scholte, Astrid

S391q

As quatro rainhas mortas [recurso eletrônico] / Astrid Scholte ; tradução de Adriana Fidalgo. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Galera Record, 2019.

recurso digital

Tradução de: Four dead queens

Formato: epub

Requisitos do sistema: adobe digital editions

Modo de acesso: world wide web

ISBN 978-85-01-11838-7 (recurso eletrônico)

1. Ficção australiana. 2. Livros eletrônicos. I. Fidalgo, Adriana. II. Título.

19-60526

CDD: 828.99343

CDU: 82-3(94)

Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644

Copyright © 2019 by Astrid Scholte

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios. Os direitos morais da autora foram assegurados.

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa somente para o Brasil adquiridos pela

EDITORA RECORD LTDA.

Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000, que se reserva a propriedade literária desta tradução.

Produzido no Brasil

ISBN 978-85-01-11838-7

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À rainha em todas nós.

Que seja corajosa, autoconfiante, obstinada, sem remorso e tenha determinação para concretizar seus sonhos.

SUMÁRIO

QUADRANTES DE QUADARA

AS LEIS DAS RAINHAS

PARTE UM

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

PARTE DOIS

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

PARTE TRÊS

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

PARTE QUATRO

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34

CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36

CAPÍTULO 37

CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 39

CAPÍTULO 40

CAPÍTULO 41

CAPÍTULO 42

CAPÍTULO 43

CAPÍTULO 44

CAPÍTULO 45

CAPÍTULO 46

CAPÍTULO 47

CAPÍTULO 48

CAPÍTULO 49

AGRADECIMENTOS

QUADRANTES DE QUADARA

Archia

A ilha agrícola, que valoriza a simplicidade, o trabalho duro e a natureza.

Provérbio: Confie apenas no que pode ser empunhado com mão e coração.

Rainha: Iris

Eonia

O quadrante gelado, que valoriza a tecnologia, a evolução e uma sociedade harmônica.

Provérbio: Uma mente turbulenta gera tempos turbulentos. Uma mente pacífica é prenúncio de paz.

Rainha: Corra

Toria

O quadrante costeiro, que valoriza o comércio, a curiosidade e a descoberta.

Provérbio: Conheça todas as coisas, e você compreenderá o todo.

Rainha: Marguerite

Ludia

O quadrante do prazer, que valoriza a frivolidade, a música, a arte e o entretenimento.

Provérbio: A vida é para foliões de olhos e corações abertos.

Rainha: Stessa

AS LEIS DAS RAINHAS

Primeira Lei: Para proteger as terras férteis de Archia, a rainha deve preservar o modo de vida humilde, porém diligente, de seu povo.

Segunda Lei: Emoções e relacionamentos podem anuviar a razão. Eonitas devem confiar apenas em avanços tecnológicos, na medicina e na comunidade como um todo.

Terceira Lei: Para estimular o florescimento da arte, da literatura e da música, Ludia não deve ser incomodada com os monótonos detalhes da vida cotidiana.

Quarta Lei: Curiosidade e descoberta são a essência de cada toriano. Ambas devem ser encorajadas a fim de promover o crescimento contínuo da próspera sociedade de Toria.

Quinta Lei: Uma rainha deve ser criada dentro do próprio quadrante, de modo a aprender os costumes de seu povo e não ser influenciada pelas intrigas da corte.

Sexta Lei: Quando uma rainha entra no palácio, nunca mais há de visitar a terra natal.

Sétima Lei: Antes de completar 45 anos, a rainha deve gerar uma herdeira para garantir a linhagem real.

Oitava Lei: Uma rainha não pode desperdiçar tempo ou emoções com o amor. O casamento lhe é proibido, pois a desvia de seus deveres.

Nona Lei: A cada rainha caberá um conselheiro do próprio quadrante. E este será seu único mentor.

Décima Lei: O conselheiro de cada quadrante deve comparecer a todas as reuniões e participar de todas as decisões para assegurar a imparcialidade da rainha.

Décima Primeira Lei: O poder da rainha somente pode ser passado, na ocasião de sua morte ou abdicação, para a filha.

