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Valongo: O Mercado de Almas da Praça Carioca
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Valongo: O Mercado de Almas da Praça Carioca
E-book266 páginas4 horas

Valongo: O Mercado de Almas da Praça Carioca

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Sobre este e-book

O livro de Cláudio Honorato sobre o mercado de escravos na região do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, surge em hora mais que oportuna e vem suprir uma lacuna no conhecimento sobre a história da escravidão africana no Brasil. O funcionamento do complexo escravagista na cidade mais importante no comércio transoceânico de cativos para as Américas no século XIX é analisado a partir de fontes de época, incluindo documentos oficiais, notícias de jornais, relatos de viajantes e iconografia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de set. de 2020
ISBN9788547334673
Valongo: O Mercado de Almas da Praça Carioca

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    Valongo - Cláudio de Paula Honorato

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Aos meus pais, Izabel (saudades eternas) e Sebastião por tudo que sou.

    A Ivanise e Bruna por tudo que somos.

    A Marilene Rosa, eterna gratidão.

    A tia Lucia, ícone da Pequena África! Eternamente na memória.

    AGRADECIMENTOS

    Ao longo do processo de construção da pesquisa que resultou neste livro recebi valiosas contribuições. Ainda que de diferentes formas, todas foram de grande valor, pois muito contribuíram para a elaboração e conclusão deste trabalho, e sem dúvida merecem meus agradecimentos.

    À minha orientadora, Mariza de Carvalho Soares, agradeço a confiança a mim depositada e a atenção com que pacientemente aguardou, leu, sugeriu e comentou atentamente todo o trabalho nas suas mais diversas etapas, deixando sempre abertos os canais para um relacionamento amigável e bastante prazeroso.

    À grande amiga Solange da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que me acompanhou desde a elaboração do projeto de pesquisa, leu e sugeriu várias mudanças, tornando-se a minha grande interlocutora. À professora Mary Karasch, que leu meus textos sobre saúde fazendo sugestões e incentivando-me no processo da pesquisa.

    À professora Maria Fernanda Bicalho, do Programa de Pós-Graduação da UFF, que durante as aulas me tirou várias dúvidas, fez sugestões e disponibilizou algumas fontes. Ao professor Carlos Gabriel também da UFF, que fez várias sugestões de leitura dos primeiros capítulos e que muito contribuiu para a realização da versão final da dissertação. Aos demais docentes e funcionários do Programa de Pós-Graduação em História da UFF não poderia deixar de externar os meus sinceros agradecimentos.

    Ao professor Maurício Abreu da UFRJ, por suas valiosas sugestões que serviram para compreender melhor o espaço da cidade, e pelas fontes que me cedeu. Também na UFRJ, não poderia deixar de agradecer ao professor Paulo Menezes que me cedeu várias imagens sobre a cidade. Agradeço ainda ao professor Roberto Guedes da UFRRJ, que me disponibilizou informações sobre os inventários de alguns negociantes da cidade e também fez valiosas sugestões para o desenvolvimento do trabalho.

    Aos colegas do curso de Pós-Graduação de UFF, pelos calorosos debates e trocas de experiências, em particular à Ana Flávia pelos vários textos partilhados e em especial ao grande amigo e companheiro de pesquisa, Nielson Rosa Bezerra.

    Outras pessoas também foram muito importantes nesse processo e não posso me furtar a agradecê-las. Ao amigo Robson, pela ajuda na confecção das tabelas e gráficos e ao amigo Marcio, pela ajuda na organização do material iconográfico.

    Agradeço também aos funcionários do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional, IHGB e Arquivo Geral da Cidade pelo bom atendimento e informações prestadas.