Décima Segunda Lei: Assim que uma rainha morre, sua filha, ou a parente mais próxima, deve ser imediatamente levada ao palácio para ascender ao trono.

Décima Terceira Lei: Apenas uma rainha pode ocupar o trono. Quando assume a coroa, ela aceita a responsabilidade de governar o quadrante até o dia de sua morte.

Décima Quarta Lei: É dever da rainha manter a paz entre os quadrantes.

Décima Quinta Lei: Anualmente, as rainhas decidirão, em conferência com seus conselheiros, a quem caberá uma dose de HIDRA.

PARTE UM

CAPÍTULO 1

Keralie

Osol da manhã cintilou no domo dourado do palácio, inundando Concórdia de luz. Enquanto todos interrompiam seus afazeres e olhavam para o alto — como se julgassem ser aquilo um sinal genuíno das quatro rainhas —, nós observávamos de cima, como abutres do mar prestes a mergulhar e dispersá-los.

— Quem vamos escolher hoje? — perguntou Mackiel, apoiado na grande tela que exibia os últimos Relatórios das Rainhas no topo do prédio. Ele parecia um jovem toriano charmoso e bem-vestido. Pelo menos, era o que parecia.

— São tantas opções — respondi, com um sorriso.

Ele se aproximou e pousou o braço com força sobre meus ombros.

— Quem você quer ser hoje? Uma jovem ingênua? Uma donzela em perigo? Uma sedutora relutante? — E franziu os lábios para mim.

Eu ri e o afastei.

— O que nos render mais dinheiro.

Em geral, eu escolhia meus alvos, mas Mackiel estava bem-humorado naquela manhã, e eu não quis ser um estraga-prazeres. Ele andava sucumbindo à escuridão com tanta facilidade que eu faria qualquer coisa para que Mackiel continuasse feliz.

Dei de ombros.

— Você escolhe.

Ele ergueu as sobrancelhas escuras antes de inclinar o chapéu-coco para avaliar melhor a multidão. Um traço de delineador destacava ainda mais o azul profundo de seus olhos. Nada escapava de seu escrutínio. Um sorriso familiar alegrou seus lábios.

O ar fresco da Concórdia estava limpo, bem diferente do travo ácido de maresia, peixe e madeira podre que impregnava nossa casa, nos arredores do porto de Toria. Concórdia era a capital de Quadara e a cidade com o mais alto custo de vida, já que fazia fronteira com Toria, Eonia e Ludia. Archia era a única região separada do continente.

As lojas abaixo de nós vendiam uma série de mercadorias autorizadas, incluindo remédios eonitas, a última moda em Ludia, carne-seca e produtos frescos de Archia — tudo reunido e distribuído por comerciantes torianos. Gritos de crianças, o burburinho dos negócios e o murmúrio de fofocas da corte ecoavam entre as vitrines.

Ao fundo, um opaco domo dourado se erguia, englobando o palácio e guardando os acordos confidenciais em seu interior. A entrada do palácio era através de um antigo prédio de pedra, chamado a Casa da Concórdia.

Enquanto procurava por um alvo, Mackiel encostou o dedo médio nos lábios — um insulto às rainhas escondidas no interior da cúpula dourada. Quando encontrou meu olhar, ele bateu de leve na boca e sorriu.

— Ele — decidiu, seu foco nas costas de uma figura sombria que descia as escadas da Casa da Concórdia e se misturava à multidão na praça. — Me traga seu estojo de comunicação.

O alvo era claramente eonita. Ao contrário dos torianos, enrolados em xales para se proteger do frio cortante, ele vestia um dermotraje feito sob medida a partir de um tecido eonita confeccionado a partir de milhares de micro-organismos capazes de regular a temperatura corporal com suas secreções. Nojento, mas útil em pleno inverno.

— Um mensageiro? — Lancei um olhar ríspido a Mackiel. A entrega devia ser de suma importância se o mensageiro viesse da Casa da Concórdia, o único lugar onde torianos, eonitas, archianos e luditas negociavam juntos.

Mackiel coçou o pescoço com os dedos cheios de anéis, um tique nervoso.

— Não aceita o desafio?

Bufei.

— Claro que aceito. — Eu era sua melhor larápia; invadia bolsos com um toque leve, feito uma pluma.

— E lembre-se...

— Entre rápido. Saia ligeiro.

Ele agarrou meu braço antes que eu pudesse descer do telhado. Seus olhos brilhavam com seriedade; havia meses que não me encarava daquele modo... como se se importasse. Quase ri, mas o riso ficou preso em algum lugar entre meu peito e minha garganta.

— Não se deixe apanhar — avisou.

Sorri com sua preocupação.

— E isso já aconteceu alguma vez? — Saltei do telhado para o agrupamento abaixo.

Não tinha ido longe quando um senhor parou de forma abrupta na minha frente, levando quatro dedos aos lábios em respeito às rainhas; a saudação apropriada, não a versão desrespeitosa de Mackiel. Cravei os pés no chão, as solas com travas se agarrando às pedras gastas. Parei a tempo, a bochecha roçando suas costas.

Droga! Por que o palácio inspirava tamanha estupidez deslumbrada? Não se podia ver nada através dos vidros dourados. E mesmo que fosse possível, e daí? As rainhas não se importavam com as pessoas; muito menos com alguém como eu.

Acertei a bengala na mão do velho. Ele se desequilibrou para o lado.

Então se virou, a imagem da irritação.

— Desculpe! — pedi, pestanejando debaixo de meu chapéu de aba larga. — Alguém me empurrou.

Sua expressão suavizou.

— Sem problemas, querida. — Ele inclinou a cabeça. — Tenha um bom dia.

Abri um sorriso inocente antes de deslizar seu relógio de bolso de prata para uma dobra da saia. Aquilo lhe daria uma lição.

Fiquei na ponta dos pés a fim de localizar meu alvo. Ali. Não parecia muito mais velho que eu... Dezoito anos, talvez. Seu traje se aderia a ele como uma segunda pele: da ponta dos dedos ao pescoço, cobrindo o peito, as pernas e até mesmo os pés. Embora eu lutasse para me enfiar em espartilhos e saias pesadas todos os dias, não acreditava que aquele modelo fosse mais fácil de vestir.

Ainda assim, invejei o tecido e a liberdade de movimentos que proporcionava. Tal como os do eonita, meus músculos foram definidos por corridas constantes, pulos e escaladas. Apesar de não ser incomum para um toriano parecer esbelto e em forma, meus músculos não se deviam às viagens de veleiro para — ou vindas de — Archia ou à estiva. Havia muito me enredara no lado mais sombrio de Toria. Escondida sob as modestas camadas de panos e corseletes, ninguém percebia minha malícia. Meu trabalho.

O mensageiro hesitou na base das escadas da Casa da Concórdia, ajeitando algo na bolsa. Era minha chance. Aquele velho tinha me inspirado.

Avancei para os degraus de pedra polida, o olhar fixo no palácio, minha melhor imitação de fascínio — ou estupidez deslumbrada — estampada no rosto, os quatro dedos quase nos lábios. Ao me aproximar do mensageiro, prendi a ponta do pé em um vão entre duas lajotas e me lancei para a frente, como uma boneca de pano. Deselegante, mas teria que servir. Havia aprendido, da pior forma, que qualquer fingimento poderia ser facilmente descoberto. E eu não era nada, senão comprometida.

— Ah! — gritei, conforme dava um encontrão no garoto. Meu lado perverso adorou o som da batida do corpo contra as pedras. Caí em cima do eonita, as mãos em sua bolsa.

O mensageiro se recompôs rapidamente, me afastando, a mão direita agarrando a bolsa com firmeza. Talvez aquele não fosse seu primeiro encontro com os larápios de Mackiel. Eu me segurei para não lançar um olhar enviesado a meu chefe, ciente de que ele observava avidamente do telhado.

Ele estava sempre observando.