    No Arquivo Geral da Cidade gostaria de lembrar algumas pessoas em especial, que considero grandes amigas e que foram fundamentais para o andamento desta pesquisa: Rita, chefe da Documentação Especial e Regina chefe da Iconografia. A elas devo preciosas informações obtidas nas longuíssimas conversas que tivemos nas minhas várias idas ao Arquivo. Ainda no Arquivo da Cidade não poderia esquecer de agradecer à Aline Chefe da Documentação Manuscrita pela liberação para consulta do acervo da Décima Urbana. Na mesma divisão agradeço também a Junia pela intermediação na liberação do acervo. A estas quatro pessoas agradeço ainda pelas valiosas informações sobre a documentação estudada. Sem sombra de dúvida foram verdadeiras aulas sobre a documentação assim como sobre a legislação da cidade no período estudado. Alongando-me um pouco mais, não poderia deixar de agradecer o excelente atendimento da Geórgia, da Divisão de Manuscritos, prestativa em todos os momentos.

    E por último e não menos importante, à minha esposa Ivanise e nossa filha Bruna, pelo amor e carinho e paciência pela privação das horas de convívio.

    PRETO NOVO

    Da mãe África, fui arrancado...

    Em um navio negreiro atravessei a Kalunga.

    Mas, jamais conheci o cativeiro...

    Sou preto novo, nunca chegarei a preto velho...

    Do porão do navio, fui direto ao cemitério...

    Mas meus irmãos viveram esse infortúnio...

    Fome, doenças, maus-tratos solidão...

    Mas o cativeiro não é só violência, se você assim pensa, grande ilusão...

    Os malungus, durante viagem, construíram laços de solidariedade...

    Essa grande convivência garantiu-lhes a sobrevivência.

    Varíola, sarampo, escorbuto, malária.

    Uma infinidade de doenças enfrentamos desde que naquela praia embarcamos.

    Naquele navio negreiro, mais conhecido como um tumbeiro...

    Não só tristeza, dor, sofrimento embarcou...

    Nele, veio também nossa dança, música, costumes e crenças.

    Hoje constituem a nossa herança...

    Mas Rio de Janeiro, olhem bem para esta cena...

    Depois de atravessar um caminho penoso e longo...

    Se algum sintoma de doença apresentássemos.

    Só depois da quarentena iríamos para o Valongo.

    E eu como não resisti, flor da terra fui lançado...

    Em um mísero ritual, sequer enrolado em uma rede...

    Mas em mil novecentos e noventa e seis, digo a vocês, chegou a minha vez...

    Fui encontrado por acaso, talvez? Pelo Petrúcio e Merced.

    Esse distinto casal, não posso esquecer.

    Apesar da inércia das autoridades e desconfiança da sociedade.

    A esses bravos lutadores uniram-se valorosos colaboradores...

    Construíram o IPN – Museu Memorial...

    Homenagearam-me com esse grande ritual...

    (re)ligando-me novamente ao meu ancestral.

    Cláudio de Paula Honorato

    PREFÁCIO

    Participar da trajetória acadêmica de Claudio de Paula Honorato tem sido um prazer e um privilégio. Sua dedicação e seriedade são exemplos de como um historiador se faz pelo convívio diário com as questões que o mobilizam. Desde o início de sua carreira, Claudio tinha claro seu compromisso social com os temas relativos ao debate da questão racial e da luta pela igualdade de direitos e reais perspectivas de acesso à educação para a população negra do Brasil. Já em 2002, ainda estudante de graduação, foi professor do curso pré-vestibular Educafro e começou suas primeiras pesquisas sobre a escravidão e o mercado do Valongo na cidade do Rio de Janeiro.

    Conheci Claudio em 2005, quando ele apresentou à UFF seu projeto de dissertação de mestrado. Era então professor de ensino fundamental do estado do Rio de Janeiro e buscava no mestrado uma maior qualificação profissional, mas, principalmente, levar adiante sua pesquisa sobre o Valongo. Ainda na banca de seleção, foi questionado sobre a existência de fontes para uma pesquisa inovadora sobre o tema. Na ocasião, surpreendeu a todos o conhecimento documental do candidato, amparado em sua monografia de bacharelado (Mercado do Valongo: desenvolvimento, modernidade e relações de poder na cidade do Rio de Janeiro de 1808 a 1831),defendida em 2004 sob a orientação da professora Marilene Rosa Nogueira da Silva. Já então tinha aprendido a navegar pelos arquivos da cidade do Rio de Janeiro. Além do conhecimento demonstrado, seu entusiasmo e determinação convenceram-nos que valia a pena apostar naquele candidato. Tendo ingressado no PPGHIS em 2006,sob minha orientação,Claudio defendeu sua dissertação em 2008 (Valongo: o mercado de escravos do Rio de Janeiro, 1758-1831). Nela encontramos não apenas fontes inovadoras, mas a certeza de que existem ainda muitos desdobramentos a serem explorados.