Adotando outra tática, rolei, esfolando o joelho no piso de pedra de propósito. Chorei como a inocente jovem toriana que fingia ser. Ergui a cabeça e o encarei, exibindo o rosto debaixo do chapéu.

Ele tinha aquele ar eonita, olhos perfeitamente espaçados, lábios cheios, malares altos e definidos e uma mandíbula proeminente. Uma aparência fabricada. Cachos de cabelo preto emolduravam seu rosto. A pele era delicada, mas resistente. Nada parecida com minha pele pálida, que descamava e rachava no inverno e queimava sob o escaldante sol de verão. Seus olhos estavam em mim; claros, quase sem cor, não o clássico castanho eonita, uma proteção contra os raios solares. Será que o ajudavam a ver no escuro?

— Você está bem? — perguntou ele, o rosto impassível. Em geral, as expressões eonitas pareciam congeladas, como a maior parte de seu quadrante.

Assenti com a cabeça.

— Lamento muitíssimo.

— Tudo bem — disse ele, mas a mão continuava na bolsa; minha farsa ainda não havia acabado.

Ele olhou para minha bota preta, que arranhei quando meu pé se prendeu nas pedras, então para meu joelho, aninhado em minhas mãos.

— Está sangrando! — exclamou, surpreso. De fato, havia julgado que aquele fosse um artifício para me apossar de seus pertences.

Desviei o olhar para minha saia branca. Uma mancha vermelha atravessava as camadas de baixo e florescia em meu joelho.

— Ai, nossa! — Cambaleei de leve. Ergui o rosto para o sol forte até que lágrimas pinicassem meus olhos, então o encarei outra vez.

— Aqui. — Ele pegou um lenço na bolsa e o ofereceu para mim.

Mordi os lábios para esconder o sorriso.

— Não prestei atenção no caminho. Estava distraída com o palácio.

Os estranhos olhos pálidos do mensageiro se desviaram para o domo dourado atrás de nós. O rosto não traía nenhuma emoção.

— É lindo — concordou ele. — O modo como o sol ilumina o domo, é como se estivesse vivo.

Franzi a testa. Eonitas não apreciavam a beleza; não era uma qualidade que valorizassem. O que não deixava de ser irônico, considerando como eram atraentes, de um modo geral.

Peguei a bainha da saia e comecei a levantá-la até acima do joelho.

— O que está fazendo? — perguntou ele.

Engoli o riso.

— Estou vendo se é grave. — Fingi que só então me dera conta de onde ele vinha. — Ah! — Ajeitei a saia até que cobrisse minhas pernas. — Que inapropriado. — Intimidade era algo tão alheio quanto emoções em Eonia.

— Não tem problema. — Mas ele desviou o rosto.

— Pode me ajudar? Acho que torci o tornozelo.

Ele ofereceu as mãos, constrangido, antes de decidir que era mais prudente me segurar pelos cotovelos cobertos. Eu me apoiei nele com força, para que não percebesse uma mudança no eixo de gravidade conforme enfiava uma das mãos dentro de sua bolsa. Meus dedos roçaram algo gelado e liso, do tamanho de minha palma. O estojo. Então o pesquei para fora e o escondi em um bolso da saia. Assim que me colocou de pé, ele me soltou, como se tivesse tocado em um peixe podre.

— Acha que consegue andar? — perguntou.

Fiz que não com a cabeça. Larápios iniciantes se traíam ao sair do personagem logo após garantirem o prêmio. E meu joelho doía de verdade.

— Acho que não. — Minha voz estava fraca e ofegante.

— Onde posso deixá-la?

— Ali. — Apontei para uma mesa e cadeira desocupadas em frente a um café. O mensageiro segurou meu cotovelo e me guiou até lá, usando os ombros largos para abrir caminho pela multidão. Despenquei na cadeira e pressionei o lenço no joelho. — Obrigada. — Abaixei a cabeça, torcendo para que ele fosse embora.

— Você vai ficar bem? — perguntou. — Não está sozinha, está?

Eu sabia que Mackiel estava nos observando de algum lugar próximo.

— Não, não estou. — Deixei um pouco de indignação se insinuar em minha voz. — Estou com meu pai. Ele está fazendo negócios por aqui. — Acenei de forma vaga na direção das lojas ao redor.

O mensageiro se agachou para me encarar por baixo da aba de meu chapéu. Hesitei. Havia algo de perturbador em seus olhos àquela distância. Quase pareciam um espelho. No entanto, sob seu olhar atento, eu me sentia como a garota que fingia ser. Uma garota que passou o dia com a família em Concórdia, a fim de aproveitar os luxos dos outros quadrantes. Uma garota cuja família estava intacta. Uma garota que não despedaçara a própria felicidade.

O momento passou.

Algo brilhou na expressão do eonita.

— Tem certeza? — Seria preocupação verdadeira?

O frio do estojo metálico pressionava minha perna, enquanto o olhar intenso de Mackiel me queimava as costas.

Entre rápido. Saia ligeiro.

Eu tinha que me livrar dele.

— Só preciso descansar um minuto. Vou ficar bem.

— Ok, então — disse ele, olhando para trás, para a Casa da Concórdia, a mão na bolsa. Como um mensageiro, seu atraso não seria tolerado. — Se vai ficar bem... — Ele esperou que eu negasse. Devo ter exagerado na fragilidade.

— Sim. Vou ficar bem aqui. Tem minha palavra.

Ele me concedeu um aceno eonita formal, então disse:

— Que as rainhas para sempre governem o dia. Juntas, mas separadas.

A típica saudação da boa vontade entre quadrantes. Ele se virou para partir.

— Juntas, mas separadas — ecoei. Antes mesmo que ele tivesse dado um passo, eu levantei da cadeira e me misturei à multidão.

Segurei o estojo de comunicação nas mãos enquanto corria.

CAPÍTULO 2

Iris

Rainha de Archia

Primeira Lei: Para proteger as terras férteis de Archia, a rainha deve preservar o modo de vida humilde, porém diligente, de seu povo.

Iris se remexeu no trono, desconfortável, ajeitando a saia engomada. O sol do meio-dia se infiltrava pelo teto abobadado, iluminando o disco dourado abaixo dele. A nação de Quadara fora gravada na superfície, com grossas cumeeiras representando as muralhas que dividiam a terra. Um globo cor de âmbar jazia no centro do círculo e fragmentava a luz do sol em raios, destacando centenas de palavras desenhadas nas paredes de mármore da sala do trono. As palavras eram um lembrete a cada rainha, e àqueles que visitavam a corte, das transações aprovadas entre os quadrantes e das rigorosas leis às quais as monarcas deviam obediência. As Leis das Rainhas.

Os quatro tronos e suas respectivas soberanas estavam dispostos ao redor do disco. Apesar de os quadrantes permanecerem divididos, as rainhas governavam da mesma corte.

Juntas, mas separadas.

Cada mulher encarava, no piso da própria seção da sala circular, um brasão, sinal que indicava onde seu quadrante tinha início.

O próximo compromisso de Iris surgiu de trás da divisória que separava visitantes da corte e monarcas. Ela olhou para uma de suas irmãs rainhas, Marguerite, sentada ao seu lado. A mulher ergueu uma sobrancelha, bem-humorada, conforme o homem fazia uma reverência, o nariz raspando no piso de mármore a seus pés; ele parou abaixo do escudo archiano — uma ilha rural, debruada por galhos, folhas e flores, com um cervo no alto de uma montanha, pintado em efusivos arabescos dourados.

Iris tinha 30 anos e não visitava Archia, seu quadrante natal, havia doze. Mas, enquanto vivesse, jamais esqueceria o ar fresco, as florestas suntuosas, as colinas suaves.

Quando o homem se endireitou, ainda assim não a encarou. Uma pena, pois ela tinha lindos olhos.

— Minha rainha. — A voz do homem tremia.

Que bom. Iris alimentava tal medo. Uma tarefa demorada, mas gratificante.