    O título de mestre em história pela UFF deu a Claudio a habilitação formal que ele precisava para firmar-se como intelectual negro empenhado na história da escravidão na cidade do Rio de Janeiro. Já em 2007, foi convidado a atuar como pesquisador do Instituto dos Pretos Novos-IPN, onde assumiu o cargo de diretor de pesquisa histórica; no mesmo ano foi contratado como professor de História da África da Fundação Educacional Duque de Caxias-Feuduc. Em 2015, Claudio ingressou no doutorado em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro-Unirio, sob a orientação da professora Claudia Rodrigues, e, com a determinação de sempre, está dando continuidade ao seu trabalho.

    Sua vida acadêmica e profissional tem sido marcada por sua participação em projetos colaborativos de ensino e pesquisa. Claudio atuou a meu lado no Laboratório de História Oral e Imagem da UFF; participou do projeto Doenças e Escravidão, coordenado pela prof.ª Ângela Porto na Fiocruz; em 2013 assumiu a coordenação do curso de Pós-Graduação Latu Sensu em História da África da Feuduc;e desde 2014 tem sido meu parceiro no projeto Kumbukumbu (Sala África: novos usos para a coleção de objetos africanos do Museu Nacional), financiado pela Faperj e desenvolvido em parceria com a Feuduc.

    O presente livro tomou como base sua dissertação de mestrado, Valongo: o mercado de escravos do Rio de Janeiro, 1758-1831, mas, na verdade,de um lado resulta de sua longa trajetória e de outro aponta para novas conquistas. Nele, o leitor vai encontrar a pesquisa minuciosa do historiador que se apaixona pelas fontes que lê. Vai encontrar também o compromisso de trazer a público a tragédia da escravidão e do tráfico de escravos. O porto do Valongo, como mostra Claudio, foi a principal porta de entrada de escravos africanos do Brasil. Suas ruínas começam a aflorar e estão trazendo à tona os restos materiais desse comércio. Mas muito mais está guardado nos arquivos, e muitos mortos estão ali sepultados. É dessas entranhas que a arqueologia não consegue escavar que fala este livro. Fala das quase três milhões de pessoas – homens, mulheres e crianças – escravizadas na África e embarcadas à força para trabalhar como escravos no Brasil.

    Não é uma leitura fácil, principalmente para aqueles que trazem nos corpos e nas memórias familiares a marca da escravidão que a sociedade brasileira ainda não conseguiu enfrentar. Mas é uma leitura necessária porque faz avançar uma produção historiográfica comprometida com a qualidade da pesquisa, com a educação e com a luta contra o racismo no Brasil.

    Mariza de Carvalho Soares

    Doutora em História, professora aposentada da UFF; pesquisadora associada do Labhoi-UFF; pesquisadora colaboradora do Museu Nacional/UFRJ; bolsista 1d do CNPq. Desenvolve pesquisa sobre história da África, mundo atlântico, escravidão e diáspora africana no Brasil.

    APRESENTAÇÃO

    Em 2001, quando iniciei minhas pesquisas sobre o mercado do Valongo, ainda na graduação, não imaginava que essa história iria ganhar tamanha proporção, que a zona portuária passaria por tamanha intervenção no âmbito do Projeto Porto Maravilha que traria à tona o Cais do Valongo e com ele todo o nosso passado escravagista, que o Rio de Janeiro de uma hora para outra se descobriria como o maior porto escravista dentro do processo do tráfico Atlântico e que o Cais do Valongo seria eleito patrimônio da humanidade, tornando-se o maior símbolo de toda a diáspora africana nas Américas.