Ela sabia que Archia poderia ser facilmente considerada o menos formidável de todos os quadrantes, uma vez que os archianos se mantinham isolados, cruzando poucas vezes o canal até o continente, dada a desconfiança geral em relação a máquinas. Eles se concentravam no trabalho braçal e em levar uma vida boa, mesmo que modesta.

— Fale. — Iris acenou para o homem a sua frente. — Não tenho o dia todo.

Uma gota de suor escorreu da testa até a ponta do nariz do homem. Ele não a enxugou. Iris franziu o nariz em solidariedade... a única solidariedade que lhe ofereceria.

— Eu vim lhe pedir energia — disse o homem. Ela fez uma careta, e ele rapidamente esclareceu: — Eletricidade... precisamos de eletricidade.

Iris se obrigou a lembrar que ele era o governador de Archia, embora, para ela, o título conferisse pouca autoridade. As rainhas eram o poder. Ninguém mais.

O poder era um jogo, e, ao longo dos anos, Iris o aperfeiçoara.

Precisam de eletricidade? — Iris se inclinou para a frente. — Não.

Embora os outros quadrantes usassem eletricidade, Archia continuava a contar apenas com o que podia ser empunhado com mão e coração... como mandava um tradicional provérbio archiano.

Por fim, o homem ergueu uma das mãos trêmulas para enxugar o cenho.

— A eletricidade permitiria o uso de máquinas — continuou o governador. — Os trabalhadores têm enfrentado dificuldades para cumprir o cronograma de entregas estabelecido por Toria este ano. Por favor, reconsidere, minha rainha.

Ela se recostou e soltou uma risada rouca.

— O senhor já me conhece o bastante para não me pedir isso.

Era verdade que a população de Quadara continuava a crescer e que, por mais que tentassem, todos os outros quadrantes, com exceção de Archia, permaneciam estéreis. A nação dividida de Quadara era um ecossistema, cada quadrante cumprindo um papel. Archia fornecia safras e riquezas naturais; Eonia desenvolvia a medicina e tecnologia; Ludia criava arte, moda e entretenimento; e Toria administrava a importação e exportação entre os quadrantes. E as Leis da Rainha eram o alicerce do sistema.

Archia era a única esperança da nação. Por isso Iris precisava proteger seu quadrante a todo custo. Não podia arriscar sobrecarregar a terra com o uso de máquinas. Se destruíssem Archia, Quadara morreria de fome. Mesmo que alguns ainda considerassem Archia primitiva, a ilha não era fraca. Não enquanto Iris reinasse.

O lábio inferior do governador se projetou para a frente.

— Sei que não devemos usar a tecnologia de outros quadrantes, mas...

— Então você me aborrece com essa conversa porque...?

— Talvez você pudesse abrir uma exceção? — perguntou Marguerite. Aos 40 anos, ela era a mais velha e a mais antiga das rainhas, frequentemente a voz da razão. Muito embora seu último compromisso do dia tivesse sido cancelado, ela continuava a assistir às audiências com interesse. Como era comum aos torianos, sua curiosidade por outras culturas parecia insaciável.

Um total desperdício do tempo, pensou Iris, lançando um olhar para a irmã rainha.

— Não é da sua conta, Marguerite. — Mas o tom era conciliatório; a indiscrição fazia parte da natureza da rainha toriana.

Marguerite colocou um cacho do cabelo avermelhado, já ficando grisalho, atrás da orelha.

— Você deve se lembrar de que pedi a Corra que seus médicos desenvolvessem uma vacina para impedir que a peste rubra se espalhasse. Às vezes precisamos burlar as regras sem quebrá-las.

Iris inclinou a cabeça para ver o cabelo negro de Corra, trançado para cima à moda eonita, a coroa dourada brilhando contra a pele escura. Mas a rainha da Eonia, aos 25 anos, não desviou o olhar à menção de seus cientistas. Já Stessa, rainha de Ludia, olhou para elas e fez uma careta, como se estivesse aborrecida com Iris. E devia estar mesmo, pois tudo o que Iris falava ou fazia parecia aborrecer a rainha de 16 anos.

— Uma situação completamente diferente — argumentou Iris, ignorando o olhar de Stessa. — A praga ameaçava dizimar seu povo. A vacina foi uma intervenção pontual; não alterou de modo significativo seu quadrante. Mesmo que eu permitisse o maquinário por um curto período de tempo, como voltaríamos aos velhos costumes? Não posso arriscar.

Marguerite lhe lançou um sorriso compreensivo, mas bem-humorado, como se acreditasse que a teimosia de Iris fosse um mero capricho.

— Não — decidiu Iris, voltando a atenção para o governador archiano. — A eletricidade não pertence a nosso quadrante; portanto, jamais devemos usá-la. Não seremos auxiliados por máquinas e sua bruxaria automatizada.

Iris havia visto o que a tecnologia fizera a Eonia e não permitiria que o mesmo acontecesse com seu quadrante. Devido à terra quase congelada e inóspita, no extremo norte da nação, Eonia não tinha outra alternativa senão se concentrar nos avanços tecnológicos, e até mesmo na manipulação genética, para sobreviver. Como consequência, perderam uma parte de sua humanidade. Ou assim pensava Iris. Não pôde evitar mais um olhar para Corra.

Não escapou a Iris a espiadela que o governador lançou para a fileira de candelabros elétricos pendurados nas quatro passagens que levavam ao centro da sala do trono. Iris sabia o que aquilo parecia... que ela desfrutava dos prazeres de todos os quadrantes. Mas o que o governador não sabia é que Iris ainda lia à luz de velas e se banhava nas fontes termais naturais em seu jardim privado, em vez de usar a rede de água aquecida do palácio. Não iria discutir sua rotina de higiene com o homem.

Quando ele não replicou, Iris ergueu uma sobrancelha.

— Mais alguma coisa? — perguntou.

O governador balançou a cabeça.

— Ótimo. E se mais alguém desejar discutir minha decisão, sabe onde me encontrar. O palácio está sempre aberto para meu povo.

Com aquilo, ela se levantou e desceu do palanque, deixando a corte para suas irmãs rainhas.

______

IRIS DECIDIU PASSAR o restante do dia em seu bem-cuidado jardim palaciano. Na infância, ela havia desfrutado de incontáveis horas nas terras imaculadas que rodeavam seu lar ancestral. Tinha sido ali que imaginara seu reino e como deveria governar todo o quadrante. Iris fora uma criança solitária e, embora se achasse preparada para ser rainha, jamais imaginara que alguém pudesse influenciar seu reinado.

Ou seu coração.

O jardim se encontrava na seção archiana do palácio, também dividido em quatro, a exemplo da própria nação. O parque ficava do lado de fora do domo dourado, debruçado sobre um penhasco com vista para o canal que levava à ilha de Archia. Havia muito, uma de suas ancestrais exigira acesso à natureza... à vida. As Leis das Rainhas decretavam que as rainhas jamais deixassem o palácio — para a própria segurança e para garantir que não fossem enredadas por influências externas.

Iris não voltaria a seu quadrante, nunca mais se embrenharia na beleza de Archia ou veria os cervos e veados vagando pelas montanhas.

Ela se recostou no banco de madeira, afundado na grama; sua saia preta engolia a estrutura. Tirou a pesada coroa e a colocou na mesa ao lado. Então inclinou a cabeça, aproveitando o sol na pele pálida. As fontes borbulhavam ali perto, um lembrete do gentil riacho que corria não muito longe de seu lar da infância.

Aquilo teria que bastar.

Ainda de acordo com as Leis da Rainha, Iris havia sido criada por pais adotivos, fora do palácio, na região que um dia viria a governar. Mas, mesmo crescendo em um simples chalé de pedra, não lhe faltara nada. Ela não sabia como desejar coisas que jamais tinha visto, que nunca havia experimentado. Iris aprendeu tudo o que podia sobre sua terra, os animais e seu povo. E sobre o passado sombrio de Quadara.

Archia tinha sido um refúgio intocado pelos problemas da nação por mais de um século. O restante de Quadara ficara desesperado, os recursos naturais quase exauridos. E lá estava Archia, a solução perfeita.