    Naquela ocasião, como bolsista de iniciação científica da linha de pesquisa Cultura e imaginário: As Áfricas invisíveis – os herdeiros do ganho e a cidade do Rio de Janeiro na Primeira República, sob a coordenação da professora Dr.ª Marilene Rosa Nogueira, quando iniciei também minhas primeiras pesquisas para a monografia de graduação sobre o Mercado de Escravos do Valongo na região da zona portuária do Rio de Janeiro...

    A literatura e documentação disponível naquele momento sobre o Valongo ainda eram muito escassas, a impressão que se tinha era de procurar agulha no palheiro, foi preciso debruçar-me com afinco e dedicação sobre uma gama de documentos, pois os arquivos brasileiros não estão organizados de forma que suas nomenclaturas levem o pesquisador direto aos documentos (fontes) que versam sobre o seu tema e objeto pesquisado, é preciso garimpar em diferentes acervos para se alcançar o resultado desejado, mais complexo ainda para quem se dedica ao tema da escravidão e do tráfico transatlântico, pois o trabalho escravo foi o elemento essencial indispensável nos diversos setores da sociedade escravista brasileira, o que aumenta a gama fontes a serem consultadas para o desenvolvimento de qualquer pesquisa sobre o tráfico e escravidão, seja qual for à temática.

    Assim,à medida que eu buscava, a documentação foi surgindo, o tema foi sendo desenvolvido, o objeto foi sendo delineado, e o Valongo foi tomando corpo e apresentando-se como o lócus de grande importância para o desenvolvimento econômico, político, social e cultural da urbe carioca...

    Por meio da leitura deste livro, convido o leitor a tomar acento na viagem pela história do Mercado de Escravos do Valongo,a partir do qual busquei analisar o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro, seu espaço físico e demográfico, as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais à luz da escravidão. Nesse processo, o Valongo, como região comercial completar da cidade, revela-se um grande fornecedor de mão de obra essencial não só para o desenvolvimento econômico da urbe carioca, mas para todo o Brasil.

    Nossos guias nessa viagem são os diferentes atores envolvidos com o tráfico transatlântico de escravizados e o comércio de africanos novos na cidade, traficantes/negociantes, profissionais da saúde (médicos e cirurgiões), viajantes, naturalistas e artistas (pintores e desenhistas), autoridades governamentais locais, e representantes da Coroa, que nos oferecem um roteiro de viagem recheado de documentos por eles produzidos, como relatórios, editais, acórdãos, cartas regias, relatos dos viajantes naturalistas e artistas que produziram diversas imagens que contam a história do cotidiano da cidade, da escravidão do Valongo e seus arredores, as formas de tratamento da mercadoria humana tão cobiçada e desejada, o controle sanitário dos Pretos Novos no Valongo, alimentação, saúde e higiene (controle das doenças epidêmicas), como aqueles que não resistiram aos sofrimentos da viagem, ou não sobreviviam à quarentena nos lazaretos ou ainda vinham a falecer nos primeiros dias de exposição nas lojas do Valongo, antes de serem definitivamente entregues ao cativeiro, tinham como destino uma vala comum no Cemitério dos Pretos Novos. Os embates entre as autoridades da Provedoria da Saúde e os negociantes, forma como vendedores e compradores barganhavam na hora da compra e venda dos cativos, assim como o papel do Estado enquanto regulador e mediador dos conflitos, mas que não perde o interesse nos ganhos que esse lucrativo comércio proporcionava.

    Assim, o Complexo do Valongo e a sua história revelam uma estreita ligação e marco das relações da cidade do Rio de Janeiro com o mundo atlântico na época do tráfico transatlântico de africanos escravizados, o que o transforma em um portal do atlântico o elo entre as regiões de captura e os portos de embarque no continente africano com o porto do Rio de Janeiro e áreas escravistas do Brasil, em especial todo o centro sul e sudeste, que fizeram do Rio de Janeiro o maior porto escravista das Américas.

    No pós-abolição, o porto do Rio de Janeiro seria a porta por onde um contingente enorme dessa população retorna ao Rio de Janeiro, em migração interna, ocupando vários pontos da cidade e

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