Embora cada região tivesse desenvolvido forças e habilidades próprias, compartilhavam da mesma fraqueza: a inveja.

Assim começaram as Guerras dos Quadrantes, que duraram cerca de uma década e ceifaram milhares de vidas. Durante esse período, as outras regiões tentaram conquistar Archia. Mas era um plano estúpido, já que eonitas não entendiam de criação de gado, torianos ficavam impacientes por descobrir novas terras e luditas não queriam sujar seus belos trajes cuidando da plantação.

Então as rainhas fundadoras de Quadara ergueram muros para separar as regiões, pondo um fim à guerra. As muralhas garantiram autonomia, permitindo que cada quadrante se desenvolvesse com independência e harmonia.

Archia estava em segurança outra vez.

Iris deixou a terra natal pela primeira vez quando completou 18 anos e foi informada de que a mãe morrera. Ela velejou pelo canal em um barco toriano, rumo ao palácio, onde assumiu seu novo mundo e o trono sem hesitação, insistindo em comparecer à corte, momentos após o corpo da mãe ter sido enterrado na cripta abaixo do palácio. Naquela noite, ela ficara acordada até quase amanhecer, enquanto estudava em livros sobre a história e diplomacia de Archia. Nada podia abalar Iris. Nem mesmo a morte da própria mãe.

A rainha de Archia abriu os olhos verdes para o brilhante céu azul, desfrutando uma trégua do imutável palácio dourado. Como todo o prédio era abarcado pelo domo de vidro, cada sala, e tudo em seu interior, tinha um tom dourado. Até mesmo à noite, os corredores ganhavam contornos de um âmbar profundo, como se nem mesmo a escuridão ousasse acariciar as rainhas com seus dedos de um negro retinto.

Quando Iris estudou as nuvens no céu, pensou no pai. Não em seu pai de sangue — um homem que jamais fora nomeado pela mãe —, mas aquele que a criara em Archia. Quando era pequena, ele havia lhe contado sobre as rainhas no céu, as rainhas mortas, que moravam em um quadrante sem fronteiras, guardando os parentes que deixaram para trás. Quando estava sozinha, ela observava as nuvens e lhes confessava seus mais terríveis medos e os mais incríveis sonhos, sabendo que seus segredos estariam seguros com elas. As mais leais confidentes.

Então Iris chegou ao palácio e conheceu as rainhas. Elas passavam todas as noites juntas — em geral acordadas além do que seria respeitável, conversando sobre sua infância, família e quadrante. Iris não estava mais sozinha.

Ainda assim, costumava olhar para o céu, mas agora ela falava com o pai, havia muito morto.

— Pai, não recuei — disse. — As Leis das Rainhas são, e sempre serão, primordiais. Entretanto, existem certas regras que dizem respeito às rainhas, a mim, e que ao longo dos anos percebi serem irrelevantes.

Até mesmo pronunciar as palavras parecia errado. Iris balançou a cabeça. Precisava ser mais forte, ser uma mulher com uma vontade férrea.

— Somos rainhas. Devíamos ser capazes de mudar as leis que não afetam os quadrantes ou a paz que defendemos. Devíamos ter algum controle sobre nossas vidas. — Mais um aceno. — Vou continuar a lutar por Archia e a proteger o que temos, mas quero mais. — Ela balançou a cabeça de novo, pensando no pedido do governador. — Não para Archia, mas para mim. — Odiou como soava patética. — Tenho um plano. — Soltou um suspiro profundo. — Fiquei muito tempo calada. Mas não mais. Amanhã as coisas vão mudar. As Leis das Rainhas vão mudar. Amanhã eu vou...

Uma abelha picou sua garganta. Uma ferroada intensa, seguida por uma dor persistente.

As abelhas, assim como todos os outros besouros e insetos, deviam ter sido erradicadas do jardim com o uso de um spray. Outra maravilha eonita, pensou Iris, irônica. A rainha archiana não se opunha a dividir o espaço com criaturas naturais em um jardim. Mas os conselheiros haviam insistido que aquilo

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